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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE DIREITO

A EFICÁCIA DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS DOS


CONTRIBUINTES FACE AO PRINCÍPIO DE EXAUSTÃO DOS
MEIOS GRACIOSOS.

Oriente Jaime de Castro Pirai

Nampula, Abril de 2017

i
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

FACULDADE DE DIREITO

A EFICÁCIA DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS DOS


CONTRIBUINTES FACE AO PRINCÍPIO DE EXAUSTÃO DOS
MEIOS GRACIOSOS.

Monografia submetida à Faculdade de


Direito da Universidade Católica de
Moçambique como requisito parcial
para obtenção do grau de Licenciado
em Direito.

Supervisor: Mestre Barbosa Morais

Oriente Jaime de Castro Pirai

Nampula, Abril de 2017

ii
Índice
Declaração de Honra ........................................................................................................vii
Dedicatória .................................................................................................................... viii
Agradecimentos ................................................................................................................ ix
Abreviaturas, Símbolos e Siglas ......................................................................................... x
Resumo ............................................................................................................................. xi
Abstract ...........................................................................................................................xii
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13
CAPITULO I - QUADRO TEÓRICO .............................................................................. 17
A NATUREZA DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS NO ÂMBITO DO DIREITO
FISCAL ........................................................................................................................... 17
AS GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES .................................................................... 19
DIREITO FISCAL E DIREITO TRIBUTÁRIO ............................................................... 25
O PRINCIPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA, EM MATÉRIA FISCAL .. 26
Direito de acesso aos tribunais ......................................................................................... 26
1.5. A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL ................................................... 27
1.5.1. Limites de jurisdição .............................................................................................. 28
1.6. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA FISCAL ............................................................. 28
1.7. OS TRIBUNAI FISCAIS EM MOÇAMBIQUE ........................................................ 30
1.7.1. A Jurisdição Fiscal e as Competências dos Tribunais Fiscais em Matérias Jurídico-
Fiscais .............................................................................................................................. 30
1.7.2. Competência em razão da matéria .......................................................................... 33
1.7.3. Competência em razão do território ........................................................................ 33
1.7.4. Competência em razão da hierarquia ...................................................................... 33
1.7.5. Incompetência absoluta .......................................................................................... 34
1.7.6. Incompetência relativa............................................................................................ 35
1.8. PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL DAS GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES
........................................................................................................................................ 35
1.8.1. Princípio da Constitucionalidade ............................................................................ 35
1.8.2. Princípio da Independência dos Tribunais ............................................................... 36
1.8.3. Princípio da reserva da função jurisdicional em matéria tributária........................... 36
1.8.4. Princípio da protecção jurídica ............................................................................... 36
1.8.5. Princípio da reserva legal das garantias dos contribuintes ....................................... 37
1.9. ÂMBITO DO CONTENCIOSO FISCAL/TRIBUTÁRIO ......................................... 37

iii
1.10. O PROCESSO TRIBUTÁRIO COMO UM CONTENCIOSO PLENO ................... 38
1.10.1. Formas de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em
matéria tributária .............................................................................................................. 39
1.10.2. Exigência de meios de determinação da prática de actos legalmente devidos ........ 40
1.10.2. Exigência de meios cautelares adequados ............................................................. 40
1.11. O PROCESSO TRIBUTÁRIO COMO UM CONTENCIOSO DE LEGALIDADE . 41
1.12. PRINCÍPIOS QUE NORDEIAM O PROCESSO TRIBUTÁRIO/FISCAL NO
AMBITO DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS DOS CONTRIBUINTES ................... 41
1.12.1. Princípio da tutela jurisdicional efectiva ............................................................... 42
1.12.2. Princípio da Justiça - verdade material .................................................................. 43
1.12.3. Princípio da Colaboração ...................................................................................... 44
1.12.4. Princípio da Celeridade Processual ....................................................................... 44
1.12.5. Princípio do Inquisitório ....................................................................................... 45
1.12.6. Princípio do contraditório ..................................................................................... 46
1.12.7. Princípio da Aquisição Processual ........................................................................ 47
1.12.8. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição ................................................................. 47
1.12.9. Princípio da Legalidade ........................................................................................ 48
1.10.10. Princípio da Investigação .................................................................................... 49
1.13. O SUJEITO PASSIVO E A LEGITIMIDADE PARA INTERVIR NO PROCESSO
........................................................................................................................................ 50
1.13.1. Actor e parte no processo ..................................................................................... 52
1.13.2. Os Pressupostos complementares da Legitimidade do Sujeito Passivo ................. 52
CAPÍTULO II - METODOLOGIA APLICADA .............................................................. 53
2.1. Paradigma de Investigação ........................................................................................ 53
2.2. Tipo de Pesquisa ....................................................................................................... 54
2.2.1. Quanto à abordagem ............................................................................................... 54
2.2.2. Quanto à natureza ................................................................................................... 54
2.2.3. Quanto aos procedimentos...................................................................................... 54
2.3. Métodos usados......................................................................................................... 54
2.3.1. Estratégias de recolha de dados .............................................................................. 54
2.3.2. Análise documental ................................................................................................ 55
2.4. Estratégias de apresentação, análise e interpretação de dados..................................... 55
2.5. Métodos de investigação ........................................................................................... 55

iv
CAPÍTULO III – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS . 57
3.1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 57
3.1.1. Âmbito das Garantias Contenciosas dos Contribuintes ........................................... 57
3.1.2. O Recurso Contencioso, Para o Tribunal Fiscal de 1ª Instância. .............................. 61
3.2. A RECORRIBILIDADE DOS TRIBUNAIS FISCAIS E AS FORMAS
PROCESSUAIS ............................................................................................................... 63
3.2.1. A definitividade dos Actos Administrativos ............................................................ 66
CONCLUSÕES ............................................................................................................... 68
RECOMENDAÇÕES ...................................................................................................... 70
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 72
A - Legislação .................................................................................................................. 72
B- Doutrina ...................................................................................................................... 72

v
A EFICÁCIA DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS DOS
CONTRIBUINTES FACE AO PRINCÍPIO DE EXAUSTÃO DOS
MEIOS GRACIOSOS

ORIENTE JAIME DE CASTRO PIRAI

Aprovado em ________/_________/_____________

MEMBROS DE JÚRI

_____________________________________________________

(Presidente)

_____________________________________________________

(Arguente)

_____________________________________________________

(Arguente)

NAMPULA, ABRIL DE 2017

vi
Declaração de Honra

Eu, Oriente Jaime de Castro Pirai, declaro, por minha honra, que o presente trabalho
constitui o resultado do meu labor individual, sob orientação do meu supervisor. Todas as
ideias dos autores foram devidamente citadas.

Declaro ainda que, este trabalho nunca foi apresentado em nenhum outro âmbito para
obtenção de qualquer grau académico.

Nampula, Abril de 2017

___________________________________
O Licenciando
Oriente Jaime de Castro Pirai
.

vii
Dedicatória

Ao meu querido tio Constantino


Pirai e à minha tia Belinha Dias
Abula Chaculo, por me apoiarem
para a realização do curso de
Licenciatura em Direito.

viii
Agradecimentos

À Deus por me conceder vida e saúde para a concretização deste grau académico. Aos
meus pais que incansavelmente foram os meus mentores, que me incentivaram e
acompanharam na vida académica e com certeza estão orgulhosos de ter atingido o grau
académico de licenciatura, aos meus irmãos que foram uma grande inspiração para a
realização deste sonho.

Agradeço, pela paciência e dedicação do tutor, Mestre Barbosa Morais, pela colaboração o
meu muito obrigado.

Agradeço à MA. Sónia Barata Henriques e a Dra. Suzel Victor João Reginaldo pelo apoio
que me deram durante a elaboração do presente trabalho, aos meus professores do curso de
licenciatura em direito, aos meus colegas de turma e a todos que directa ou indirectamente
contribuíram para a realização desta monografia, vai o meu muito obrigado -
KOSHUKHURO.

ix
Abreviaturas, Símbolos e Siglas

CPC - Código de Processo Civil;

CRM - Constituição da República de Moçambique;

LGT - Lei Geral tributária;

RCCI - Regulamento do Contencioso das Contribuições e Impostos;

RGIT - Regime Geral de Infracções Tributárias;

Ob. Cit - obra citada

Pág. - Página

x
Resumo

O presente trabalho tem como tema: A Eficácia das Garantias Contenciosas dos
Contribuintes Face ao Princípio de Exaustão dos Meios Graciosos. A preocupação central
do trabalho é demonstrar a consistência dos meios que o sujeito passivo tem na defesa dos
seus direitos e das suas garantias consagradas na legislação fiscal com relação a violação
dos mesmos e consequente recurso junto dos Tribunais Fiscais, em face ao princípio de
exaustão dos meios graciosos, tendo em conta que em Moçambique vigora o princípio de
acesso aos tribunais. Para nortear a discussão, coloca-se a seguinte pergunta: Como Se
Podem Efectivar as Garantias Contenciosas dos Contribuintes Face ao Princípio da
Exaustão dos Meios Graciosos? O estudo deste tema tem grande interesse para a
sociedade, em particular para os sujeitos passivos do imposto, dada a importância que
revestem as garantias contenciosas dos contribuintes na defesa dos direitos e interesses
legalmente tutelados. O objectivo geral do trabalho é de analisar até que ponto pode haver
eficácia das garantias contenciosas dos contribuintes enquanto vigorar o princípio da
exaustão dos meios graciosos. Esta investigação baseou-se na consulta do quadro legal
vigente em Moçambique e na análise bibliográfica. Os resultados indicam que: (i) a
Constituição da República de Moçambique, nos artigos 62, 69, 70 e n.º 3 do artigo 253,
consagram o direito de acesso aos tribunais contra todo o acto lesivo de direitos e
interesses reconhecidos por lei; (ii) o artigo 7 da Lei n.º 2/2004 de 21 de Janeiro, dispõe
que “os tribunais de jurisdição fiscal devem abster-se de conhecer de matérias passíveis de
reclamação ou recurso hierárquico antes de se esgotarem essas vias”; (iii) igualmente, a Lei
n.º 2/2006, de 22 de Março, no seu artigo 52 reafirma o princípio da exaustão dos meios
graciosos, ao dispor que “no procedimento tributário vigora o princípio da exaustão dos
meios administrativos graciosos e, o direito ao recurso contencioso de todo o acto
definitivo”. Face a estas constatações, recomenda-se uma fiscalização sucessiva abstracta
da inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 7 (Princípio de exaustão dos meios
graciosos) da Lei n.º 2/2004, de 21 de Janeiro e no artigo 52 (Exaustão) da Lei n.º 2/2006,
de 22 de Março, por contrariarem a norma do artigo 70, conjugada com a norma inscrita
na primeira parte do n.º 1 do artigo 62, e ainda as normas contidas nos números 2 e 3 do
artigo 56, nos números 1 e 2 do artigo 212, e n.º 3 do artigo 253, todos da Constituição da
República de Moçambique.

Palavras-chave: garantias contenciosas, contribuinte, sujeito passivo.

xi
Abstract

This work has the theme: The Effectiveness of Contentious Guarantees of Taxpayers Faced
with the Principle of Exhaustion of Gracious Means. The main concern of the work is to
demonstrate the consistency of the means that the taxpayer has in defending his rights and
the guarantees enshrined in the tax legislation in relation to the violation thereof and
consequent appeal to the Tax Courts, in view of the principle of exhaustion of the
Amicable measures, bearing in mind that Mozambique has the principle of access to the
courts. To guide the discussion, the question arises: How can contentious guarantees of
taxpayers be made effective in the face of the principle of the elimination of social media?
The study of this topic is of great interest to society, particularly taxpayers, given the
importance of contentious guarantees of taxpayers in defending legally protected rights and
interests. The overall aim of the work is to examine the extent to which taxpayers'
contentious assurances can be effective while enforcing the principle of depletion of the
graceful means. This research was based on the consultation of the legal framework in
force in Mozambique and the bibliographic analysis. The results indicate that: (i) the
Constitution in articles 62, 69, 70 and 3 of article 253, enshrine the right of access to the
courts against any act adversely affecting rights and interests recognized by the
Constitution and by law; (Ii) article 7 of Law no. 2/2004 of January 21, provides that
"courts of tax jurisdiction must abstain from knowing matters subject to complaint or
hierarchical appeal before exhausting those channels"; (Iii) Law no. 2/2006 of 22 March,
Article 52, reaffirms the principle of exhaustion of graceful means, stating that "in the tax
procedure there is a principle of exhaustion of graceful administrative means and, The right
to judicial review of any final act ". In view of these findings, it is recommended that the
unconstitutionality of the rules contained in article 7 (Principle of exhaustion of graceful
means) of Law no. 2/2004, of January 21 and article 52 (Exhaustion) of the Law No
2/2006, of 22 March, as contrary to the rule of article 70, in conjunction with the rule
included in the first part of paragraph 1 of article 62, and also the rules contained in
paragraphs 2 and 3 of article 56 , In numbers 1 and 2 of article 212 and paragraph 3 of
article 253, all of the Constitution of the Republic of Mozambique.

Key words: contentious guarantees, taxpayer, taxable person.

xii
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema: a eficácia das garantias contenciosas dos contribuintes
face ao princípio de exaustão dos meios graciosos, uma questão bastante discutida na
actualidade, pois, o direito de acesso a justiça fiscal está relacionado com os litígios
decorrentes das relações jurídico-fiscais entre a Administração Tributária e os sujeitos
passivos, que se efectiva através da interposição de um recurso contencioso junto do Tribunal
Fiscal, face aos direitos e garantias dos contribuintes.

Nos termos do artigo 62 da Constituição da República de Moçambique, o Estado garante o


acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos arguidos o direito de defesa e o direito à
assistência jurídica e patrocínio judiciário.

O direito de impugnação encontra-se salvaguardado no artigo 69 da Lei Fundamental,


dispondo que “o cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos estabelecidos na
Constituição e nas leis”.

Enquanto que o direito de recorrer aos tribunais vem estabelecido no artigo 70 da mesma
Constituição, prevendo que “o cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos
que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei”.

As garantias contenciosas compreendem a possibilidade de os contribuintes exigirem os seus


direitos objectivos e bem como subjectivos que se mostram violados pela administração
tributária junto dos tribunais. Estas garantias encontram-se tipificadas na Constituição da
República de Moçambique, pelo facto de, no seu artigo 62 estabelecer o acesso aos tribunais
como um direito fundamental dos cidadão, no artigo 70 plasmar o direito de recorrer aos
tribunais, e, no nº 3, do artigo 253 apresentar o direito ao recurso contencioso como direito e
garantia dos administrados.

De referir que, o tema é de grande importância, visto que com o crescente investimento e
elevado fluxo financeiro no mercado, facto gerador de impostos, motiva deste modo, variados
conflitos de natureza jurídico-fiscal existente entre a Administração Tributária e os sujeitos
passivos (contribuintes). Trata-se de um tema com grande interesse para a sociedade, em
particular para os sujeitos passivos do imposto, dada a importância que reveste os meios
contenciosos fiscais na defesa dos direitos e interesses legalmente tutelados, pois o direito de
recorrer aos tribunais é uma faculdade de agir constitucionalmente outorgada ao cidadão,

13
conferindo-lhe legitimidade para exigir do Estado que os seus litígios sejam dirimidos por
órgãos independentes e imparciais que exerçam a função jurisdicional.

O estudo ora em curso, prende-se pelo facto de se tratar de um tema actual, com particular
importância para a sociedade moçambicana que se encontra na consolidação da democracia e
por se tratar de um Estado de Direito, onde os aspectos de garantias contenciosas, constituem
desafios para o Estado.

