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MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA ESTADUAIS

Cleber Masson
Direito Penal
Aula 05

ROTEIRO DE AULA

Tema: Teoria do Crime

TEORIA DO CRIME - INTRODUÇÃO

1. Conceito de crime
O conceito de crime varia em conformidade com o critério adotado para defini-lo.

1.1. Critério material ou substancial


De acordo com o critério material ou substancial, crime é a ação ou omissão humana1 que lesa ou
expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados (princípio da ofensividade). Este conceito
observa a relevância do mal produzido, servindo como fator de legitimação do Direito Penal, vez que
atende aos princípios da ofensividade, da intervenção mínima, proporcionalidade, etc.

1.2. Critério Legal


De acordo com o critério legal, crime é o que a lei define como tal.
O conceito de crime no Brasil é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal (LICP) - DL nº 3.914/41.

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E também da pessoa jurídica em crimes ambientais.

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O artigo 1º da LICP estabelece o gênero infração penal em que crime e contravenção penal são
espécies.

Art 1º da Lei de Introdução ao Código Penal: “Considera-se crime a infração penal que a lei comina
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a
pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão
simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.”

1.2.1. Crime e contravenção penal: sistema dicotômico (ou dualista) e sistema tricotômico
Crime e contravenção penal são espécies do gênero infração penal, Para diferenciá-los existem dois
sistemas: o dicotômico e o tricotômico. O Brasil adota o sistema dicotômico ou dualista, onde o delito
é sinônimo de crime.
O professor observa que alguns países, como a Itália, adotam o sistema tricotômico. Para este sistema,
a infração penal é o gênero que se subdivide em três espécies: crime: infrações mais graves; (ii) delito:
infrações penais intermediárias; e (iii) contravenções penais: infrações penais mais brandas.
Para o sistema dicotômico (adotado no Brasil), a diferença entre crime e contravenção penal é
meramente (i) qualitativa, ou seja, a qualidade das penas cominadas, que podem ser reclusão,
detenção ou multa, podendo ser cada uma aplicada de forma individual ou conjunta; e (ii)
quantitativa, de forma que os crimes possuem penas quantitativamente elevadas em relação às
contravenções penais.
Contravenção penal, por sua vez, é a espécie de infração penal em que a lei comina pena de prisão
simples ou multa, podendo ser cada uma aplicada de forma individual ou conjunta, de forma que no
preceito secundário do tipo penal não há reclusão ou detenção.
Desta forma, não há diferença ontológica2 entre crime e contravenção penal, vez que o que muda é a
qualidade e a quantidade da pena.
O TRF da 3ª região, ao aplicar uma prova discursiva para Juiz Federal em 2009, determinou que os
alunos discorressem sobre a competência da Justiça Federal nos chamados crimes liliputianos3. A
Justiça Federal não possui competência para julgar contravenções penais, ainda que ofendam

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Diferença ontológica: de natureza jurídica, de estrutura ou de essência.
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Crimes liliputianos remete às Viagens de Gulliver, um jornalista que se aventura em mundos
desconhecidos, se atracando em Liliputh, ilha desconhecida onde seus habitantes possuíam no
máximo 15 centímetros de altura.

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interesse da União, conforme o disposto no artigo 109, inc. VI, da CF, que exclui a competência da
União para julgá-los.
Exceção: quando aquele que pratica a contravenção tem foro de prerrogativa de função nos TRF’s (ex.:
juiz federal que comete infração penal), de forma que a competência não será em razão da matéria e
sim da pessoa.
O professor aproveita este exemplo para esclarecer que as contravenções penais são crimes
pequenos, que já foi denominado de crime anão, crime vagabundo, etc.

➔ Atenção: para a corrente dicotômica, crime e delito possuem o mesmo significado. Contudo,
em poucas ocasiões a legislação brasileira utiliza a palavra delito como sinônimo de infração
penal. Exemplos: artigo 5º, inc. XI, da CF e artigos 301 e 302 do CPP.

1.2.2. O art. 28 da Lei de Drogas


Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para
consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Quando a Lei de Drogas entrou em vigor no ano de 2006, surgiram duas posições em relação ao
disposto em seu artigo 28:

- 1ª posição: possuindo o professor Luiz Flávio Gomes como um de seus defensores, defendia-
se que o disposto no artigo 28, inc. III da Lei de Drogas não se tratava de crime ou
contravenção penal, mas sim um ilícito penal sui generis; e
- 2ª posição: adotada pela maioria da doutrina e encampada pelo STF em 2007, o disposto no
artigo 28, da Lei de Drogas se trata de crime.

