Você está na página 1de 19

FAGREFF- LICHINGA

Curso de Licenciatura em Direito

Vicissitudes do Exercício da Acção Penal no


Ordenamento Jurídico Moçambicano

Supervisor: Dr. Célio Varieque


Licencianda: Palmira Mário Marcoa

Lichinga, Setembro de 2023


Introdução
É um tema baseado no Direito Processual Penal Moçambicano e Direito Constitucional,

concretamente no Direito Judiciário, por isso é do Direito Público. Trazido num texto

estruturado por três capítulos: I- Marco Teórico, I- Direito comparado e III – Vicissitudes do
exercício da Acção Penal no Ordenamento Jurídico moçambicano, finalmente a concussão,

recomendações referencias bibliográficas .

Justificativa:

O que nos leva a optar por esta temática é a atualidade do CPP, a situação aqui por nós

aludida poder trazer várias interpretações, e facto de condicionar os efeitos pretendidos

pelas normas de direito fundamental à edição da normatização infraconstitucional

regulamentar, resultaria, em termos práticos, na eliminação dos limites

consubstanciados nos direitos fundamentais e na equiparação do poder estatal ao poder

constituinte, com consequente ameaça ao Estado constitucional.


Introdução (cont. e Fim)
Problematização: confrontando o no2 do artigo 61, 59 no2 alínea b) ambos do Código de

Processo Penal face ao artigo 235 da Constituição da República de Moçambique. As


normas contidas na alínea b) do no2 do artigo 59 e no no2 do artigo 61 ambos do Código
de Processo Penal nos fizemos a seguinte questão:

• Até que ponto a alínea b) do no2 do artigo 59 e o no2 do artigo 61 do CPP obedecem ao
princípio constitucional previsto no artigo 235 da CRM?

Objectivos do trabalho:

Geral: analisar a Constitucionalidade e ou legalidade da alínea b) do no2 do artigo 59 e do


no2 do artigo 61 do CPP tendo em conta o artigo 235 da CRM.
Introdução (cont. e Fim)
Específicos:

i. identificar a inconstitucionalidade patente da norma alínea b) do no2 do artigo 59 e


do no2 do artigo 61 do CPP no ordenamento jurídico moçambicano;

ii. explicar a inconstitucionalidade e legalidade da alínea b) do no2 do artigo 59 e do


no2 do artigo 61 do CPP face ao artigo 235 da CRM;
iii. propor formas da aplicabilidade da função de instrução do processo pelo MP.

Na perspectiva de alcançar os objectivos ora traçados, recorremos à pesquisa


bibliográfica com enfoque qualitativo.
Marco Teórico
• Definição de Accão Penal:

É o direito do Estado-acusação ou do ofendido de ingressar em juízo, solicitando a prestação


jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso concreto. Por
meio da acção, tendo em vista a existência de uma infracção penal precedente, o Estado
consegue realizar a sua pretensão de punir o infractor. Na óptica de ROGÉRIO LAURIA TUCCI,
acção é a “actuação correspondente ao exercício de um direito abstracto (em linha de
princípio, até porque, com ela, se concretiza), autónomo, público, genérico e subjectivo, qual
seja o direito à jurisdição” (Teoria do direito processual penal, p. 79).

• Fim do Processo Penal

O processo penal visa a aplicação do direito penal substantivo aos casos concretos. Essa
função instrumental que lhe é característica exprime-se de forma simples nestas duas
máximas: nenhum criminosos deve ficar sem punição e que nenhum inocente deve ser
condenado.
Marco Teórico (Cont.)
O Direito Processual Penal e a sua conformação jurídica com a Constituição