O imposto surge como obrigação fiscal de todos aqueles que tem capacidade contributiva
traduzida no direito de um dos sujeitos receber a prestação de imposto e no correspondente
dever de prestar do outro. Esta obrigação, porque de origem legal, nasce com a verificação da
factualidade típica, prevista na lei, o facto geral do imposto1.

A obrigação tributária constitui desta forma, o vínculo jurídico por força do Estado ou outra
entidade pública de poder de exigir de uma pessoa colocada na posição de sujeito passivo uma
determinada prestação, de acordo com a capacidade contributiva que essa pessoa revele
aquando da verificação do facto tributário.

Por conseguinte, esta obrigação fiscal nasce da verificação dos pressupostos de facto que
integram o tipo tributário abstracto descrito na lei fiscal, os quais sendo atribuídos a
determinada pessoa, colocam esta na posição de obrigado a prestar o imposto ao Estado.

A tutela dos contribuintes face aos comportamentos activos ou omissivos da Administração é


o cerne do processo tributário. Os litígios têm particularidade derivadas da existência do dever
declarativo do contribuinte e dos demais deveres de cooperação, os quais tem como reverso a
atribuição do poder, à administração, de intervir na esfera jurídica do contribuinte, em caso do
incumprimento da lei por parte deste, sem o prévio controlo judicial bem como poder de
aplicar sanções de carácter administrativo sem, também, previa intervenção judicial 2.

As decisões da Administração Tributária têm na esfera do contribuinte influenciando,


sobremaneira, na vertente financeira, onde o artigo 62 da Constituição da República de
Moçambique (CRM) estabelece o direito de acesso aos tribunais com vista a tutela dos
direitos subjectivos e interesses dignos de tutela jurídica dos particulares no caso de violação
por parte da própria administração.

1
MORAIS, Rui Duarte, A Execução Fiscal, 2ªEdição, Almedina, Coimbra, pag 9.
2
NETO, Serena Cabrita, Introdução ao Processo Tributário, Coimbra Editora, 1ªEdição, 2004, pág 13.
14
Assim, o processo tributário consiste numa sequência de actos ordenados com vista a uma
resolução de um conflito de interesse ou litígio por um terceiro. Este terceiro - o tribunal - é
uma entidade imparcial que deve procurar a justa composição do problema. Há no processo
uma relação triangular: em cada um dos vértices da base estão ambas as partes em conflito e
no vértice superior está o julgador, imbuído de um poder de autoridade segundo poderes que
lhe estão constitucionalmente reconhecidos3.

Aos litígios decorrentes de actos tributários cabe o recurso contencioso, como por exemplo, os
casos de liquidação dos impostos, que constituem matéria do processo tributário, e deve-se
primar pelo princípio de adequação processual (em que todo o direito de impugnar
corresponde o meio mais adequado de o fazer valer em juízo).

Os artigos 62, 69, 70 e n.º 3 do artigo 253 todos da Constituição da República, prescrevem o
direito do cidadão recorrer contenciosamente ao tribunal – contra actos que violem os seus
direitos e interesses nela estabelecidos e na Lei;

O artigo 7 da Lei n.º 2/2004 de 21 de Janeiro, dispõe que “Os tribunais de jurisdição fiscal
devem abster-se de conhecer de matérias passíveis de reclamação ou recurso hierárquico antes
de se esgotarem essas vias”;

Igualmente, a Lei n.º 2/2006, de 22 de Março, no seu artigo 52 reafirma o princípio da


exaustão dos meios graciosos, ao dispor que “no procedimento tributário vigora o princípio da
exaustão dos meios administrativos graciosos e, o direito ao recurso contencioso de todo o
acto definitivo”;

O artigo 51 da Lei n.º 2/2006, de 22 de Março, consagra o princípio da definitividade dos


actos tributários. Segundo este artigo “os actos tributários praticados por autoridade
tributáriacompetente em razão da matéria (…) são definitivos quanto à fixação dos direitos
dos sujeitos passivos, sem prejuízo da sua eventual reclamação, revisão ou recurso
contencioso nos termos da lei”;

A Constituição nos artigos 62, 69, 70 e n.º 3 do artigo 253, consagram o direito de acesso aos
tribunais contra todo o acto lesivo de direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e
pela lei. Na Constituição o direito de recurso situa-se no Capítulo III, que é relativo aos
direitos, liberdades e garantias individuais. De acordo com o artigo 56 da CRM, trata-se de

3
SANTOS, Juliana Lima, Procedimento e Processo Tributário, OTOC, Lisboa, 2013.
15
um direito directamente aplicável, garantido pelo Estado, limitado apenas em razão da
salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição.

E mais, nos termos do n.º 2 do artigo supra, a lei só pode limitar o direito de acesso aos
tribunais nos casos expressamente previstos na Constituição.

A lei, neste caso, artigo 52 da Lei n.º 2/2006, de 22 de Março e no artigo 7 da Lei n.º 2/2004,
de 21 de Janeiro, ao impedir que os tribunais fiscais conheçam matérias susceptíveis de
reclamação ou recurso hierárquico, antes de se esgotarem essas vias, está a estabelecer uma
verdadeira limitação ao direito de acesso aos tribunais, pois, em face das disposições legais
retro mencionadas, o cidadão só poderá recorrer ao tribunal do acto que se mostre
cumulativamente: horizontal, vertical e materialmente definitivo.

Trata-se de uma limitação não expressamente prevista na Constituição. Ademais, não se


descortina outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição que o legislador
pretendeu salvaguardar com a limitação do direito de recorrer aos tribunais.

Em consonância com a CRM e com a doutrina maioritária, deve considerar-se recorrível todo
o acto lesivo de direitos ou interesses estabelecidos na Constituição e nas demais leis, ainda
que o mesmo não seja verticalmente definitivo. Ou seja, deve assegurar-se a possibilidade de
recorrer ao tribunal “sempre que o acto possa produzir efeitos lesivos na esfera do recorrente e
tais efeitos lesivos não possam ser afastados por meios administrativos”. Na verdade, em
princípio, a reclamação graciosa e o recurso hierárquico não impedem a produção dos efeitos
lesivos do acto, uma vez que conforme disposto no artigo 129 e n.º s 2 e 3 do artigo 138 da
Lei n.º 2/2006, de 22 de Março, estas vias graciosas, em regra, não têm efeitos suspensivos.

O tema objecto de pesquisa é a eficácia das garantias contenciosas dos contribuintes face ao
princípio de exaustão dos meios graciosos, que constitui um atentado às garantias dos
contribuintes na defesa dos seus direitos e interesses tutelados pela Constituição
moçambicana.

O estudo do tema é de natureza explicativa e interpretativa uma vez que se pretende


demonstrar as garantias contenciosas dos contribuintes e sua eficácia no ordenamento jurídico
moçambicano.

Com vista a nortear a investigação, foram delineados os objectivos (geral e específicos),


sendo que o geral é de analisar a Eficácia das Garantias Contenciosas dos Contribuintes no
16
Ordenamento Jurídico Moçambicano Face ao Princípio da Exaustão dos Meios Graciosos, ou
seja, procurar saber como se tem efectivado as garantias dos particulares no uso dos recursos
contenciosos para verem valer os seus direitos.

O objectivo ora anunciado foi desdobrado em cinco (6) objectivos específicos,


nomeadamente:

 Descrever o processo de implementação dos Tribunais Fiscais em Moçambique;


 Descrever os procedimentos processuais nas relações jurídico-fiscais, como meios de

garantias dos contribuintes;

 A analisar o princípio de exaustão dos meios graciosos tipificado no artigo 7 da Lei nº

2/2004, de 21 de Janeiro e do artigo 52 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março;

 Analisar o âmbito de aplicação das garantias gerais dos contribuintes estabelecidas na

Lei Geral Tributária;

 Analisar aplicabilidade das garantias contenciosas dos administrados estabelecidas na

Constituição da República de Moçambique face às normas ordinárias estabelecidas

Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro e Lei nº 2/2006, de 22 de Março;

 Analisar a admissibilidades dos processos fiscal (na prática) e o seu tratamento – caso

do Tribunal Fiscal da Província de Nampula.

Como pergunta de partida coloca-se a seguinte: como se podem efectivar as garantias


contenciosas dos contribuintes face ao princípio da exaustão dos meios graciosos?

CAPITULO I - QUADRO TEÓRICO

A NATUREZA DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS NO ÂMBITO DO DIREITO


FISCAL

A palavra Contencioso pressupõe um conflito de interesses, entre duas ou mais partes que
leva à discussão da legalidade de determinados actos, ou apuramento de responsabilidades,
17
perante órgãos independentes imparciais com competência para proferirem decisões tendentes
a converte-se em coisa julgada4.

O Contencioso Fiscal de que nos vamos ocupar é o conjunto de espécies processuais


(processos), definidas pelas leis tributárias dirigidas aos tribunais fiscais e através das quais os
contribuintes exercem os seus direitos contra actos ilegais da administração fiscal.

É um contencioso de anulação. Resulta de um pedido formulado jurisdicionalmente, para


anulação de um acto jurídico da administração. Corresponde a um exame da legalidade dos
actos administrativos, definitivos e executórios. O acto anulado deixa de existir na ordem
jurídica – o juiz anula o acto, não se substitui à administração, proferindo um outro acto legal
em lugar daquele.

O direito fiscal tem diversas fontes, podendo esta expressão (fontes) ser empregue em
diversas acepções, (históricas, consuetudinárias, objectivas, subjectivas, jurídicas, etc.)
conforme ensina o Professor Nuno Sá Gomes, mas as que aqui nos interessam, serão
sobretudo as fontes de direito fiscal objectivo, no sentido técnico-jurídico.

“A fonte de obrigação tributária é sempre o facto objectivo da previsão das normas de


incidência tributária5.”

O Sistema Fiscal Moçambicano (conjunto de leis que informam e prevêem as fontes da


obrigação tributária) seguindo os princípios constitucionais, visa a satisfação das necessidades
financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma distribuição justa da riqueza (art. 93
da Constituição da Constituição da República de Moçambique).

Ora; as necessidades financeiras do Estado tem vindo a aumentar exponencialmente devido às


suas funções sociais cada vez maiores. Contudo, ninguém pode ser obrigado a pagar impostos
que não tenham sido criados nos termos da constituição, nem superiores à sua capacidade
contributiva.

Há tendência para que os serviços públicos se socorrerem de taxas para se financiarem que
por vezes são verdadeiros impostos e excessivos, porque vão para além do serviço prestado, e

4
CAETANO, Marcelo. Dicionário de conceitos e princípios jurídicos. 2ª Edição, Almedina Editora. Lisboa.
1979. P. 392

5
CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo, 2º Vol. Coimbra Editora. 1980. P. 1213 e 1214.
18
por vezes a fronteira entre imposto e taxa é bastante ténue, obrigando as pessoas a pagar por
serviços públicos, mais do que a sua capacidade contributiva permite.

Os impostos são criados e alterados por lei (da competência da Assembleia da República) que
determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (conforme
estabelece o artigo 127 da C.R.M.)

Em matéria de impostos, existe portanto, reserva de lei, da Assembleia de República,


revestindo as normas fiscais a forma de lei, só podendo legislar nessa matéria o poder
executivo, com autorização legislativa expressa.

Segundo a divisão de poderes existente, (artº.134 da CRM) cabe, portanto, ao poder


legislativo definir “o quê, o quando e o quanto” dos impostos. Quanto a incidência, taxas e
benefícios fiscais, que se nos apresentam nos diversos códigos fiscais, vamos abster-nos agora
de comentários, e vamos debruçar-nos sobretudo nas garantias dos contribuintes que se nos
apresentam de duas espécies: graciosas – aquelas que se desenrolam perante a administração –
e contenciosas, as que se desenrolam perante o poder judicial.

AS GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES

Toda a Administração Pública, incluindo, portanto, a Administração Tributária, deve, nas suas
actuações face aos administrados, respeitar os direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos. Isso resulta do artigo 249.º, n.º 1 da Constituição da República de Moçambique.

No âmbito fiscal, esses direitos e interesses são tutelados através das chamadas garantias dos
contribuintes, que nos aparecem, desde logo, como uma decorrência do princípio da
legalidade da tributação, consagrado n.º 3 do artigo 127.º da C.R.M.

Ao nível do direito tributário, a expressão garantias dos contribuintes surge-nos no artigo 50


da Lei Geral Tributária – Lei 2/2006, de 22 de Março, onde se enumeram alguns dos meios ao
alcance do contribuinte quando pretende reagir face a actos da Administração Tributária
lesivos dos seus direitos.

Concretizando o comando constitucional expresso no n.º 2 do artigo 249, a lei fiscal


(nomeadamente artº. 50 e segs. da LGT) estabelece as garantias essenciais que a
Administração Tributária deverá assegurar nas suas relações com os sujeitos passivos, a saber:

19
 O direito à informação, à fundamentação e à notificação de todos os actos praticados
em matéria tributária que afectem direitos e interesses;
 Direito de reclamação, de recurso hierárquico, de impugnação, de audição e de
oposição;
 Direito a juros indemnizatórios e moratórios, entre outros.

“Sintetizando as diferentes posições doutrinais, podemos afirmar que as garantias dos


contribuintes mais não são do que “todos os meios legislativos” judiciais e administrativos
que permitem ao cidadão-contribuinte tutelar os seus direitos e interesses legalmente
protegidos, reagindo face a arbítrios do poder tributário, legislativo e administrativo e a
actuações ilegítimas da Autoridade Tributária, quer na criação, quer na aplicação dos tributos.

Esta noção ampla abrange “direitos de natureza muito diversificada designadamente, ao nível
do direito não escrito, os decorrentes dos princípios fundamentais do Estado de Direito, dos
princípios gerais do Direito de cada país, dos princípios gerais do direito penal, processual,
administrativo, financeiro e fiscal, e ainda ao nível da constituição formal, e das leis fiscais,
os direitos fundamentais das pessoas e os direitos, liberdades e garantias, quer das pessoas
jurídicas, quer das pessoas individuais, as garantias e direitos dos administrados e,
finalmente, os direitos específicos dos contribuintes6.

Contudo, o direito interno positivo não esgota a previsão das garantias dos contribuintes, na
medida em que há que atender aos princípios jurídicos de direito internacional, os quais fazem
parte integrante do direito Moçambicano, nos termos dos artigos 17 e 18 da Constituição da
República de Moçambique.

Em matéria de garantias do contribuinte, o artigo 50 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março (Lei


Geral Tributária), dispõe que: “.....constituem garantias gerais do sujeito passivo:

a) Não pagar tributos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição;

b) Apresentar reclamações ou recursos hierárquicos, solicitar revisões ou apresentar recursos


contenciosos de quaisquer actos ou omissões da administração tributária, lesivos dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos, nos prazos, nos termos e com os fundamentos
previstos na Lei;
6
GOMES, Nuno Sá. Estudos sobre a Segurança Jurídica na Tributação das Garantias dos Contribuintes,
Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal. Almedina. Fevereiro de 2003. Pp.53 e 54.
20
c) Poder ser esclarecido pelo competente serviço tributário acerca da interpretação das leis
tributárias e do modo mais cómodo e seguro de as cumprir;

d) Poder ser informado sobre a sua concreta situação tributária.”

Para uma melhor compreensão do sentido, alcance e aplicabilidade destas disposições, em


particular no caso da alínea b), importa recapitular alguns princípios e conceitos da mesma
Lei e bem assim da Lei nº 15/2002, de 26 de Junho (Lei de Bases de Sistema Tributário),
designadamente naquilo que se refere às regras de liquidação do imposto e ao regime geral de
infracções tributárias.

Assim, no que tange à liquidação do imposto, prescreve o artigo 26 da Lei nº 15/2002 que a
mesma:

“.... é oficiosa, quando efectuada pela administração tributária, ou reveste a natureza de auto -
liquidação, quando efectuada pelo contribuinte, e, sendo oficiosa, pode ainda ser de tipo
adicional, ou presumida”.

