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Do Mandato

Gilberto Fachetti Silvestre


Professor do Departamento de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado em
Direito Processual) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Doutor em Direito Civil pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Mestre em Direito Processual Civil pela
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Coordenador dos Grupos de Pesquisa “Desafios do
Processo” e “Medicina Defensiva” (PPGDIR/UFES); Advogado. E-mail: gilberto.silvestre@ufes.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7148335865348409. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-3604-7348.

Igor Gava Mareto Calil


Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Pesquisador do Programa
Institucional de Iniciação Científica (UFES/PIIC) e dos Grupos de Pesquisa “Desafios do Processo” e
“Medicina Defensiva”. E-mail: igorgcalil@gmail.com. Lattes iD:
http://lattes.cnpq.br/8802836350537240. ORCID iD: http://orcid.org/0000-0003-2461-2362.

1. Considerações iniciais
Mandato tem origem no latim manusdare. Em português, sua definição se
aproximaria da ideia de “dar as mãos”, i.e., estender as mãos para que alguém
pratique o ato por ti. A expressão também revela a ideia de celebração de um vínculo
a partir do simbolismo inerente ao movimento de dar as mãos, representando a
aceitação do encargo e a fidelidade e a confiança que fundamentam o instituto do
mandato. De maneira complementar, ambas as acepções se amoldam à razão de ser
do instituto, qual seja: conferir poderes para que alguém haja em seu nome. Trata-se
de movimento que há muito vem sendo realizado nos sistemas jurídicos,
especialmente desde a expansão comercial.
Dada a importância do tema e as peculiaridades a ele pertencentes, este capítulo se
propõe a realizar uma análise sistemática dos dispositivos do Capítulo X do Código
Civil, que tratam do mandato (art. 653 a 692), abordando o tema sob a perspectiva
material e procedimental. Para os fins do presente trabalho, o exame e a
interpretação de tais dispositivos serão embasados mormente nos estudos de Pontes
de Miranda, que dedicou grande parte do Tomo XLIII, de seu Tratado de Direito
Privado, à análise dos pormenores que envolvem o instituto do mandato.

