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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.23.130448-6/001 Númeração 0006650-


Relator: Des.(a) Maria das Graças Rocha Santos
Relator do Acordão: Des.(a) Maria das Graças Rocha Santos
Data do Julgamento: 13/12/2023
Data da Publicação: 14/12/2023

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL CONTRA MULHER


POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DE SEXO FEMININO - LEGÍTIMA DEFESA -
NÃO CARACTERIZAÇÃO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE -
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - DESCLASSIFICAÇÃO
PARA LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO - INVIABILIDADE.
Impossível o reconhecimento da exclusão da ilicitude em razão de legítima
defesa se ausentes os requisitos necessários à sua configuração, quais
sejam, a ocorrência de injusta agressão, atual ou iminente, e a utilização
moderada dos meios necessários para repeli-la. Havendo prova suficiente da
materialidade e da autoria delitivas, a manutenção da condenação do réu
pela prática do crime previsto no art. 129, §13, do Código Penal, é medida
que se impõe. Inviável a desclassificação do delito do art. 129, § 13, do CP
para o previsto no art. 129, § 9º, da aludida Lei quando demonstrado que o
delito foi praticado nas circunstâncias descritas no art. 121, § 2º-A, do CP.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0000.23.130448-6/001 - COMARCA DE IBIÁ -


APELANTE(S): A.J.S. - APELADO(A)(S): M.P.-.M.

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Criminal Especializada do


Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

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DESA. MARIA DAS GRAÇAS ROCHA SANTOS

RELATORA

DESA. MARIA DAS GRAÇAS ROCHA SANTOS (RELATORA)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por A.J.S.


inconformado com a sentença de ordem nº 71, proferida pelo MM. Juiz de
Direito da Vara Única da Comarca de Ibiá/MG, que julgou procedente a
pretensão punitiva deduzida na denúncia, e o condenou pela prática do crime
tipificado no art. 129, §13º, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 01
(um) mês de reclusão, a ser cumprido em regime inicial semiaberto.

Em suas razões recursais (ordem nº 107), a Defesa pugna pela aplicação


da excludente de ilicitude da legítima defesa. Subsidiariamente, requer a
absolvição do apelante, aduzindo, a insuficiência probatória.
Alternativamente, almeja a desclassificação do delito do art. 129 §13º para
aquele disposto no art. 129 §9º do Código Penal.

Contrarrazões à ordem nº 110, pelo conhecimento e desprovimento do


recurso.

Nesta instância, opinou a d. Procuradoria-Geral de Justiça, à ordem nº


127 pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

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É o relatório.

Passo ao voto.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Ao exame dos autos, verifico que não se operou nenhum prazo


prescricional. Também não vislumbro qualquer nulidade a ser declarada de
ofício, pelo que passo à apreciação do mérito.

Para melhor elucidação dos fatos, transcrevo, na íntegra, a exordial


acusatória:

(...) Consta dos inclusos autos que, no dia 11 de Dezembro de 2022, por
volta das 04h37min, na rua I, n°16, nesta cidade de Ibiá/MG, onde o autor
A.J.S., ofendeu a integridade física, que foi praticada contra a sua
companheira E.C.R.C.

Apurou-se, que os policiais militares ao serem acionados, compareceram no


local do fato, no bairro João Ferreira, onde a vítima relatou ter sido agredida
por seu amásio, o acusado A.J.S. Infere-se ainda dos autos, que os policias,
em contato pessoal com a vítima, esta relatou que havia saído e quando
retornou, A. passou a insultá-la, relatou ainda que após a discussão o
acusado deu um soco na televisão vindo a quebrar a tela, e em seguida,
desferiu um soco em sua orelha esquerda que causou um corte contuso e
sangramento, além do corte na orelha esquerda, a vítima ainda apresentava
escoriações e hematomas pelo corpo, que segundo ela, foram causadas
tendo em vista as agressões por parte do acusado, conforme consta no Auto
Corpo de Delito de fls. 11 e ainda expôs, que sempre sofre agressão por
parte de A.

A materialidade delitiva ficou comprovada através do Boletim de Ocorrência


de fls.08/10v e do Auto de Corpo de Delito de fls.11/12.

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(...) - ordem nº 01.

Diante dos fatos narrados, o acusado foi denunciado como incurso nas
sanções do art. 129, §13º, do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 16/12/2022 (ordem nº 06), a sentença


proferida em 24/01/2023 (ordem nº 71).

Irresignado, o sentenciado interpôs o presente recurso.

Da legítima defesa

Sustenta a defesa, que o acusado teria agido em legítima defesa,


visando repelir-se da agressão iniciada pela vítima.