Havendo lugar a liquidação oficiosa e designadamente no caso de liquidação adicional, o


artigo 85 da Lei nº 2/2006 estipula que a mesma deve ser objecto de notificação ao
contribuinte, e incluir a seguinte informação:
 Nome do contribuinte;
 Número único de identificação tributária - NUIT;
 Data da notificação;
 Facto objecto da notificação e o respectivo período tributário;
 Montante liquidado, juros e multas;
 Pedido de pagamento do tributo e respectivo prazo;
 Lugar, o modo e o prazo para efectuar o pagamento;
 Fundamentação da liquidação, mesmo quando implique um aumento da matéria
tributável em relação à declarada pelo sujeito passivo;
 Procedimentos de reclamação, revisão, recurso hierárquico ou recurso contencioso que
possam ser exercidos, com indicação dos prazos e órgãos competentes.
Note-se que este procedimento (notificação obrigatória do contribuinte) não se aplica quando
a liquidação seja efectuada com base nas declarações do contribuinte dentro do período
normal de lançamento e cobrança dos diferentes impostos, caso em que cabe ao contribuinte

21
promover o respectivo pagamento, sem dependência de qualquer notificação ou aviso prévio
por parte da administração tributária.

Sempre que se constate haver divergência entre o valor do imposto liquidado pelos serviços e
aquele que, nos seus cálculos, seria devido, deve o contribuinte exigir os necessários
esclarecimentos, invocando o direito que lhe assiste de ser informado, nos termos da alínea d)
do artigo 50 da citada Lei 2/2006.

O artigo 58 da mesma Lei define:


“1.O sujeito passivo titular de direitos ou interesses legalmente protegidos deve ser notificado
(...) para que possa exercer o direito de audição que lhe assiste, pronunciando-se sobre os
factos relevantes para a decisão.

2. Existe direito de audição, nomeadamente, nas seguintes fases do procedimento:

a) Antes da liquidação, se ela se afastar da declaração apresentada pelo sujeito passivo;

b) Antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, revisões, recursos ou


petições;

c) Antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

3. Pode não haver audição, quando, segundo as circunstâncias do caso concreto, ela se revele
desnecessária, nomeadamente quando:

a) O acto não seja desfavorável ao sujeito passivo;

b) Seja necessário tomar uma decisão imediata, sob pena de, no caso concreto, se pôr em
risco a cobrança da receita.

4. É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do


sujeito passivo ou a decisão do pedido, reclamação, revisão, recurso ou petição lhe for
favorável.”

Recebida qualquer notificação, e sempre que pareça haver incorrecção ou falta de


fundamento nos montantes a que a mesma respeite, são as seguintes as vias de procedimento
que ao contribuinte poderão oferecer-se:

22
 A reclamação, a qual tem lugar para a própria entidade que haja determinado a
liquidação, normalmente a Direcção da respectiva Área Fiscal;
 A impugnação ou recurso hierárquico, a interpor junto do respectivo superior
hierárquico (normalmente o Presidente da Autoridade Tributária);
 O recurso contencioso, para o Tribunal Fiscal de 1ª Instância.

Especificamente em relação à figura da reclamação, dispõe o artigo 127 da Lei nº 2/2006 que
constitui fundamento para que se verifique qualquer ilegalidade, nomeadamente:

“a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e


outros factos tributários, incluindo a inexistência total ou parcial do facto tributário;

b) A incompetência;

c) A ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;

d) A preterição de outras formalidades legais.”

Não pode, porém, ser deduzida reclamação graciosa quando tenha sido apresentado recurso
contencioso com o mesmo fundamento (nº 2 do citado artigo 127).

A reclamação graciosa é apresentada no prazo de 60 dias contados a partir dos factos


seguintes (artigo 128 da Lei nº 2/2006):

 Termo do prazo para pagamento das prestações tributárias legalmente notificadas ao


sujeito passivo;
 Notificação dos restantes actos, mesmo quando não dêem origem a qualquer
liquidação e excluindo a fixação da matéria tributável por métodos indirectos;
 Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
 Formação da presunção de indeferimento tácito;
 Conhecimento dos actos lesivos de interesses legalmente protegidos não abrangidos
nas alíneas anteriores.

Quando, porém, o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais, o


correspondente prazo de reclamação graciosa é de um ano.

23
Nos casos em que tenha lugar a fixação da matéria colectável por métodos indirectos, o
procedimento da reclamação graciosa é substituído pela possibilidade de pedido de revisão, a
qual pode ter lugar nos três anos posteriores.

Do indeferimento, total ou parcial, cabe recurso contencioso a interpor no prazo de 30 dias.

Alternativamente, pode ter lugar a recurso hierárquico, a interpor no prazo de 90 dias (artigos
138 e 139 da Lei citada).

Havendo recurso hierárquico, e sendo total ou parcialmente desfavorável a decisão proferida,


a mesma é passível de recurso contencioso, no prazo de 90 dias contados da notificação da
decisão.

A reclamação ou o recurso não têm legalmente efeito suspensivo, salvo prestação de garantia
adequada.

Em todos os casos, porém, havendo reclamação graciosa ou recurso hierárquico, sempre que
se verifique efeito suspensivo da liquidação, o sujeito passivo deve proceder, dentro do
respectivo prazo, ao pagamento da parcela de imposto correspondente à parte da matéria não
contestada, sob pena de ser, nessa parte, instaurado processo de execução fiscal.

A interposição de recurso contencioso continua a regular-se, até à publicação de nova


legislação que o substitua, pelo antigo Regulamento do Contencioso das Contribuições e
Impostos (Diploma Legislativo nº 783, de 18 de Abril de 1942), dispondo a Lei nº 2/2004, de
21 de Janeiro, a existência de três instâncias, respectivamente:

 Tribunais de jurisdição fiscal estabelecidos em cada Província em primeira instância;

 Segunda Secção do Tribunal Administrativo em segunda instância;

 Plenário do Tribunal Administrativo em última instância.

Em primeira instância, e de conformidade com o princípio de exaustão dos meios graciosos,


enunciado no artigo 7 da Lei nº 2/2004, devem os tribunais de jurisdição fiscal abster-se de
conhecer as matérias passíveis de reclamação ou recurso hierárquico, antes de se esgotarem
tais vias.

24
Até à efectiva entrada em funcionamento dos tribunais de jurisdição fiscal, mantém-se a
competência actual dos órgãos da administração tributária, implicando que o Director da
respectiva área fiscal actua como Juiz das Contribuições e Impostos, em primeira instância.

Tudo o atrás referido em matéria de notificação da transgressão, reclamações e recursos é


igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, quando se trate de multas determinadas
em processo de transgressão fiscal.

DIREITO FISCAL E DIREITO TRIBUTÁRIO

Aplica-se a designação “direito fiscal” sobretudo para designar o conjunto de leis que regulam
os impostos propriamente ditos, (definindo imposto como a prestação pecuniária, unilateral,
coactiva, imposta por lei, sem carácter de sanção).

Na designação de “direito tributário” ou dos tributos, englobamos para além das leis fiscais
dos impostos, toda a legislação sobre taxas (prestação como contrapartida de um serviço
prestado, quer pelo estado, quer pelas autarquias) e outras prestações financeiras a favor de
entidades públicas (propinas, contribuições da segurança social, direitos aduaneiros, etc.)
conforme estabelece o nº 1, do artigo 2 da Lei Geral Tributária.

Na conjuntura legislativa que rege o “Direito Tributário”, são essenciais à resolução dos
conflitos que se geram nas relações jurídico-fiscais entre a Administração Tributária e os
contribuintes, o Estatuto dos Tribunais Fiscais - Lei 02/2004 de 21 de Janeiro - que estabelece
a competência, organização, composição e funcionamento dos tribunais fiscais, a Lei Geral
Tributária, o Código do Procedimento Administrativo, e supletivamente, o Código do
procedimento administrativo, o Código Civil, e o Código de Processo Civil.

Integram a Administração Tributária, para além da Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-


Geral das Alfândegas, os Tribunais e Aduaneiros, as entidades públicas incumbidas da
liquidação e cobrança de tributos, o Ministro da Economia e Finanças e os membros do
Governo com competências tributárias, bem como os órgãos competentes das Autarquias
locais.

Às relações jurídico-fiscais, de acordo com a sua natureza, aplicam-se sucessivamente a Lei


Geral Tributária, e demais leis tributárias, o Código do Procedimento Administrativo, o
Código Civil e O Código de Processo Civil .

25
A Lei Geral Tributária pretende clarificar e sintetizar num único diploma, as regras
fundamentais do sistema fiscal, contribuindo para uma maior segurança das relações entre a
Administração Fiscal e os contribuintes, consubstanciando os princípios jurídicos
fundamentais do sistema fiscal moçambicano, e uniformizando os critérios de aplicação do
direito fiscal.

Podemos dizer, num sentido mais amplo, que a Lei Geral Tributária está para o direito fiscal,
como o Código Civil, para o direito Civil.

O PRINCIPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA, EM MATÉRIA FISCAL

Direito de acesso aos tribunais

A Constituição da República de Moçambique assegura a existência de tribunais


administrativos, fiscais e aduaneiro, artigo 223 nº 2 da Constituição.

Assim, o primeiro documento que garante uma tutela jurisdicional em matéria fiscal é,
portanto, a própria Constituição.

Nela encontramos, em conjugação com as normas ordinárias – citando Casalta Nabais7, “ um


conjunto de princípios jurisdicionais disciplinadores quer de quem, de como e de quando
tributar, quer do que (é que) e do quanto se tributa, estabelecendo assim toda uma teia de
limites à tributação de carácter formal, os primeiros, e de carácter material os segundos. Nela
encontramos os princípios da legalidade fiscal, da segurança jurídica fiscal e da não
retroactividade dos impostos, no domínio dos primeiros, e os princípios da igualdade fiscal,
da capacidade contributiva, do respeito pelos direitos fundamentais e do estado social, no
domínio dos segundos.”

Além disso, segundo o princípio constitucional do direito de acesso aos tribunais (art. 62 da
constituição) o processo tem de ser um meio idóneo de conferir a tutela jurisdicional efectiva
correspondente ao conteúdo do direito ou interesse legalmente protegido.

A todo o direito ou interesse legalmente reconhecido pela ordem jurídica tem de


corresponder um meio de o fazer valer em juízo, sob pena de não o havendo o sistema
jurídico se transformar numa ficção.

7
NABAIS, Casalta. Estudo de Direito Fiscal. 2ª Edição - Revista e Actualizada. Almedina Editora. Porto. Maio
de 2012. p. 135
26
Este princípio vem desde há muito tempo sendo afirmado no direito positivo no que toca no
direito processual civil (cfr. artº 2 do C.P.C.)

Os direitos fundamentais são portadores da máxima garantia de tutela jurídica possível. Por
isso, esse direito foi sempre entendido como implicando também a exigência da conformação
do processo por forma a que possa obter-se através dele a tutela jurídica efectiva e eficaz que
corresponda ao conteúdo dos direitos e interesses legalmente protegidos (principio da
tipicidade dos meios processuais).

Esta significação do princípio encontra-se bem explicita no texto dos números 4 e 5 do artigo
268 da Constituição. A redacção desse artigo visa garantir o direito dos administrados a uma
tutela jurisdicional dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a indicar a título
exemplificativo alguns desses direitos cuja tutela afirma garantir.

Também a Lei Geral Tributária, o CPPT e o CPTA, enunciam algumas regras fundamentais
do processo judicial tributário, em defesa desses direitos como sejam:

- A garantia dos direitos e liberdades fundamentais, a promoção da igualdade e o respeito


pelos princípios do Estado de Direito – art. 2º. da LGT;

- O direito de impugnação ou recurso, dos actos lesivos consignados no artigo 5 da LGT, -


podem consubstanciar actos lesivos na LGT, não só o acto liquidação, mas também a fixação
de valores patrimoniais, etc..

- O direito de não ser renunciável, em regra o direito de impugnar.

1.5. A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL

Jurisdição é o poder abstracto de julgar, e cada juiz tem jurisdição dentro de determinadas
matérias, e sobre determinado território.

Em contencioso Fiscal, vigora também o princípio da separação de poderes, o Juiz julga, com
total independência, segundo princípios jurídicos e não de oportunidade ou conveniência. O
Juiz é livre na interpretação da Lei e do direito.

Os tribunais de jurisdição fiscal são órgãos competentes para administrar a justiça, nos litígios
decorrentes das relações jurídico-fiscais, nos termos do que dispõe o artigo 1º, da Lei nº
2/2004, de 21 de Janeiro.
27
No que diz respeito à competência, dispõe o artigo 2º da citada Lei que, Cabe à jurisdição
fiscal assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação
da legalidade e dirimir os conflitos de interesse públicos e privados no âmbito das relações
jurídico-fiscais.

A competência dos tribunais de jurisdição fiscal fixa-se no momento da propositura da causa,


sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorridas posteriormente (art. 4, da
Lei 2/2004 de 21 de Janeiro).

1.5.1. Limites de jurisdição

Encontram-se excluídas da jurisdição fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto:

a) Actos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos decorrentes


desse exercício;

b) Normas legislativas e responsabilidade pelos danos provenientes do exercício da função


legislativa;

c) Actos relativos à instrução criminal e ao exercício da acção penal que não constituam
infracções jurídico-fiscais;

d) Qualificação de bens como pertencendo ao domínio público e actos de delimitação destes


como bens de outra natureza;

e) Questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público;

f) Actos cuja apreciação pertença por lei a competência de outros tribunais.

1.6. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA FISCAL

O número 2 do artigo 223º da Constituição da República de Moçambique (CRM) estabelece


que podem existir tribunais administrativos, de trabalho, fiscais, aduaneiros, marítimos,
arbitrais e comunitários. Sendo que o número 3 dita a competência, organização e
funcionamento dos tribunais referidos nos números anteriores, referindo que são estabelecidos
por lei, que pode prever a existência de um escalão de tribunais entre os tribunais provinciais
e o Tribunal Supremo.

28
Já o número 1 do artigo 228º da CRM estabelece que o "Tribunal Administrativo é o órgão
superior da hierarquia dos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros". Neste sentido,
foram criados os tribunais fiscais através da Lei nº2/2004, de 21 de Janeiro, que aprova a
competência, organização, composição e funcionamentos dos tribunais fiscais.

De acordo com os artigos 1º e 2º desta lei, estabelecem, respectivamente que “os tribunais de
jurisdição fiscal são órgãos competentes para administrar a justiça nos litígios decorrentes das
relações jurídico-fiscais” e “cabe à jurisdição fiscal assegurar a defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesse
públicos e privados no âmbito das relações jurídico-fiscais”.
O artigo 9 preceitua que os tribunais de jurisdição fiscal, em qualquer instância conhecem de
matéria de facto e de direito.