Os modelos estruturais do processo penal mostram como este está


tão intimamente relacionado com o Direito Constitucional. De tal
modo essa ligação é estreita que um autor alemão, H. Henkel,
considera o direito processual penal como verdadeiro direito
constitucional aplicado, porque os fundamentos daquele
representam simultaneamente os alicerces constitucionais do
Estado, mas também porque a concreta regulamentação de
problemas essenciais do processo penal é, e deve ser, conformada
com a Constituição.
Marco Teórico (Cont.)
• Princípios do Processo Penal relativos à promoção processual:
a) da Oficialidade – este responde a questão, a quem compete a iniciativa (impulso) de
investigar a prática de uma infracção e a decisão de a submeter ou não a julgamento.
Incide tal questão no sentido de se estabelecer se uma tal iniciativa deve pertencer a
uma entidade pública ou estadual – que persegue o interesse da comunidade,
constituído em Estado, na investigação oficiosa das infracções – ou antes, a quaisquer
entidades particulares, designadamente ao ofendido pela infracção.
O carácter público da acção penal no sentido de que o Estado é titular exclusivo da
acusação penal, que exerce oficiosamente por intermédio do M°P° (art.312 e 330 ambos
do CPP) ou, em casos particulares, (arts.308 a 309 ambos) de outras entidades oficiais,
como as autoridades administrativas e outros organismos do Estado com competência
para a fiscalização de certa actividade ou da execução de regulamentos especiais.
Marco Teórico (cont. )
b) da Legalidade

• Com o princípio da perseguição oficiosa das infracções visa o Estado corresponder ao seu
dever de administração da justiça penal, de onde resulta a condenação de todos os
culpados, e somente deles, da prática de uma infracção. Daqui se extrai que a peça
fundamental deste processo – de modo contrário ao que acontece no processo civil,
onde se dá ao autor a faculdade de aquilatar da oportunidade de propositura da acção –
o princípio da legalidade.

• Em processo penal não há lugar a qualquer juízo de oportunidade sobre a promoção e


prossecução processual. Pelo contrário, a promoção e a prossecução do processo penal
apresenta-se como um dever para o M°P°. Como corolário lógico do princípio da
legalidade no que respeita à acusação pública, resulta o princípio da imutabilidade. De
acordo com este princípio, a acusação não pode ser retirada a partir do momento em que
um tribunal foi chamado a decidir sobre ela.
Marco teórico (Cont. e Fim)
c) da acusação

A imparcialidade e objectividade que associados à independência são condições


indispensáveis de uma autêntica decisão judicial, só estarão assegurados quando a entidade
julgadora não tenha funções de investigação preliminar e acusação de infracções mas
apenas possa “…investigar e julgar dentro dos limites que são postos por uma acusação
fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (em regra, o M°P° ou um juíz de
intrução)”. É assim que modernamente se afirma o princípio da acusação.
• Funções do Ministério Público no processo penal

Como órgão encarregado de promover a perseguição dos crimes e outras infracções à lei
penal, compete ao Ministério Público, em primeiro lugar, proceder à sua completa
investigação e ao seu possível esclarecimento. Para lhe permitir a plena realização desta
finalidade, a lei atribui-lhe a direcção da instrução preparatória – art. 309 do CPP. Esta regra
geral sofre, no entanto, algumas restrições constantes dos preceitos seguintes do mesmo
diploma legal. As autoridades que, além do Ministério Público, podem exercer acção penal
são as enumeradas no art. 315 do CPP.
Do Direito Comparado
Tanto na ordem jurídica Angolana, Brasileira e Portuguesa, a direcção do inquérito é

atribuída ao Ministério Público, titular da acção penal, sendo o juiz das garantias

responsável pelo “exercício das funções jurisdicionais alusivas à tutela imediata e

directa das inviolabilidades pessoais”, na fase da investigação. O controlo da acção

penal passa a se realizar no âmbito exclusivo do Ministério Público.

A ausência de qualquer órgão no controlo oficioso da acção penal reservando-se

apenas e exclusivamente ao Ministério Público bem se compreende, pois o mesmo

violaria claramente a estrutura acusatória do processo penal, o princípio da acusação

e a autonomia entre o Ministério Público e outros órgãos da administração da justiça.


.
VICISSITUDES DO EXERCÍCIO DA ACÇÃO PENAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO

A Acção Penal fundamenta-se do princípio baseado na segurança jurídica e


especialmente na segurança do indivíduo frente ao Estado, o que num Estado de Direito
Democrático se traduz no direito do indivíduo de não ser afectado nos bens essenciais da
sua vida, senão na medida exigida por lei à realização dos fins do Estado.

