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Representação – Carvalho Fernandes

O autor da vontade é a mesma pessoa que formula a declaração negocial, contudo, nem
sempre isso acontece.
Muito dos casos deve-se a limitações à capacidade de agir, obrigando outras pessoas a atuar
no lugar das mesmas, ou no caso dos incapazes, em comunhão – substituição de
vontades/conjugação de vontades.
À substituição de vontades chamamos representação legal, tem a sua fonte na lei. Caso
tenha fonte negocial designamos por representação voluntária.
Relativamente à conjugação de vontades a sua manifestação encontra-se na figura da
assistência tendo como função o suprimento das incapacidades.

A representação em geral
Representação: quando uma pessoa pode agir em nome e no interesse de outra.
Aquele que atua em nome de outra é o representante (procurador no caso da representação
voluntária), sendo o representado/dominus/principal aquele onde se repercute na sua esfera os
efeitos de atuação, ou seja, aquele cujo interesse se realiza.

Elementos para haver representação:


 Representante, ao agir em negócio alheio, deve revelar a sua qualidade como representante
– contemplatio domini- em nome de outrem – nomine alieno.
 Representante age no interesse do representado.
 Atuação fundada juridicamente, o representante tem de estar legitimado para interferir na
esfera jurídica alheia – poder representativo.

Visto que o representante age em nome de outrem, este está provido de poderes funcionais e não
de verdadeiros direitos subjetivos.

MOTA PINTO: considera que a contemplatio domini não é essencial ao conceito, pois por vezes a
representação voluntária “pode ter lugar por força da chamada procuração in rem suam, caso em
que os poderes representativos são conferidos no interesse do próprio procurador”.

CF: tem de haver sempre interesse do representado, sendo dominante, a exigência de o


representante agir no interesse alheio.

A concorrência do interesse do representante com o do representado ou de terceiros


interfere no regime da representação, limitando o princípio da livre revogabilidade da
representação.
Como já enunciado, a representação implica a necessidade de ao representante serem
atribuídos poderes representativos, de modo a intervir em esfera alheia.
Contudo, a intervenção em esfera alheia (representado) pode ocorrer sem haver poderes
representativos. A princípio tal atuação devia ser nula, não sendo tolerada pelo Direito.
Gestão de negócios: alguém atua em nome e no interesse de outrem, mas sem poderes de
representação (464ºCC).
O representado por vezes dá liberdade de atuação ao representante.
No entender de CF a figura da representação exige a atribuição ao representante, de um
mínimo de poder de decisão (comunhão com MC, se não, não havia verdadeira representação,
apenas núncio – limita-se a transmitir uma vontade) aliada a informações do representado que
deve respeitar escrupulosamente.
Efeitos da representação
SF

 Legitimação do ato praticado por uma pessoa diferente daquela cuja esfera jurídica ele se
projeta – legitimidade indireta, não acompanhada de titularidade.
 O negócio realizado pelo representante produz os seus efeitos, de forma imediata e direta,
na esfera jurídica do representado (258ºCC).
 Mínimo de intervenção do representante na configuração do correspondente negócio
jurídico. Enquanto nos mantivermos no domínio daa representação, os elementos
atendíveis para fixar a relevância de vícios ou de falta de vontade, e a consequente nulidade
ou anulabilidade do negócio, são apurados em função da pessoa do representado. Mais, se
o representado estiver de má fé, uma vez que, por exemplo, conhece os vícios da coisa, não
lhe aproveita a boa fé do representante, nesse domínio (259ºCC).

Modalidades de representação
A distinção entre as modalidades está na fonte ou na origem do poder representativo
conferido ao representante.
Assim:
 Representação voluntária – os poderes representativos resultam de um ato (unilateral ou
bilateral) do titular de interesse.
 Representação legal – os poderes resultam da lei. Alguém que não tem capacidade de
exercício de autodeterminação a quem o ordenamento para sua proteção reira a
possibilidade de exercício de negócios validos e atribui aa outrem o poder de atuar em seu
nome.
 Representação orgânica (em sede de personalidade coletiva, uma abstração criada pelo
ordenamento, não em existência física) “…na sequência do estudo, nos ocuparemos
especificamente, apenas, da representação voluntária”.