No que toca à estrutura interna dos Tribunais Fiscais, o artigo 13 determina que:

1. Constituem órgãos de Jurisdição fiscal:

a) O Tribunal Administrativo, em Plenário, como última instância;


b) O Tribunal Administrativo, Segunda Secção, como segunda instância;
c) Os tribunais fiscais, como primeira instância;
No que tange as competências destes tribunais, o artigo 23º atribui as seguintes competências:

1. Compete aos tribunais fiscais conhecer:

a) Dos processos relativos a infracções jurídico-fiscais de qualquer natureza;


b) Dos actos de liquidação de receitas fiscais;
c) Dos actos de fixação dos valores patrimoniais, bem como dos actos de matéria
Colectável susceptíveis de impugnação jurisdicional autónoma;
d) Dos actos praticados por entidade competente nos processos de execução fiscal;
e) Da impugnação de decisões relativas à aplicação de multas e sanções acessórias em matéria
fiscal;
f) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente
protegidos em matéria fiscal;
g) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação de
venda, oposições e impugnações de actos lesivos, e ainda quanto a todas as questões relativas
à legitimidade dos responsáveis subsidiários suscitadas;
29
h) Do pedido de produção antecipada de prova feito em processo pendente ou a instaurar em
Tribunal Fiscal;
i) Dos pedidos de providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
j) Do pedido de execução das suas decisões;
k) Do pedido de intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de
documentos ou processos, passar certidões e prestar informações; e,
l) Das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;
2. Compete também aos tribunais fiscais cumprir os mandados emitidos pela Segunda Secção
e Plenário do Tribunal Administrativo e satisfazer as diligências solicitadas por carta, ofício
ou outros meios de comunicação permitidos por lei que lhes sejam dirigidos por outros
tribunais fiscais;

Mais adiante, o artigo 10º deixa claro que:

Das decisões de primeira instância dos tribunais de jurisdição fiscal cabe recurso em segunda
instância e última instância para a Segunda Secção e para o Plenário do Tribunal
Administrativo, respectivamente, excepto quando a lei dispuser de modo diferente.

Antes de mais, importa referir que a jurisdição tributária, compreende o conjunto de actuações
levadas a efeito pelos órgãos jurisdicionais (tribunais) em matéria tributária obedecendo a
determinados princípios, designadamente, o princípio da constitucionalidade, o princípio da
independência dos tribunais, o princípio da reserva da função jurisdicional em matéria
tributária, o princípio da protecção jurídica, e, por fim, o princípio da reserva legal das
garantias dos contribuintes8, abaixo descritos.

1.7. OS TRIBUNAI FISCAIS EM MOÇAMBIQUE

1.7.1. A Jurisdição Fiscal e as Competências dos Tribunais Fiscais em Matérias


Jurídico-Fiscais

Na República de Moçambique, temos a Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro, que estabelece a


competência, organização, composição e funcionamento dos tribunais fiscais.
De acordo com o princípio da reserva da função jurisdicional, os litígios em matéria tributária
devem ser resolvidos em última instância por um tribunal ou juiz.

8
ROCHA, Joaquim, Freitas, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ªEdição, Coimbra Editora, 2009,
pp.29 a 37.
30
Como sabemos, para que um tribunal possa resolver uma questão tributária é necessário que
estejamos diante da ordem jurisdicional correcta e que estejamos perante o tribunal
competente. Por conseguinte, a jurisdição será o poder de julgar enquanto que a competência
é a parcela de jurisdição de que cada tribunal é titular.

Assim, a jurisdição fiscal abrange, por esta via, todas as questões administrativas de natureza
fiscal, resultantes do pagamento de prestações pecuniárias com vista a arrecadação de receitas
destinadas a satisfação de encargos públicos dos respectivos entes de direito público bem
como abrangerá à interpretação e aplicação das normas de direito fiscal.
Ao abrigo do artigo 2 da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro, cabe “à jurisdição fiscal assegurar a defesa
dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de
interesse públicos e privados no âmbito das relações jurídico-fiscais.
Porém, estão excluídos da jurisdição fiscal os recursos e as acções constantes do artigo 5 do
diploma legal acima referido, a saber:
 Actos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos
decorrentes desse exercício;
 Normas legislativas e responsabilidade pelos danos provenientes do exercício da função
legislativa;
 Actos relativos à instrução criminal e ao exercício da acção penal que não constituam
infracções jurídico-fiscais;
 Qualificação de bens como pertencendo ao domínio público e actos de delimitação destes
como bens de outra natureza;
 Questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público;
 Actos cuja apreciação pertença por lei a competência de outros tribunais.

O nº 1, do artigo 13 da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro, estabelece como órgãos de jurisdição


fiscal:
a) O Tribunal Administrativo, em Plenário, como última instância;
b) O Tribunal Administrativo, Segunda Secção, como segunda instância;
c) Os tribunais fiscais, como primeira instância.

No que diz respeito à composição dos tribunais fiscais, reza o artigo 16 do diploma legal
acima referido que, “cada Tribunal Fiscal é constituído por um juiz profissional, que serve de
presidente, e por dois vogais”. Os vogais participam nas audiências de discussão e
31
julgamento, restringindo-se a sua actividade à discussão e decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece ainda, que, “se junto do Tribunal Fiscal, se verificar o funcionamento de secções,
aplica-se á sua composição o disposto no número 1 deste preceito” e que “as funções de juiz
profissional, no caso do número anterior, respeitam exclusivamente às actividades de carácter
jurisdicional da respectiva secção”.

O artigo 19 da Lei nº 2/2004, 21 de Janeiro estabelece que “o Tribunal Fiscal apenas pode
deliberar validamente com a sua composição completa. E, em matéria de facto, as
deliberações do Tribunal Fiscal são tomadas por maioria de votos e em caso de empate, o juiz
profissional tem voto de qualidade”.

Relativamente à sua estrutura, até então, os tribunais fiscais funcionam por secções. Na cidade
de Maputo e na Província de Sofala, temos tribunais fiscais com 4 secções, enquanto que, nas
províncias de Maputo, Zambézia, Tete e Nampula, temos tribunais fiscais a funcionar com
duas secções.

O Tribunal Fiscal da Cidade de Maputo tem a sua jurisdição alargada visto que, abrange as
cidades de Maputo, província de Gaza e província de Inhambane bem como o Tribunal Fiscal
da Província de Nampula, a sua jurisdição abrange a província de Nampula, província de
Cabo-Delgado e a província do Niassa.

Em relação à competência dos tribunais deve se ter presente que, para uma lide ser julgada é
necessários que estejamos diante de um tribunal adequado e competente. A competência dos
tribunais equivale aos limites dentro dos quais cada Tribunal pode exercer a sua função
jurisdicional.

A luz da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro, temos a competência dos tribunais fiscais em razão
da matéria (artigo 23); competência internacional (artigo 24) e competência territorial (artigo
25). Para além destas, temos competência em razão da hierarquia e competência territorial,
plasmado no Código de Processo Civil, artigos 70 e 73, respectivamente.

32
1.7.2. Competência em razão da matéria

Os tribunais fiscais são competentes para apreciar todas as questões administrativas de


natureza fiscal.

Ao abrigo do artigo 23 da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro, os tribunais fiscais são competentes


para conhecer dos processos relativos a infracções jurídico-fiscais de qualquer natureza, dos
recursos de actos de liquidação de receitas fiscais, dos recursos de actos de fixação de valores
patrimoniais e de determinação da matéria tributável susceptíveis de impugnação jurisdicional
autónoma, dos recursos de actos praticados no processo de execução fiscal, das acções para
reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria tributária, da
impugnação de decisões relativas à aplicação de multas e sanções acessórias em matéria
fiscal, e ainda de vários recursos constantes neste preceito legal.

1.7.3. Competência em razão do território


Aqui trata-se de saber onde é que uma determinada acção deve ser intentada, e o artigo 25 da
Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro determina a regra de que a competência territorial do Tribunal
Fiscal se afere em função da área provincial ou da Cidade de Maputo, onde (i) se praticou o
acto objecto de impugnação, por exemplo, nos casos de processos de reclamação contenciosa
ou impugnação judicial, se consumou a infracção, ou (ii) onde se deva instaurar a execução
(nos casos de processo de execução fiscal que são constituídos por uma fase pré-contenciosa
que decorre na administração tributária).

1.7.4. Competência em razão da hierarquia

Aqui, deve-se ter em conta os órgãos de jurisdição fiscal plasmados no artigo 13, nº 1, al. c)
da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro, onde aos tribunais fiscais, como primeira instância, cabe-
lhes conhecer de todos os litígios decorrentes das relações jurídico-fiscais.

Por sua vez, ao Tribunal Administrativo, Segunda Secção, como segunda instância, cabe-lhes
conhecer dos recursos das decisões dos tribunais de primeira instância relativamente a matéria
de facto e matéria de direito, nos termos do artigo 13, nº 1, al. b) da lei supra citada.

Por fim, quanto ao Tribunal Administrativo, em Plenário, como última instância, conhecem
apenas a matéria de direito (artigo 13º, nº1, al.a) do diploma legal acima referido).

33
A violação das regras de competência determinam a incompetência do tribunal em questão.
Por exemplo, do processo de impugnação judicial de liquidação de impostos sobre o
rendimento instaurado junto do Tribunal Administrativo, Segunda Secção, ou do Tribunal
Fiscal não pertencente a área geográfica da área fiscal da prática do acto impugnado.
A constatação da incompetência obstará a que o tribunal incompetente tome conhecimento do
mérito da questão, e tem consequências, variando a gravidade da falta em causa. Desta forma,
distingue-se incompetência absoluta e a incompetência relativa.

1.7.5. Incompetência absoluta

Um Tribunal Fiscal será absolutamente incompetente quando sejam violadas as regras que
fixam a competência em razão da matéria, em razão da hierarquia e as regras de competência
internacional, nos termos do artigo 101 do CPC, por força de aplicação do artigo 40 do
Diploma Legislativo nº 783, de 18/04/1942.
Nestas situações, a incompetências deve ser conhecida oficiosamente (ex officio) pelo próprio
tribunal (artigo 102 do CPC). Por exemplo, se uma determinada acção é interposta no
Tribunal Fiscal quando o deveria ser no tribunal administrativo, ou um determinado recurso é
interposto para o Tribunal Administrativo, em Plenário quando o deveria ser para o Tribunal
Administrativo, Segunda Secção. (porque o fundamento versa sobre a matéria de direito),
neste caso há violação das regras fixadoras da competência em razão da hierarquia.

O tribunal em questão tem o dever oficioso de levantar a questão de incompetência, pois a não
apreciação da competência do Tribunal, quando está obrigado, é causa de nulidade da
sentença (artigo 668, nº1, al. d) do CPC).
Os outros actores processuais (sujeitos passivos, o Ministério Público e o Representante da
Fazenda Nacional), não estando vinculados a este dever, tem o poder de dar a conhecer,
arguindo ou suscitando, este tipo de incompetência até ao trânsito em julgado da decisão final.
Tomando conhecimento da incompetência absoluta ao tribunal, oficiosamente ou de modo
provocado, deve declará-la., podendo o interessado após decisão de declaração de
incompetência absoluta, requerer a remessa do processo para o tribunal competente. Resulta
daqui, que a remessa dos autos não é oficiosa, devendo ser sempre requerida.

34
1.7.6. Incompetência relativa

Um Tribunal Fiscal será relativamente incompetente quando sejam violadas as regras que
fixam a competência em razão do território, nos termos do artigo 108 do CPC.
Esta incompetência não é do conhecimento oficioso, não obstante possa o juiz conhecer sem
dependência do pedido das partes.
Nos casos de processo de reclamação contenciosa ou impugnação judicial, se a petição for
apresentada em determinada Área Fiscal, ou Unidade de Grandes Contribuintes
territorialmente incompetente, o seu dirigente deverá promover a remessa para o serviço
territorialmente competente com a respectiva notificação ao impugnante.

Em relação aos processos de execução fiscal não se coloca o problema de a petição ser
apresentada em serviço territorialmente incompetente, pois este processo inicia-se com
impulso dos órgãos públicos. Pode é acontecer que seja instaurada por serviço territorialmente
incompetente ou suba a tribunal territorialmente incompetente.
Em qualquer caso, a decisão judicial de incompetência terá como consequência a remessa
oficiosa do processo para o tribunal competente.

Posto isto, quer nos casos de incompetência absoluta, quer nos casos de incompetência
relativa: (i) a petição (nos casos de impugnação) considera-se apresentada na data do primeiro
registo do processo, de modo a acautelar a tempestividade dos pedidos; (ii) a decisão que
declare a incompetência deverá indicar o tribunal considerado competente.

1.8. PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL DAS GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES

1.8.1. Princípio da Constitucionalidade

Significa a subordinação de todos os órgãos do Estado, e dos correspondentes actos, à


Constituição, devendo-se retirar do ordenamento jurídico, ou pelo menos não aplicar, os actos
com estas desconformes;

Os tribunais desempenham um papel de guardião das normas fundamentais, por um lado. Por
outro, devem os tribunais subordinar-se às normas constitucionais.

35
1.8.2. Princípio da Independência dos Tribunais

Resulta do artigo 223 da CRM que os tribunais de jurisdição administrativa são


independentes e estão sujeitas a lei; e, do artigo 217 da CRM, os juízes também são
independentes no exercício das suas funções e devem obediência a lei.
Quer dizer, Os Tribunais e os juízes devem obediência à lei, no sentido de não estarem
sujeitos a comandos ou directivas do poder político ou administrativo, isto é, a actos
normativos (normas constitucionais, leis, decretos-lei, tratados internacionais, regulamentos) e
estão somente subordinados às leis.
Relativamente à independência dos juízes, resulta nas garantias de inamovibilidade e de
irresponsabilidade quanto às decisões tomadas. Significa a inamovibilidade que, os juízes não
podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei,
vide o nº 3 do artigo 217 da CRM.
Os Tribunais são independentes, não tendo de dar satisfações a quem estiver fora e à margem
do exercício da função jurisdicional.

1.8.3. Princípio da reserva da função jurisdicional em matéria tributária

Depreende-se do artigo 133 da CRM que os tribunais fiscais, fazem parte da jurisdição
administrativa, são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça, nos
litígios decorrentes das relações jurídico-fiscais. Resulta daqui um princípio da reserva da
função jurisdicional ou reserva do juiz, que significa que apenas os tribunais podem dirimir
litígios e ditar Direito, ou seja, o exercício da função jurisdicional está reservado ao tribunal -
ao juiz. Só o juiz e ao tribunal é que podem ser atribuídas competências para praticar actos
jurisdicionais, sendo inconstitucional qualquer atribuição a outros órgãos, designadamente,
administrativos.
O fim da jurisdição é a paz jurídica decorrente da resolução da questão de direito.

1.8.4. Princípio da protecção jurídica

Este princípio está subjacente ao direito de acesso aos tribunais, ao patrocínio judiciário, ao
direito de acesso ao direito, ao direito à informação e consulta jurídica, ao direito a uma
decisão jurídica em tempo razoável e a um direito a um processo equitativo plasmados nos
artigos 62, 63 e 48 todos da CRM.

36
Os direitos à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário são corolários do direito
de acesso ao Direito.

1.8.5. Princípio da reserva legal das garantias dos contribuintes

As garantias dos contribuintes estão sujeitas ao princípio constitucional da reserva da lei,


conforme dispõe o artigo 127 da CRM. Significa que, as matérias a ela relativas apenas
poderão ser objecto de disciplina jurídica mediante acto solene da Assembleia da República
ou de órgão por este autorizado, ou seja, só poderão ser disciplinados por lei ou decreto-lei
autorizado, por um lado.

Por outro lado, tal acto solene deve conter a sua disciplina exaustiva e completa, não se
admite poderes de conformação aos aplicadores das normas. Toda a actuação jurídica que não
obedeça a estas exigências, além de inconstitucional, confere ao lesado um direito de
resistência (artigo 80 da CRM).

1.9. ÂMBITO DO CONTENCIOSO FISCAL/TRIBUTÁRIO

A Constituição da República de Moçambique estabelece o direito de acesso a justiça e recurso


aos tribunais, nomeadamente nos seguintes artigos:
 Artigo 62;
1. O Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos arguidos o direito de
defesa e o direito à assistência jurídica e patrocínio judiciário;
2. O arguido tem o direito de escolher livremente o seu defensor para o assistir em todos os
actos do processo, devendo ao arguido que por razões económicas não possa constituir
advogado ser assegurada a adequada assistência jurídica e patrocínio judiciário;
 Artigo 69;
O cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos estabelecidos na Constituição e
nas demais leis;
 Artigo 70;
O cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos e
interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei;
 Artigo 79;

37
Todos os cidadãos tem o direito de apresentar petições, queixas e reclamações perante
autoridade competente para exigir o restabelecimento dos seus direitos violados ou em defesa
do interesse geral;
 Artigo 171 nº 1 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março;
O interessado tem o direito de recorrer contenciosamente de todo o acto definitivo,
independentemente da forma que assume para a defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, de acordo com as formas de processo constantes da lei.

