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ATIVISMO POLICIAL: O papel garantista do delegado de polícia.

1
2 Cleyson Brene
CLEYSON BRENE
Delegado de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de
Londrina - UEL. Pós-graduado em Direito. Mestre em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade
de Direito do Sul de Minas – FDSM. Autor de livros jurídicos relacionados à atividade de Polícia
Judiciária, Medicina Legal e Processo Penal. Professor de Direito Penal e Processo Penal no Curso
Ênfase e na Pós-Graduação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) – campus Poços de Caldas-MG.
Coordenador da Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal do Curso Ênfase. Eleito três vezes
entre os melhores delegados de polícia do Brasil (Portal Nacional dos Delegados).
Ativismo Policial: O Papel Garantista do Delegado de Polícia
© Cleyson Brene
EDITORA MIZUNO 2021
Revisão: Eliane Chainça
Revisão Técnica: Cleyson Brene

Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

B837 Brene, Cleyson

Ativismo policial: o papel garantista do Delegado de Polícia / Cleyson Brene – 2.ed. – Leme-
-SP: Mizuno, 2021.

220 p.; 16 X 23 cm

ISBN 978-65-5526-183-7

1. Direito penal. I. Brene, Cleyson. II. Título.

CDD 345
Índice para catálogo sistemático

I. Direito penal

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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
“A maioria das gaivotas não se incomoda em aprender mais do que os
rudimentos do voo – como ir da praia até a comida e voltar. No que
interessa à maioria, o importante não é voar, mas comer. Para essa
gaivota, porém, o que importava não era a comida, mas o voo. Mais do
que qualquer outra coisa, Fernão Capelo Gaivota adorava voar”.

(Fernão Capelo Gaivota, Richard Bach)


AGRADECIMENTOS

A Deus, por tantas oportunidades.


A meus familiares, pelo apoio incondicional, compartilhando an-
gústias e vitórias. A meus pais, José e Ivone, pela vida dedicada à família,
alicerçada no amor, sempre. A meus irmãos, Cleber e Cleiciane, exem-
plos de profissionais e suportes vigilantes de cada passo desta jornada.
A minha namorada, Bárbara, pelo amor e compreensão nos mo-
mentos de clausura e introspecção, necessários para a pesquisa acadêmica.
A meu amigo Paulo Lépore, pela apresentação da obra, por acei-
tar compor a banca de minha dissertação, mas, acima de tudo, pela
amizade sincera.
Aos amigos que participaram desse projeto de vida: Eduardo
Zacarias Cury, de tantas viagens pelo mundo, nas quais o existencialismo
filosófico sempre esteve em debate, além da decisão conjunta da re-
alização do mestrado, momentos antes do show do Cat Stevens, em
2013; Leandro Garcia Algarte Assunção, expoente do Ministério Público
do Paraná, professor e pesquisador incansável que sempre contribuiu
para a minha formação jurídica e humana, desde nossa graduação na
Universidade Estadual de Londrina – UEL; e Márcio Ferreira Infante
Rosa (in memorian), irmão da vida, cuja ausência física ecoa nos versos
do Pink Floyd... wish you were here.
À Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM, pelo olhar crítico
e construtivo do Direito, no contexto do paradigma democrático, da
legítima preocupação com os direitos fundamentais, Constitucionalismo
e Democracia, sob a coordenação do Prof. Dr. Rafael Lazzarotto Simioni.
A meu orientador, professor e amigo Dr. Edson Vieira, pela abertura
dos horizontes do garantismo penal, por instigar a pesquisa filosófica, o
olhar sobre as ciências criminais e, ainda, por prefaciar o presente trabalho.
Por fim, à Editora JHMizuno, por acreditar neste projeto acadêmico.

