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Licenciatura em Direito
Lichinga, 2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
Licenciatura em Direito
Supervisor:
_________________________
Lichinga, 2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
Licenciatura em Direito
Os elementos do júri:
Presidente:_______________________________________
Oponente:________________________________________
Supervisor:_______________________________________
Lichinga, 2023
iii
Índice
Dedicatória.................................................................................................................................vii
Agradecimentos........................................................................................................................viii
Lista de Abreviaturas..................................................................................................................ix
Declaração de Honra...................................................................................................................ix
Resumo .....................................................................................................................................x
Introdução..................................................................................................................................11
iv
1.10 O Ministério Público..........................................................................................................30
Conclusão...................................................................................................................................20
Recomendações..........................................................................................................................21
Referências Bibliográficas.........................................................................................................22
v
Dedicatória
vi
Agradecimentos
A Deus em primeiro lugar por ter abençoado minha vida e a vida dos meus entes
queridos, e por ter abençoado todas aquelas mãos que directas ou indirectamente
participaram na minha vida académica. Ainda aos meus pais Mário Marcoa e Fátima
João que se dedicaram por mim todos esses tempos por ter acreditado nas minhas
capacidades, pela confiança, pelo carinho pelos conselhos em fim e pelos puxões de
orelha, e ainda por nunca ter desistido mesmo depois de ter os desapontado, e que na
segunda encarnação que deus me de novamente vocês como meus pais; as minhas
madrinhas Jacinta e irmã Anapaula que mesmo sem saber ajudaram-me bastante,
principalmente a Jacinta que sempre teve tempo para me escutar, aconselhar e me
criticar quando necessário. E obrigada pelos ensinamentos, que deus continue
abençoando vocês; aos meus irmãos que são uma grande companhia que com cada
bagunça deles apreendo algo principalmente Kariath e Telmino vossa brincadeiras
significou muito pra mim, vocês são uma definição de amor, meus únicos e verdadeiros
amigos. MUITO OBRIGADO.
vii
Lista de Abreviaturas
Al/s. – Alínea/s;
Art/s – Artigo/s;
CP - Código Penal
ET AL – e outros
MP – Ministério Público
N.O e / - Número
N.o/s. – Número/s;
Pág/s. – Página/s
SS – Seguintes
Vol. – Volume;
viii
Declaração de Honra
Declaro por minha honra que este trabalho de monografia constitui documento único,
nunca foi apresentado por nenhuma Universidade, e tem como fim aquisição de grau de
Licenciatura em Direito, no qual constitui o resultado da minha investigação, pessoal e
da orientação do supervisor. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas
estão devidamente mencionadas no corpo do trabalho e na bibliografia.
A candidata
__________________________________
Palmira Mário Marcoa
ix
Resumo
x
Introdução
11
da acção penal promovida exclusivamente pelo MP, não depende de qualquer manifestação de
vontade da vítima para a sua procedibilidade, mesmo, que eventualmente, possa submeter-se a
outras condições de procedibilidade. Será sempre incondicionada quando a lei, ou a
jurisprudência, não dispuser de forma expressa sobre qualquer forma específica para a sua
promoção, casos em que se utiliza as expressões: somente se procede mediante queixa, ou
somente se procede mediante representação. A titularidade é exclusiva do MP, mas depende da
provocação do ofendido (condição de procedibilidade). A presente monografia científica visa as
normas contidas na alínea b) do no2 do artigo 59 e no no2 do artigo 61 ambos do Código de
Processo Penal (CPP) dizem que compete em especial ao Ministério Público (MP): dirigir a
instrução; por conseguinte, o no2 do artigo 61 do mesmo dispositivo legal, dispõe que: compete,
em Especial, aos Serviços de Investigação Criminal (SERNIC), mesmo por iniciativa própria,
colher a notícia dos crimes e impedir, quanto possível, as suas consequências, descobrir os seus
agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova;
contudo, o artigo 235 da Constituição da República de Moçambique (CRM), que se ocupa das
funções do Ministério Publico, dispõe que: ao Ministério Públio compete (…) dirigir a instrução
preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal (...). Ora, a alínea b) do n o2 do artigo 59
do CPP, aprovado pela lei no 25/2019, de 26 de Dezembro, atribui ao Ministério Público a
função de dirigir a instrução, cuja finalidade descrita no artigo 307 do CPP revogado, é, por
exemplo, a mesma que a da instrução preparatória constante do artigo 12 do Decreto 35007, de
13 de Outubro de 1945 ora revogado; nesses termos nos colocamos a seguinte questão de
partida: até que ponto a alínea b) do no2do artigo 59 e o no2 do artigo 61 do CPP obedecem ao
princípio constitucional previsto no artigo 235 da CRM? Assim, foi definido como objectivo
geral: Analisar a Constitucionalidade e ou legalidade do exercício da acção penal nos termos da
alínea b) do no2do artigo 59 e do no2 do artigo 61 do CPP tendo em conta o artigo 235 da CRM;
e como objectivos específicos: Identificar a inconstitucionalidade patente da norma alínea b) do no2do
artigo 59 e do no2 do artigo 61 do CPP no ordenamento jurídico moçambicano; explicar a
inconstitucionalidade e legalidade da alínea b) do no2do artigo 59 e dono2 do artigo 61 do CPP face ao
artigo 235 da CRM; Propor formas da aplicabilidade da função de instrução do processo pelo MP .O que
nos leva a optar por esta temática, é o facto de o CPP que contem as disposições legais em
alusão, ser actual, o que esta situação aqui por nos aludida pode trazer várias interpretações, e
mais ainda, ao condicionar os efeitos pretendidos pelas normas de direito fundamental à edição
12
da normatização infraconstitucional regulamentar, resultaria, em termos práticos, na eliminação
dos limites consubstanciados nos direitos fundamentais e na equiparação do poder estatal ao
poder constituinte, com consequente ameaça ao Estado constitucional. A metodologia, o presente
trabalho de pesquisa recorreu a pesquisa bibliográfica, na medida em que procedemos com uma
análise bibliográfica, legislação, manuais, e artigos científicos. Apoiámo-nos ao enfoque
qualitativo, visto que na ciência jurídica é por excelência o método recomendado. Este método
permite-nos a obtenção de dados de jeito eficiente com o menor custo na realização do presente
trabalho académico. Quanto a estrutura, presente trabalho de pesquisa, tem três capítulos
descritos da seguinte ordem: No primeiro capítulo é referente a fundamentação teórica, onde
encontra-se descrita os vários conceitos de teorias e concepções que os diversos doutrinários
apresentam relevantes para a problemática em estudo. O segundo capítulo tem como objectivo
principal comparar com diversos ordenamentos jurídicos tais como, Angola, Brasil e Portugal, a
escolha destes dois países, é pelo facto dos mesmos serem semelhantes ao nosso sistema jurídico,
e no terceiro capítulo por sinal o último, este é exclusivamente destinado à apresentação, análise
e discussão dos resultados obtidos no desenvolvimento do trabalho de pesquisa, com base a
fundamentação teórica, destinado especialmente para fazer uma abordagem detalhada e sobre os
aspectos fundamentais da problemática, buscando trazer argumentos, e tomar posições diante do
presente problema em estudo.