Tendo em conta o tipo de poderes atribuído ao representante:


1. Representação ativa – a mais importante e a mais corrente na prática. Representante atua
em nome de outrem mediante a emissão de declarações e vontade.
2. Representação passiva – os poderes conferidos ao representante habilitam-no a receber
uma declaração de outrem, produzindo esta os seus efeitos, como se fosse dirigida ao
representado.
3. Representação própria
4. Representação imprópria – certa pessoa age no interesse de outra, mas não em nome dela.
Os efeitos projetam-se na esfera do representante (similaridade à representação sem
poderes).

Contrato consigo mesmo


A, representante de B e com poderes para vender o prédio X, celebra a venda com ele
mesmo, A, intervindo no contrato em nome próprio, como comprador, e em nome próprio, como
comprador, e em nome de B, como vendedor.
OU. A representa, no negócio, tanto B, vendedor, como C, comprador. Urge reconhecer se em
qualquer dos casos enunciados o negócio é válido.
No artigo 261ºCC o legislador fixa, em geral, a anulabilidade do negócio consigo mesmo,
afastando, porém, este regime quando o representado haja consentido na celebração do negócio
ou quando não haja, pela natureza deste, risco de conflito de interesses entre o representante e o
representado.
O mesmo de exige quando o representante se faça substituir por alguém, a quem passe os
poderes que lhe foram atribuídos.
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O artigo 261º limita-se a estabelecer a anulabilidade do negócio consigo mesmo, sem fixar o
seu regime. É necessário, desde modo, recorrer ao regime geral do artigo 287ºCC. Urge reconhecer
a legitimidade para reconhecer a anulação e respetivo prazo.
Apenas o representado tem legitimidade para invocar a anulabilidade, pois esta é fixada no
interesse dele. O prazo de anulação, não estado o negócio cumprido, conta-se do momento em que
o representado tem conhecimento da celebração do negócio, pois só nesse momento ele se
apercebe do vício.

Representação voluntária – noção e fontes


A representação voluntária tem sempre a sua origem num ato voluntário do titular dos
interesses que vão ser prosseguidos através de negócios jurídicos praticados pelo representante,
sendo o negócio a fonte dos poderes atribuídos ao representante.
Há atos que são meramente pessoais, em relação aos quais a lei exclui o exercício
representativo – testamento.
Relativamente às fontes de representação voluntária, o negócio através do qual se conferem
poderes representativos é a procuração (262ºCC).

A representação voluntária pode dimanar de outras fontes:


 Em alguns casos os poderes são inerentes ao negócio e reconhecido também a uma das
partes – contrato de trabalho (o trabalhador possui automaticamente em determinados
casos, poderes representativos da entidade patronal…” quando a natureza da atividade do
trabalhador envolver a prática de negócios jurídicos (…) salvo nos casos em que a lei
expressamente exige procuração especial”.
 Em alguns casos estamos perante negócios que podem ser acompanhados de poderes
representativos para uma das partes – contrato de mandato (contrato pelo qual uma das
partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outra – 1157ºCC. Este
contrato é frequentemente acompanhado da atribuição de poderes representativos ao
mandatário; designa-se então como mandato com representação, ou representativo. Nem
sempre assim acontece, sendo admissível o mandato não acompanhado de representação;
se assim o for, o mandatário age em nome próprio, ficando vinculado a transferir/replicar
os efeitos ao mandante e este a cobrir as despesas do mandatário).

Noção de procuração
 Instrumento jurídico onde se consubstanciam poderes para agir em nome e no interesse de
outrem.
 Documento onde se materializa o ato jurídico mediante o qual se atribuem poderes de
representação.
 Negócio jurídico acima referido (262º) – o que nos interessa.

Enquanto negócio, por procuração identifica-se um negócio jurídico unilateral não


recipiendo. O documento em que se consubstancia o ato tem de chegar ao poder do procurador.
Sem ele não pode agir sempre que a procuração seja um negócio formal.

Regime da procuração
Capacidade do procurador: segue-se o regime geral da capacidade de exercício - “a capacidade de
entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efetuar” (263ºCC); uma pessoa
pode praticar, na qualidade de procurador, atos jurídicos que lhe estariam vedados, por falta de
capacidade, se neles interviesse em nome próprio. Embora o procurador tenha capacidade natural
(exigida pelo 263ºCC), mas se no momento e praticar o ato, sofrer incapacidade acidental e se
verificarem os requisitos de relevância deste instituto, o negócio jurídico por ele celebrado será
anulável por força do artigo 257ºCC.
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A regra geral contida no artigo 262ºCC manda adotar, quanto à procuração, a forma
exigida para o negócio que o procurador deva realizar. Como logo se vê, a procuração pode
configurar-se como negócio não formal ou formal, e neste segundo caso constar de documento
mais ou menos solene. Se os poderes representativos também forem conferidos no interesse do
representante, a procuração deve constar de instrumento público cujo original fica arquivado no
notário.
A modificação da procuração está, naturalmente, sujeita às formalidades da sua constituição.