O autor.
DEDICATÓRIA

Ao Pedro.
Fonte inesgotável de aprendizado e amor.
APRESENTAÇÃO

A obra que o eminente leitor está tendo a oportunidade de exa-


minar é paradigmática, pois, além de lançar luzes sobre a atuação ga-
rantista do Delegado de Polícia, enfrenta questões teóricas e práticas
sobre a atuação da polícia judiciária no direito brasileiro.
Para além de um discurso retórico e panfletário sobre o mister do
Delegado de Polícia, o presente livro aprofunda as bases jurídicas sobre
as quais o direito pode ser aplicado e construído na atuação diligente da
autoridade policial, desde o primeiro momento em que toma contato
com possíveis atos criminosos até a conclusão de sua participação no
deslinde da verdade a informar os demais atores do sistema de justiça.
Aliás, não se poderia esperar nada diferente disso vindo de quem
vem. O autor, Cleyson Brene, é Delegado de Polícia operacional, líder
de campo admirado pelos seus pares, pois alia estratégia e trabalho
profícuo a uma atuação perfeitamente adequada ao cumprimento dos
direitos humanos e fundamentais, demonstrando, na prática, que inte-
ligência e eficiência se sobrepõem à truculência e força.
No meio editorial, Cleyson Brene já é referência há muitos anos
na literatura jurídico-policial, pois autor do Manual do Delegado de Po-
lícia Civil: teoria e prática, e do Processo Penal para Polícia, livros fes-
tejados e que sabidamente estão nas mesas de trabalho dos policiais e
nas prateleiras de acadêmicos Brasil afora.
Também é importante destacar que o escrito que estou tendo a
honra de apresentar é fruto da dissertação de mestrado defendida pelo
autor na FDSM. Estive na defesa cumprindo o papel de examinador. Há
muito tempo não via uma defesa tão segura de um trabalho tão bem
construído. Minha impressão foi reforçada pelos demais membros da
banca examinadora, que reputaram o momento como a melhor defesa
de dissertação de mestrado em direito da história da instituição.
12 Cleyson Brene

Essas são algumas das credenciais que legitimam nossa apresen-


tação à presente obra que, sem dúvidas, refunda os estudos sobre a
atuação garantista do Delegado de Polícia.
Prazerosa leitura e profícuos estudos!

Ribeirão Preto,
Primavera de 2018.

Paulo Lépore
Pós-Doutor em Direito pela UFSC
PREFÁCIO

A academia brasileira tem se dedicado ao debate do que talvez


seja a principal questão do direito de todos os tempos. O ativismo
judicial e seu consequente decisionismo. Desde sempre, ouso afir-
mar, a questão de como compatibilizar a figura do juiz neutro, impar-
cial e justo com o homem que a assume, cheio de passionalidades,
idiossincrasias e ideologias, assola os processos de compreensão dos
fatos e seu controle pelo direito. Com os esforços concentrados no
julgador nos esquecemos que anteriormente ao processo temos ins-
tâncias de decisões que necessariamente formam o conhecimento,
mesmo que precário, e que de fato decidem várias questões em um
momento anterior à jurisdição. Para estas esferas costumamos re-
conhecer a sua discricionariedade como necessária para seus juízos,
e na esfera penal admitimos uma postura pro societate validando as
decisões incriminatórias (como o indiciamento e ratificação de pri-
sões em flagrante), suspeitando dos juízos negativos de imputação
(como o de não indiciamento ou reconhecimento de excludente de
antijuridicidade).
Tal fato não nos causa estranheza, uma vez que a Polícia Judi-
ciária no Brasil associa-se historicamente, com frequência, a abusos
e quebras de garantias como sendo tais condutas condições sine qua
non para a eficiência investigatória.
Se o judiciário garante, cabe à polícia violar, dentro de sua
discricionariedade. Tal visão se perpetua e o mal necessário da
violência institucionalizada da polícia torna-se o filho espúrio do
direito do qual nos envergonhamos, mas com o qual nos habituamos
a conviver. Assim, o autor Cleyson Brene reconstrói a formação do(s)
rosto(s) da polícia no Brasil para chegar à sua necessária relação com
uma constituição garantista e promotora de liberdades. O grande
obstáculo do presente trabalho fica por conta da tentativa de superar
14 Cleyson Brene

a expectativa eficientista de uma polícia marginal para chegar ao ideal


de uma polícia que prima pela eficiência, sem, contudo, confundi-la
com arbitrariedade. Trata-se de repensar a relação meios e fins, e,
principalmente, compreender que o fim da polícia não é a construção
de criminosos, e sim a busca da verdade dentro de um sistema que
ainda sente e que muito se ressente da transição de um modelo de
sujeito solipsista, próprio da modernidade, para um sujeito aberto
a um direito que se constrói de maneira garantista, resgatando o
mundo concreto a partir dos princípios e que só se compreende a
partir de uma perspectiva humanista e garantista.
Os modelos penais associados às doutrinas de tolerância zero,
maximalistas por excelência e antigarantistas por definição (intole-
rantes no próprio rótulo que os designa) pedem um delegado de po-
lícia arbitrário e decisões incriminadoras, mesmo que precárias, por
serem as expectativas de uma racionalidade resultante dos expan-
sionismos penais. Ora, não é essa a construção que deveria resultar
de nossa Constituição. Assim, o autor chama a reserva de jurisdição
e juízo de convencionalidade de Canotilho, para servir de base para
fundamentar a legitimidade de um novo papel constitucionalmente
adequado a ser assumido pelos delegados de polícia em sua função
de ordem eminentemente garantista. É necessário lembrar que o
garantismo e a proteção de direitos fundamentais não é atribuição de
uma ou outra instituição, mas, sim, característica de um sistema. Por-
tanto, o garantismo, para ser considerado como tal, precisa permear
todos os momentos de atuação do Estado e se mostrar presente em
todas as instituições, isso como regra e nunca como prerrogativa de
alguns iluminados de maneira pontual.
Cleyson Brene consegue, a partir de clássicos do constitucio-
nalismo e da(s) teoria(s) do direito, fazer este brilhante trabalho
pensando fora da caixa. Garantias são conquistas que se solidificam
no tempo, precisam se mostrar presentes na prática e se susten-
tar como bases teóricas firmes. É o que temos aqui. Aprendi muito
orientando esse que veio a se tornar meu amigo e ganhar meu res-
peito. Obrigado, Cleyson.
ATIVISMO POLICIAL: O papel garantista do delegado de polícia. 15