13
CAPÍTULO I: MARCO TEÓRICO
14
1.3 Evolução das Formas de Processo no Processo Penal Moçambicano
O artigo 62.º do Código de Processo Penal de 1929, na sua redacção originária, dizia que o
processo penal era comum ou especial. As cinco formas do processo comum então previstas
eram: o processo de querela, o processo correccional, o processo de polícia correccional, o
processo de transgressões e o processo sumário. O § único do mesmo artigo estabelecia: “Estas
formas de processo deverão empregar-se nos termos dos artigos seguintes, quando não haja
processo especial prescrito na lei.
As formas do processo comum passaram a ser as seguintes: 1.ª – Processo de querela; 2.ª
– Processo correccional; 3.ª – Processo de transgressão; 4.ª – Processo sumário. Para além das
quatro formas de processo comum, o artigo 62.º do CPP de 1929 previa formas de processo
especial, a utilizar apenas nos casos expressamente admitidos por lei. No CPP de 1929, os
processos especiais encontravam-se regulados no Título VII do Livro II e eram os seguintes4: 1)
o processo de ausentes (artigos 625º e segs.); 2) o processo por difamação, calúnia e injúria
(artigos 587º e segs.); 3) o processo por infracções cometidas pelos juízes de direito de 1.ª
instância e magistrados do Ministério Público, junto deles, no exercício das suas funções ou por
causa delas (artigos 595º e segs.); 4) o processo por infracções cometidas pelos juízes de 1.ª
instância e magistrados do Ministério Público, junto deles, estranha ao exercício das mesmas
funções (artigos 609º e segs.); 5) o processo por infracções cometidas pelos juízes das Relações
ou do Supremo Tribunal de Justiça, pelos magistrados do Ministério Público, junto deles ou
outros de igual categoria (artigos 613º e segs.); 6) o processo de reforma de autos perdidos,
extraviados ou destruídos (artigos 617º e segs.). Assim com entrada em vigor da lei n o n.º
2
CUNA, Ribeiro José. Lições de Direito Processual Penal. Escolar, Maputo, 2014, pp.45-46.
15
25/2019 de 26 de Dezembro, passamos a ter como formas de processo penal: comum ou
especial3.
Por isso, certos autores entendem que seu âmbito de aplicação se esgota com trânsito em
julgado da sentença, já não abrangendo a fase de execução da pena, que teria índole puramente
administrativo. Outros, pelo contrário, sustentam que o direito de execução das penas se integra,
todo ele, no direito processual penal, pese embora a circunstância de à administração
penitenciária estar reservada uma esfera de actuação própria, que pode dizer-se livre da
jurisdição.
Nesta última corrente se situa Figueiredo Dias, para quem, no entanto, é necessário
distinguir a regulamentação respeitante à determinação prática do conteúdo da sentença
condenatória – e, por conseguinte, à realização concreta da pena imposta - ,da regulamentação
referente ao efeito executivo da sentença (num sentido análogo àquele em que, no processo civil,
se fala da exequibilidade da sentença) e, consequentemente, aos preliminares ao controlo geral
da excução (incluindo os incidentes da execução. No primeiro caso, tratar-se-á de matéria
substantiva e no segundo, de matéria processual4.
Cremos poder concordar com este autor, tanto mais que, como ele próprio assinala, o C.P.Penal
vigente consagra um Título específico às execuções (o Título VIII do Livro II - arts.625 a 640) –
sem, todavia, abranger a parte respeitante às penas privativas de liberdade - , o que reforça o
argumento de ser esta, essencialmente, uma área de actuação do direito processual.
3
Cfr.artigos 305 a 306 ambos do CPP.
4
Fig. Dias. op.cit. p.37
16
1.5 Sistemas de Processo Penal
a) Sistema Inquisitivo
É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a
função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas; não há debates orais,
predominando procedimentos exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos à recusa;
o procedimento é sigiloso; há ausência de contraditório e a defesa é meramente decorativa. Esse
sistema foi utilizado com sucesso em parte da Idade Média para combater os abusos cometidos
pelos senhores feudais e pela aristocracia em detrimento de vassalos e pessoas pobres. Diante
disso, os reis podiam enviar os juízes inquisidores, em seu nome, com poder suficiente para se
voltar contra os ricos, autores de delitos graves, que não podiam ser tratados com absoluta
igualdade. Aliás, aplicava-se a ideia da isonomia – tratar desigualmente os desiguais.