Desta forma, o disposto no artigo 28 da Lei de Drogas se trata de crime pelos seguintes motivos:
(i) a própria Lei de Drogas o chama de crime;
(ii) o Código Penal é de 1940, a Lei de Contravenções Penais de 1941, sendo que ambos tiveram vacio
legis dilatadas, motivo pelo qual entraram em vigor em 01/01/1942. Desta forma, a fim de facilitar o

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entendimento de quando determinado ilícito seria tratado como crime ou como contravenção penal
houve a edição da a Lei de Introdução ao Código Penal;
(iii) o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal traz um conceito geral de crime, motivo pelo qual
é possível ser excepcionado por uma legislação especial (princípio da especialidade). Desta forma, a
Lei de Drogas em seu artigo 28 trouxe um conceito especial de crime, aplicável apenas e tão somente
para a conduta nela descrita.
Em suma, a Lei de Drogas em seu artigo 28, excepcionando a legislação geral, trouxe um conceito
especial de crime onde as penas previstas são “I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação
de serviços à comunidade, III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

★ Obs.: o professor observa que o disposto no artigo 28 da Lei de Drogas “quase”


descriminalizou a prisão do usuário ao dispor referidas penas. O STF já se manifestou sobre o
tema, afirmando que não houve descriminalização, mas sim despenalização no tocante à
privação da liberdade, de forma que o fato continua sendo crime, mas sem a aplicação de
pena privativa de liberdade.
Como exemplo, o professor cita que a atual redação banaliza o Direito Penal, citando que à
época da entrada em vigor da Lei de Drogas os termos circunstanciados com base no antigo
artigo 16 (que anteriormente regulava a conduta atual do artigo 28) deixaram de aparecer
para o oferecimento de denúncia, sendo identificado posteriormente que o policiais, em razão
de todo o trabalho dispensado no flagrante para que aos acusados fossem condenados a uma
simples “advertência”, deixaram de registrar os termos circunstanciado, sendo apurado mais
tarde abuso de poder nestes casos. Desta forma, o principal intuito do exemplo é demonstrar
o perigo de se banalizar o instituto e que, atualmente, a pena de advertência vem sendo
aplicada na maioria das comarcas pelo Cartório da Vara.

1.3. Conceito formal, analítico ou dogmático


O conceito formal, analítico ou dogmático é aquele que leva em conta a estrutura do crime, seus
elementos estruturais.

- Teoria quadripartida: para esta teoria, que possui como principais criadores os italianos Bittiol e
Battaglini, defendida pelo penalista Basileu Garcia - professor titular da USP, o crime é composto por
quatro elementos: (i) fato típico; (ii) ilicitude; (iii) culpabilidade; e (iv) punibilidade.

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Entretanto, o professor observa que a punibilidade não é e nem pode ser elemento do crime, vez que
se trata de reflexo, ou seja, consequência do crime. Apenas após a prática do crime nasce o direito do
Estado de punir aquele que violou a legislação penal.
Exemplo: A, após discussão com B, saca sua arma e o mata, cometendo o crime de homicídio. Minutos
após o crime, por não suportar o ocorrido, se suicida: ao matar B nasce ao Estado o direito de punir A
e a sua morte é causa extintiva do CP - artigo 107, inc. I. Desta forma, seguindo o entendimento
dispensado por esta teoria, no exemplo anterior o crime teria desaparecido - o que não pode ser
aceito, já que embora o Estado com a morte de A perca o direito de punir, o crime continua intacto.

Teoria tripartida: para esta teoria, o crime é composto por três elementos: (i) fato típico; (ii) ilicitude;
e (iii) culpabilidade.
Quem adota esta teoria tripartida tanto pode ser um penalista adepto ao sistema clássico ou ao
sistema finalista. Os penalistas clássicos adotavam obrigatoriamente a teoria tripartida.
O professor observa que o sistema finalista nasceu pela teoria tripartida, sendo criado por Hans
Welzel, motivo pelo qual no Brasil existem muitos autores finalistas que são tripartidos, como por
exemplo César Roberto Bitencourt, Rogério Greco, Luiz de Régis Prado, Guilherme Nucci. Por fim,
também observa que no mundo todo os finalistas são tripartidos, existindo esta variante apenas no
Brasil.

Teoria bipartida: para esta teoria o crime é composto por dois elementos: (i) fato típico e (ii) ilicitude,
sendo que, para seus defensores, a culpabilidade não seria elementos do crime e sim pressuposto
para aplicação da pena. O professor observa que aqueles que adotam a teoria bipartida são,
necessariamente, finalistas.
O finalismo bipartido é uma criação brasileira, existindo apenas no país, possuindo como defensores
os professores Damásio de Jesus e Julio Fabbrinni Mirabete, criado, contudo, pelo penalista Rene Ariel
Dotti, por meio de seu artigo “O incesto”.
A teoria em questão, para Dotti, possui fundamento no fato de ter o Código Penal tratado em
separado o crime (fato típico e ilicitude - artigos 13 a 25 do CP) e a culpabilidade (inimputabilidade
penal - artigos 26 a 28). Por tais motivos, afirmou que o Código Penal, com a reforma de sua parte
geral em 1984, teria adotado a teoria bipartida.

