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1. Considerações iniciais
Mandato tem origem no latim manusdare. Em português, sua definição se
aproximaria da ideia de “dar as mãos”, i.e., estender as mãos para que alguém
pratique o ato por ti. A expressão também revela a ideia de celebração de um vínculo
a partir do simbolismo inerente ao movimento de dar as mãos, representando a
aceitação do encargo e a fidelidade e a confiança que fundamentam o instituto do
mandato. De maneira complementar, ambas as acepções se amoldam à razão de ser
do instituto, qual seja: conferir poderes para que alguém haja em seu nome. Trata-se
de movimento que há muito vem sendo realizado nos sistemas jurídicos,
especialmente desde a expansão comercial.
Dada a importância do tema e as peculiaridades a ele pertencentes, este capítulo se
propõe a realizar uma análise sistemática dos dispositivos do Capítulo X do Código
Civil, que tratam do mandato (art. 653 a 692), abordando o tema sob a perspectiva
material e procedimental. Para os fins do presente trabalho, o exame e a
interpretação de tais dispositivos serão embasados mormente nos estudos de Pontes
de Miranda, que dedicou grande parte do Tomo XLIII, de seu Tratado de Direito
Privado, à análise dos pormenores que envolvem o instituto do mandato.
2. Sobre o mandato
É o contrato por meio do qual alguém (mandante, outorgante) transfere para outrem
(mandatário, procurador, outorgado) poderes para agir em seu nome. Trata-se de
constituir uma representação voluntária (arts. 115 a 120), em que se delega poderes
para praticar atos (negócios, atos jurídicos ou atos-fatos) ou administrar interesses
(atuação em juízo ou transação extrajudicial).
O mandato destinado à prática de atos extrajudiciais é chamado de mandato ad
negotia. Já o Mandato “ad juditia” consiste na procuração que nomeia um
profissional da advocacia para as hipóteses em que a parte não tem capacidade
postulatória para agir em juízo, ou, mesmo tendo, prefere não exercer por si. Ou seja,
confere poderes de representação no foro.
Se a representação tiver que ser além do processo judicial, devendo o advogado
também agir na esfera administrativa ou privada, fala-se em mandato ad juditia et
extra. O art. 692 trata do regime jurídico desse mandato, que é disciplinado pelo
CPC/1973 (arts. 7º a 15), pelo CPC/2015 (arts. 70 a 76), pela Lei nº. 8.906/94 (Estatuto
da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo Código Civil,
supletivamente, quanto às normas do mandato ad negotia.
Ao tratar do tema, Pontes de Miranda define o mandato como o contrato pelo qual
se criam a alguém o dever e a obrigação, perante outrem, da gestão de negócios que
se lhe entregam, com ou sem poder de representar (2012, p. 58). A parte final dessa
definição revela não ser o mandato restrito ao poder de representação; em verdade,
são figuras distintas que em muito aparecem subordinadas, mas que não se
confundem.
Quase sempre, haverá poder de representação no mandato, porém este pode não
advir daquele e não se reduz a ele. O poder de representação é mera espécie de
outorga de poder, em que haverá a manifestação unilateral da vontade do
outorgante (MIRANDA, 2012, p. 61). É Paul Laband quem suscita a distinção entre
vollmacht e o mandatum, esclarecendo a possibilidade da existência do poder de
representação sob forma que não de mandato, assim como a outorga de procuração
ausente de poderes de representação (LABAND apud MARTIN, 2012, p. 50).
Neste sentido, o direito brasileiro concebe a possibilidade de haver mandato sem
poder de representação, especialmente quanto aos atos que sem ele podem ser
praticados por outrem (MIRANDA, 2012, p. 61). Neste caso, ter-se-á o mandato in rem
suam (em causa própria, art. 685 CC) ou a prática de atos jurídicos estabelecidos em
mandato em vista do mandante, mas em nome do próprio mandatário, porquanto
inexista outorga de poderes.
Na maioria das vezes, o mandato e a representação estarão lado a lado, mas não é
esta essencial à sua configuração, “havendo hipóteses em que este subsiste sem
aquela; e outras ainda em que a mesma ideia existe, porém em contratos de natureza
diversa” (GONÇALVES, 2021, p. 387). Afinal, como bem elucida Pietro Bonfante, “la
facoltà di amministrare, cioè di agire nell'interesse altrui (che si suol dire anche
rappresentanza indireta o impropria) non implica in via di principio la facoltà di
rappresentare, cioè di agire veramente nel nome altrui, che è la vera o diretta
rappresentanza" (1946, pp. 78-79). Reconhecer o contrário seria dizer que não haveria
mandato, por exemplo, na outorga de poder para que o amigo retirasse, com as
chaves, a correspondência; nem para que entregasse o dinheiro dos salários aos
empregados (MIRANDA, 2012, p. 62).
Nesta perspectiva, outra premissa a se salientar diz respeito à procuração. Enquanto
o mandato é o contrato que vincula quem é mandante e quem é mandatário, a
procura é negócio jurídico unilateral, constituído pela manifestação de vontade do
representado, de modo a legitimar o representante fora de qualquer relação jurídica
com o titular do negócio (MIRANDA, 2012, p. 62).