Pouso Alegre, outubro de 2018.

Edson Vieira da Silva Filho


Pós-Doutor pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul.
Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Professor do Programa de Pós-Graduação
em Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM).
sumário

CAPÍTULO 1
Da Construção do Paradigma Garantista à Legitimidade da Carreira..................... 23

1.1. Garantismo na Constituição Federal de 1988: Premissas Necessárias –


Construção do Panorama........................................................................... 23
1.2. Os Contornos Históricos da Legitimidade da Carreira: O Novo Papel da
Autoridade Policial, se Exercido Adequadamente (Adequação Constitucional),
Conduz à Legitimidade – Lei 12.830/2013......................................................... 36

CAPÍTULO 2
Atuação Garantista do Delegado de Polícia e Ativismo Policial............................... 63

2.1. Ativismo (Tempos Difíceis de Ativismos) – Protagonismo e Ativismo................ 63


2.2. Garantismo Principialista: Da Discricionariedade Positivista (Decisionismo)
à “Abertura” Principiológica e o “Fechamento” Hermenêutico no Tocante à
Decisão Jurídica do Delegado de Polícia........................................................... 77

CAPÍTULO 3
Decisões Próprias do Delegado de Polícia................................................................. 101

3.1. Imparcialidade na Persecução Extrajudicial....................................................... 101


3.2. O Estranhamento Doutrinário Diante de uma Atuação Garantista da Autoridade
Policial................................................................................................................. 110
3.3. O Modelo Garantista Pode Restringir o Papel De Algum Agente Público Que
Busca Proteger Garantias?................................................................................. 121
3.4. Como Controlar o Delegado de Polícia?............................................................ 128
CAPÍTULO 4
As Decisões do Delegado de Polícia e a Reserva de Jurisdição.............................. 135

4.1. Reserva de Jurisdição na Visão de J. J. Canotilho............................................ 139

CAPÍTULO 5
Os Necessários Juízos Negativos Durante a Investigação Criminal....................... 147

5.1. Juízo de Convencionalidade.............................................................................. 153


5.2. Juízo em Relação às Causas Excludentes dos Elementos da Teoria do Crime ...... 172
5.3. Juízo de Controle de Recepção das Normas Anteriores à Constituição de 1988..... 190

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 199

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 207


INTRODUÇÃO

Para a compreensão do papel do delegado de polícia no Brasil con-


temporâneo, de modernidade tardia, no qual se busca consolidar o paradig-
ma garantista dos modelos penais, é necessário compreender a perspectiva
histórica da carreira, pois a atribuição foi gestada de forma imbricada com
a da magistratura, em especial no Período Imperial, atribuindo à autoridade
policial o poder jurisdicional na seara penal, ou seja, atribuição para o julga-
mento de infrações penais. E, em que pese a Lei 2.033, de 20 de setembro
de 18711, tenha se ocupado da separação das funções judiciárias das poli-
ciais, a matiz autoritária de diversos diplomas justificam a investigação sobre
a função da autoridade policial no cenário de um Estado Democrático de
Direito, mormente, com o advento da Constituição de 1988.
Assim, desta perspectiva histórica se extrai que os modelos legais
que amparavam as estruturas das políticas criminais até promulgação
do Código de Processo Penal de 1941 (Decreto-Lei 3.689), inclusive,
foram inspirados no direito de Estados totalitários, aproximando-se
dos ideários de um Direito Penal Máximo ou do Inimigo.
Com a reconstrução democrática, a partir da década de oitenta, a
promulgação da Constituição Federal de 1988 representou um marco
densificador dos direitos fundamentais, em especial, no tocante à tutela
da liberdade individual contra os abusos de poder.
Nesse contexto, a opção expressa por um ideal garantista pela
Carta Magna, como afirma Bruno Freire de Carvalho Calabrich, pois
consolidou um modelo penal e processual penal elencando uma série
de direitos e garantias fundamentais outrora negligenciados (formal e
materialmente) pelo Estado2, engendra diversos desafios importantes,
com ênfase especial no tocante à decisão jurídica.