2. Sobre o mandato
É o contrato por meio do qual alguém (mandante, outorgante) transfere para outrem
(mandatário, procurador, outorgado) poderes para agir em seu nome. Trata-se de
constituir uma representação voluntária (arts. 115 a 120), em que se delega poderes
para praticar atos (negócios, atos jurídicos ou atos-fatos) ou administrar interesses
(atuação em juízo ou transação extrajudicial).
O mandato destinado à prática de atos extrajudiciais é chamado de mandato ad
negotia. Já o Mandato “ad juditia” consiste na procuração que nomeia um
profissional da advocacia para as hipóteses em que a parte não tem capacidade
postulatória para agir em juízo, ou, mesmo tendo, prefere não exercer por si. Ou seja,
confere poderes de representação no foro.
Se a representação tiver que ser além do processo judicial, devendo o advogado
também agir na esfera administrativa ou privada, fala-se em mandato ad juditia et
extra. O art. 692 trata do regime jurídico desse mandato, que é disciplinado pelo
CPC/1973 (arts. 7º a 15), pelo CPC/2015 (arts. 70 a 76), pela Lei nº. 8.906/94 (Estatuto
da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo Código Civil,
supletivamente, quanto às normas do mandato ad negotia.
Ao tratar do tema, Pontes de Miranda define o mandato como o contrato pelo qual
se criam a alguém o dever e a obrigação, perante outrem, da gestão de negócios que
se lhe entregam, com ou sem poder de representar (2012, p. 58). A parte final dessa
definição revela não ser o mandato restrito ao poder de representação; em verdade,
são figuras distintas que em muito aparecem subordinadas, mas que não se
confundem.
Quase sempre, haverá poder de representação no mandato, porém este pode não
advir daquele e não se reduz a ele. O poder de representação é mera espécie de
outorga de poder, em que haverá a manifestação unilateral da vontade do
outorgante (MIRANDA, 2012, p. 61). É Paul Laband quem suscita a distinção entre
vollmacht e o mandatum, esclarecendo a possibilidade da existência do poder de
representação sob forma que não de mandato, assim como a outorga de procuração
ausente de poderes de representação (LABAND apud MARTIN, 2012, p. 50).
Neste sentido, o direito brasileiro concebe a possibilidade de haver mandato sem
poder de representação, especialmente quanto aos atos que sem ele podem ser
praticados por outrem (MIRANDA, 2012, p. 61). Neste caso, ter-se-á o mandato in rem
suam (em causa própria, art. 685 CC) ou a prática de atos jurídicos estabelecidos em
mandato em vista do mandante, mas em nome do próprio mandatário, porquanto
inexista outorga de poderes.
Na maioria das vezes, o mandato e a representação estarão lado a lado, mas não é
esta essencial à sua configuração, “havendo hipóteses em que este subsiste sem
aquela; e outras ainda em que a mesma ideia existe, porém em contratos de natureza
diversa” (GONÇALVES, 2021, p. 387). Afinal, como bem elucida Pietro Bonfante, “la
facoltà di amministrare, cioè di agire nell'interesse altrui (che si suol dire anche
rappresentanza indireta o impropria) non implica in via di principio la facoltà di
rappresentare, cioè di agire veramente nel nome altrui, che è la vera o diretta
rappresentanza" (1946, pp. 78-79). Reconhecer o contrário seria dizer que não haveria
mandato, por exemplo, na outorga de poder para que o amigo retirasse, com as
chaves, a correspondência; nem para que entregasse o dinheiro dos salários aos
empregados (MIRANDA, 2012, p. 62).
Nesta perspectiva, outra premissa a se salientar diz respeito à procuração. Enquanto
o mandato é o contrato que vincula quem é mandante e quem é mandatário, a
procura é negócio jurídico unilateral, constituído pela manifestação de vontade do
representado, de modo a legitimar o representante fora de qualquer relação jurídica
com o titular do negócio (MIRANDA, 2012, p. 62).
A procuração tem como requisito essencial a outorga de poderes representativos,
cuja formatação e conceito são suficientemente idôneos para que seja conferido o
poder de representação à outra parte. Em contrapartida, o mandato é contrato que
admite ou não a existência de tal outorga, prescindindo da representatividade para
sua formação. Por isso, apesar de quase sempre ser o mandato acompanhado de
procuração, este acompanhamento não pode ser tido como essencial, uma vez que
aquele pode ser concebido sem a outorga do poder de representação (MIRANDA,
2012, p. 62).
Apesar da distinção suscitada por Laband, o Código Civil brasileiro não a adotou por
completo, estabelecendo a procuração como instrumento do mandato, na parte final
do art. 653. Sob a ótica do legislador, compreende-se a procura como o instrumento
que representa o mandato e por meio do qual este se perfaz, sendo sempre escrito
(público ou particular). Assim, o mandato seria o contrato aperfeiçoado com o
encontro de vontades e a procuração o instrumento que o materializa (VENOSA,
2013, p. 282).
Dentre os requisitos essenciais da procuração, o Código Civil elenca: 1) ser passada
por pessoa capaz; 2) conter a assinatura do mandante (não é exigida a assinatura do
mandatário); 2) reconhecimento de firma do mandante, apenas se o terceiro exigir;
3) indicação do lugar em que a procuração foi feita; 4) qualificação das partes; 5) data
da assinatura pelo mandante; 6) finalidade pela qual é feito o mandato; 7) os poderes
(específicos ou gerais) que se conferem ao mandatário.
Além da procuração, há ainda a possibilidade de substabelecimento. Substabelecer é
quando o mandatário delega os poderes que recebeu do mandante a um terceiro.
Nesse caso, o mandatário original é chamado de submandante ou substabelecente; e
o novo mandatário é o submandatário ou substabelecido. O artigo 655, CC, permite
que o substabelecimento seja feito por instrumento particular, ainda que a
procuração original tenha sido feita por escritura pública.