Assim, diz-se processo tributário o conjunto de actos concretizadores e exteriorizadores da


vontade dos agentes jurisdicionais tributários (tribunais tributários). 9 Assim, há processos
tributários nos tribunais fiscais. Ou;
Pode definir-se o processo tributário como uma sequência de actos ordenados com vista a
resolução de um conflito de interesse ou litígio por um terceiro. Este terceiro (o tribunal) é
uma entidade imparcial que deve procurar a justa composição do problema.
Há no processo uma relação tripartida ou triangular: em cada um dos vértices da base estão
ambas as partes em conflito e no vértice superior está o julgador, imbuído de poder de
autoridade segundo as normas plasmadas na constituição.
Partindo deste conceito, podemos aferir que o contencioso tributário efectiva-se através dos
seguintes elementos:10 o processo tributário apresenta-se como um contencioso pleno, por um
lado, e, por outro, o processo tributário apresenta-se como um contencioso de legalidade,
nomeadamente:

1.10. O PROCESSO TRIBUTÁRIO COMO UM CONTENCIOSO PLENO

Estamos perante um contencioso pleno quando o contribuinte pode defender as suas posições
jurídicas em todas as situações em que a sua esfera jurídica se encontre afectada, seja nas
situações em que existe uma actuação administrativa (contencioso por acção), seja nas
situações em que essa actuação, devendo existir, não existe (contencioso por omissão).
O contencioso pleno significa contencioso completo ou tutela jurisdicional efectiva.

9
ROCHA, Joaquim Freitas, 2009, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ªEdição, Coimbra Editora,
pag.217.
10
ROCHA, op. cit. p. 217.
38
A este respeito, a Constituição da República de Moçambique, nos artigos 62, 69 e 70, exige
que o legislador ordinário consagre quatro tipos de meios processuais, sob pena de
inconstitucionalidade, designadamente:

1.10.1. Formas de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em


matéria tributária

Nos casos em que determinado sujeito passivo entende ser titular de determinada situação
jurídica activa (direitos ou interesses legalmente protegido) mas que não vê compreendida
pela Administração tributária, que não pratica os actos tributários consentâneos com tal
situação.
Nestas situações, o lesado pode intentar em Tribunal uma acção de modo a obter uma
sentença, de simples apreciação, na qual se efective o reconhecimento de direitos ou
interesses legalmente protegidos em matéria tributária.
Tal acção está prevista na al. b) do nº 2 do artigo 177 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março, que
aprova a Lei Geral Tributária (LGT).

Ora, tal acção não se vislumbra regulamentada no Diploma Legislativo nº 783, de 18/04/1942,
que é direito adjectivo em matéria tributária, aplicar-se as normas vertidas na Lei nº7/2014, de
28 de Fevereiro (Processo Administrativo Contencioso), por força do artigo 12 da Lei nº
2/2004, de 21 de Janeiro.
A exigência de meios impugnatórios de actos lesivos constituem de certa forma as acções de
litigiosidade tributária designadamente, o processo de reclamação contenciosa (processo de
impugnação judicial) plasmado no artigo 4 e seguintes do Diploma Legislativo nº 783, de
18/04/1942, a oposição à execução fiscal (artigo 164 do Código das Execuções Fiscais).

Nestas situações, o processo tributário apresenta-se como um contencioso de anulação, visto


que se recorre ao tribunal após ter sido praticado um anterior acto lesivo por parte da
Administração Tributária e com o objectivo de o anular (acto de liquidação, acto de penhora,
etc).
Desta forma, refere o nº 2 do artigo 171 da LGT que o interessado tem o direito de impugnar
ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos,
designadamente:

39
 A liquidação dos tributos;
 A fixação dos valores patrimoniais;
 A determinação da matéria tributável quando não dê lugar a liquidação do tributo;
 O indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial de reclamações, recursos ou
pedidos de revisão da liquidação;
 O agravamento à colecta resultante do indeferimento de reclamação;
 O indeferimento de pedidos de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja
dependente de procedimento autónomo;
 A fixação de taxas em quaisquer procedimentos de licenciamento ou autorização;
 A aplicação de juros, coimas, multas e sanções acessórias em matéria fiscal e
aduaneira;
 Os actos praticados por entidade competente nos processos de execução fiscal;
 A apreensão de bens ou outras providências cautelares da competência da
administração tributária, incluindo a aduaneira.
Desta forma, o acesso ao Tribunal Fiscal decorre da existência de um acto
administrativo ou tributário lesivo.

1.10.2. Exigência de meios de determinação da prática de actos legalmente devidos

Verifica-se quando a Administração não actuou dentro de determinado prazo legalmente


fixado, devendo ter actuado.
Nos termos do que dispõe a al. h) do nº 2 do artigo 177 da LGT, em caso de omissão, por
parte da Administração Tributária lesivas do dever de qualquer prestação jurídica susceptível
de lesar direitos ou interesses legítimos em matéria tributária, poderá o interessado requerer a
sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal competente.

1.10.2. Exigência de meios cautelares adequados

Pode ocorrer nas situações em haver fundado receio de frustração da cobrança de créditos
tributários ou de destruição ou extravio de documento ou outros elementos necessários ao
apuramento da situação tributária dos visados, o credor tributário pode adoptar providências
cautelares para a garantia das suas pretensões jurídicas, podendo, proceder a apreensão de
bens ou documentos ou à retenção de prestações tributárias a que o contribuinte tenha
legalmente direito.

40
A lei salvaguarda ao credor tributário tal direito ao abrigo do artigo 164 da LGT conjugado
com as normas vigentes no Código de Processo Civil.
A forma mais visível de reacção encontra-se na al. e) do nº 2 do artigo 177 da LGT, que
determina que "os procedimentos cautelares para garantia dos créditos fiscais" são
impugnáveis com fundamento em qualquer ilegalidade, sendo tal impugnação dirigida ao
Tribunal Fiscal competente.

1.11. O PROCESSO TRIBUTÁRIO COMO UM CONTENCIOSO DE LEGALIDADE

Aqui vai se discutir a legalidade de um acto e não abrange apenas os actos tributários em
sentido restrito (actos de liquidação) mas também abrange qualquer acto administrativo em
matéria tributária (acto lesivo, como por exemplo, reconhecimento ou não de um benefício,
indeferimento de um pedido de pagamento em prestações, despacho a ordenar a reversão de
um processo de execução fiscal contra um gerente, etc).
O meio processual a utilizar são as normas jurídico-processuais a aplicar. Pois, se estivermos
diante de uma liquidação, o meio adequado a colocar em crise será o processo de impugnação
judicial, enquanto que, se estivermos diante de um acto administrativo em matéria tributária
que não esteja relacionado com uma liquidação utiliza-se outra forma de processo.

1.12. PRINCÍPIOS QUE NORDEIAM O PROCESSO TRIBUTÁRIO/FISCAL NO


AMBITO DAS GARANTIAS CONTENCIOSAS DOS CONTRIBUINTES

Como nos referimos acima, as garantias contenciosas dos contribuintes constituem um meio
pelo qual os sujeitos passivos (contribuintes), recorrem aos tribunais de modo a verem os seus
direitos assegurados e protegidos.

Assim, no âmbito da sua função jurisdicional aos tribunais devem, ex officio, aplicar normas
constitucionais, pois trata-se de um órgão de soberania com competência para dirimir
conflitos em matéria tributária em última palavra, por um lado, e, por outro, são o órgão de
salvaguarda e garante das garantias dos contribuintes.

Os princípios constitucionais acima apresentados não são um todo, desta forma, faremos
referência a outros princípios que devem estar subjacentes ao processo tributário,
nomeadamente:

41
1.12.1. Princípio da tutela jurisdicional efectiva

Segundo este princípio, a cada direito deve corresponder uma acção ou a todo o direito de
impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo, nos termos
do que dispõe o nº 1 do artigo 177 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março, que aprova a Lei Geral
Tributária (LGT).

O princípio da tutela jurisdicional constitui uma das mais importantes garantias do Estado de
Direito. É este princípio que consta do artigo 62 da Constituição da República de
Moçambique.
Porém, no âmbito do contencioso tributário encontra-se consagrado o princípio da tutela
jurisdicional efectiva implica necessariamente que exista uma tutela plena, efectiva e em
tempo útil.
Neste sentido, são consideradas como condições sine qua non: a existência de tribunais
independentes, a possibilidade de acesso ao direito e aos tribunais, a consagração de um
contencioso de plena jurisdição, a garantia do efeito útil e da efectiva aplicação das sentenças,
a preocupação pela celeridade, a sindicabilidade da actuação da Administração Tributária e o
combate ao excesso de formalismos processuais. Na verdade, a tutela jurisdicional efectiva é a
concretização de uma universalidade de princípios. 11

Como podemos ver, o direito de acesso aos tribunais tem consagração constitucional no
artigo 62 da CRM, e comporta duas especialidades:

 O acesso aos tribunais como meio de protecção contra actos públicos;


 O acesso aos tribunais como a garantia da efectivação dos direitos e interesses dos
cidadãos.

O direito à tutela jurisdicional implica o direito de acesso aos tribunais, como órgãos
independentes e imparciais.

Mas este princípio não deve ser visto só pelo prisma de acesso aos tribunais mas também pelo
prisma de acesso ao direito12.

11
DA SILVA, André Festas, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2007, pág. 67.
12
DA SILVA, André Festas, Ob. Cit, pág. 69
42
O acesso ao direito tem duas vertentes, uma preventiva e informativa e outra de protecção
jurídica, designadamente de assistência jurídica.

Na primeira vertente pretende-se que os cidadãos encarem o direito como um utensílio ao seu
dispor, tendo consciência dos seus direitos e deveres.

Na segunda vertente é conferida ao cidadão a protecção jurídica, já em juízo, ou seja, é a


assistência técnica em tribunal. O artigo 32 do CPC estabelece o instituto do patrocínio
judiciário.

O direito à tutela jurisdicional efectiva inclui a adopção de medidas cautelares. O legislador


previu expressamente duas providências cautelares, que só podem ser decretadas a favor da
administração tributária: o arresto e o arrolamento ( artigo 164 da LGT).

São permitidas todas as medidas cautelares adequadas para assegurar a tutela jurisdicional
efectiva dos direitos dos obrigados tributários.

1.12.2. Princípio da Justiça - verdade material

Este princípio tem como objectivo atingir a verdade na tributação e, como tal, ao juiz é lhe
reconhecido a possibilidade de investigar, em termos de meios e diligências, para além do que
for alegado pelas partes, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem
úteis ao apuramento da verdade, conforme reza o artigo 175 da LGT.
No direito tributário, o julgador não esta adstrito aos factos alegados pelas partes e pode por
iniciativa própria ater-se a outros factos na tomada de decisão, conhecendo-os oficiosamente
ainda que não alegados, também designado por princípio do inquisitório.

Sob ponto de vista tributário há que salientar que os poderes/deveres do inquisitório devem
ceder, estando em causa matéria de natureza penal, ante o direito ao silêncio por parte do
arguido tal como define a al. c) do artigo 61 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o
qual o arguido goza do direito de "não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade,
sobre os factos que lhe foram imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles
prestar". Estas matérias aplicam se aos crimes tributários comuns, crimes aduaneiros e crimes
fiscais.

43
Mas também os poderes do inquisitório sofrem limitações que decorrem da lei geral,
designadamente, dos artigos 519 e 618, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis
supletivamente por força do artigo 40 do Diploma Legislativo n 783, de 18/04/1942, relativas
às partes e às testemunhas. As partes podem recusar-se a cooperar com a descoberta da
verdade nas situações de violação da sua integridade física ou moral, intromissão na vida
privada ou familiar, no domicílio ou sigilo profissional, e as testemunhas nos processos em
que estejam envolvidos os ascendentes nas causas dos descendentes e adoptados, os sogros
nas causas de genro e nora, o cônjuge ou ex-cônjuge e as pessoas que viveram ou tiveram
vivido em união de facto com condições análogas às dos cônjuges.

1.12.3. Princípio da Colaboração

Segundo este princípio as partes no processo estão obrigadas a um dever de colaboração


recíproca, ou seja, as partes envolvidas no contencioso tributário devem agir de acordo com
um dever de boa-fé processual. Este princípio encontra-se consagrado no nº 3 do artigo 175
da LGT.

Do mesmo modo, estatui o nº 3 do artigo 175 da LGT que " todas as autoridades ou
repartições públicas são obrigadas a prestar as informações ou remeter cópia dos documentos
que o juiz entender necessários ao conhecimento do objecto do processo".
Não se vislumbra no nosso ordenamento jurídico a consequência por falta de observância
deste dever.

Sob ponto de vista do direito comparado, neste caso em Portugal, a inobservância deste
princípio acarreta uma sanção, de o impugnante ser condenado como litigante de má-fé, tanto
ao sujeito passivo como à autoridade tributária no caso em que esta actue em juízo contra
informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou ao seu comportamento
divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (artigo 104º, nº1 e 2, da LGT).

1.12.4. Princípio da Celeridade Processual

De acordo com este princípio o processo deve ser concluído e decidido num prazo razoável.
Este princípio encontra-se plasmado no artigo 173 da LGT que dispõe " o direito de recorrer
contenciosamente implica o direito de obter, em prazo a regulamentar, uma decisão que
44
aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo e a
possibilidade da sua execução".
A exigência de celeridade impõe-se por duas razões. A primeira porque a concretização de um
Estado de Direito depende da celeridade da justiça. A segunda razão é relativa à necessidade
de salvaguarda dos direitos e interesses dos cidadãos.

1.12.5. Princípio do Inquisitório

Para este princípio, o tribunal ou o juiz pode, e por vezes deve (princípio da oficiosidade)
praticar os actos processuais que entenda convenientes para o apuramento da verdade
material. É um dos princípios conformadores do processo fiscal consistindo na atribuição ao
juiz e ao ministério público de poderes de investigação e direcção do processo.13
Este princípio está intimamente relacionado com os poderes de procura, selecção e valoração
dos factos relevantes, não estando o julgador limitado às provas que as partes apresentarem ou
requererem, podendo oficiosamente realizar toda e qualquer diligência de prova (artigo 175,
nº 1, da LGT). Por exemplo, num processo de execução fiscal no qual se ordena a reversão
contra um responsável tributário, impõe-se ao Tribunal uma "investigação apurada e
persistente" no sentido de saber se o património do devedor originário era ou não insuficiente
à altura em que a reversão é ordenada.

Assim, o juiz não pode investigar factos não alegados pelas partes e nem servir-se deles na
decisão final. Por outro lado, o Tribunal não está obrigado a levar a averiguação de facto mais
longe do que a que seja requerida para dar resposta às questões que lhe cumprir decidir,
nomeadamente não tem que ordenar a produção de toda a prova requerida, mas tão-só daquela
que considere relevante para estabelecer a factualidade que considere necessária à decisão a
proferir.
Uma das consequências deste princípio é a de que o juiz poderá incorrer em omissão de
pronúncia, nas situações em que não emite direito em relação a questões que o deveria ter
feito. Pois, questões e argumentos não são a mesma realidade 14.

13
TEIXEIRA, Glória, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2008, pág. 331
14
MARTINS, Elisabete Louro, O Ónus da Prova no Direito Fiscal, 1ªEdição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010.
Pag. 158

45
O tribunal devendo resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua
apreciação, não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do
mesmo modo que está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidas 15.