Actuando contra ricos e poderosos, o processo penal jamais poderia lastrear-se, à época,
em plena igualdade. Eis o motivo pelo qual o juiz inquisidor consegue amealhar provas, sem que
as testemunhas se furtasse aos depoimentos, com temor de represálias, fazendo-o de maneira
sigilosa, até que ficasse pronta a instrução. Assim, vítimas pobres poderiam ver a justiça ser
realizada mesmo quando seus algozes fossem nobres ou afortunados. Por óbvio, o sistema
inquisitivo, mesmo servindo a um lado positivo, apresentou várias falhas e deu ensejo a abusos.
Um dos principais custos do referido sistema deu-se, justamente, no âmbito da inquisição
promovida pela Igreja, à cata de hereges.
Em lugar de combater a injustiça social, terminou por promover uma autêntica caça às
bruxas (literalmente), sem a menor chance de defesa. O advento da Revolução Francesa, com as
ideias iluministas, torna o sistema inquisitivo incompatível com a nova realidade. Isso jamais
17
significou que seus postulados fossem completamente despropositados e inválidos para garantir a
eficiência de uma investigação criminal. Tanto é verdade que, no mundo actual, vê-se o sistema
inquisitivo permear a persecução penal em vários momentos.
b) Sistema Acusatório
c) Sistema Misto
Surgido após a Revolução Francesa, uniu as virtudes dos dois anteriores, caracterizando-
se pela divisão do processo em duas grandes fases: a instrução preliminar, com os elementos do
sistema inquisitivo, e a fase de julgamento, com a predominância do sistema acusatório. Num
primeiro estágio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto, no segundo,
presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração dos atos
processuais, a intervenção de juízes populares e a livre apreciação das provas.
Conforme bem atesta Gilberto Lozzi, na realidade, não existe um processo acusatório
puro ou um processo inquisitório puro, mas somente um processo misto, de onde se possa
perceber a predominância do sistema acusatório ou do inquisitivo (Lezioni di procedura penale,
p. 5). Essa é, sem dúvida, a realidade da maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo actual.
18
d) Opção do Sistema Processual Moçambicano
Ele é constituído pela junção dos princípios constitucionais de processo penal associado às
normas instituídas em legislação ordinária. Não há como negar o encontro dos dois lados da
moeda (Constituição e CPP), resultando, legitimamente, no hibridismo que temos hoje. Sem
dúvida, trata-se de um sistema complexo, pois é o resultado de um Código, cuja alma, em seu
nascedouro, possuía forte natureza inquisitiva, depois iluminado por uma Constituição da
República imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório. No entanto, várias
reformas ao Código de Processo Penal foram implantadas, desde 1929 até hoje, amenizando a
intensidade do inquisitivísmo e conferindo-lhe as nuanças do sistema acusatório, sem jamais
transformá-lo num sistema puro.
19
Por tudo isso, diz-se que “o moderno processo penal delineia-se inquisitório,
substancialmente, na sua essencialidade; e, formalmente, no tocante ao procedimento
desenrolado na segunda fase da persecução penal, acusatório. Defender o contrário, classificando
o nosso sistema como acusatório puro, é omitir que o juiz moçambicano produz prova de ofício,
decreta a prisão do acusado de ofício, sem que nenhuma das partes tenha solicitado, bem como
se vale, sem a menor preocupação, de elementos produzidos longe do contraditório, para formar
sua convicção.
Em suma, com todas as reformas havidas no Código de Processo Penal, continua ele com o
seu carácter misto, numa formação inquisitivo-garantista. E não se pode negar ter esse sistema as
suas inegáveis vantagens, pois a fase preliminar de investigação somente consegue ser célere e
dinâmica, impedindo a perda de provas, porque mantém seu carácter inquisitivo. A par disso,
quando se está em juízo, predominam os aspectos acusatórios.
Face aos modelos estruturais acabados de descrever, e em função do que acima foi dito,
quer a propósito do objecto do processo, quer das diferenças entre os processos penal e civil,
facilmente se conclui que o tipo de processo penal definido na legislação entre nós não
corresponde a um puro processo de partes.
20
O Ministério Público não tem, como as partes em processo civil, o domínio do objecto do
processo: não lhe cabe qualquer margem de discricionariedade em acusar ou não acusar, nem a
acusação pode ser retirada a partir do momento em que o tribunal for chamado a decidir sobre
ela.
Do exposto resulta que o processo penal em Moçambique é tipicamente um processo sem partes,
embora isso não signifique que a sua estrutura se confunde com a do tipo inquisitório (pelo
menos na sua forma pura). Ele é, na verdade, um processo basicamente acusatório, mas
integrado por um princípio de investigação, que, como vimos, está consagrado com carácter
geral no artigo 5 do CPP.
A estrutura do sistema processual penal vigente entre nós é, conforme veremos adiante 5,
basicamente acusatória se bem que integrada por um princípio de investigação. Isso implica que
o tribunal só possa intervir quando solicitado por uma acusação formulada por uma entidade dele
distinta e independente (o Ministério Público), e que o conteúdo da acusação delimita a própria
actividade processual do tribunal.
Disto resulta que a sentença final, salvo casos excepcionais que a lei expressamente prevê, só
pode condenar por factos constantes do despacho de pronúncia ou equivalente.