A procuração tem como requisito essencial a outorga de poderes representativos,
cuja formatação e conceito são suficientemente idôneos para que seja conferido o
poder de representação à outra parte. Em contrapartida, o mandato é contrato que
admite ou não a existência de tal outorga, prescindindo da representatividade para
sua formação. Por isso, apesar de quase sempre ser o mandato acompanhado de
procuração, este acompanhamento não pode ser tido como essencial, uma vez que
aquele pode ser concebido sem a outorga do poder de representação (MIRANDA,
2012, p. 62).
Apesar da distinção suscitada por Laband, o Código Civil brasileiro não a adotou por
completo, estabelecendo a procuração como instrumento do mandato, na parte final
do art. 653. Sob a ótica do legislador, compreende-se a procura como o instrumento
que representa o mandato e por meio do qual este se perfaz, sendo sempre escrito
(público ou particular). Assim, o mandato seria o contrato aperfeiçoado com o
encontro de vontades e a procuração o instrumento que o materializa (VENOSA,
2013, p. 282).
Dentre os requisitos essenciais da procuração, o Código Civil elenca: 1) ser passada
por pessoa capaz; 2) conter a assinatura do mandante (não é exigida a assinatura do
mandatário); 2) reconhecimento de firma do mandante, apenas se o terceiro exigir;
3) indicação do lugar em que a procuração foi feita; 4) qualificação das partes; 5) data
da assinatura pelo mandante; 6) finalidade pela qual é feito o mandato; 7) os poderes
(específicos ou gerais) que se conferem ao mandatário.
Além da procuração, há ainda a possibilidade de substabelecimento. Substabelecer é
quando o mandatário delega os poderes que recebeu do mandante a um terceiro.
Nesse caso, o mandatário original é chamado de submandante ou substabelecente; e
o novo mandatário é o submandatário ou substabelecido. O artigo 655, CC, permite
que o substabelecimento seja feito por instrumento particular, ainda que a
procuração original tenha sido feita por escritura pública.
Somente se admite mandato verbal nas hipóteses em que se admite que o contrato
a ser celebrado pelo mandatário possa ser celebrado verbalmente. Aqui, pode
ocorrer o seguinte:
Especialmente quanto ao terceiro, o art. 673 do Código Civil prevê que, se conhecer
os poderes e aceitar celebrar o ato exorbitando esses poderes, não terá direito de ser
indenizado por prejuízos que vier a sofrer, tanto do mandatário quanto do mandante.
Se, porém, o mandatário prometeu a ratificação pelo mandante do ato praticado em
exorbitância dos poderes da procuração, e não a conseguir, responderá pelos
prejuízos do terceiro.
Por fim, o art. 674, CC, determina que, morrendo ou sendo interditado o mandante,
e havendo perigo na demora, o mandatário deve concluir o ato cujas negociações já
tenham se iniciado, exceto se este puder aguardar a ratificação do mandato pelos
herdeiros do mandante. Esse “...se houver perigo na demora...” se refere ao risco de
não conseguir concluir o negócio por causa de possível demora, ou seja, havendo
necessidade de certa celeridade.
4. Da extinção do mandato
O artigo 682 do Código Civil elenca as hipóteses de extinção do mandato, quais sejam:
1) revogação; 2) renúncia; 3) morte de uma das partes; 4) interdição de uma das
partes; 5) mudança de estado de inabilidade o mandante a conferir os poderes, ou o
mandatário para os exercer; 6) término do prazo, e 7) conclusão do negócio.
Enquanto o mandatário não for comunicado das causas de extinção do art. 682 que
atinjam o mandante, os atos que praticar com terceiros terão validade e eficácia, ex.
art. 689, CC.
CAUSA DESCRIÇÃO
Mudança de estado Quando uma das partes altera seu estado civil e passa a
depender de algum requisito de legitimidade para a
celebração do mandato. Por exemplo: o mandante se
casou no regime da comunhão universal e depende da
outorga da esposa para a conclusão da compra e venda de
um imóvel.
Termo ad quem É o implemento do prazo dado para que o mandato fosse
cumprido.
5. Referências bibliográficas
BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado: obrigações –
tomo II, v. 5, 5 ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1943.
LABAND, Paul. Die Stellvertretung bei dem abschluss von rechtsgeschäft nach dem
allegem. In: Zeitschrift für das gesante Handesrecht. Stuttgart, v. X, 1866, apud MARTIN,
André. Representação direta voluntária na conclusão de contratos: Delineamento
histórico e de custos. Dissertação de Mestrado. Orientador: Prof. Dr. Haroldo Malheiros
Duclerc Verçosa. Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 2012, p. 51.
MIRANDA, Pontes de. Direito das obrigações: mandato: gestão de negócios alheios sem
outorga..., atualizado por Cláudia Lima Marques, Bruno Miragem. Tomo XLIII. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie, 13 ed., São Paulo: Atlas,
2013.