3. A disciplina legal do mandato


No que diz respeito à constituição do mandato, pode ser formado de maneira
expressa, quando ambas as partes consentem inequívoca e expressamente com a
delegação dos poderes, ou tácita, quando os sujeitos passam a se comportar como
se tivesse havido a outorga dos poderes, que não ocorreu efetivamente. Isto é,
quando o mandatário se comporta como se tivesse aceitado, razão pela qual se
presume constituído o mandato. É presunção que tem início com a execução, pelo
mandatário, dos poderes que o mandante pretende outorgar, conforme prevê o art.
659 do CC. Por exemplo: alguém passa a negociar em favor de outrem, que aceita as
condições que esse alguém convencionou.
O Código Civil admite ainda a forma do mandato verbal ou por escrito (público ou
particular), desde que obedecidos os requisitos do art. 567. Apesar de admitidas
diversas formas pelo legislador, o mandato deve assumir a aquela que for exigida pela
lei para o ato no qual se pretende representar o outorgante. Então, se o contrato a
ser celebrado deve ser por escritura pública (por exemplo, compra e venda de imóvel
valor superior a 30 salários-mínimos), a procuração também deve ser; exigindo-se
escritura particular (por exemplo, doação de bem móvel), a procuração também
deve ser por escrito particular. Mas, e quando o contrato pode ser feito por
instrumento particular, podem as partes fazer a procuração por instrumento público?
Sim. Neste caso, tem-se o seguinte:

FORMA DO CONTRATO FORMA DO MANDATO

Escritura pública obrigatória Obrigatoriamente deve ser celebrado


por escritura pública.

Instrumento particular obrigatório, e as Obrigatoriamente deve ser feito por


partes celebraram por instrumento escrito particular, e facultativamente
particular por instrumento público.

Instrumento particular obrigatório, mas Obrigatoriamente deve ser feito por


as partes celebraram por escritura escrito particular, e facultativamente
pública por instrumento público.

Somente se admite mandato verbal nas hipóteses em que se admite que o contrato
a ser celebrado pelo mandatário possa ser celebrado verbalmente. Aqui, pode
ocorrer o seguinte:

FORMA VERBAL LIVRE DO ATO FORMA DO MANDATO

Feito verbalmente É facultativa a forma verbal, ou por


escrito público ou particular.

Pode ser feito verbalmente, mas as É facultativa a forma verbal, ou por


partes fizeram por instrumento escrito público ou particular.
particular

Pode ser feito verbalmente, mas as É facultativa a forma verbal, ou por


partes fizeram por instrumento público escrito público ou particular.