No comentário a este preceito legal, Beleza dos Santos escreve: “Este limite imposto ao
tribunal de julgamento representa uma justa garantia para o réu e tem uma justificação fácil de
ver. O réu não deve ser surpreendido por uma imputação de factos feita na audiência de
julgamento e tomada em consideração na sentença, quando por tais factos não foi anteriormente
5
V. supra “A estrutura fundamental do processo penal em Moçambique”, ponto 1. 5.1
21
pronunciado e não pôde, por isso, organizar e deduzir a sua defesa a tal respeito, oferecer e
produzir a respectiva prova, com os prazos devidos.
Pode, pois, concluir-se que o objecto do processo penal é o facto (ou comportamento
humano) concreto, na sua existência real, que importa averiguar e cuja verificação é pressuposto
da aplicação da pena7.
O objecto do processo penal não se apresenta delimitado desde o início deste. É susceptível de
diferentes graus de apreciação, consoante a evolução que o próprio processo vai tendo, quer
dizer, de acordo com as fases em que se desenvolve. A um primeiro juízo de suspeita sobre o
facto, segue-se uma fase instrutória destinada precisamente a obter a confirmação desse juízo de
suspeita. Com a acusação e pronúncia, o juízo de suspeita transforma-se num juízo de
probabilidade. Por último, para que a decisão final seja condenatória é necessária a formulação
de um juízo de certeza sobre o facto objecto do processo8.
6
- in A sentença condenatória e a pronuncia em processo penal, Rev. de Legis. Jurisp., 63°Ano, págs. 385 e segts.
7
- ou, na definição de José da Costa Pimenta, “… é um conjunto de factos humanos, devidamente situados no tempo
e no espaço, que integram os pressupostos de que depende a aplicação ao seu autor de uma pena ou medida
segurança criminais” (in Introdução ao processo penal, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 22)
8
Sobre a distinção entre juízos de suspeita, de probabilidade e de certeza, v. Cavaleiro de Ferreira, op. cit. págs.33 e
II Volume, pág. 283.
22
1.7 Fim do Processo Penal
O processo penal visa a aplicação do direito penal substantivo aos casos concretos. Essa
função instrumental que lhe é característica exprime-se de forma simples nestas duas máximas
latinas: impunitus non relinqui facinus (nenhum criminosos deve ficar sem punição) e
innocentum non condemnari (nenhum inocente deve ser condenado).
De acordo com uma certa maneira de encarar o direito, e o processo penal em particular,
a aludida natureza instrumental impõe a este, como fim a prosseguir, a ideia de realização da
justiça, que só é possível obter com a descoberta da verdade material e o restabelecimento da paz
juridica violada.
Certo é, todavia, que a realização da justiça do mesmo modo que a segurança do direito e
a verdade material – todas elas categorias axiológicas por certo compreendidas no fim último do
processo penal- não podem ser estimadas como valores absolutos, antes devem entender-se na
sua referência a cada caso historicamente determinado. Tanto assim é que, frequentemente, estes
valores entram em conflito uns com os outros.
Com efeito, quantas vezes institutos como o do caso julgado, ou princípios como o in
dubio pro reo, de aplicabilidade mais do que reconhecida no processo penal, conduzem, na
prática, a condenações e absolvições materialmente injustas, em nome da segurança jurídica das
respectivas decisões.
A referência histórica que acabou de ser feita às diversas concepções políticas do Estado
e à sua conexão com os correspondentes modelos estruturais do processo penal mostra como este
está tão intimamente relacionado com o Direito Constitucional. De tal modo essa ligação é
estreita que um autor alemão, H. Henkel,9 considera o direito processual penal como verdadeiro
direito constitucional aplicado.
9
Citado por Figueiredo Dias, op. cit. págf.74.
23
Isto, não só porque os fundamentos daquele representam simultaneamente os alicerces
constitucionais do Estado, mas também porque a concreta regulamentação de problemas
essenciais do processo penal é, e deve ser, conformada com a Constituição.
10
A proibição da retirada de uma acção em tribunal cuja competência fora fixada por lei anterior.
24
Sendo o Direito Penal um direito de protecção dos bens fundamentais da sociedade e o
processo penal um assunto da comunidade jurídica, em nome e no interesse da qual se tem de
esclarecer o crime, perseguir e punir o criminoso, torna-se assim compreensível que a
generalidade das legislações actuais se paute no sentido de reputar a promoção processual das
infracções tarefa estadual a realizar oficiosamente e em completa independência da vontade e da
actuação de quaisquer particulares.
25
jurisdicionais, que devem promover oficiosamente o conjunto de diligências destinadas a provar
a culpa ou a inocência dos arguidos: (em regra ao Ministério Público).
O carácter público da acção penal no sentido de que o Estado é titular exclusivo da acusação
penal, que exerce oficiosamente por intermédio do M°P° (art.312 e 330 ambos do CPP) ou, em
casos particulares, (arts.308 a 309 ambos) de outras entidades oficiais, como as autoridades
administrativas e outros organismos do Estado com competência para a fiscalização de certa
actividade ou da execução de regulamentos especiais.
De notar, porém, que este princípio da promoção oficiosa não se afirma sem limitações,
que podem ser de ordem legal ou de ordem jurisprudencial. São de ordem legal as derivadas da
existência de crimes semipúblicos e dos crimes particulares. As de ordem jurisprudencial advêm
do facto de se continuar a admitir amplamente a possibildade de os particulares assistentes
acusarem por crimes públicos, mesmo nos casos em que o M°P° se tenha abstido de acusar.
São crimes públicos aqueles em que o M°P° promove oficiosamente e por inciativa
própria o processo penal e decide com plena autonomia – observando, porém, estritamente o
princípio da legalidade - da submissão ou não de uma infracção penal a julgamento.Crimes
particulars, latu sensu, são aqueles em que a legitimidade do M°P° para por eles acusar precisa
de ser integrada por uma denúncia ou também por uma acusação particular.