1.12.6. Princípio do contraditório

O princípio do contraditório traduz-se na garantia de cada uma das partes no processo de


efectiva participação em todos os seus actos, de forma a que se possa ser ouvida, impugnar
quer a admissão dos meios de prova, quer a força probatória dos mesmos, que possa ter
oportunidade de influenciar a decisão judicial que vai ser tomada 16.
Este princípio é uma decorrência do Estado de Direito onde o poder administrativo está
sujeito a um conjunto de princípios e regras que garantem a igualdade, a liberdade e a
segurança dos cidadãos.17
No nosso ordenamento jurídico, o artigo 174 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março, que aprova a
Lei Geral Tributária (LGT) enuncia este princípio geral, determinando que “as partes
dispõem, nos processos fiscal e aduaneiro, de iguais faculdades e meios de defesa”.

Na mesma linhagem, o artigo 3 do Código do Processo Civil estabelece que “o tribunal não
pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja
pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, mas
“só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada
pessoa sem que esta seja previamente ouvida”. Por exemplo, nos procedimentos cautelares
não especificados artigo 385 CPC, artigo 421º (arrolamento) e seguintes do CPC.

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do


contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões
de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a
possibilidade de sobre elas se pronunciarem18.

15
RIBEIRO, Nuno Cerdeira, O Controlo Jurisdicional dos Actos da Administração Tributária, Edições
Almedina, Lisboa, 2014. 214
16
José Carlos Vieira De Andrade. A Justiça Administrativa (Lições) 9ª Edição. Almedina. 16-06-2012. Pag. 511
17
Ob. Cit, pág 137.
18
LEITÃO, Hélder Martins. O Processo De Impugnação Tributaria. Petição. Instrução. Sentença. Incidentes.
Formulário. Índice Posicional de Artigos. 2009. Pag. 89
46
Deste modo, este princípio obriga com que o contribuinte ou a Administração Tributária
sejam ouvidos, oralmente ou por escrito (direito de audição), nas decisões que afectem os seus
direitos ou obrigações, garantindo-se desta forma a participação efectiva de ambas as partes
processuais19.

1.12.7. Princípio da Aquisição Processual

O princípio da aquisição processual estabelece que o material necessário à decisão e levado ao


processo por uma das partes pode ser tomado em conta para todos os efeitos processuais,
mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu 20.

1.12.8. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

O princípio do duplo grau de jurisdição estabelece que o mesmo litígio, no âmbito do mesmo
processo, não pode ser objecto de mais de duas decisões por parte de dois tribunais
diferentes21.
Desta forma, funciona como um limite ao direito de recorrer, na medida em que determinada
sentença apenas pode ser objecto de um recurso o que significa que, atingido o segundo grau
de jurisdição, no nosso caso moçambicano a 2ª Secção do Tribunal Administrativo ou
Plenário do Tribunal Administrativo, não existe mais possibilidades de recorrer.
Este princípio não se encontra previsto expressamente numa norma legal mas sim pode se
retirar da conjugação de várias normas atributivas de competências.
Em concordância com os dizeres a cima, das decisões do Tribunal Fiscal, que funciona como
primeiro grau de jurisdição, cabe recurso, que será o segundo grau de jurisdição, conforme
estabelece o nº 1, do artigo 13 da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro. Assim:

 Para o Tribunal Administrativo, 2ª Secção, (Secção do Contencioso Fiscal e Aduaneiro),


quando o fundamento do recurso consistir em matéria de facto, acompanhada de matéria de
direito;

19
NETO, Serena Cabrita, Introdução ao Processo Tributário, 1ªEdição, Coimbra Editora, Lda, Coimbra, 2004.
Pag. 321
20
NABAIS, José Casalta, Direito Fiscal, 5ªEdição, Almedina, Lisboa, 2009. Pag. 54
21
ROCHA, Joaquim Freitas, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ªEdição, Coimbra Editora,
Coimbra, 2009. Pag. 241
47
 Para o Tribunal Administrativo, Plenário, como última instância, quando o fundamento do
recurso consistir exclusivamente em matéria de Direito.

1.12.9. Princípio da Legalidade

É o princípio mais vulgar na arena jurídica. A marcha e termos do processo são os


determinados na lei e não decididos pelo juiz em função das conveniências do caso concreto,
ou seja, o tribunal deve julgar, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas que
considere aplicáveis.
Este princípio circunscreve-se em dois elementos essenciais: no princípio da reserva da lei
(formal) e no princípio da reserva da lei (material). 22

O princípio da reserva da lei (formal) - implica que haja uma intervenção de lei da
Assembleia da República, seja uma intervenção a fixar a própria disciplina dos impostos, ou
uma intervenção de carácter meramente formal, autorizando o Governo-legislador, mediante
lei de autorização, conforme o artigo 179, nº 3 da Constituição da República de Moçambique.

Enquanto que, o princípio da reserva da lei material, ou princípio da tipicidade, exige que
a lei, neste caso lei em sentido restrito (a lei da Assembleia da República, decreto-lei
autorizado) contenha a disciplina completa da matéria reservada, matéria essa que, ao abrigo
do artigo 127, nº 2 da CRM, integra relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os
benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Aqui temos a intensidade da reserva da lei fiscal, onde a lei deve conter os elementos
essenciais do imposto, ou seja, que defina a incidência, latu sensu, e em termos determinados
ou determináveis de cada imposto. Significando que a lei deve abranger todas as normas
relativas à incidência real ou objectiva (material, temporal, quantitativa e espacial), à
incidência pessoal ou subjectiva (sujeitos activo e passivo, incluindo nestes o contribuinte, os
responsáveis, os substitutos, etc), à taxa e aos benefícios fiscais23.

Para circunscrever-se a reserva de lei decorrente do princípio da legalidade fiscal não abrange
qualquer outra matéria fiscal, designadamente, não abrange a liquidação e cobrança dos

22
NABAIS, José Casalta, Direito Fiscal, Almedina, 5ªEdição, 2009, pag.138, 139, 140 e 141
23
SANCHES, J. L. Saldanha, Manual de Direito Fiscal, 2ªEdição, Coimbra Editora, Coimbra, 2002. Pag. 165
48
impostos, pois estes momentos não estão sujeitas ao princípio da legalidade fiscal mas apenas
ao princípio geral da legalidade da administração pública 24.

Quer significar, ao abrigo do artigo 127, nº 3 da CRM, que “ninguém pode ser obrigado
impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja a liquidação e
cobrança não se façam nos termos da lei”. Estes momentos da vida do imposto está
constitucionalmente sujeita à reserva de diploma legislativo, isto é, de lei ou decreto-lei.

O que não exclui que a disciplina da liquidação e cobrança dos impostos possa integrar outras
reservas de lei, na medida em que a mesma se localize em alguma das matérias
constitucionalmente reservadas, designadamente, pode integrar a reserva respeitante aos
limites aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, na medida em que a disciplina da
liquidação e cobrança dos impostos afecte a esfera jus fundamental dos contribuintes ou
outros sujeitos fiscais.

O artigo 4 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março, que aprova a Lei Geral Tributária, veio estender
o princípio da legalidade tributária à liquidação e cobrança dos tributos. A liquidação e
cobrança dos impostos não podem ter a sua disciplina jurídica em regulamentos.

Mas o princípio da legalidade fiscal, no seu aspecto intensivo, implica que seja uma lei ou um
decreto-lei autorizado a conter a disciplina dos elementos essenciais dos impostos.

1.10.10. Princípio da Investigação

O princípio da investigação traduz o poder/dever que o tribunal tem de esclarecer e instruir


autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a
julgamento, criando assim as bases para decidir. 25

Este princípio difere do princípio do inquisitório visto que é um princípio que revela apenas
na fase da prossecução processual
Este princípio está consagrado tanto no processo penal quanto no processo civil, nos casos em
que confere ao juiz poder/dever para ordenar diligências necessárias para o apuramento da

24
SANCHES, J. L. Saldanha (Obra citada). Pag. 271
25
Ob. Cit, pág. 103.
49
verdade (artigo 265, nº 3 do CPC) e ao atribuir-lhe a direcção formal do processo tendente a
assegurar a regularidade da instância e o normal andamento do processo (artigo 266, nº 2 do
CPC).
A nível tributário, o princípio da investigação está consagrado artigo 175, nº 1, da LGT.

No que tange ao processo penal, o juiz não pode convolar oficiosamente a acusação, não pode
convidar a apresentação de novo articulado nem a corrigi-lo. O princípio da investigação do
juiz está limitado em fase do julgamento ao princípio da vinculação temática, que se traduz na
limitação à cognição do juiz de factos que constituem uma alteração substancial. Aqui até a
qualificação jurídica, ou seja, a subsunção de um determinado acontecimento à descrição
abstracta de uma preposição penal está sujeita a limites 26.

No processo tributário, as diligências instrutórias estão limitadas aos factos alegados pelas
partes ou que oficiosamente sejam lícitos ao juiz conhecer (artigo 265 nº 3 do CPC e artigo
175, nº 1 da LGT).

1.13. O SUJEITO PASSIVO E A LEGITIMIDADE PARA INTERVIR NO PROCESSO

Por sujeito passivo da relação jurídico-fiscal entende-se quem, nos termos da legislação
tributária, esteja obrigado ao cumprimento de uma prestação tributária, de natureza material
ou formal, seja uma pessoa singular ou colectiva, uma entidade constituída observando ou
não os requisitos legais, um património, uma organização de facto ou de direito ou qualquer
outro agrupamento de pessoas27.

Assim, o Contribuinte é o sujeito passivo obrigado a pagar tributos ou outros encargos legais
a estes associados28.
A obrigação tributária constitui desta forma, o vínculo jurídico por força do Estado ou outra
entidade pública de poder exigir de uma pessoa colocada na posição de sujeito passivo uma
determinada prestação, de acordo com a capacidade contributiva que essa pessoa revele
aquando da verificação do facto tributário.

A tutela dos contribuintes face aos comportamentos activos ou omissivos da Administração


fazem nascer as garantias gerais e contenciosas. Os litígios têm particularidade derivadas da

26
DA SILVA, André Festas, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2007, pág.105.
27
MARTINEZ, Soares, Direito Fiscal, 10ª Edição, Almedina, Lisboa, 2003. P. 312
28
SANCHES, J. L. Saldanha, Manual de Direito Fiscal, 2ªEdição, Coimbra Editora, Coimbra, 2002. P. 121
50
existência do dever declarativo do contribuinte e dos demais deveres de cooperação, os quais
tem como reverso a atribuição do poder, à administração, de intervir na esfera jurídica do
contribuinte, em caso do incumprimento da lei por parte deste, sem o prévio controlo judicial
bem como poder de aplicar sanções de carácter administrativo sem, também, previa
intervenção judicial29.

As garantias dos Contribuintes são o conjunto de meios, instrumentos ou mecanismos criados


pela ordem jurídica com o objectivo ou finalidade de directa ou indirectamente de evitar ou
sancionar a violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos
(particulares) face à administração tributária.

Assim, a legitimidade consiste no poder de dispor em processo da situação jurídica que se


quer fazer valer. Na verdade, diz HENCKEL, é necessário que estejam no processo, como
autor e como réu, as partes exactas; não são quaisquer pessoas que deve ser admitidas a
discutir determinada relação controvertida, até porque se isso ocorrer a decisão proferida não
terá nenhum efeito útil normal, uma vez que não vai vincular os sujeitos da relação material
controvertida.30
O autor é parte legítima, reza o nº 1, do artigo 26 do CPC, quando tem interesse directo em
demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.

Em matéria fiscal, porque Moçambique não tem Código de Processo Fiscal, poderá retirar-se
a legitimidade processual da conjugação de vários diplomas legais, designadamente, do artigo
26 do CPC e artigos 14, 20 e 21 ambos da LGT conjugado com os artigos 31 e 33 todos da
Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro. Assim, tem legitimidade para intervir no processo tributário
os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis tributários, outros obrigados tributários,
as partes dos contratos fiscais, quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente
protegido, o Ministério Público e o representante da Fazenda Nacional.
Desta forma, tem legitimidade processual em matéria fiscal as seguintes entidades: o sujeito
passivo; a Administração Tributária – o representante da Fazenda Nacional e o Ministério
Público.

29
NETO, Serena Cabrita, Introdução ao Processo Tributário, Coimbra Editora, 1ªEdição, 2004, pág 13.
30
TIMBANE, Tomás, Lições de Processo Civil, Editora Escolar, 2010, pág. 205.
51
1.13.1. Actor e parte no processo

Para que o processo tenha lugar e se desenrole, é necessário que alguém apresente uma
petição; que alguém conteste; que alguém apresente provas; que alguém assegure as garantias
de legalidade e que alguém resolva o conflito daí decorrente.

São actores processuais todas as pessoas ou entidades que intervêm no processo, isto é, será
qualquer interveniente no processo, o que incluirá outras entidades como por exemplo o
Ministério Público, ou o Tribunal.

Designa-se parte no processo a pessoa que apresenta uma determinada pretensão a Tribunal
ou a pessoa contra quem tal pretensão é apresentada. Por exemplo, no processo de reclamação
contenciosa ou impugnação judicial serão partes o impugnante (o contribuinte) e a
Administração Tributária; e no processo de execução fiscal serão a Administração Tributária
e o executado (contribuinte); na acção para reconhecimento de um direito ou interesse
legalmente protegido em matéria tributária serão aquele invoque a titularidade do direito ou
interesse a reconhecer e a Administração Tributária.

1.13.2. Os Pressupostos complementares da Legitimidade do Sujeito Passivo

Para que se considere legítima a parte passiva, deve-se ter presente os conceitos de personalidade
judiciária e capacidade judiciária.

No que tange à personalidade judiciária tributária referir que resulta da personalidade


tributária, que ao abrigo do artigo 15 da Lei nº 2/2006, de 22 de Março, consiste “na
susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídico-tributária”.
Diferentemente é a capacidade judiciária, temos que antes de mais fazer a menção do que seja
a capacidade tributária, artigo 16 da LGT, que tem capacidade tributária de exercício quem
tiver capacidade jurídica de exercício.
Na realidade, a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade de exercícios de
direitos tributários, nos termos do artigo 16 da LGT conjugado com o artigo 9 do CPC.

52
CAPÍTULO II - METODOLOGIA APLICADA

Apresentamos, neste capitulo os métodos e técnicas usadas na recolha de dados. Para a


elaboração do presente trabalho foram usados os métodos de estudo de caso, métodos
qualitativos bem como análise documental e bibliográfica.

A metodologia é um conjunto de métodos ou caminhos percorridos na busca do


conhecimento. Sendo assim, a pesquisa é um conjunto de procedimentos sistemáticos
fundamentados no raciocínio lógico, objectivando encontrar soluções para problemas
propostos, mediante utilização de métodos científicos.

Como técnica de pesquisa foi utilizado o estudo de caso que é adequado quando o objecto de
estudo já é suficientemente conhecido a ponto de ser enquadrado em determinado tipo ideal.

O estudo de caso é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos


objectos, de maneira a permitir conhecimentos amplos e detalhados do mesmo, tarefa
praticamente impossível mediante os outros tipos de delineamentos considerados31.

O estudo de caso consiste em uma tradução precisa da situação actual, através da colecta de
dados, a consideração de explicações alternativas para esta situação, e uma conclusão baseada
naquela explicação, que seja plausível com a explicação.
Portanto, a metodologia de estudo de caso justifica-se quando se deseja fazer uma análise
duma determinada situação jurídica, onde no final seja possível emitir uma ideia de como agir
para corrigir processos e actividades, justificada pela interpretação dos dados previamente
colhidos.
Para a elaboração do presente trabalho foram usados os métodos de estudo de caso, métodos
qualitativos bem como análise documental e bibliográfica.