1 BRASIL. Lei 2.033 de 20 de setembro de 1871. Disponível em: http://www.planalto.


gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2033.htm. Acesso em: 10 ago. 2017.
2 CALABRICH, Bruno Freire de Carvalho Pequenos mitos sobre investigação criminal no
Brasil. In: FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo e CALABRICH, Bruno (Orgs.). Garan-
tismo Penal Integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação
do modelo garantista no Brasil. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 34.
20 Cleyson Brene

Tais desafios nos remetem, necessariamente, aos temas neo-


constitucionalismo e pós-positivismo que, embora não se estabeleçam
como objetivos centrais da investigação, circundam a teoria da deci-
são jurídica, um dos temas mais caros ao Direito contemporâneo, em
especial, a partir da transição dos Estados totalitários, que marcaram
o início do século XX, para o Estado Constitucional, do período pós-
-Segunda Guerra Mundial, cujo paradigma é a introjeção da pauta dos
Direitos Humanos, ampliando os seus objetos de proteção jurídica para
abranger também diversos valores morais e sociais, constitucionalmen-
te assegurados sob a forma de princípios e diretrizes.
Porém, diante da participação da Polícia Judiciária (Civil e Fede-
ral) como braço armado do período ditatorial brasileiro3, a imagem do
resquício autoritário ecoou na atuação do legislador constituinte, for-
talecendo instituições como o Poder Judiciário, o Ministério Público
e a Defensoria Pública, ao arrepio de garantias mínimas à carreira de
delegado de polícia. Ao longo dos quase trinta anos da Carta Magna,
diversos diplomas legais vêm estruturando o papel da autoridade poli-
cial no Estado Democrático de Direito, com a delimitação expressa do
poder requisitório, reconhecimento da natureza jurídica da carreira e
restrição quanto à removibilidade (inamovibilidade mitigada).
Diante da restruturação jurídica da carreira do delegado de po-
lícia, promovida pela Lei 12.830, de 2013, e escorada no art. 144, da
Constituição Federal, de 1988, exsurge o debate sobre a carga decisó-
ria da autoridade policial, se estaria limitada a juízos de adequação legal
(tipicidade formal) ou se, por outro lado, numa visão garantista, estaria
apta a exercer juízos de valor e de adequação à Constituição na opor-
tunidade dos juízos de imputação.
Com a opção garantista do novo modelo constitucional brasileiro,
a discussão sobre o papel da Polícia Judiciária pretende inserir a diver-
gência entre o garantismo juspositivista ou normativo, de Luigi Ferrajoli,
e o principialista ou hermenêutico, de Lenio Streck. Em que pese apre-
sentem concordâncias substanciais, irão divergir no tocante à separação
entre direito e moral, asseverando, o primeiro, que a ilegitimidade do

3 O DOI-CODI reunia os militares das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáuti-
ca), o Departamento da Polícia Federal e a Secretaria de Segurança Pública (Polícia Militar e
Civil) sob um mesmo comando.
ATIVISMO POLICIAL: O papel garantista do delegado de polícia. 21

direito deve ser afastada tão somente pelos meios adequados de con-
trole jurisdicional, de cariz juspositivista, ao passo que o segundo, à luz
da hermenêutica constitucional, defende a adequação da decisão jurídica
à norma constitucional, inadmissível, portanto, uma interpretação que
afronte os princípios encartados na Constituição.
A importância desta temática revela-se crucial para entender o fe-
nômeno do ativismo (como modelo comportamental que transcende o
Poder Judiciário), um dos alicerces da pesquisa, cuja crítica contundente do
autor Lenio Streck permitirá transitar pelas bases teóricas do positivismo
crítico de Luigi Ferrajoli, com especial atenção às doutrinas de Hans Kelsen
e Herbert Hart. Isso porque, diante da indeterminabilidade do direito, seja
pela polissemia ou vagueza do texto, ou, ainda, pelos valores axiológicos
das constituições do período pós-bélico, o positivismo jurídico resolve a
celeuma na escolha de uma das possibilidades presentes na moldura kelse-
niana (decisionismo) ou na textura aberta – porosidade da norma (poder
discricionário em Hart). Essa discricionariedade positivista está atrelada à
denominada filosofia da consciência, (subjetivismo), sujeito pensante que
aprisiona os sentidos, fundamentado no discurso da relação sujeito-objeto.
O trabalho faz uma escolha: o paradigma do garantismo princi-
piológico ou hermenêutico que, por sua vez, se assenta na pré-com-
preensão e no círculo hermenêutico de Martin Heidegger, continuada
por Hans-Georg Gadamer, que insere o contexto da tradição à tare-
fa interpretativa, para, com Ronald Dworkin e a teoria integrativa (da
leitura moral da constitucional, integridade e coerência do direito e
romance em cadeia), compreender a chamada resposta adequada à
Constituição. O discurso propaga-se, portanto, na intersubjetividade,
na relação sujeito-sujeito, na chamada filosofia hermenêutica.
E se o garantismo se propõe a tutelar direitos fundamentais, mar-
co fundante da Constituição Federal de 1988, a atividade do delegado
de polícia deve ser analisada sob a ótica constitucional.
Assim, o estudo da decisão da autoridade policial no contexto da
investigação criminal pode seguir caminhos diversos. Sob o olhar positi-
vista, os juízos da autoridade policial seriam de mera subsunção do fato
à norma, admitindo-se, fatalmente, a discricionariedade, que conduz
ao comportamento ativista. Já, sob o ponto de vista hermenêutico, a
interpretação deve respeitar a integridade e coerência do direito, os
princípios instituídos pela comunidade política.
22 Cleyson Brene