Fácil é de compreender a ratio dos crimes particulares e mesmo semi - particulares (ou
semi - públicos) se se atentar ao facto de que certas infracções, certas formas de ofensas
corporais, danos, furtos ,injúrias, não se relacionam com bens jurídicos fundamentais da
comunidade de forma tão directa, de tal sorte que aquela sinta a necessidade de reagir
automaticamente contra o infractor. Se o ofendido entender não fazer valer a exigência da
retribuição, a comunidade considera que o assunto não merece ser apreciado em processo penal:
isto por um lado.
Por outro lado, há que reter a ideia de que em certas infracções ( v. g. crimes sexuais,
furto entre parentes) a prossecução penal contra a vontade do ofendido pode ser inconveniente ou
mesmo de consequência negativa para interesses seus dignos de toda consideração, uma vez que
se encontram relacionados com a sua esfera íntima ou familiar. Face a tal conflito de interesses
juridicamente relevantes, o legislador optou por dar prevalência ao interesse do particular.
26
Para além destas razões, acresce, ainda, o princípio da legalidade, que vincula
estritamente o M°P° a dar acusação por todas as infracções cujos pressupostos considera
verificados. Não havendo, assim, limitações acima referidas e, por força do princípio da
legalidade, poderia resultar que os tribunais se vissem assoberbados por um elevado número de
processos penais de duvidoso valor e interesse comunitário.
Com o princípio da perseguição oficiosa das infracções visa o Estado corresponder ao seu
dever de administração da justiça penal, de onde resulta a condenação de todos os culpados, e
somente deles,da prática de uma infracção. Daqui se extrai que a peça fundamental deste
processo – de modo contrário ao que acontece no processo civil, onde se dá ao autor a faculdade
de aquilatar da oportunidade de propositura da acção – o princípio da legalidade.
27
O princípio da legalidade preserva um dos fundamentos essenciais do Estado de direito,
na medida em que isenta a justiça penal de suspeitas e tentações de parcialidade e arbítrio. Se
acaso fosse permitida aos órgãos públicos encarregados do procedimento penal apreciarem da
conveniência do seu exercício e omiti-lo por inoportuno, avolumar-se-ia o perigo de
aparecimento de influências externas da mais variada ordem, na administraçao da justiça penal e,
mesmo que tais influências não lograssem impôr-se, ficaria irremediavelmente comprometida a
confiança da comunidade na incondicional objectividade e imparcialidade daquela
administração.
Vem, assim, o princípio da legalidade em reforço e confirmação de uma máxima tão importante
como a da igualdade na aplicação do direito, máxima essa com foro constitucional na República
de Moçambique ( v. arts.35, 59 n°1, 234 n°2 e 236 da CRM de 2004, em atenção as alterações
introduzidas em 2018).
Depreende-se destas normas que o titular público da acusação deve exercer os poderes
conferidos por lei sem atentar no estado ou na qualidade da pessoa ou nos interesses de terceiros.
Ressalvam-se, naturalmente, as limitações derivadas dos pressupostos processuais ou de
condições de aplicabilidade do próprio direito penal substantivo 11.O princípio da legalidade
defende e potencia, neste contexto, o efeito da prevenção geral que deve estar e continuar ligado
não só à pena, mas a toda a administração da justiça penal.
11
De modo diverso expende Castanheira Neves, ao considerar a invocação da garantia política ou administrativa
como verdadeiro limite ao princípio da legalidade.
12
Figueiredo Dias, op. cit. pág. 136 e segs.
28
De realçar, no entanto, que pode formalmente existir um órgão diferenciado encarregado
da acusação sem, todavia, estar-se perante o princípio da acusação. Foi o que sucedeu durante a
vigência plena do CPP de 1929 quando o M°P° deduzia a acusação mas em função de uma
instrução preliminar (corpo de delito) dirigido pelo mesmo juíz a quem caberia o julgamento.
Trata-se, neste caso, de um processo com forma acusatória e não de um processo com princípio
de acusação.
Um processo de tipo acusatório (seja ele puro, como v.g., o inglês clássico, ou esteja
integrado por um princípio de investigação) supõe – para além do princípio da acusação – a
aceitação da participação constitutiva dos sujeitos processuais na declaração do direito do caso.
1. O tribunal a quem cabe o julgamento não pode, por sua iniciativa, começar uma
investigação tendente ao esclarecimento de uma infracção e a determinação dos seus
sujeitos. Tal só pode ter lugar numa fase processual cuja iniciativa e direcção caiba a uma
entidade diferente;
2. A dedução da acusação é pressuposto de toda a actividade jurisdicional de investigação,
conhecimento e decisão. Ela afirma publicamente que sobre alguém recai uma suspeita
tão forte de responsabilidade por uma infracção, que impõe uma decisão judicial; e, por
consequência, a afirmação pública e solene de que a comunidade jurídica chama um seu
membro à responsabilidade;
3. A acusação define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo. Num processo de tipo
inquisitório puro, a cognição do tribunal poderia dirigir-se indiscriminadamente a
qualquer suspeita de infracção ou de infractor, mesmo que aquela não tivesse nenhum
reflexo no contexto da acusação (se esta existisse). Segundo o princípio do acusatório,
pelo contrário - e esta é, sem dúvida a sua implicação mais relevante - a actividade
cognitiva e decisória do tribunal está estritamente limitada pelo objecto da acusação (e da
pronúncia). É a este efeito que alguns autores chamam de vinculação temática do
tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou da
indivisibilidade e da consução do objecto do processo penal, isto é, os princípios segundo
os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a acusação ao trânsito em
29
julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e
indivisivelmente) e deve considerar-se irrepetivelmente decidido.