A Acção Penal também baseia-se do princípio da segurança jurídica versa principalmente


sobre a estabilidade dos actos jurídicos realizados, situações jurídicas consolidadas e os
direitos já incorporados ao património do cidadão, sustentando a estabilidade social
frente às constantes alterações efetuadas no direito.

Assim, no Estado de Direito Democrático do qual Moçambique alinha-se, se funda na


legitimidade de uma Constituição, proveniente da vontade popular e que, dotada de
supremacia, vincule todos os poderes e os actos deles provenientes. Considerando que a
Constituição é a lei suprema dentro de um sistema jurídico, torna-se indispensável
assegurar sua supremacia em face da legislação infraconstitucional, havendo a
necessidade de criação de um mecanismo para verificação da compatibilidade de tais
normas com a lei mãe Cfr.art.3 da CRM.
(Cont.)
Do Princípio da Supremacia da Constituição, decorrem mecanismos completos de controlo,

possibilitando a aplicação das normas constitucionais, ficando, assim, visível que para haver ordem

constitucional, a produção legislativa do ordenamento jurídico deve ter um Controle de

Constitucionalidade incisivo.

As normas contidas na alínea b) do n°2 do artigo 59 e no n°2 do artigo 61, ambos do CPP que passamos

a citar: compete, em especial, ao Ministério Público: Artigo 59 (Posição e atribuições do Ministério

Público no processo), alínea b): dirigir a instrução.

Órgãos Auxiliares artigo 61/2 do CPP - (Competência dos serviços de investigação criminal), que

também passamos a citar, dizem: compete, em especial, aos serviços de investigação criminal, mesmo

por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir, quanto possível, as suas consequências,

descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os

meios de prova. Violam o disposto no artigo 235, da CRM que dispõe: Artigo 235, (Funções):ao

Ministério Público compete (...) dirigir a instrução preparatória dos processos-crime, exercer a acção

penal e (...).
(cont.e Fim)
Em consequência existem os órgãos auxiliares artigo 61/2 do CPP - (Competência dos serviços de
investigação criminal), que vão colidir com o que diz a CRM porque o seu conteúdo Viola o
disposto no artigo 235, da CRM que dispõe: Artigo 235, (Funções):ao Ministério Público compete
(...) dirigir a instrução preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal e (...).Ora, o CPP na
versão introduzida pela Lei n° 25/2019, de 26 de Dezembro atribui ao Ministério Público, na al. b),
do art. 59 a função de “dirigir a instrução" cuja finalidade descrita no art.307 CPP, é a mesma que
a da instrução preparatória constante do artigo 12 do Decreto-Lei n°35007, de 13 de Outubro de
1945 (ora revogado). na senda das funções do Ministério Público, o art.235 da CRM, atribui a este
órgão o pecúlio do exercício da acção penal, o que é contrariado pelo n o2 do art. 61 do CPP
aprovado em 26 de Dezembro de 2019,que atribui competência especial ao Serviço de
Investigação Criminal de, por iniciativa própria, colher notícia dos crimes, impedir, quanto
possível, as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e
urgentes destinados a assegurar os meios de prova.

Esta tarefa atribuída ao Serviço de Investigação Criminal é, constitucionalmente reservada, no


artigo 236 da CRM, ao Ministério Público.
Conclusão
É incompreensível que um órgão “ab initio" coadjuvante (no1 do artigo 61 CPP), de repente
assuma a liderança na função persecutória do crime e do criminoso e da própria instrução do
processo-crime (art.307 do CPP),pois que, ao pretender condicionar os efeitos pretendidos
pelas normas de direito fundamental à edição de normatização infraconstitucional
regulamentar resultaria, em termos práticos, na eliminação dos limites consubstanciados nos
direitos fundamentais e na equiparação do poder estatal ao poder constituinte, com
consequente ameaça ao Estado Constitucional. O processo é um instrumento para a
realização do Direito Penal, e deve, por isso, realizar sua dupla função: de um lado, tornar
viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efectivo instrumento de garantia dos
direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra os actos abusivos do
Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de limitação da
actividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efectividade aos direitos
individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório,
defesa, isto porque antes de servir para a aplicação da pena, o processo serve ao Direito
Penal.
Cont.fim