A ampliação (fusão) dos horizontes lança, portanto, luzes sobre


o papel do delegado de polícia no cenário democrático. É chamado a
decidir sobre liberdades individuais, ainda que de forma precária, não
havendo espaços para a cisão entre um processo penal extrajudicial
autoritário, sob o signo do Código de Processo Penal de 1941, e o pro-
cesso penal propriamente dito, cujo norte é a Constituição Federal. Tal
anacronismo é pernicioso para a construção de um Estado que se diz
Democrático de Direito.
Mas uma atuação garantista da autoridade policial seria uma postura
ativista ou lastreada na jurisdicionalização da função? A reserva de jurisdi-
ção seria o obstáculo impermeável para as decisões do delegado de polícia?
O tema ‘reserva de jurisdição’ comportaria relativização, no sen-
tido de se permitir decisões jurídicas (precárias) que serão submetidas,
num segundo momento, ao crivo do juiz de direito? Em especial, para
o escopo da presente pesquisa, serão lançadas as bases teóricas do
autor português José Joaquim Gomes Canotilho. Para o autor, alguns
temas constitucionais reservam ao Poder Judiciário a primeira e última
palavra, como é o caso de interceptação telefônica e inviolabilidade
domiciliar. É a chamada reserva absoluta de jurisdição.
Todavia, outras situações reclamam apenas a última palavra do
juiz, atribuindo a intérpretes diversos o poder de dizer a primeira, como
é o caso da liberdade provisória com pagamento de fiança arbitrada
pelo delegado de polícia. É a chamada reserva relativa de jurisdição.
Em que pese a resistência de parte considerável da doutrina bra-
sileira em reconhecer a possibilidade de juízos valorativos/ axiológicos
pelo delegado de polícia, serão abordados diversos juízos de imputa-
ção, em especial os negativos, que podem (ou não) ser realizados pelo
delegado de polícia, tais como: a análise da convencionalidade de leis,
as causas descriminantes e exculpantes do conceito analítico de delito,
bem como o juízo de recepção de normas infraconstitucionais anterio-
res à Constituição de 1988.
Os objetivos deste trabalho, portanto, consistem em analisar a
decisão do delegado de polícia no curso da investigação criminal, em
especial, a partir do papel da autoridade policial como garantidora de
direitos fundamentais em juízos negativos de imputação.
capítulo 1
Da Construção do Paradigma Garantista à
Legitimidade da Carreira

1.1 Garantismo na Constituição Federal de 1988: Premissas


Necessárias – Construção do Panorama.

Ao termo garantismo está impingida a ideia de segurança, prote-


ção, tutela, acautelamento ou defesa de algo, a partir de uma acepção
linguística e perfunctória. Numa primeira aproximação necessária, no
âmbito do Direito Penal, o garantismo pugna pela tutela de direitos ou
bens individuais diante de possíveis agressões advindas de outros indi-
víduos e, mormente, do poder estatal4.
O modelo garantista clássico, maturado no século XVIII, fruto da
tradição jurídica do Iluminismo e do liberalismo, funda-se em princípios,
como o da legalidade estrita, do contraditório, da presunção de inocên-
cia; além de doutrinas políticas, como a da separação dos poderes, da
supremacia da lei, do positivismo jurídico; e concepções utilitaristas do
direito e da pena5. Marcam, dessa forma, o surgimento do movimento
denominado constitucionalismo, que buscava o rompimento com os
estados absolutistas, sendo os marcos fundantes a Declaração de Direi-
tos da Virgínia, de 1776, e a Declaração francesa, de 1789.
Todavia, a construção de um sistema geral de garantismo, cujos
fundamentos e escopos destinam-se a sedimentar os alicerces de um
Estado de Direito escorado na tutela da liberdade e do indivíduo, ao ar-
repio das diversas formas de exercício arbitrário de poder, que encon-
tra no Direito Penal a sua faceta mais severa, deve-se ao jurista italiano
Luigi Ferrajoli, em sua clássica obra Direito e Razão.