30
É este relacionamento estreito entre Ministério Público e juíz que torna difícil e muito
discutida a definição da posição jurídica do primeiro dentro do processo penal. A questão, mais
do que respeitar propriamente ao Direito processual penal, prende-se com o Direito
Constitucional e com a Organização Judiciária. As principais posições que se têm manifestado na
doutrina sobre o assunto podem reunir-se em três grupos:
Esta tese é rejeitada por muitos autores, com a argumentação de que a função judicial se
concretiza, materialmente, pela declaração do direito do caso (ou seja, pela aplicação das
normas jurídicas a um caso penal concreto), através de uma decisão susceptível de transitar em
julgado. E esta possibilidade está vedada ao M°P°: ele participa dessa função, é verdade, como
dela participam os outros sujeitos processuais, mas não lhe pertence declarar o direito do caso,
nem as suas decisões assumem a característica ou virtualidade de caso julgado.
c) Finalmente a tese hoje dominante na doutrina alemã (que exerce enorme influência nos
paises de sistema romano-germânico), perfilhada, entre outros autores, por Moçambique, que
qualifica o M°P° como órgão autónomo de administração da justiça.
31
Segundo esta corrente doutrinária, há que distinguir a função de administração da justiça
da função judicial em sentido estrito, por um lado, e da função administrativa comum, por outro
lado. A primeira funciona como uma ponte entre o Poder Judicial e o Poder Executivo. A função
de administração da justiça ou administração judiciária, abrange toda a actividade, estadual ou
não, caracterizada pela sua estreita relacionação com o Direito (no sentido e com o fim da sua
realização no caso concreto) e subordinada aos valores da verdade e da justiça. Desta função
participam órgãos e entidades como os tribunais, os notários, os defensores em processo penal,
etc. Só uma parte do exercício desta actividade se pode considerar jurisprudência (e, portanto,
função judicial), enquanto a outra constitui simplesmente administração da justiça.
Como órgão encarregado de promover a perseguição dos crimes e outras infracções à lei
penal, compete ao Ministério Público, em primeiro lugar, proceder à sua completa investigação e
ao seu possível esclarecimento. Para lhe permitir a plena realização desta finalidade, a lei atribui-
lhe a direcção da instrução preparatória – art. 309 do CPP. Esta regra geral sofre, no entanto,
algumas restrições constantes dos preceitos seguintes do mesmo diploma legal. As autoridades
que, além do Ministério Público, podem exercer acção penal são as enumeradas no art. 315 do
CPP.
32
CAPITULO-II: DIREITO COMPARADO
A lei estabelece que, durante o inquérito, a medida de coacção que avulte a prisão
preventiva só pode ser aplicada mediante o requerimento do MP, funcionando aqui aquilo que a
doutrina tem denominado de princípio do pedido13. “Este facto justifica-se porque ao MP, na
qualidade de dominus da acção penal, compete avaliar a exigência de uma determinada medida
para dar cobro às finalidades cautelares nesta fase.
Uma qualquer aplicação de medida de coacção nesta fase por parte do juiz de instrução
infringiria o princípio do acusatório”. Aliás, se não tiver requerimento do MP, parece que a
decisão de aplicação da medida encontra-se contaminada de uma nulidade insanável. Esta é uma
decisão que parte da verificação do art.º 194.º do CPPP, quando sublinha que as medidas de
coacção devem ser aplicadas pelo juiz na fase de inquérito depois do requerimento do MP, e da
al. b) do art.º 119.º do CPPP, que sustenta a nulidade insanável perante a ausência do MP nos
actos relativamente aos quais a lei exige a sua comparência.
Na doutrina e na jurisprudência, levantou-se algumas discordâncias referentes até que
ponto o juiz está vinculado ao requerimento do MP para aplicação da medida de coacção.
Actualmente, esta questão está mais ou menos resolvida com a redacção do art.º 194.º, n.º 2 do
CPPP, introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que prevê que durante o inquérito o
juiz possa aplicar medida de coacção diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza,
medida ou modalidade de execução da requerida pelo MP com o fundamento das alíneas a) e c)
do art.º 204.º do CPPP.
Para melhor uma compreensão do parágrafo exposto, vamos ter de regressar no tempo
para entendermos o presente, daí que convém fazer alusão à solução legislativa consagrada
anteriormente.
O Decreto-Lei n.º 387/87, de 29 de Dezembro, apenas previa no art.º 194.º, n.º 2 que, à
excepção do TIR, as medidas de coacção e de garantias patrimoniais fossem aplicadas por
13
MESQUITA, Paulo Dá. – Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judicial. Editora Coimbra, p. 182. Ver também
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., pp. 548-552. Ou ver 4.ª ed., 2003, pp. 570-571
11
despacho do juiz de instrução, durante o inquérito a requerimento do MP. Nada dizia em
concreto se o juiz podia aplicar medida diversa da requerida pelo MP. Por esse motivo, na
doutrina e na jurisprudência, começaram a surgir várias interpretações à volta deste artigo, há
quem entenda que o juiz não podia aplicar uma medida diferente da requerida pelo MP, cabendo
apenas ao juiz ou deferir a medida ou indeferir.
Em Angola o MP, por ter o dominus da investigação na fase de inquérito/instrução, é ele
mais do que ninguém que conhece quais são as medidas de coacção que precisam de ser
aplicadas, ao considerar que o juiz pode aplicar uma medida diferente do que a requerida pelo
dominus da investigação, poder-se-ia dar origem ao caso em que aquele estabeleça medidas de
coacção profundamente gravosas para o arguido (máxima a prisão preventiva) em situações em
que o MP acreditava que a aplicação desta medida atrapalharia a investigação.
