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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

1ª CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 6476-30.2022.8.16.0174, DE UNIÃO DA


VITÓRIA, 1ª VARA CRIMINAL.

APELANTE - BRUNO DA SILVA STEFANES RAMOS

APELADO - MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

RELATOR - DES. TELMO CHEREM

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL QUALIFICADA E


AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA.

I. CRIMES CONSUMADOS – PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE “


DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA” – INVIABILIDADE.

II. REDUÇÃO DA RESPOSTA PENAL – AGRAVANTE GENÉRICA DO


ART. 61-II-‘f’ DO CÓDIGO PENAL – INAPLICABILIDADE AO CRIME
PREVISTO NO ART. 129-§13 – BIS IN IDEM CONFIGURADO –
EXCLUSÃO.

III. JUSTIÇA GRATUITA – VIA IMPRÓPRIA – COMPETÊNCIA DO


JUÍZO DA EXECUÇÃO.

RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO,


PARCIALMENTE PROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL Nº 6476-30.2022.8.16.0174, de


UNIÃO DA VITÓRIA, 1ª VARA CRIMINAL, em que é apelante: BRUNO DA SILVA STEFANES
RAMOS e apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ.
1. Bruno da Silva Stefanes Ramos interpõe apelação da sentença (mov. 120.1, Ação Penal) promanada
do Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de União da Vitória, que, julgando parcialmente procedente a
denúncia[1], condenou-o, pela prática de lesão corporal qualificada (fato 2) e ameaça (fato 3), às penas
de 1 ano e 8 meses de reclusão e de 1 mês e 19 dias de detenção (em regime aberto), bem como ao
pagamento de 1 salário-mínimo a título de indenização mínima por danos morais à Vítima.

Eis o teor da inicial acusatória, no que importa referir (mov. 52.1-AP):

“2º FATO: Ato contínuo, nas mesmas circunstâncias de tempo, horário e local, o
denunciado BRUNO DA SILVA STEFANES RAMOS, prevalecendo-se da
relação doméstica e familiar, com violência de gênero, aproveitando-se do
relacionamento íntimo de afeto e de relações domésticas e familiares havidos com
a vítima, agindo com vontade livre e consciente, portanto, dolosamente, ofendeu a
integridade física de sua ex-companheira Debora Santos de Oliveira, ao pegá-la
pelo pescoço na tentativa de aplicar-lhe um golpe de ‘mata-leão’; ao lesionar
tanto o polegar, quanto a mão esquerda com um facão; ao desferir contra ela
chutes, derrubando-a ao chão; bem como ao agredi-la, após a queda, causando as
seguintes lesões: ‘ferida corto-contusa na mão; primeiro dedo da mão esquerda
com dois pontos simples de aproximação de bordos; escoriação na palma da mão
esquerda com 1,5 cm; equimose periorbitária esquerda verde-arroxeada;
equimoses na face lateral e posterior da coxa direita (várias) medindo até 3,5 cm
de coloração verde-arroxeada; escoriação e equimose do joelho direito;
escoriações na mucosa interna do lábio inferior’.

Após invadir a residência da vítima, o denunciado a pegou pelo pescoço,


oportunidade em que entraram em luta corporal, sendo que para desvencilhar-se
das agressões a vítima retirou o facão do denunciado, lesionando-se, e o
empurrou, ocasião em que fugiu para a parte externa da residência. Todavia o
denunciado a alcançou, iniciando novamente as agressões ao desferir um chute,
derrubando-a, e novamente a pegou pelo pescoço. Todo esse fato foi presenciado
pela filha do casal S. S. S., de 5 anos de idade.

3º FATO: Durante o período em que agredia a vítima, o denunciado BRUNO DA


SILVA STEFANES RAMOS, prevalecendo-se da relação doméstica e familiar,
com violência de gênero, aproveitando-se do relacionamento íntimo de afeto e de
relações domésticas e familiares havidos com a vítima, agindo com vontade e
consciência, com a intenção de intimidar e constranger a sua ex-companheira
Debora Santos de Oliveira, a ameaçou de causar mal injusto e grave ao dizer que
‘era para ela chamar a polícia e que depois que ele saísse da cadeia, iria matá-la’.
Consta que esse fato foi presenciado pela filha do casal S. S. S. de 5 anos de idade.

A vítima representou criminalmente pela persecução criminal do crime de ameaça


(mídia de mov. 45.2).”
Alega o Apelante, em síntese, a configuração (i) da “desistência voluntária”; (ii) de bis in idem na
incidência da agravante prevista no art. 61-II-‘f’ do Código Penal; (iii) da “confissão qualificada”. Pede a
gratuidade processual e o “provimento do recurso”, com a aplicação da regra contida no art. 15 da Lei
Penal, além da redução da pena (mov. 146.1-AP).