SISTEMAS PENAIS, FATO TÍPICO: CONDUTA e RESULTADO

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1. Sistemas Penais
Os sistemas penais dizem respeito à evolução do Direito Penal ao longo da história, mais
especificamente a evolução da teoria do crime. Se desenvolvem basicamente sobre a evolução da (i)
conduta e da (ii) culpabilidade.

1.1. Sistema clássico


Possui como principais representantes Liszt, Beling e Radbruch. Contudo, a denominação de sistema
clássico foi realizada posteriormente pelos finalistas. O sistema clássico estava estruturado da
seguinte forma:

O professor destaca que todos aqueles que seguem o sistema clássico são tripartites, motivo pelo qual
o sistema está estruturado em fato típico, ilicitude e culpabilidade:

- Fato típico: é a junção (i) da conduta, (ii) do resultado, (iii) da relação de causalidade e (i) da
tipicidade;
- Ilicitude: é a contrariedade entre o fato típico e o Direito Penal, de forma que sua análise é
posterior ao fato típico; e
- Culpa: formada pela imputabilidade e pelo dolo (chamado de normativo) ou a culpa.

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O sistema clássico, em relação à conduta, adota a teoria causalista, naturalista, mecanicista ou causal.
Para esta teoria, a conduta seria o comportamento humano voluntário que produz um resultado no
mundo jurídico. Desta forma, a conduta era denominada de “fotografia do crime”.
A culpabilidade, por sua vez, seguia a teoria psicológica, sendo tão somente o vínculo psicológico que
liga um agente imputável, mediante dolo ou culpa, ao fato típico e ilícito por ele praticado.
O dolo normativo é aquele que contempla em seu interior a chamada consciência atual/real da
ilicitude, de forma que não basta ao agente a vontade de fazer algo, sendo necessário que o agente
também possua conhecimento de ser contrário ao sistema normativo.
Exemplo: uma pessoa com problemas mentais elevados que queira matar alguém não tem
conhecimento de que determinada conduta é contrária ao sistema normativo.
O professor esclarece que aqueles que adotam o sistema clássico necessariamente precisam seguir a
teoria tripartite, uma vez que o dolo e a culpa estão inseridos na culpabilidade, pois, caso contrário,
se um clássico admite por exemplo, um crime sem o dolo ou a culpa, estar-se-ia diante de
responsabilidade penal objetiva.
Exemplo: A está em horário de almoço indo para casa e, ao passar por uma área escolar a 20 km/h,
quando o limite de velocidade era 40km/h, pois o trânsito não permitia velocidade maior, atropela
uma criança que se soltou do responsável e correu pela avenida.
A fotografia do crime seria o para-choque amassado, o motorista assustado e a criança falecida com
uma poça de sangue no chão.
Pela análise do ocorrido conclui-se que:
1. há fato típico, por se tratar de conduta humana voluntária que produz resultado no mundo
exterior;
2. há resultado, vez que a criança faleceu;
3. há relação de causalidade, pois a criança faleceu em razão do choque da batida;
4. há tipicidade, pois a conduta de matar alguém se enquadra no artigo 121 do CP;
5. há ilicitude por não existir nenhuma excludente (legítima defesa, estado de necessidade,
estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular do direito);
6. há imputabilidade (já que A é maior de 18 anos e não possui doença ou enfermidade mental);
7. não há dolo, vez que A não queria e não assumiu o risco de matar a criança;
8. não há culpa, vez que não agiu com imprudência, negligência ou imperícia.

O exemplo se trata de culpa exclusiva da vítima, já que a criança se lançou na frente do carro de A.
Desta forma, para a teoria clássica, o ocorrido não seria crime por ausência de culpabilidade.

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1.2. Sistema neoclássico (ou neokantista)
O sistema neoclássico seria uma nova etapa do sistema clássico, sem grandes revoluções. Surgiu na
Alemanha em 1907 (o sistema clássico também surge na Alemanha, porém, no Século XIX), pelos
estudos de Reinhart Frank e por meio da teoria da normalidade das circunstâncias concomitantes,
também chamada de teoria da evitabilidade.
Para a teoria da normalidade das circunstâncias concomitantes, só seria culpável o agente que pratica
o fato típico e ilícito em situação de normalidade, ou seja, quando não lhe era exigível uma conduta
diversa.
O professor cita como exemplo o caso de uma pessoa que deve ao banco. Normalmente, uma pessoa
endividada arruma um trabalho extra, economiza ou parcela o débito para quitá-lo. Contudo, aquele
que assalta uma loja, por exemplo, praticando crime para realizar o pagamento quando poderia se
valer de parcelamento ou economia, será considerado culpável.
Esta teoria permite a explicação de institutos que até à época não existiam, como a coação moral
irresistível e a obediência hierárquica, que permitem a existência de causas supralegais de exclusão
da culpabilidade fundadas na inexigibilidade de conduta diversa.
Para este sistema neoclássico ou neokantista, a estrutura do crime seria da seguinte forma:

A estrutura do crime continua de acordo com a tripartida.