A tese, entretanto, não comporta acolhida.

A ofendida, ouvida em delegacia (ordem nº 03, fl. 03) aduziu:

"Que na data de ontem a declarante foi em uma festa de aniversário e ao


retornar para sua casa passou a ser ofendida por A., sendo chamada de
vagabunda; Que com os ânimos alterados A. desferiu um soco na televisão,
quebrando a tela e em seguida desferiu um soco contra a declarante,
atingindo sua orelha esquerda; Que da agressão a declarante sofreu um
corte na orelha com sangramento; Que após ser agredida a declarante saiu
correndo para a rua e ligou para a polícia militar; Que a declarante afirma já
ter sido agredida outras vezes, tendo inclusive registrado outras ocorrências."
- destaquei.

Em juízo (Pje mídias) a vítima relatou:

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"Que é amasiada com o acusado há 6 anos, não possuem filhos em comum.


Que no dia dos fatos as partes tinham ingerido bebida alcóolica, começaram
a discutir, na discussão a declarante empurrou o acusado. Que na hora que
a declarante empurrou o acusado ele desferiu um soco nela para se
defender. Que falou com o acusado que chamaria a polícia, momento em
que ele desferiu um soco na televisão e quebrou. Que estavam bem
alcoolizados. Que já foi agredida pelo acusado outras vezes. Que quando ele
não bebe é uma boa pessoa. Que não tem medo do acusado, quer que ele
volte para casa quando sair da prisão. Que as partes sempre brigam e
discutem quando fazem uso de bebida. (...)"

A testemunha, policial militar T.S.C. em delegacia (ordem nº 03, fl. 01)


informou:

"Que acionados pela sala de operações, deslocamos até o Bairro João


Ferreira, onde a solicitante, senhora E. relatou ter sido agredida por seu
amásio, o senhor A. Que no local, realizamos contato pessoal com a senhora
E., a qual nos relatou que havia saído para ir em um aniversário e que
quando retornou, A. passou a insultá-la; Que após a discussão. A. deu um
soco na televisão vindo a quebrar a tela; Que logo em seguida A. desferiu um
soco na orelha esquerda de E., que causou um corte contuso e
sangramento; Que ainda segundo a vítima após receber o soco, saiu
correndo para a rua e ligou para a polícia militar; Que quando a equipe
policial chegou na casa de E., A. se encontrava sentado no sofá, sendo lhe
dado voz de prisão pelo crime de lesão corporal; Que além do corte na
orelha esquerda E. ainda apresenta escoriações e hematomas pelo corpo,
que segundo ela, foram causadas devido as agressões por parte de A.; Que
E. relatou que A. já a agrediu inúmeras vezes; Que diante dos fatos, A. e E.
foram conduzidos até a santa casa local para atendimento médico e
confecção do auto de corpo de delito. (...)" - destaquei.

Em juízo (Pje mídias) a referida testemunha confirmou seu depoimento


extrajudicial e acrescentou:

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"Que apenas conduziu a vítima e acusado para a delegacia. Que a vítima


apresentava hematomas. Que a ofendida relatou que o desentendimento que
teve com o acusado foi por causa de bebida. (...)" - destaquei.

O réu, por sua vez, em delegacia (ordem nº 03, fl. 04) utilizou seu direito
ao silêncio.

Ao contrário do alegado pela defesa, as provas orais e documentais


colhidas não corroboram a alegação de legítima defesa, cumprindo salientar
que a palavra da vítima possui especial relevância probatória em casos de
violência doméstica, sobretudo quando em consonância com as demais
provas colhidas.

Outro não é o entendimento jurisprudencial desta Câmara:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL COMETIDA NO


ÂMBITO DOMÉSTICO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE -
MATERIALIDADE E AUTORIA - COMPROVADOS - LEGÍTIMA DEFESA -
NÃO COMPROVAÇÃO. É impossível acolher o pleito absolutório quando
estiverem comprovadas a materialidade e a autoria do crime de lesão
corporal, bem como quando o réu, com sua conduta, no mínimo, assumir o
risco de ofender a integridade física da vítima. Não demonstrado que o
acusado agiu tão somente para repelir injusta agressão, não há que se falar
em reconhecimento da excludente do art. 23, II, do CP. (TJMG - Apelação
Criminal 1.0000.23.172608-4/001, Relator(a): Des.(a) Walner Barbosa
Milward de Azevedo , 9ª Câmara Criminal Especializa, julgamento em
29/11/2023, publicação da súmula em 29/11/2023).