Ademais, o art. 658 do Código Civil prevê a presunção de gratuidade do mandato


quando não houver sido estipulada retribuição. Ou seja, se não houver cláusula
expressa determinando a remuneração do mandatário (ao que o Código chama de
“retribuição”) a presunção é de que ele seja gratuito. Há uma exceção a essa
presunção nos casos em que a representação for atividade habitual ou profissional
do mandatário, hipótese em que terá direito de ser remunerado, mesmo que não haja
cláusula expressa. Bem assim, diz-se ser o mandato um contrato que pode vir a ser
unilateral ou bilateral, porquanto os deveres e obrigações atribuídos ao mandante,
se não for determinada remuneração por ser gratuito, não criam o dever de
contraprestar (MIRANDA, 2012, p. 58).
Nos casos de mandato oneroso, o art. 664, CC, prevê a possibilidade de o mandatário
reter a coisa objeto do ato praticado enquanto não receber os valores a que fizer jus
(art. 658), i.e., tudo que lhe for devido em consequência do mandato.
Quanto à outorga de poderes, o art. 660 estabelece que o mandato pode ser de dois
tipos: 1) Especial: quando se outorgar poderes para negócios especificados, apenas
alguns negócios específicos; e 2) Geral: quando se outorgam poderes para a prática
de todo e qualquer ato que possa interessar ao mandante. A princípio, o único poder
que o outorgado tem no mandato geral é o de administrar bens e interesses. Se
outros poderes se quiser transmitir, quais sejam, aqueles previstos nos §§ 1º e 2º do
art. 661, deve expressamente constar sua delegação.
Apesar da regra ser da outorga de poderes por meio do mandato, o legislador teve o
cuidado de dispor acerca de atos praticados sem poderes especiais expressos. Neste
caso, se o mandatário praticar atos que não recebeu poderes para praticar, eles não
vinculam o mandante, ex. art. 662, CC. Todavia, o mandatário responde pelos
prejuízos do terceiro com quem contratou, se este agir com boa-fé. Mas, se o
mandante ratificar os atos exorbitantes do outorgado, então ele se vinculará e se
torna responsável perante o terceiro.
Situação oposta à supracitada é o caso em que o mandatário excede os poderes do
mandato ou procede contra eles. Nestes casos, até que haja ratificação pelo
mandante, os atos por ele praticados serão considerados gestão de negócios (arts.
861 a 875). Desta maneira, o mandatário que agiu com abuso será responsável
perante terceiros, nos termos do art. 861.
Acerca da responsabilidade civil do mandante, o art. 663 do Código civil dispõe que
responderá somente quando o mandatário agir efetivamente em nome do
outorgante (por exemplo: apresentando a procuração). Se agir como se estivesse
fazendo o negócio para si, o mandante não responde por qualquer prejuízo a
terceiros.

4. A hipótese do mandatário menor de 18 anos e maior de 16 anos.


O art. 666 do Código civil admite a possibilidade de o maior de dezesseis anos e
menor de dezoito anos não emancipado ser mandatário, não tendo o mandante ação
contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações
contraídas por menores. Trata-se de hipótese em que um relativamente incapaz
(menor púbere) será mandatário, sendo transferido a ele poderes para agir em nome
do mandante, praticando atos ou administrando seus interesses.
A princípio, parece que o legislador incorreu em uma contradição ao permitir que um
menor, cuja vontade ainda não se perfaz totalmente relevante ao direito, represente
alguém na prática de atos jurídicos. Afinal, considerando a inexistência da absoluta
capacidade de fato ao menor púbere, outorgar-lhe poderes de representação
significaria permitir que alguém, que é assistido, possa assumir a posição de
representante, realizando os atos em nome de outrem.
Sob essa ótica, Clóvis Bevilaqua dizia ser este tópico um romanismo presente no
Código Civil, que estaria em desarmonia com o Código Comercial da época. De sorte
que não haveria sentido permitir que um menor ocupasse a posição de mandatário,
uma vez que não poderia assumir obrigações sem a presença de seus assistentes
(1943, p. 44).
Bem assim, ao analisar o art. 666 do Código Civil, surgem as seguintes perguntas:
sendo o menor não emancipado mandatário, faz-se necessário a presença de um
assistente para a prática dos poderes fixados em mandato? Ao nomear um menor
púbere como mandatário, ter-se-á, portanto, uma nomeação indireta daquele que lhe
assiste? No entanto, limitar-se a responder tais perguntas com um mero “sim” ou
“não”, significaria fechar os olhos a tudo aquilo que foi delineado nos tópicos
anteriores, de modo a desconsiderar os limites do mandato.
Como visto anteriormente, no direito brasileiro, o mandato não se restringe ao poder
de representação, assim como não se limita a negócios jurídicos. É plenamente
possível que se tenha um mandato para a prática de atos jurídicos stricto sensu e para
atos-fatos, não havendo representação neste último. Em verdade, como esclarece
Pontes de Miranda, pode ser objeto do mandato qualquer ato de natureza fática.
(MIRANDA, 2012, p. 58)
Neste sentido, a validade e a eficácia do mandato não estão estritamente
condicionadas à capacidade de fato do mandatário, razão pela qual é possível que
este encargo seja desempenhado por um menor púbere não emancipado. No
entanto, parece-nos que a atuação do mandatário menor de 18 e maior de 16 anos
estaria circunscrita aos atos jurídicos stricto sensu e atos-fatos que não requerem a
capacidade do agente como pressuposto de sua validade – e consequente eficácia.
Neste caso, ter-se-á uma gestão de interesse que não estará associada a um negócio
jurídico, mas tão somente a atos que interessam ao mandante e que, muitas vezes,
são despidos de natureza jurídica.