Extinção dos poderes representativos


Causas:
 Renúncia do procurador
 Revogação pelo representado
 Cessação da relação jurídica que lhe serve de base

A renúncia é, em princípio, livre, sem que, contudo, seja de afastar a hipótese de gerar
responsabilidade do procurador por danos dela emergentes para o representado.
A revogação dos poderes representativos pelo representado também é em princípio livre.
Há, contudo, uma exceção – proibição de convenção em contrário e renúncia à revogação. A
exceção é legalmente prevista; verifica-se quando a procuração é também conferida no interesse
do procurador ou de terceiros. Neste caso, a revogação só é possível ocorrendo justa causa.
A extinção da procuração determina a cessação dos poderes representativos e a
ilegitimidade do procurador para a prática dos atos correspondente – imediata restituição do
documento.
A tutela de terceiros obtém-se, em geral, mediante a inoponibilidade da extinção da
procuração: os termos em que esta inoponibilidade opera variam em função da causa da extinção.
Assim, quando não se trate de revogação, a extinção da procuração é inoponível ao terceiro
com quem posteriormente o procurador tenha praticado ato abrangido pelos poderes
representativos, se aquele ignorar, sem culpa, a causa da extinção. Significa isto que a
inoponibilidade é afastada pela simples cognoscibilidade culposa da causa da extinção.
Sendo a extinção dos poderes representativos devida a revogação, o representado deve
levá-la ao conhecimento de terceiros por meio idóneo. Se não o fizer, a revogação é inoponível ao
terceiro, a menos que este tenha dela conhecimento no momento da celebração do negócio. Assim,
a falta de comunicação idónea, só releva o conhecimento efetivo do terceiro e não mera
cognoscibilidade, mesmo se houver culpa do terceiro.

Representação sem poderes e abuso de representação:


Quem arrogando-se da qualidade de representante, não se encontra, de facto, munido de
poderes representativos, ou excede aqueles que lhe foram conferidos.
 Representação sem poderes – o pretenso representante não tem poderes para celebrar o
negócio. Abrange tanto o caso de ao representante não terem sido atribuídos poderes
para o ato que praticou, como o de ele ultrapassar os que efetivamente lhe tenham sido
fixados (268º CC). O ato é ineficaz em relação ao representado, a menos que este o ratifique.
No caso de uma posição/atitude passiva, a lei admite ao terceiro a faculdade de fixar, ao
representado, um prazo cominatório para ratificar ou não ratificar. A lei atribui ao silêncio
do representado o efeito mais favorável aos seus interesses, tendo-se o negócio por não
ratificado, se a ratificação não for feita no prazo fixado. Quando no momento da celebração
do negócio o terceiro não conhecia a falta de poderes, e enquanto não houver ratificação,
tem a faculdade de revogar ou rejeitar o negócio celebrado.

Exemplo JST: “Eu falo ctg e atribuo-te poderes para, em meu nome, comprares um pc. Vais e
compras uma xbox”.
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 Abuso de representação – não se conforma o fim visado com os poderes que lhe foram
atribuídos. O representante age, formalmente, no âmbito dos poderes que lhe foram
conferidos; mas utiliza-os para um fim não ajustado àquele em função do qual eles se
constituíram.

1. Violação do escopo
2. Violação de deveres de lealdade (e, porventura de informação) derivados da boa fé
objetiva.

Exemplo de JST: “Eu falo ctg e dou-te poderes para comprar um pc e digo-te q precisava de um
pq as aulas de penal são dadas a correr e preciso de levar pc prás aulas. Vais e compras um PC
daqueles fixos, com 100 kg. Abuso de representação pq atuaste dentro dos poderes (comprar pc),
mas contra o escopo para o qual te foram concedidos (fim - comprar um pc pra levar prás aulas)”.

Enquanto na representação sem poderes o negócio celebrado pelo pretenso representante é


ineficaz, sem mais, no abuso de representação a lei subordina a ineficácia do negócio ao facto de a
outra parte conhecer ou dever conhecer o abuso.
No abuso, a simples demonstração de existência de poderes não assegura que os mesmos
não estejam a ser exercidos abusivamente, não tendo, em regra, o outro contraente os meios
necessários ao seu alcance para se pôr a coberto desse risco.

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