2.2 Características fundamentais do processo penal brasileiro
12
2.3 Características fundamentais do processo penal português
14
Cf. Anabela Miranda Rodrigues, “A fase preparatória do processo penal – tendências na Europa. O caso
Português”, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares. Coimbra Editora, 2001, p.952, Cunha
Rodrigues. “Ministério Público: Estatuto”, Coimbra Editora, 1999, p. 102.
13
tribunais, que são instâncias passivas (ne procedata iudex ex officio”15. Sendo a imparcialidade e
a passividade características do processo jurisdicional, o poder judicial carece, para o ser, de um
órgão que lhe assegure a iniciativa. A Instrução foi concebida, desde a versão originária do C. P.
Penal de 1987, como uma fase facultativa de controlo jurisdicional da decisão de deduzir
acusação ou de arquivar o inquérito – artigo 286º nº 1 do C. P. Penal 16. A mesma pode ser
requerida pelo arguido, visando a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, e pelo
assistente, visando a comprovação judiciai dos factos.
A direcção da instrução compete ao Juiz de Instrução, assistido pelos órgãos de polícia
criminal. Para além das suas competência próprias, na fase da instrução, ao Juiz de instrução
Criminal incumbe, na fase do inquérito, a prática de actos que se directamente se prendam com
os direitos fundamentais das pessoas, os quais são por si praticados ou autorizados – artigo 2º nº
45 da Lei nº 43/86, de 26-09, e artigos 268º e 269º do C. P. Penal. O JIC é, pois, entre nós um
juiz das liberdades, o juiz que, na fase preparatória controla o respeito pelas liberdades.
15
Cf. Figueiredo Dias.“Sobre a Revisão de 2007 do Código de Processo Penal Português” ,2008, p. 368.
16
Cf. Nuno Brandão, “A Nova Face da Instrução), p. 228, bem como os Autores para
que o mesmo remete (nota 1).
14
CAPITULO III. VICISSITUDES DO EXERCÍCIO DA ACÇÃO PENAL NO
ORDENAMENTO JURÍDICO MOÇAMBICANO
17
Ferreira, Manuel de Cavaleiro .Direito Penal Português. Parte Geral II-Verbo, Lisboa, 1982,pp.90-94
18
Idem.
19
Cfr.art.3 da CRM.
15
Mais ainda, dir-se-ia controlo de Constitucionalidade como sendo mecanismo constitucional
e lógico de verificação da compatibilidade da legislação ordinária ou do acto normativo com a
Constituição, dentro de uma hierarquia em que o texto constitucional encontra-se no topo da
estrutura normativa. As normas que não passarem por este controle serão consideradas
incompatíveis, e por consequência declaradas inconstitucionais, tornando o poder constituinte
mais assegurado.
O Controlo é derivação directa do princípio da supremacia da Constituição, vector que
remete à existência de uma pirâmide normativa na qual a Constituição se coloca no vértice. Em
síntese, a função precípua do Controle de Constitucionalidade é tornar a Constituição a medida
suprema de regularidade jurídica20.
Do Princípio da Supremacia da Constituição, decorrem mecanismos completos de controlo,
possibilitando a aplicação das normas constitucionais, ficando, assim, visível que para haver
ordem constitucional, a produção legislativa do ordenamento jurídico deve ter um Controle de
Constitucionalidade incisivo.
Por esta posição, permanece a tripartição dos Poderes, em virtude da capacidade da
Constituição da República conseguir assegurar a sua preservação e aplicabilidade a todo o
ordenamento. Efetuada esta diferenciação, no que tange ao quesito estabilidade das
Constituições, pode-se buscar um conceito na doutrina para o Controle da Constitucionalidade.
As normas contidas na alínea b) do n°2 do artigo 59 e no n°2 do artigo 61, ambos do CPP que
passamos a citar: compete, em especial, ao Ministério Público: Artigo 59 (Posição e atribuições
do Ministério Público no processo), alínea b): dirigir a instrução.
20
MACHADO, Hugo de Brito. Inconstitucionalidade da lei complementar 87/96. Temas de Direito Tributário:
ICongresso Nacional da Associação Brasileira de Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.47.
16
Ora, o CPP na versão introduzida pela Lei n° 25/2019, de 26 de Dezembro atribui ao
Ministério Público, na al. b), do art. 59 a função de “dirigir a instrução" cuja finalidade descrita
no art.307 CPP, é a mesma que a da instrução preparatória constante do artigo 12 do Decreto-Lei
n°35007, de 13 de Outubro de 1945 (ora revogado).
17
suprimido o termo “preparatória" a que alude a Constituição. Não se trata de uma questão
meramente formal. Esta alteração pode ter interpretações díspares de implicações profundas no
processo.
Ainda na senda das funções do Ministério Público, o art.235 da CRM, atribui a este órgão
o pecúlio do exercício da acção penal, o que é contrariado pelo n°2 do art. 61 do CPP aprovado
em 26 de Dezembro de 2019,que atribui competência especial ao Serviço de Investigação
Criminal de, por iniciativa própria, colher notícia dos crimes, impedir, quanto possível, as suas
consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes
destinados a assegurar os meios de prova.
18
aprovada sem sua observância padece de vício insanável de inconstitucionalidade, estendendo-se
a regra até mesmo ao processo de aprovação da Constituição. A inconstitucionalidade formal,
geralmente, acarreta a nulidade total do acto.
Nesse sentido, MENDES (1996, p. 263) citado por Carlos Roberto de Alckmin Dutra,
esclarece que defeitos formais, “tais como a inobservância das disposições atinentes a iniciativa
da lei ou competência legislativa levam, normalmente, a uma declaração de nulidade total, uma
vez que, nesse caso, não se vislumbra a possibilidade de divisão da lei em partes válidas e
inválidas”.