2. Das obrigações do mandatário


Nos termos do art. 667 do Código Civil, o mandatário deve agir com diligência, senão
responde pelos prejuízos que causar ao mandante ou a terceiro, devendo indenizá-
los com seus próprios recursos e não podendo compensá-los com as vantagens
auferidas no contrato, ex. art. 669.
Havendo substabelecimento, o mandatário pode ser ou não responsabilizado pelos
atos por este praticado, da seguinte maneira:

Proibição/permissão Vinculação Responsabilidade do mandatário


de substabelecer do mandante

Proibido pelo Vincula Responde pelos prejuízos causados ao


mandante nas mandante, ainda que resultantes de caso
instruções fortuito. (Obs.: em se tratando de caso
fortuito, o mandatário-substabelecente não
passadas ao responde se conseguir provar que o dano
mandatário aconteceria mesmo que sem
substabelecimento).

Permitido Vincula Não responde pelos atos praticados pelo


substabelecido, exceto se não o instruiu
corretamente ou escolheu mal (por
exemplo, substabeleceu para alguém sem
conhecimento técnico para um determinado
contrato).

Proibição expressa Não vincula Poderão vincular se o mandante ratificar.


na procuração Não ratificando, responde pelos prejuízos
causados ao mandante (por exemplo, atraso
na conclusão do contrato, perda de uma
chance). Se o terceiro com quem contratou
estava de boa-fé (difícil situação, porque a
proibição consta na procuração),
responderá pelos prejuízos que causar a ele.

Silêncio do contrato Vincula O mandatário não responde pelos atos do


e do mandante substabelecido, exceto se escolheu mal o
substituto.

É ainda o mandatário obrigado a prestar contas ao mandante, devendo-lhe transferir


as vantagens auferidas do mandato, ex. art. 668, CC. Em caso de uso abusivo dos
recursos, tendo o mandatário empregado em proveito próprio somas que devia
transferir ao mandante, deve ressarci-lo e pagar juros, que contarão desde o
momento em que abusou, ex. art. 670, CC. Além disso, se o mandatário adquirir coisa
para o mandante e não a entregar, é cabível ação para obrigá-lo à entrega da coisa
comprada, conforme previsão do art. 671, CC.
Ainda quanto às obrigações do mandatário e à correlata responsabilidade civil, ponto
a se analisar diz respeito às diferentes modalidades de mandato plural, em que são
nomeados dois ou mais mandatários para a prática do ato. São quatro espécies de
mandato plural, cujo modo de execução e responsabilidade civil dos mandatários
serão delineadas abaixo:
1. Mandato conjunto: Há dois ou mais mandatários nomeados para a prática do
mesmo ato. Os outorgados devem agir em conjunto, e não separadamente.
Caso um deles aja sozinho, para vincular o mandante e o ato produzir efeitos,
deve haver ratificação pelos demais. Todos respondem conjuntamente
(obrigação divisível, porque não se presume solidariedade). O ato praticado
exclusivamente por um deles torna os outros responsáveis se estes ratificaram
o ato. Se não ratificaram, apenas aquele que agiu sem os demais será
responsabilizado perante o terceiro e o mandante.
2. Mandato solidário: Depende de cláusula expressa na procuração, pois a
solidariedade não se presume. Cada mandatário está legitimado a agir
isoladamente, vinculando os demais independentemente de ratificação destes.
Todos são solidariamente responsáveis, inclusive pelo ato praticado por apenas
um deles. Porém, terão ação regressiva contra o que agiu sozinho se não
tiverem ratificado a atuação daquele.
3. Mandato fracionário: Cada mandatário fica responsável apenas por uma
parte do ato a ser praticado. Por exemplo: na venda do imóvel do mandante:
um buscará interessados em comprar, um deles negociará, o outro assinará é
responsável pela escritura, outro providenciará o registro). Quando à
responsabilidade civil dos mandatários, cada um fica responsável pelo ato que
praticou, não responsabilizando os demais.
4. Mandato supletivo: Apenas um deve praticar o ato, mas a procuração já prevê
os substitutos (“suplentes”) caso o titular não possa praticar o ato. Nesta
espécie, apenas aquele que praticou o ato é responsável.