2.1. Paradigma de Investigação

O paradigma aplicado neste trabalho é interpretativo, onde a partir dos processos tramitados
no Tribunal Fiscal da Província de Nampula, a tramitação processual por parte dos juízes,
desde os processos de transgressão fiscal, aos processos de reclamação contenciosa ou
impugnação judicial aos processos de oposição fiscal por meio de embargos.

31
GIL, António Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 73.
53
2.2. Tipo de Pesquisa

A pesquisa usada é do tipo qualitativa, explicativa e de campo quanto à abordagem, natureza e


procedimentos, respectivamente, como a seguir se descreve.

2.2.1. Quanto à abordagem

A pesquisa é do tipo qualitativa, por achar adequada à natureza e âmbito da temática, uma vez
que, no presente trabalho pretendemos compreender como as garantias contenciosas dos
contribuintes devem ser efectivadas face ao princípio de exaustão dos meios graciosos, e
tendo em conta o ramo em estudo.

2.2.2. Quanto à natureza

Tratou-se de pesquisa explicativa, uma vez que o objectivo geral deste tema é de fazer uma
abordagem em torno da legislação face às garantias contenciosas dos contribuintes no
ordenamento jurídico moçambicano, sendo que, preocupar-se-á em identificar as garantias
contenciosas previstas na lei e explicar a sua eficácia.

2.2.3. Quanto aos procedimentos

Em relação aos procedimentos, para além da pesquisa bibliográfica, o autor optou, também,
por analisar as garantias contenciosas dos contribuintes a luz da legislação vigente e apreciou
a sua aplicabilidade e eficácia com base na lei e em alguns processos tramitados junto do
Tribunal Fiscal, por forma a colher os dados na elaboração do trabalho e tirar conclusões.

2.3. Métodos usados

Para a realização deste trabalho recorreu-se, a consulta de diversos manuais e de legislação


tributária vigente no ordenamento jurídico moçambicano bem como consulta de processos
fiscais junto do Tribunal Fiscal da Província de Nampula por forma a perceber a eficácia das
garantias contenciosas dos sujeitos passivos que permitem no acesso à justiça fiscal.

2.3.1. Estratégias de recolha de dados

Quanto às técnicas de pesquisa, o estudo tomou em conta momentos distintos, abrangendo a


pesquisa bibliográfica e documental (processos) junto do Tribunal Fiscal da Província de
Nampula.
54
2.3.2. Análise documental

Na pesquisa fez-se a consulta aos processos findos e em curso no Tribunal Fiscal da Província
de Nampula, onde o autor consultou os critérios formais de recepção dos processos fiscais e
como aquela instituição tratou ou trata das situações em que se trate de matérias que ainda não
esgotaram aos procedimentos administrativos (em função ao princípio da exaustão dos meios
graciosos), designadamente, os processos de reclamação contenciosa ou impugnação judicial,
os processos de transgressão fiscal e os processos de oposição à execução por via de
embargos do executado, entre outros.

2.4. Estratégias de apresentação, análise e interpretação de dados

Para efeito de apresentação de dados, foram usadas três categorias: (i) caracterização das
garantias contenciosas dos contribuintes; (ii) caracterização dos meios processuais fiscais a
luz da legislação moçambicana face ao princípio da exaustão dos meios graciosos em função
às normas constitucionais; e, por fim, (iii) aceitação dos processos fiscais que se encontrem na
situação do artigo 7, da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro (como os Juízes analisam e recebem
estes processos).

2.5. Métodos de investigação

O questionário é a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são


submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças,
sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente
ou passado etc32.

Para este método, foi constituído por uma série de perguntas estruturadas, com uma parte
introdutória explicativa o que vai permitir e ajudar a compreensão durante o processo de
preenchimento por parte do questionado. As perguntas foram orientadas em alternativas,
abertas e fechadas, o que de um lado irá facilitou aos questionados e por outro lado, deu maior
abertura e liberdade no acto de preenchimento.

32
GIL, António Carlos, Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. – 3. reimpr. – São Paulo. Atlas, 2010, p.
121.

55
Está técnica foi direccionada a 10 elementos, sendo 02 Magistrados do Tribunal Fiscal da
Província de Nampula e 08 Oficiais de Justiça do mesmo Tribunal. Assim sendo, para esta
técnica de pesquisa, elaborou-se um questionário, que foi orientado na base de atribuição de
uma ficha.

56
CAPÍTULO III – APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

3.1. INTRODUÇÃO

Neste capítulo, faz-se apresentação, análise e interpretação dos resultados à luz do marco
teórico.

3.1.1. Âmbito das Garantias Contenciosas dos Contribuintes

Como referido por vários autores, podemos então concluir que as garantias contenciosas,
representam a forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjectivos e dos
interesses legítimos dos particulares. São as garantias que se efectivam através dos Tribunais.
Como explicado, estas garantias efectivam-se através dos tribunais tendo por base meios
contenciosos (dois meios contencioso típicos: o recurso e a acção), que não sendo impostos
através de um modelo processual determinado podem ser enquadradas nos seguintes termos:
Recurso - em primeiro lugar surge-nos o recurso contencioso, o meio de garantia mais usado
pelos particulares e que consiste na impugnação de um acto administrativo ou de um
regulamento que o recorrente invoca de ilegal, visando obter a respectiva anulação ou
declaração de nulidade ou de inexistência jurídica.
Assim, o contribuinte ou sujeito passivo lesado deverá, no âmbito da revindicação do direito
violado, recorrer ao tribunal fiscal cuja competência jurisdicional corresponda com a sua área
de residência para intentar a acção.
Acção - é o meio de garantia que consiste no pedido, feito ao Tribunal Fiscal competente, de
uma primeira definição do Direito aplicável a um litígio entre um particular e a Administração
Tributária. Visa resolver um litígio sobre o qual a Administração Tributária não se pronunciou
mediante um acto administrativo definitivo.
Nos termos do artigo 62 da Constituição da República de Moçambique, o Estado garante o
acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos arguidos o direito de defesa e o direito à
assistência jurídica e patrocínio judiciário.

O direito de impugnação encontra-se salvaguardado no artigo 69 da Lei Fundamental,


dispondo que “o cidadão pode impugnar os actos que violam os seus direitos estabelecidos na
Constituição e nas leis”.

57
Enquanto que o direito de recorrer aos tribunais vem estabelecido no artigo 70 da mesma
Constituição, prevendo que “o cidadão tem o direito de recorrer aos tribunais contra os actos
que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela lei”.

Sob ponto de vista da função jurisdicional, dispõe o artigo 212 da CRM que:
1. Os tribunais têm como objectivo garantir e reforçar a legalidade como factor da
estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades dos
cidadãos, assim como interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência
legal.
2. Os tribunais penalizam as violações da legalidade e decidem pleitos de acordo com o
estabelecido na lei.
3. Podem ser definidos por lei mecanismos institucionais e processuais de articulação entre os
tribunais e demais instâncias de composição de interesses e de resolução de conflitos.
No tocante aos direitos e garantias dos administrados, dispõe o nº 3, do artigo 253 da CRM
que, “É assegurado aos cidadãos interessados o direito ao recurso contencioso fundado em
ilegalidade de actos administrativos, desde que prejudiquem os seus direitos.”

Assim, o princípio de exaustão dos meios administrativos graciosos e a obrigação de os


tribunais de jurisdição fiscal se absterem de conhecer de matérias passíveis de reclamação ou
recurso hierárquico, proveniente dos artigos 52 da Lei n.º 2/2006, de 22 de Março e 7 da Lei
n.º 2/2004, de 21 de Janeiro, não estão conformes com o direito garantido pelo Estado ao
cidadão de recorrer aos tribunais com vista a impugnar os actos que violam os seus direitos
estabelecidos na Constituição e nas leis, artigos 62, 69, 70, da CRM conjugados com o direito
ao recurso contencioso fundado em ilegalidade de actos administrativos, desde que
prejudiquem os direitos do cidadão, n.º 3 do artigo 253, bem como com a função jurisdicional
incumbida aos tribunais pelo artigo 212, todos da CRM.

Nota-se também que perante um acto lesivo de seu direito ou interesse violado por parte da
Administração Pública poderá o cidadão impugnar contenciosamente, isto é, antes de esgotar
as garantias graciosas tais como a reclamação e o recurso hierárquico necessário, uma vez
tratar-se de um direito constitucionalmente assegurado.

Porém, vale recapitular que a partir da entrada em vigor da Constituição da República de


2004, a 21 de Janeiro de 2005, a definitividade vertical do acto administrativo já não constitui
um requisito para que o acto possa ser impugnável judicialmente, ou seja, se a impugnação

58
contenciosa de um acto administrativo não está dependente da prévia utilização pelo
impugnante da via de impugnação administrativa, mais concretamente, da interposição de
recurso hierárquico necessário ou, se pelo contrário, não há uma possibilidade de controlo
judicial imediato dos actos dos subalternos.

A aceitação da definitividade vertical implica considerar que, em princípio, dos actos do


subalterno não cabe recurso directo para os tribunais administrativos, devendo o particular
lesado, primeiro necessariamente recorrer para o superior hierárquico, com vista a obter em
última instância a palavra do órgão superior competente e só da decisão deste é que pode
recorrer para um tribunal. Quando já não caiba este tipo de recurso é que a decisão pode ser
considerada final e, portanto definitiva. É a regra da exaustão dos meios administrativos.

Esta corrente é intrínseca à noção substantiva de acto administrativo recorrível, que é a do


acto definitivo e executório.

Assim, segundo o Professor Marcello Caetano33, “O acto definitivo e executório, é a conduta


voluntária de um órgão da Administração no exercício de um poder público que, para a
prossecução de um interesse a seu cargo, defina, como decisão final com força obrigatória e
coerciva, situações jurídicas num caso concreto, sem mais possibilidade de reconsideração ou
recurso”. É nele que assenta a garantia do recurso contencioso, ou seja, o direito que os
particulares têm de recorrer para os tribunais administrativos contra os actos ilegais da
Administração Pública.

O recurso contencioso, é um direito constitucional, e nos dias de hoje, a recorribilidade do


acto é aferida em função de um novo critério, o da lesão dos direitos ou interesses legalmente
protegidos dos particulares envolvidos com a Administração numa relação jurídica
administrativa, em torno da qual se constituiu um direito à protecção de natureza análoga à
dos direitos, liberdades e garantias, e, por isso mesmo, insusceptível de restrição por parte do
legislador ordinário.

Trata-se da concepção subjectivista que imprime na letra da lei a protecção jurídica plena e
efectiva dos particulares perante a Administração, ou seja, concepção que garante, de uma
forma plena, a tutela efectiva dos direitos dos particulares, ao conferir a tutela jurisdicional
adequada e necessária a estes perante a actuação da Administração.

33
CAETANO, Marcello, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Vol.II, Almedina, 1977, 3a.
Reimpressão Portuguesa, pag.108.
59
O novo contencioso administrativo deixou de condicionar a impugnabilidade do acto
administrativo à sua definitividade e executoriedade, passando a pôr o assento tónico na
eficácia externa do acto e sua potencialidade de lesividade. O acto lesivo é aquele que é
susceptível de impugnação de recurso, é o acto administrativo eficaz que produz efeitos
jurídicos e que provoca lesão dos direitos dos particulares.

Assim não faz sentido afirmar-se que, são recorríveis as actuações administrativas que põem
termo ao procedimento, porque, por um lado, pode não ter como resultado um acto
contenciosamente impugnável e por outro, porque podem ser praticados actos que embora não
constituam o termo do procedimento podem prejudicar os direitos dos cidadãos, legalmente
protegidos.

O Professor Vasco Pereira da Silva, sintetiza que os «Actos administrativos são todos os que
produzem efeitos jurídicos mas, de entre estes, aqueles cujos efeitos forem susceptíveis de
afectar, ou de causar uma lesão a outrem, são contenciosamente impugnáveis34.

A impugnabilidade não é, portanto, «uma questão de “natureza”, nem uma característica


substantiva dos actos administrativos, ou de uma específica e delimitada categoria deles».
Impugnáveis «são todos os actos administrativos que, em razão da sua “situação”, sejam
susceptíveis de provocar uma lesão ou de afectar imediatamente posições subjectivas de
particulares».

Assim, temos de admitir a recorribilidade dos actos administrativos que são lesivos dos
interesses dos particulares, em qualquer fase do procedimento.

Nos termos da Constituição da República de Moçambique, os Tribunais são órgãos de


soberania com competência para administrar a justiça, sendo a função específica dos tribunais
administrativos e fiscais o controlo das normas regulamentares emitidas pela Administração
Pública, bem como a fiscalização da legalidade das despesas públicas e a respectiva
efectivação da responsabilidade por infracção financeira, julgamento das acções e recursos
contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas, fiscais e aduaneiras.

34
SILVA, Vasco Pereira Da, O Contencioso Administrativo no Diva da Psicanalise, ENSAIOS SOBRE AS
ACCOES NO NOVO PROCESSO ADMINISTRATIVO, 2a. Edicao, Almedina, 2009, pag. 338.
60
Na revisão Constitucional de 2004, nomeadamente no artigo 253 n.º 3, o legislador
constituinte moçambicano, acolhe as novas concepções dos actos recorríveis, das quais resulta
que os actos administrativos impugnáveis se tornaram «hoje em dia (…) uma realidade de
contornos muito amplos, que compreende não apenas as decisões administrativas finais e
“perfeitas”, criadoras de efeitos jurídicos novos, como também aqueloutras actuações
administrativas imediatamente lesivas de direitos dos particulares, que tanto podem ser actos
intermédios, como decisões preliminares, ou simples actos de execução 35».

O direito de recorrer aos tribunais é uma faculdade de agir constitucionalmente outorgada ao


cidadão, conferindo-lhe legitimidade para exigir do Estado que os seus litígios sejam
dirimidos por órgãos independentes e imparciais que exerçam a função jurisdicional.

A Lei de Bases do Sistema Tributário determina a incidência, as taxas e os benefícios fiscais


dos impostos nacionais, as garantias e as obrigações do sujeito passivo e da administração
tributária, bem como os procedimentos básicos de liquidação e cobrança de impostos.
Assim, o exercício da justiça tributária é garantido através dos tribunais das jurisdições fiscal
e aduaneira para tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente
protegidos em matéria tributária.

3.1.2. O Recurso Contencioso, Para o Tribunal Fiscal de 1ª Instância.

Especificamente em relação à figura da reclamação, dispõe o artigo 127 da Lei nº 2/2006 que
constitui fundamento para que se verifique qualquer ilegalidade, nomeadamente:

“a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e


outros factos tributários, incluindo a inexistência total ou parcial do facto tributário;

b) A incompetência;

c) A ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida;

d) A preterição de outras formalidades legais.”

Não pode, porém, ser deduzida reclamação graciosa quando tenha sido apresentado recurso
contencioso com o mesmo fundamento (nº 2 do citado artigo 127).

35
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Diva da Psicanalise, ENSAIOS SOBRE AS
ACCOES NO NOVO PROCESSO ADMINISTRATIVO, 2a. Edicao, Almedina, 2009, pag.336.
61
A reclamação graciosa é apresentada no prazo de 60 dias contados a partir dos factos
seguintes (artigo 128 da Lei nº 2/2006):

 Termo do prazo para pagamento das prestações tributárias legalmente notificadas ao


sujeito passivo;

 Notificação dos restantes actos, mesmo quando não dêem origem a qualquer
liquidação e excluindo a fixação da matéria tributável por métodos indirectos;

 Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

 Formação da presunção de indeferimento tácito;

 Conhecimento dos actos lesivos de interesses legalmente protegidos não abrangidos


nas alíneas anteriores.