Pelo que, tendo -se em conta o exposto supra, deve – se concluir que a não previsão daqueles

crimes do no2 do artigo 61 do CPP viola o princípio da legalidade e, deve por isso ser declarado

inconstitucional pelo nos termos do no 2 do artigo 244 da CRM. Tratando-se de uma competência

constitucionalmente reservada ao Ministério Publico oficiosamente, atribuir o mesmo carácter a

quaisquer outro órgão, seria claramente violar o artigo 235 da CRM. Dai a inconstitucionalidade

do no2, artigo 61 do CPP. Nestes termos, concluímos que a norma do no2 do artigo 61 do Código

de Processo Penal, aprovado pela lei nº 25/2019, de 26 de Dezembro, padecem de uma

inconstitucionalidade formal superveniente e de ilegalidade, por regular matéria exclusiva do

legislador constituinte, pelo que e deve ser por força do disposto no no4 do artigo 2 da

Constituição da República de Moçambique ser revogada por inconstitucionalidade superveniente

a ser declarada pelo Conselho Constitucional de Moçambique. Padece igualmente de

inconstitucionalidade material por estar contra os princípios constitucionais em que assentam as

garantias processuais dos indivíduos, como a tipicidade/legalidade e segurança jurídicas.


Sugestões
• Que o aplicador da lei não a ponha em prática o disposto nas normas dos artigos 59 e 61

aqui referenciadas em respeito ao princípio da legalidade.

• Que o legislador exclua o termo “por iniciativa própria” ao SERNIC no exercício da acção

penal, em consideração ao Estado de direito democrático, legalidade, liberdade por

garantirem a segurança jurídica; ou

• Que o conselho constitucional declare inconstitucional e ou ilegal a norma do n o2 do

artigo 61 e 59 alínea b) ambos do CPP por violação do princípio da liberdade e garantias

individuais previsto no no1 do artigo 56 da CRM, nos termos do no 2 do artigo 244 da CRM;

• Que a norma do no2 do artigo 61 do CPP não seja pelo aplicador e intérprete da lei

processual penal posta em prática respeitando dessa forma as liberdades e garantias

individuais ora citadas.


Referências Bibliográficas
Legislação
• REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique de 2004,
com as alterações introduzidas pela lei no 1/2018 de 12 de Dezembro, Publicada no
Boletim da República I Série Número 115 de 12 de junho.
• _________________________Código Penal, aprovado pela Lei n.º 24/2019 de 24 de
Dezembro, publicado no Boletim da República I Série Número 248 de 24 de
Dezembro.
• __________________________Código de Processo Penal, aprovado pela Lei n.º
25/2019 de 26 de Dezembro, publicado no Boletim da República I Série Número 249
de 26 de Dezembro.
Manuais
• CANOTILHO, J.J, Direito Constitucional, Almedina, 5aedição, Coimbra, 1991.
• CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral 1, 16aed. Saraiva, São
Paulo,2012.
• CUNA, Ribeiro José. Lições de Direito Processual Penal. Escolar, Maputo, 2014.
• DINIS, Almerinda et all. Introdução ao Estudo do Direito – 12 ano, texto, Lisboa,1998.

Referências Bibliográficas (Cont.)
Parte - II: Obras
• AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo - o poder
administrativo e as garantias dos particulares, Volume IV, 2ª Parte, Livraria
Almedina, 1983.
• ––––––––––––––––––––––––––––––, Curso de Direito Administrativo, vol.II,
2aedição, Almedina, 1988.
• ––––––––––––––––––––––––––––––, Manual de Introdução ao Direito, vol.I,
Almedina,2012.
• ––––––––––––––––––––––––––––––, Curso de Direito Administrativo, vol.II, 2a
edição, Almedina, 2012.
• CAETANO, Marcello, Manual de Ciência Politica e Direito Constitucional,
6aedição,TOMO – II.Coimbra, Lisboa,1972.
• ––––––––––––––––––––––––––––––,Manual de Direito administrativo, Vol.I,
Almedina, 10aedição,1980.
• ––––––––––––––––––––––––––––––,Manual de Ciência Politica e Direito
Constitucional, Tomo II, Coimbra, Lisboa, 1972.
FIM
Obrigado Pela Atenção
KO‘O XUKURU

Você também pode gostar