Especialmente quanto ao terceiro, o art. 673 do Código Civil prevê que, se conhecer
os poderes e aceitar celebrar o ato exorbitando esses poderes, não terá direito de ser
indenizado por prejuízos que vier a sofrer, tanto do mandatário quanto do mandante.
Se, porém, o mandatário prometeu a ratificação pelo mandante do ato praticado em
exorbitância dos poderes da procuração, e não a conseguir, responderá pelos
prejuízos do terceiro.
Por fim, o art. 674, CC, determina que, morrendo ou sendo interditado o mandante,
e havendo perigo na demora, o mandatário deve concluir o ato cujas negociações já
tenham se iniciado, exceto se este puder aguardar a ratificação do mandato pelos
herdeiros do mandante. Esse “...se houver perigo na demora...” se refere ao risco de
não conseguir concluir o negócio por causa de possível demora, ou seja, havendo
necessidade de certa celeridade.

3. Das obrigações do Mandante


São dois os deveres essenciais do mandante: 1) cumprir o celebrado pelo mandatário,
desde que cumpridos as instruções e os poderes da procuração; e 2) pagar as
despesas do mandatário, inclusive antecipadamente, se o outorgado pedir, nos
termos do art. 675 do Código Civil.
O mandante deve pagar a remuneração e as despesas do mandatário, mesmo que
sejam frustradas as expectativas, apesar da atuação diligente do outorgado. Se,
porém, este agiu culposamente (indiligentemente) para frustrar os objetivos do
mandante, não terá direito à remuneração e às despesas. O mandante terá ainda que
pagar juros ao mandatário se este teve que pagar com recursos próprios o
adiantamento do negócio (por exemplo, arras). O termo a quo dos juros é o dia que
teve que pagar o adiantamento.
Além disso, tem ainda o mandante a obrigação de indenizar as perdas que o
mandatário eventualmente vier a sofrer com a execução do mandato, contanto que
sua conduta seja diligente e não culposa ou caracterizada pelo excesso de poder (art.
678, CC).
Situação interessante é o caso de o mandatário contrariar as instruções do mandante.
Afinal, é seu representante, tendo poderes para realizar os atos em seu nome. Nestes
casos, ficará vinculado o mandante se o mandatário não cumprir instruções dadas
por ele e que não constam na procuração. Isso significa que o ato praticado com o
terceiro deve produzir seus efeitos. Contudo, tem ação regressiva em face do
mandatário que descumpriu as instruções, caso a negociação lhe tenha sido
prejudicial (art. 679, CC).
Existindo pluralidade de mandantes, tendo sido o mandato outorgado por duas ou
mais pessoas para negócio comum, haverá solidariedade entre os vários mandantes
quanto à remuneração, juros, despesas e perdas do mandatário, ex. art. 680, CC,
sendo resguardada a ação regressiva contra os outros se somente um for acionado.
Caso não pague o mandante – ou os mandantes – a remuneração, os juros, as
despesas e as perdas devidas ao mandatário, tem ele o direito de reter a coisa do
mandante até lhe serem pagos, nos termos do art. 681 do Código Civil.