4 GASCON ABELLÁN, Marina. La Teoria General del Garantismo: rasgos principales. In:
CARBONEL, Miguel; SALAZAR, Pedro. Garantismo: estúdios sobre el pensamento jurí-
dico de Luigi Ferrajoli. Madri: Editorial Trotta, 2005. p. 195.
5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 37.
24 Cleyson Brene

Porém, oportuno destacar, a leitura superficial e reducionista da obra


de Ferrajoli, sobretudo em países latino-americanos, de forma especial no
Brasil, é compreendida com uma proposta que assenta suas raízes no Di-
reito Penal Mínimo ou minimalista6, como destaca Alfredo Copetti Neto.
Trata-se, portanto, de uma visão marcada pela incompletude.
Norberto Bobbio afirma que a tentativa é, antes de tudo, de
“elevar a um modelo geral de garantismo, ideal do Estado de Direito,
entendido não somente como Estado liberal protetor de direitos da
liberdade, mas também como Estado Social, chamado a proteger efeti-
vamente os direitos sociais”7.
A aposta de Ferrajoli é alta. Embora grande parte da obra tenha
conotação penal, a proposta é de uma teoria do direito genuína, cujos
alcances teórico e filosófico servem também para outros setores do
ordenamento,
inclusive para estes é, pois, possível elaborar, com referência a outros direi-
tos fundamentais e a outras técnicas e critérios de legitimação, modelos de
justiça e modelos garantistas de legalidade – de direito civil, administrativo,
constitucional, internacional, do trabalho - estruturalmente análogos àque-
le penal aqui elaborado8.

O modelo normativo jurídico proposto por Ferrajoli visa à efeti-


vação dos direitos e garantias fundamentais, cuja extensão comporta,
nas palavras do autor: da vida à liberdade pessoal, da liberdade civil e
política às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais
àqueles coletivos, pois representam “os valores, os bens e os interes-
ses, materiais e pré-políticos, que fundam e justificam a existência da-
queles ‘artifícios’ – como os chamou Hobbes – que são o direito e o Es-
tado, e cujo gozo por todos forma a base substancial da democracia”9.
Na seara penal, aliás, Douglas Fischer utiliza a expressão garan-
tismo penal integral para criticar a maneira pela qual parte da doutrina

6 COPETTI NETO, Alfredo. A Democracia Constitucional: sob o olhar do garantismo


jurídico. Florianópolis/ SC: Empório do Direito, 2016. p. 19.
7 BOBBIO, Norberto. Prefácio. In: FERRAJOLI, Luigi Direito e Razão: Teoria do Garantis-
mo Penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 10.
8 FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit., 2014, 788.
9 Ibid., p. 22.
ATIVISMO POLICIAL: O papel garantista do delegado de polícia. 25

e jurisprudência tem recepcionado a doutrina de Ferrajoli, distorcendo


os pilares fundantes da teoria, de forma hiperbólica e monocular, ou seja,
de forma desproporcional e isolada, buscaria apenas a proteção dos di-
reitos fundamentais individuais dos cidadãos que se veem investigados,
processados ou condenados10.
Destacando que o garantismo é a visão atual do constitucionalis-
mo, “há de se considerar na hermenêutica constitucional (sobretudo
com reflexos na seara penal e processual penal) a valoração de todos
os direitos e deveres existentes no corpo da Carta Maior, e não apenas
direitos fundamentais individuais (e de primeira geração).”11
Na compreensão integral dos postulados garantistas, o Estado
deve garantir, também ao cidadão, a eficiência e a segurança. Assim,
também como imperativo constitucional (art. 144, caput, CF), o dever de
garantir segurança (que se desdobra em direitos subjetivos individuais e co-
letivos) não está em apenas evitar condutas criminosas que atinjam direitos
fundamentais de terceiros, mas também na devida apuração (com respeito
aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo o
caso, da punição do responsável12.