Já CANOTILHO (1999, p. 889 e 890), citado por Carlos Roberto de Alckmin Dutra,
todavia, delineia uma hipótese de vício formal causador de nulidade parcial do ato normativo:
“por ex., um decreto-lei, regulador de várias matérias, algumas das quais constituindo reserva de
lei da Assembleia da República. Um tal vício é um vício de incompetência e a invalidade do acto
derivará da sua inidoneidade para regulamentar certas matérias. (...) Só a parte que reveste a
forma de decreto-lei em vez de lei formal, mas que deveria necessariamente revestir esta última
forma, se deverá considerar viciada”. Inconstitucionalidade Orgânica -quando o acto do poder
político é emanado de um órgão que não dispõe de competência para a sua prática, face às
normas constitucionais.
Aqui, trata-se de uma inconstitucionalidade material revelada pela dissonância entre o
conteúdo do acto normativo e a Constituição. Sob o aspecto material, a inconstitucionalidade
pode atingir parte da lei ou ela toda, neste caso é a norma em concreto, (n° 2 do artigo 61; alínea
b). Se houver possibilidade de poupar parte do texto sem que ele perca o seu sentido, o Tribunal
declarará a inconstitucionalidade parcial. Caso contrário, toda a lei será declarada nula.
Também total será a nulidade da lei quando houver uma relação de dependência ou
interdependência entre as suas partes constitucionais e inconstitucionais evidenciando-se uma
inconstitucionalidade em virtude de relação de dependência unilateral. A lei também poderá ser
indivisível em virtude de forte integração entre suas partes, falando-se aí de dependência
recíproca (MENDES, 1996, p. 264) citado por Carlos Roberto de Alckmin Dutra. Como efeito a
esta inconstitucionalidade da norma em concreto ela tende a ser tida com ineficácia jurídica -
traduz-se no seguinte: os órgãos com competência para aplicar as normas jurídicas não as
aplicam aos casos concretos que vão surgindo.
19
Conclusão
O processo é um instrumento para a realização do Direito Penal, e deve, por isso, realizar
sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efectivo
instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais, assegurando os indivíduos contra
os actos abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de
limitação da actividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efectividade aos direitos
individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa,
isto porque antes de servir para a aplicação da pena, o processo serve ao Direito Penal. Pelo que,
tendo -se em conta o exposto supra, deve – se concluir que a não previsão daqueles crimes do n o2
do artigo 61 do CPP viola o princípio da legalidade e, deve por isso ser declarado
inconstitucional pelo nos termos do no 2 do artigo 244 da CRM. Tratando-se de uma
competência constitucionalmente reservada ao Ministério Publico oficiosamente, atribuir o
mesmo carácter a quaisquer outro órgão, seria claramente violar o artigo 235 da CRM. Dai a
inconstitucionalidade do no2, artigo 61 do CPP. Porque é incompreensível que um órgão “ab
initio" coadjuvante (no1 do artigo 61 CPP), de repente assuma a liderança na função persecutória
do crime e do criminoso e da própria instrução do processo-crime (art.307 do CPP),pois que, ao
pretender condicionar os efeitos pretendidos pelas normas de direito fundamental à edição de
normatização infraconstitucional regulamentar resultaria, em termos práticos, na eliminação dos
limites consubstanciados nos direitos fundamentais e na equiparação do poder estatal ao poder
constituinte, com consequente ameaça ao Estado Constitucional. Nestes termos, concluímos que
a norma do no2 do artigo 61 do Código de Processo Penal, aprovado pela lei nº 25/2019, de 26 de
Dezembro, padecem de uma inconstitucionalidade formal superveniente e de ilegalidade, por
regular matéria exclusiva do legislador constituinte, pelo que e deve ser por força do disposto no
no4 do artigo 2 da Constituição da República de Moçambique ser revogada por
inconstitucionalidade superveniente a ser declarada pelo Conselho Constitucional de
Moçambique. Padece igualmente de inconstitucionalidade material por estar contra os princípios
constitucionais em que assentam as garantias processuais dos indivíduos, como a
tipicidade/legalidade e segurança jurídicas.
20
Recomendações
Que o aplicador da lei não a ponha em prática o disposto nas normas dos artigos 59 e 61
aqui referenciadas em respeito ao princípio da legalidade.
Que o legislador exclua o termo “por iniciativa própria” ao SERNIC no exercício da
acção penal, em consideração ao Estado de direito democrático, legalidade, liberdade por
garantirem a segurança jurídica; ou
Que o conselho constitucional declare inconstitucional e ou ilegal a norma do n o2 do
artigo 61 e 59 alínea b) ambos do CPP por violação do princípio da liberdade e garantias
individuais previsto no no1 do artigo 56 da CRM, nos termos do n o 2 do artigo 244 da
CRM;
Que a norma do no2 do artigo 61 do CPP não seja pelo aplicador e intérprete da lei
processual penal posta em prática respeitando dessa forma as liberdades e garantias
individuais ora citadas.
21
Referências Bibliográficas
Legislação
22
SILVA, Germano Marques, Curso de Processo Penal,4ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, São
Paulo, 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.17 ed. São Paulo: Malheiros,
1999.
SOUSA, Maria José. Como fazer investigação, dissertações, teses e relatórios. Pactor, Lisboa,
2011.
TRINDADE, João (Prof.); MONDLANE, Luís (Prof.), Apontamentos de Direito Processual
Penal preparados para os alunos do 4º Ano Jurídico, Maputo, 1995.
Outras
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