4. Da extinção do mandato
O artigo 682 do Código Civil elenca as hipóteses de extinção do mandato, quais sejam:
1) revogação; 2) renúncia; 3) morte de uma das partes; 4) interdição de uma das
partes; 5) mudança de estado de inabilidade o mandante a conferir os poderes, ou o
mandatário para os exercer; 6) término do prazo, e 7) conclusão do negócio.
Enquanto o mandatário não for comunicado das causas de extinção do art. 682 que
atinjam o mandante, os atos que praticar com terceiros terão validade e eficácia, ex.
art. 689, CC.

CAUSA DESCRIÇÃO

Revogação É a resilição unilateral praticada pelo mandante.

Renúncia É a resilição unilateral praticada pelo mandatário.

Morte do mandante Não irá extinguir de pleno direito o mandato na hipótese


de continuidade do art. 674.

Morte do mandatário Extingue ipso jure o contrato, não se transmitindo aos


herdeiros (exceto se estes forem mandatários supletivos).

Mudança de estado Quando uma das partes altera seu estado civil e passa a
depender de algum requisito de legitimidade para a
celebração do mandato. Por exemplo: o mandante se
casou no regime da comunhão universal e depende da
outorga da esposa para a conclusão da compra e venda de
um imóvel.
Termo ad quem É o implemento do prazo dado para que o mandato fosse
cumprido.

Conclusão do negócio Quando o mandato atinge seu objetivo.

Enquanto a revogação consiste na resilição unilateral praticada pelo mandante, a


renúncia é a resilição operada pelo mandatário. Havendo a revogação do mandato,
esta somente produzirá efeitos em relação a terceiros que estejam em processo de
negociação se for comunicada a estes. De igual maneira, para que se haja o efeito da
revogação do antigo mandato, deve ser o antigo mandatário comunicado de que foi
feito novo mandato com outrem, tendo o mesmo objeto do primeiro, ex. art. 687, CC.
Quanto à renúncia, cabe destacar que não implica, a princípio, no pagamento de
multa. Contudo, sendo ela feita em momento ou circunstância inapropriada (ao que
o Código chama de “inoportuna”), deverá o mandatário pagar perdas e danos,
exceto se provar que o mandato estava lhe causando prejuízos, ex. art. 688, CC.
Além disso, o art. 683, CC, permite a existência de cláusula de irrevogabilidade, que
restringe a resilição unilateral pelo mandante (revogação). Nos termos do art. 684,
de nenhuma maneira poderá haver a revogação se ela for condição do contrato que
se pretende celebrar com um terceiro. Essa cláusula, contudo, não impede a extinção
do contrato, mas implicará no pagamento de perdas e danos ao mandatário, como,
por exemplo, a multa contratual.
Por fim, em caso de morte do mandatário, os poderes não são transmitidos aos seus
herdeiros, mas estes devem desde logo comunicar a morte ao mandante, nos termos
do art. 690, CC. Além disso, devem os herdeiros limitar-se às medidas conservatórias,
ou prosseguir com os negócios pendentes cuja demora possa trazer perigo,
observando seus serviços os mesmos limites e as mesmas normas a que submetido
o mandatário, ex. art. 691 do Código Civil.

5. Referências bibliográficas

BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado: obrigações –
tomo II, v. 5, 5 ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1943.

BONFANTE, Pietro. Istituzioni di diritto romano, 10 ed., Torino, G. Giappichelli, 1946.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, v. 3, 18


ed., São Paulo: Saraiva, 2021.

LABAND, Paul. Die Stellvertretung bei dem abschluss von rechtsgeschäft nach dem
allegem. In: Zeitschrift für das gesante Handesrecht. Stuttgart, v. X, 1866, apud MARTIN,
André. Representação direta voluntária na conclusão de contratos: Delineamento
histórico e de custos. Dissertação de Mestrado. Orientador: Prof. Dr. Haroldo Malheiros
Duclerc Verçosa. Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2012, p. 51.
MIRANDA, Pontes de. Direito das obrigações: mandato: gestão de negócios alheios sem
outorga..., atualizado por Cláudia Lima Marques, Bruno Miragem. Tomo XLIII. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, 13 ed., São Paulo: Atlas,
2013.

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