Ofertadas contrarrazões (mov. 149.1-AP), a Procuradoria de Justiça, em parecer subscrito pela Promotora
de Justiça convocada JULIANA GONÇALVES KRAUSE, recomendou o “parcial conhecimento do
apelo (a isenção de custas processuais é matéria afeta ao Juízo da Execução) e, na parte conhecida, seu
parcial provimento, a fim de afastar, apenas em relação ao delito de lesão corporal qualificada pelas
razões do gênero feminino, a agravante da violência doméstica (art. 61, II, ‘f’, CP)” (mov. 13.1).

2. Consumados os delitos de lesão corporal qualificada e de ameaça, mostra-se de todo inviável o


acolhimento da invocada tese de “desistência voluntária”, conforme, a propósito, orienta o e.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “O instituto do arrependimento eficaz e da desistência
voluntária somente são aplicáveis a delito que não tenha sido consumado (AgRg no REsp 1549809/DF,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 24/2/2016)”[2].

3. No que diz com a resposta penal, não se pode acolher a pretensão de reconhecimento da atenuante da
confissão espontânea, uma vez que o Apelante permaneceu em silêncio na etapa pré-processual (mov.
1.15-AP) e, ao ser interrogado em Juízo, negou as práticas delitivas (mov. 115.4-AP).

Quanto à ameaça, verifica-se que o Sentenciante, na segunda etapa dosimétrica, adequadamente


reconheceu a agravante prevista no art. 61-II-‘f’ do Código Penal, já que o contexto de violência
doméstica não é inerente ao tipo penal, não havendo, então, cogitar de bis in idem.

No tocante à lesão corporal qualificada (CP, art. 129-§13), todavia, a existência de relações domésticas
ou familiares entre o agente e a vítima do gênero feminino integra o preceito primário do delito (CP, art.
121-§2ºA-I), merecendo acolhida, assim, a pretensão de afastamento dessa circunstância.

A propósito, já decidiu esta Primeira Câmara:

“APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE LESÃO


CORPORAL CONTRA A MULHER, POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO
FEMININO (CP, ART. 129, §13). MATERIALIDADE E AUTORIA
DEVIDAMENTE COMPROVADAS. [...] DOSIMETRIA PENAL. AFASTAMENTO
DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA ‘F’, DO
CÓDIGO PENAL PARA A FIGURA TÍPICA INSCRITA NO ART. 129, §13, DO
MESMO CÓDIGO. EXISTÊNCIA DE IDENTIDADE ENTRE OS SEUS
ELEMENTOS OBJETIVOS. APLICAÇÃO, EM CONJUNTO, DOS REFERIDOS
DISPOSITIVOS LEGAIS QUE IMPLICARIA PUNIÇÃO DUPLA PELO MESMO
FATO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO ‘NON BIS IN IDEM’. PRECEDENTE
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.”[3]
Extirpado, portanto, o aumento[4] pela agravante do art. 61-II-‘f’ do Código Penal (relativamente à
lesão corporal qualificada), resulta a pena definitiva do Apelante em 1 ano, 5 meses e 15 dias de
reclusão e em 1 mês e 19 dias de detenção, mantido o regime aberto.

4. Por fim, não se pode conhecer do pedido de concessão da justiça gratuita, uma vez que a “análise da
miserabilidade do Condenado, visando à inexigibilidade do pagamento das custas, deve ser feita pelo
[5] [6]
Juízo das Execuções” , consoante reiteradamente tem decidido este Órgão Julgador .

ANTE O EXPOSTO:

ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,


por unanimidade de votos, em CONHECER PARCIALMENTE do recurso e, nessa extensão, DAR-
LHE PARCIAL PROVIMENTO, a fim de reduzir a pena do Apelante, relativamente à lesão corporal
qualificada, para 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão, inalterada a pena relativa ao crime de ameaça (1
mês e 19 dias de detenção).

O julgamento foi presidido pela Desembargadora Lidia Maejima, com voto, e dele participaram
Desembargador Telmo Cherem (relator) e Desembargador Miguel Kfouri Neto.

Curitiba, 15 de setembro de 2023.

TELMO CHEREM – Relator

[1] Aplicou-se o princípio da consunção no tocante ao delito de invasão de domicílio (fato 1), relativamente ao crime de ameaça (fato
2).

[2] AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp nº 1.685.253/PE, 5ª Turma, Relator: Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe 24.05.2021.

[3] AC 1232-56.2022.8.16.0163, Relator: Des. ADALBERTO JORGE XISTO PEREIRA, j. 18.11.2022.

[4] 2 meses e 15 dias de reclusão.

[5] AgRg no AREsp nº 1.371.623/SC, 6ª Turma, Relatora: Min. LAURITA VAZ, DJe 29.4.2019.

[6] v. g.: AC nº 373-54.2018.8.16.0139, Relator: Des. MIGUEL KFOURI NETO, DJe 9.5.2022; AC nº 974-39.2020.8.16.0091,
Relator: Des. NILSON MIZUTA, DJe 14.5.2022; e AC nº 14399-61.2018.8.16.0170, Relator: Des. ADALBERTO JORGE XISTO
PEREIRA, DJe 9.5.2022.

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