Em sentido semelhante ao proposto por Douglas Fischer ao de-


senvolver a ideia de garantismo penal integral, Lenio Luiz Streck, depois
de acentuar a baixa aplicação do argumento constitucional em matéria
penal pelos tribunais, ao tratar da dupla face de proteção dos direitos
fundamentais, na linha das premissas da doutrina alemã (Übermassaver-
bort e Untermassaverbot), afirma o seguinte:
A estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a
perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do
Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momen-
to em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado
não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em
que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a
denominar de “proibição de proteção deficiente” (Untermassverbot). Este

10 FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo; CALABRICH, Bruno (orgs.). Garantismo Penal


Integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e aplicação do modelo
garantista no Brasil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 42.
11 Ibid., p. 34.
12 FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo; CALABRICH, Bruno (orgs.). Op. Cit., 2015, p. 44-45.
26 Cleyson Brene

conceito, explica Bernal Pulido, refere-se à estrutura que o princípio da


proporcionalidade adquire na aplicação dos direitos fundamentais de pro-
teção. A proibição de proteção deficiente pode definir-se como um cri-
tério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja
aplicação pode determinar-se se um ato estatal - por antonomásia, uma
omissão - viola um direito fundamental de proteção. 13.

A construção do princípio da proporcionalidade, portanto, como se


tem admitido em algumas decisões monocráticas do Superior Tribunal de
Justiça14, abrange dois sentidos. No primeiro, comumente utilizado pela ju-
risprudência pátria e significativa parcela da doutrina, o garantismo negativo,
que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado, visa à tute-
la das liberdades individuais, e denomina-se princípio da proibição do excesso.
Já o segundo, intitulado garantismo positivo, enuncia que o Estado
não pode fazer sucumbir um direito coletivo frente a um direito indi-
vidual, pondo em risco a própria sociedade como um todo, diante da
adoção do princípio da proibição da proteção deficiente. Assim, o Estado
não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a prote-
ção de um direito fundamental, a segurança, por exemplo.
O século XIX, forjado no paradigma do positivismo jurídico, se
de um lado restava amparado pelo princípio da estrita legalidade, fez
eclodir modelos autoritários, caracterizados pela ausência de limites ao
poder normativo do soberano.15
Em Kelsen, inclusive, é possível notar as consequências de um
Estado Legislativo. Vejamos:
Segundo o Direito dos Estados totalitários, o governo tem poder para en-
cerrar em campos de concentração, forçar a quaisquer trabalhos e até
matar os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejável. Podemos con-
denar com a maior veemência tais medidas, mas o que não podemos é
considerá-las fora da ordem jurídica desses Estados. 16

13 STRECK, Lenio. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (über-


massverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem
contra normas penais inconstitucionais. Revista Ajuris, n. 97, p. 171-202, mar. 2005.
14 STJ - REsp 1321733 – Rel. Min. Jorge Mussi - Data da Publicação 14/08/2014.
15 FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit., 2014, p. 37.
16 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Baptista Machado. 8. ed. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 44.
ATIVISMO POLICIAL: O papel garantista do delegado de polícia. 27

Sob os influxos do Ideário da Ilustração e dos novos paradigmas


dos direitos humanos advindos da reação às atrocidades da Segunda
Guerra Mundial, as constituições de países democráticos seguiram o
perfil internacional, positivando como direitos fundamentais valores re-
conhecidos pela ordem externa, como a dignidade da pessoa humana,
plasmando a tônica do enfrentamento das violações de direitos funda-
mentais individuais durante períodos marcadamente autoritários, sen-
do exemplos países como a Itália, Alemanha e Portugal.
E, a partir desse novo modelo de constitucionalismo concebido
a partir da segunda metade do século XX, a Constituição Federal de
1988 é considerada de modernidade tardia, estabelecendo um extenso
catálogo de direitos e garantias fundamentais, com a agregação de um
vasto rol de direitos sociais, frutos do movimento de redemocratização
do país. Todavia, uma pergunta central merece destaque: esse alarga-
mento normativo do paradigma do Estado de Direito correspondeu a
um adequado desenvolvimento do correlato sistema de garantias cons-
titucionais?
O próprio autor italiano reconhece o garantismo da Constituição
Federal de 1988, classificando-a como inserida na terceira fase do cons-
titucionalismo, sendo a primeira fase, setecentista e oitocentista das
constituições liberais e flexíveis, e a segunda, das constituições rígidas
do segundo pós-guerra17.
O modelo penal garantista, como um parâmetro de racionalida-
de, de justiça e de legitimidade da intervenção punitiva, é, na prática,
segundo Ferrajoli (mas perceptível com facilidade no Brasil), largamen-
te desatendido: seja ao se considerar a legislação penal ordinária, seja
ao se considerar a jurisdição ou, pior ainda, as práticas administrativas
e policialescas18.
Para conceituar o termo garantismo, Ferrajoli lança mão de três
significações distintas, porém conexas entre si, podendo ser estendidas
a todas as ramificações do ordenamento jurídico. Trata-se, por oportu-
no, de acepções críticas. Vejamos:

17 FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo; CALABRICH, Bruno (orgs.). Op. Cit., 2015, p. 16-17.
18 FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit., 2014, p. 785.
28 Cleyson Brene

a) Como modelo normativo de direito: Em primeiro lugar, a razão


no Direito, ou seja, uma crítica ao Estado de Direito, na medida em que
se considera Estado de Direito garantista somente aquele que esteja
dotado de uma constituição rígida – modelo normativo de direito -,
cujo princípio da legalidade assume uma validade não somente formal,
mas – sobretudo – substancial, haja vista que é no campo da legitima-
ção substancial do princípio da legalidade que se configura a máxima de
limite e vínculo ao poder (estrita legalidade)19.
Com precisão, no que diz respeito ao Direito Penal, o modelo
da estrita legalidade, próprio do Estado de Direito, que, sob o plano
epistemológico, se caracteriza
como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se
caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e
a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vín-
culos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos
cidadãos20.

Assim, aduz o autor, que é, consequentemente, garantista todo


o sistema que se conforma normativamente com tal modelo e que se
satisfaz efetivamente21.
A proposta é de um modelo limite, com o confronto entre o
modelo constitucional e o efetivo funcionamento do sistema. Nessa
quadra, seria possível afirmar que o grau de garantismo da Constituição
brasileira é decididamente elevado, considerando os seus princípios
constitucionais, porquanto é posto em níveis baixíssimos caso se consi-
dere a sua prática efetiva.
Caracteriza-se, em relação ao modelo paleopositivista, pela posi-
tivação também dos princípios que devem subjazer a toda a produção
normativa. Nas palavras de Ferrajoli,
Por isso, configura-se como sistema de limites e de vínculos impostos pe-
las Constituições rígidas a todos os poderes e que devem ser garantidos
pelo controle jurisdicional de constitucionalidade sobre o seu exercício:

19 COPETTI NETO, Alfredo. Op. Cit., 2016, p.36.


20 Ibid., p. 785-786.
21 Ibid., p. 785-786.
ATIVISMO POLICIAL: O papel garantista do delegado de polícia. 29

de limites impostos para a garantia do princípio da igualdade e dos direitos


de liberdade, cujas violações por comissão dão lugar a antinomias, isto é, a
leis inválidas que devem ser anuladas através da jurisdição constitucional;
de vínculos impostos, essencialmente, para a garantia dos direitos sociais,
cujos descumprimentos por omissão resultam em lacunas que exigem o
preenchimento mediante a intervenção legislativa22.

Uma constituição pode ser considerada muito avançada em vista


dos princípios e direitos sancionados e não passar de um pedaço de
papel23, caso haja defeitos de técnicas coercitivas – ou seja, de garan-
tias – que propiciem o controle e neutralização do poder e do direito
ilegítimo24.
b) Como teoria e crítica do direito: Em oposição ao positivismo
dogmático, se propõe a distinguir normatividade e realidade, isto é, en-
tre dever-ser e ser no Direito. É a razão de Direito, ou seja, uma teoria
que coloca a validade e a efetividade não somente como classes distintas
entre elas, mas também distintas da existência ou do vigor das normas25,
como acentua Alfredo Copetti Neto.
Na segunda acepção, “a palavra garantismo exprime uma aproxi-
mação teórica que mantém separados o ser e o dever-ser no direito”26.
E, além, põe como questão central a divergência existente nos or-
denamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente
garantistas) e práticas operacionais (tendentemente antigarantistas),
interpretando-a com a antinomia que subsiste entre a validade (e não
efetividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas27.

22 FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In:


FERRAJOLI, Luigi; STRECK, Lenio; TRINDADE, André Karan (orgs.). Garantismo, her-
menêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012. p. 24.
23 Na linha do pensamento de Ferdinand Lassalle, no/o qual assevera que, para uma Consti-
tuição escrita ser duradoura, deve refletir os denominados fatores reais e efetivos do poder
que regem o país. Não se submetendo a tais condições, sucumbirá, sendo relegada a mera
“folha de papel”, pois : “de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se
ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder”. (LASSALE, Ferdinand. O que é
uma Constituição. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Ed. Líder,
2002. p. 68.)
24 FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit., 2014, p. 786.
25 COPETTI NETO, Alfredo. Op. Cit., 2016, p. 36.
26 FERRAJOLI, Luigi. Op. Cit., 2014, p.786.
27 Ibidem, p.786.

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