Quando, porém, o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais, o


correspondente prazo de reclamação graciosa é de um ano.

Nos casos em que tenha lugar a fixação da matéria colectável por métodos indirectos, o
procedimento da reclamação graciosa é substituído pela possibilidade de pedido de revisão, a
qual pode ter lugar nos três anos posteriores.

Do indeferimento, total ou parcial, cabe recurso contencioso a interpor no prazo de 30 dias.


Alternativamente, pode ter lugar a recurso hierárquico, a interpor no prazo de 90 dias (artigos
138 e 139 da Lei citada).
Havendo recurso hierárquico, e sendo total ou parcialmente desfavorável a decisão proferida,
a mesma é passível de recurso contencioso, no prazo de 90 dias contados da notificação da
decisão.

A reclamação ou o recurso não têm legalmente efeito suspensivo, salvo prestação de garantia
adequada.

A nossa legislação vigente oferece vários meios processuais colocados aos sujeitos da relação
jurídico-fiscal (activo e passivo) com vista a assegurar os seus direitos e obrigações
(principais e acessórias).

62
3.2. A RECORRIBILIDADE DOS TRIBUNAIS FISCAIS E AS FORMAS
PROCESSUAIS

A designação de contencioso tributário visa circunscrever no âmbito jurisdicional, aos


processos originados em conflitos de interesses, em lides, que dividam o fisco e os
particulares, instruídos por órgãos que reúnam os elementos previstos na legislação (tribunais)
e decidam com independência e imparcialidade.

Deste modo, o contencioso tributário tem a natureza de um contencioso objectivo (destinado à


fiscalização do cumprimento das normas fiscais pela Administração Tributária e pelos
particulares) e de um contencioso subjectivo (que visa a defesa, por via jurisdicional, dos
direitos do Estado e dos direitos dos contribuintes).

Importa tecer algumas considerações em torno do uso de terminologias neste domínio,


designadamente o processo judicial tributário, o processo tributário e impugnação judicial. 36

O processo judicial tributário é comum o legislador utilizar nas situações em que a


intervenção do Tribunal é necessária.

O processo tributário abrange todo o meio processual e não apenas as situações em que a
intervenção jurisdicional seja reclamada.

Impugnação significa colocar em questão ou em crise, solicitar a fiscalização ou a sindicância


de determinada actuação ou omissão com a qual não se concorda, podendo-se impugnar um
comportamento através de uma dupla via:

i) ou recorrendo às vias administrativas, a qual pode revestir várias formas, por exemplo, as
reclamações, recursos, ou revisões;

ii) ou recorrendo aos tribunais falando-se em impugnação judicial.

A impugnação judicial é que será objecto de estudo do presente trabalho pois que abrange
todos os meios processuais que tem por finalidade autorizar ou fiscalizar uma actuação
administrativa tributária, designadamente: o processo de reclamação contenciosa ou processo
de impugnação judicial; o recurso contencioso; o processo de transgressão fiscal; a oposição à
execução por meio de embargos; a acção para o reconhecimento de direitos ou interesses

36
ROCHA, Joaquim Freitas, ob. cit., pág. 255.
63
legalmente protegidos em matéria tributária; a impugnação de providências cautelares
adoptadas pela administração tributária; a intimação para um comportamento.

Estes e outros meios processuais encontram-se previstos no artigo 177 da Lei nº 2/2006, de 22
de Março (LGT) cuja competência de julgar é dos Tribunais Fiscais a luz do artigo 23 da Lei
nº 2/2004, de 21 de Janeiro, que aprova a competência, organização, composição e
funcionamento dos tribunais fiscais.

Referir que, o ordenamento jurídico moçambicano tem legislação especial que regula apenas
duas formas de processo (processo de impugnação judicial ou reclamação contenciosa e o
processo de transgressão fiscal) que é o Diploma Legislativo nº 783, de 18 de Abril de 1942,
que aprova o Regulamento do Contencioso das Contribuições e Impostos (RCCI), não tendo
até a presente data um Código de Processo Fiscal, pelo que se socorre da legislação
subsidiária prevista no artigo 12 da Lei nº 2/2004, de 21 de Janeiro.

Por conseguinte, no processo tributário existem meios processuais principais e meios


processuais secundários.

 São meios processuais principais os seguintes:


 O processo de impugnação judicial ou reclamação contenciosa;
 O processo de transgressão fiscal;
 Os crimes fiscais;
 O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária que não
envolvam a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
 A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em
matéria tributária; e,
 O processo de execução fiscal.
 Constituem meios processuais secundários:

 As providencias cautelares judiciais;


 A impugnação de providências cautelares adoptadas pela administração tributária;
 A intimação para um comportamento;
 A produção antecipada da prova;
 Os meios acessórios de intimação para consulta de documentos ou processos,
passagem de certidões e prestação de informações;

64
 Os recursos contenciosos de actos denegadores de isenções ou benefícios fiscais ou de
outros actos relativos a questões tributárias que não impliquem a apreciação do acto de
liquidação;
No que tange aos incidentes processuais, em matéria fiscal admite-se a falsidade mas
com limitações quanto à produção da prova, a habilitação e a intervenção de terceiros
plasmados nos artigos 360, 371 e 320 todos do CPC, por força de aplicação do artigo 40 do
Diploma Legislativo nº 783, de 18 de Abril de 1942.

Relativamente ao processo de execução fiscal admite -se apenas o incidente de falsidade, por
se tratar de um processo célere com vista a evitar a dissipação de bens do executado
susceptíveis de frustrar o interesse do credor.

Diferentemente, o processo de impugnação judicial , porque não suspende a execução excepto


no caso do pagamento da dívida tributária assegurado por caução, pode-se admitir outros
incidentes de instância para alem de falsidade, como por exemplo, a habilitação e a
intervenção de terceiros.

Em matéria de suspensão e interrupção da instância, são de observar nos processos tributários,


as normas do Código de Processo Civil.

Contudo, aos sujeitos da relação tributária devem escolher o meio processual adequado e
conveniente à prossecução dos seus objectivos por forma a não ferir o leque de direitos e
garantias contenciosas consagradas na legislação fiscal e subsidiária vigente.

Nisto, verifica-se que com a entrada em vigor em 21 de Janeiro de 2005, da Constituição da


República de Moçambique, o artigo 7 da Lei n.º 2/2004, de 21 de Janeiro, passou a ser
desconforme com a Constituição.

Não é, no entanto, suficiente que a Constituição assegure aos cidadãos interessados o direito
ao recurso contencioso fundado em ilegalidade de actos administrativos, desde que
prejudiquem os seus direitos, há que assegurar os meios necessários para que a garantia em
causa seja efectiva.

Significa dizer, que de nada vale que a Constituição consagre a possibilidade de recurso
contencioso de um acto administrativo se, por exemplo, os pressupostos de recorribilidade dos
mesmos forem de tal forma apertados que inibam a possibilidade de recurso na grande
maioria das situações em que o particular se tenha por lesado pela Administração.
65
As disposições conjugadas dos artigos 62 e 70 da Constituição vinculam positivamente o
legislador a dotar à ordem jurídica de normas que permitam não só a abertura das portas dos
tribunais ao cidadão como também a concretização do princípio do necessário processo legal
e da boa administração da justiça. Em sentido negativo, os supracitados preceitos
constitucionais vinculam o legislador a não aprovar normas passíveis de estreitarem, de forma
directa ou oblíqua, o livre acesso do cidadão à jurisdição pública, ou seja, no sentido de que a
lei não deve afastar o recurso do cidadão à via judicial ou estabelecer imposições que acabam
por constituir condicionamentos ao exercício do direito de acesso aos tribunais, exceptuando
os casos justificados de fixação de pressupostos processuais, geralmente admitidos como
normais e necessários à administração da justiça.

A figura do princípio da exaustão como pressuposto de impugnação contenciosa dos actos


fiscais é uma figura injustificadamente restritiva do amplo regime de constitucionalidade
garantido em matéria de impugnabilidade contenciosa de qualquer acto da administração que
seja susceptível de lesar os seus direitos ou interesses legalmente tutelados.
É pela necessidade de assegurar uma protecção plena e eficaz dos particulares perante a

Administração que a CRM afere a possibilidade da recorribilidade em razão da lesão dos


direitos dos particulares envolvidos com a Administração numa relação jurídica
administrativa. Trata-se de um direito fundamental de impugnação de actos susceptíveis de
prejudicar os direitos dos cidadãos, uma garantia de defesa dos direitos e legítimos interesses
dos sujeitos de direito contra actos da Administração ofensivos desses direitos e interesses.
3.2.1. A definitividade dos Actos Administrativos

A definitividade pode ser material, horizontal ou vertical;

Em busca de uma interpretação para os artigos 51 e 171 da Lei n.º 2/2006, de 22 de Março,
podemos ser tentados a pensar que o artigo 51 reporta-se à definitividade material e horizontal
e que o acto definitivo a que reporta o artigo 171 é o acto material e horizontalmente
definitivo, concluindo, por isso, que da conjugação destes dois artigos, pode o interessado
recorrer de todo acto material e horizontalmente definitivo lesivo de seus direitos e interesses
estabelecidos na Constituição e na Lei.

No entanto, o acto embora material e horizontalmente definitivo é ainda susceptível de


reclamação graciosa ou recurso hierárquico.

66
Nestes casos em que o acto sendo materialmente definitivo e/ou horizontalmente definitivo
mas verticalmente não definitivo, não se consideram esgotados os meios administrativos
graciosos, pois o acto ainda é passível de recurso hierárquico. Igualmente não se consideram
esgotados os meios administrativos graciosos quando o acto é ainda passível de reclamação
graciosa, embora material e horizontalmente definitivo.

Por isso, nestas situações, por força do disposto no artigo 52 da Lei n.º 2/2006, de 22 de
Março e no artigo 7 da Lei n.º 2/2004, de 21 de Janeiro, o Tribunal Fiscal deve abster-se de
decidir, ainda que o acto se mostre lesivo de direitos e interesses legalmente consagrados dos
cidadãos.

67
CONCLUSÕES

Em Moçambique a Constituição da República determina o direito de recorrer aos tribunais,


neste caso os tribunais fiscais, consagrando na legislação fiscal avulsa os meios processuais
tributários.

Da pesquisa realizada em volta deste tema, os meios processuais tributários vigentes no


ordenamento jurídico moçambicano, chegamos as seguintes conclusões:

Na verdade, o princípio da exaustão estabelece como pressuposto de recorribilidade a


definitividade vertical do acto. Porém, o conceito constitucional de acto impugnável inserto
nos artigos 69 e 70 da CRM tem como pressuposto estar-se em presença de um acto violador
de direitos e interesses. No nosso entender deve tratar-se de um acto que em violação de
direitos e interesses consagrados na Constituição e na Lei define situações jurídicas. Portanto,
à luz da Constituição, não podem considerar-se inimpugnáveis os actos violadores de tais
direitos e interesses com fundamento na sua falta de definitividade (vertical).

Como se pode verificar, é de se entender que com a entrada em vigor da Constituição da


Republica, a 21 de Janeiro de 2005, ficam prejudicadas por inconstitucionalidade
superveniente, porque tempus regit actum, as previsões anteriores, que impunham a
interposição de recurso hierárquico necessário como condição de acesso à via contenciosa, e
que são originariamente inconstitucionais as criadas posteriormente.

O legislador ordinário deve respeitar a impugnabilidade contenciosa dos actos que possam
lesar os direitos dos cidadãos, constituindo deste modo a exigência do prévio esgotamento das
garantias administrativas como condição necessária de acesso aos tribunais uma restrição de
acesso ao juiz.

Assim sendo, o princípio da exaustão, deixou de ser determinante para se chegar ao Tribunal
Fiscal. Pelo que, qualquer acto administrativo lesivo dos interessados é susceptível de
impugnação contenciosa.

São, pois, desconformes com a CRM, as normas que estabelecem o princípio da exaustão,
fundadas na recorribilidade dos actos definitivos e executórios, impondo aos tribunais de
jurisdição fiscal a obrigatoriedade de se absterem de conhecer de matérias passíveis de
reclamação ou recurso hierárquico, antes de se esgotarem estas vias.

68
Os artigos 62 e 70, ambos da Constituição, que garantem o acesso dos cidadãos aos tribunais
e o direito do cidadão recorrer aos tribunais contra actos que violem os seus direitos e
interesses reconhecidos pela Constituição e pela Lei, consagram a tutela jurisdicional efectiva,
constituindo uma garantia constitucional plena imprescindível na protecção de direitos
fundamentais, sendo ele mesmo um direito fundamental. Mais do que um direito fundamental,
é um princípio estruturante do Estado de Direito moçambicano.

Por isso, sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses
legalmente tutelados dos cidadãos e, nomeadamente, o direito de acção, que se materializa
através do processo de impugnação contenciosa, é violado um direito fundamental de acesso
aos tribunais.

As disposições que regulam o direito de acesso, quer à justiça administrativa quer à justiça
fiscal, mais não são do que concretizações, dos direitos fundamentais estatuídos nos artigos
62 e 70 e n.º 3 do artigo 253, todos da CRM, artigos que, em geral, traçam o conteúdo da
garantia jurídico-constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

69
RECOMENDAÇÕES

Em face dos aspectos acima expostos, recomendamos o seguinte:

1º. Da conjugação dos artigos 62, 70, 212, 253, todos da CRM, decorre que a plenitude do
acesso à jurisdição se aplica inclusivamente aos casos em que os particulares pretendem
defender jurisdicionalmente os seus direitos ou interesses legalmente tutelados perante os
poderes públicos. A conclusão vale, indiscutivelmente, em relação a quaisquer actuações
administrativas lesivas de direitos ou interesses legalmente tutelados dos particulares.

2º O art. 253 n.º 3 da CRM, feriu de inconstitucionalidade as disposições legais que


estabelecem o princípio da exaustão dos meios administrativos graciosos e impondo aos
tribunais de jurisdição fiscal a absterem-se de conhecer de matérias passíveis de reclamação
ou recurso hierárquico, antes de se esgotarem estas vias.

3º Esta disposição afasta inequivocamente a necessidade de recurso hierárquico, exigível para


o cidadão aceder ao tribunal. O cidadão pode perante um acto lesivo dos seus direitos escolher
entre impugnar desde logo essa actuação, ou aguardar pela decisão final do procedimento,
sem que o direito fundamental de acesso ao tribunal seja afectado.

4º Além do mais, esta imposição revela uma intromissão na actividade judicial e põe em
causa o princípio constitucional da separação de poderes, por fazer precludir o direito de
acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa.

5º A inadmissibilidade de recurso contencioso quando não tenha existido previamente o


recurso hierárquico necessário, equivale a uma negação do direito fundamental de recurso
contencioso, por violação do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos
particulares, na medida em que ao ser inadmissível o recurso contencioso, quando não tenha
havido, previamente, recurso hierárquico necessário, há uma negação de um direito
fundamental de recurso contencioso. Ora “a lei só pode limitar os direitos, liberdades e
garantias nos casos expressamente previstos na Constituição”, conforme expresso no n.º 3 do
artigo 56 da CRM.

6º Assim sendo, recomendamos que se faça fiscalização sucessiva abstracta das normas
contidas no artigo 7 (Princípio de exaustão dos meios graciosos) da Lei n.º 2/2004, de 21 de
Janeiro e no artigo 52 (Exaustão) da Lei n.º 2/2006, de 22 de Março, por contrariarem a

70
norma do artigo 70, conjugada com a norma inscrita na primeira parte do n.º 1 do artigo 62, e
ainda as normas contidas nos números 2 e 3 do artigo 56, nos números 1 e 2 do artigo 212, e
n.º 3 do artigo 253, todos da Constituição da República de Moçambique.

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BIBLIOGRAFIA

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