Desse modo, a alegação de que o acusado teria agido no intuito de


refrear injusta agressão, não encontra amparo nos autos.

Cumpre destacar que, ainda que fosse o caso de legítima defesa,


ausente proporcionalidade, impõe-se a responsabilização do acusado pelo
excesso doloso, conforme disposição do art. 23 do Código Penal:

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Art. 23. (...)

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo,


responderá pelo excesso doloso ou culposo.

A violência das lesões cometidas em face da vítima foram constatadas


por meio do auto de corpo de delito de ordem nº 03, fl. 14, que constatou
lesão em antebraço e na orelha esquerda da vítima, sem prejuízo da palavra
dos policiais militares, que relataram terem visto hematomas e um corte na
orelha de E., não havendo o menor indício de proporcionalidade, ainda que
fosse o caso de reconhecer a suposta legítima defesa.

Contudo, como anteriormente relatado, trata-se de mero raciocínio


hipotético, tendo em vista que prevalece, ao meu entender, a versão
predominante de que o réu agrediu injustificadamente a vítima naquela
oportunidade.

Nessa esteira, não há que se falar em aplicação da excludente invocada.

Da fragilidade probatória

A defesa sustenta de forma subsidiária a tese de absolvição do apelante


por alegada ausência de provas, o que não merece amparo.

Extrai-se dos autos que as declarações da ofendida foram coerentes e


precisas nas duas fases da persecução penal, e, ainda são corroboradas
pelo restante do caderno probatório.

Por mais que E.C.R.C. tenha aduzido em juízo que acreditava que o
acusado teria lhe desferido socos para se defender, conforme já

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exposto no decorrer do presente voto, a tese de legítima defesa restou


rechaçada, tendo em vista que com base nas provas constantes nos
presentes autos, destacando-se o auto de corpo de delito de ordem nº 03, fl.
14, o acusado agrediu a ofendida de forma violenta, causando nela diversos
hematomas e lesões.

Como se não bastasse, têm-se o depoimento da testemunha policial


militar T.S.C., condutor do flagrante, que aduziu em juízo que na data do
ocorrido presenciou a ofendida com hematomas pelo corpo, compatíveis com
as agressões por ela relatadas.

Dessa forma, uma vez amparada pelas demais provas dos autos, a
declaração da vítima corroborada pelas demais provas delineadas é
suficiente para ensejar édito condenatório, não havendo que se falar,
portanto, em absolvição em relação ao delito de lesão corporal contra mulher
por razão da condição do sexo feminino.

Do pleito desclassificatório

Subsidiariamente, requer a desclassificação do delito do art. 129 §13º do


CP, para a contravenção penal de vias de fato ou para o crime do art. 129
§9º do CP.

Novamente sem razão.

Destaco ser inviável o acolhimento do pleito de desclassificação do delito


do art. 129 §13º para o do art. 129, § 9º, ambos do Código Penal.

Quanto à caracterização da violência doméstica e familiar contra a


mulher, assim dispõe a Lei nº 11.340/06:

"Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e

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familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que


lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por


indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha


convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem


de orientação sexual."

In casu, verifica-se que a vítima é mulher, a conduta foi praticada no


âmbito da unidade doméstica, na residência onde ela e o réu coabitavam, e
no âmbito da família, sendo a ofendida amasiada com o acusado.

É certo, portanto, que o caso em tela se amolda às supracitadas


hipóteses do art. 5º da Lei nº 11.340/06.

E evidenciada a situação de violência doméstica ou familiar, verifica-se


que há razões de condição de sexo feminino, consoante o disposto no art.
121, § 2º-A, do CP, atraindo, portanto, a qualificadora do art. 129, § 13, da
aludida Lei. Vejamos:

"Art. 121. Matar alguém:

(...)

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§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o


crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

(...)

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

(...)

§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do


sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos."

Assim, inviável também o acolhimento da tese desclassificatória.

Por todo o exposto, a manutenção da condenação, nos termos da


sentença, é medida de rigor.

Por fim, não havendo insurgência recursal quanto à dosimetria, tampouco


readequações a serem feitas de ofício, o quantum da reprimenda fixada deve
ser mantido em seus exatos termos.

DISPOSITIVO

Com tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo


a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.

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Custas suspensas, na forma sentença (ordem nº 71).

É como voto.

DES. WALNER BARBOSA MILWARD DE AZEVEDO (REVISOR) - De


acordo com o(a) Relator(a).

JD. CONVOCADO EVALDO ELIAS PENNA GAVAZZA - De acordo com o(a)


Relator(a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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