A conduta continua seguindo a teoria causalista, assim como no sistema clássico, Da mesma forma, a
ilicitude continua sendo a contrariedade entre o fato típico e o Direito Penal.

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A mudança ocorre na culpabilidade, que além da imputabilidade e do dolo normativo ou culpa, possui
a exigibilidade de conduta diversa como terceiro elemento, motivo pelo qual a teoria é chamada de
psicológico normativa: mantém o aspecto psicológico (dolo e culpa) e assume um lado normativo, que
é a exigibilidade de conduta diversa.

1.3. Sistema finalista


O sistema finalista surge em 1930 na Alemanha, com a obra “O novo sistema jurídico penal” de Hans
Welzel, conhecido como o pai do finalismo penal. Fato é que o autor cria o sistema finalista tripartite,
o que se denota pela estrutura do crime, que é composta de fato típico, ilicitude e culpabilidade:

A ilicitude continua sendo a contrariedade entre o fato típico e o Direito Penal, enquanto há alteração
no elemento conduta do fato típico e a inserção do elemento potencial consciência da ilicitude na
culpabilidade. Desta forma, em relação à conduta, passa-se a ser adotada a teoria finalista e, na
culpabilidade, a teoria normativa pura.
A principal alteração neste sistema está no fato de que o dolo e a culpa, inseridos anteriormente como
elementos da culpabilidade, passam a integrar o elemento conduta.
Desta forma, para o sistema finalista, para que a conduta seja penalmente relevante deve existir dolo
ou culpa.

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Nos sistemas anteriores, o dolo é normativo, ou seja, traz em seu bojo a consciência atual/real da
ilicitude. Desta forma, com a teoria finalista, houve uma ruptura entre o dolo e a consciência atual/real
da ilicitude, de forma que o dolo passou a integrar o elemento conduta do fato típico e a consciência
da ilicitude atual/real se transformou em consciência potencial da ilicitude, passando a ser um
elemento da culpabilidade.
A teoria finalista da conduta afirma que conduta é ação ou omissão humana, consciente e voluntária,
dirigida a um fim. Por este motivo, a teoria é chamada de finalista, vez que possui um fim específico.
Exemplo: A saca a arma, confere que está com munição e atira em B, de forma que A possui a
finalidade de matar B.
A teoria causalista, por sua vez, afirmava que a causalidade é cega por não analisar o querer interno
do agente, já que a conduta é o movimento humano voluntário que produz resultado no mundo
exterior.
Por sua vez, Welzel afirmava que a finalidade (que é o finalismo) é guiada pelo dolo/culpa, sendo
evidente. Portanto, para o sistema finalista toda conduta será necessariamente dolosa ou culposa.
A culpabilidade, por sua vez, passa a adotar a teoria normativa pura, vez que os elementos psicológicos
(dolo e culpa) já não estão nela inseridos e, sim no fato típico, especificamente na consulta.

➔ Atenção: O professor destaca que nos concursos podem ser cobradas outras denominações:
A culpabilidade finalista também é chamada de vazia, por assim ser no tocante aos elementos
psicológicos (dolo/culpa);
O dolo, na teoria finalista, também pode ser chamado de dolo natural. Por se contrapor ao dolo
normativo do sistema clássico e neoclássico, que traz em seu interior a consciência da ilicitude, o dolo
finalista/natural é aquele que independe e é desvinculado da consciência da ilicitude.
O professor destaca novamente que quem segue o sistema clássico necessita obrigatoriamente ser
tripartido, ao passo que quem segue o sistema finalista pode ser bipartido ou tripartido.
Isto porque, retirando a culpabilidade e, consequentemente, se tratando da teoria bipartida, é
possível se utilizar a culpabilidade como pressuposto para aplicação da pena, já que o dolo e a culpa
estão inseridos na conduta, de forma que o finalismo bipartido não caracteriza responsabilidade penal
objetiva.
No exemplo da criança que se solta do responsável e se choca no carro, vindo a falecer (que no sistema
clássico não seria crime por ausência de culpabilidade), no finalismo seria da seguinte forma:
não há conduta penalmente relevante, pois o agente não agiu com dolo ou culpa, sendo fato atípico,
de forma que: (i) no sistema clássico não haveria crime por ausência de culpabilidade e (ii) no sistema

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finalista não haveria crime por se tratar de fato atípico. O professor ressalta que o Código Penal era
clássico quando de sua promulgação e que com a reforma de sua parte geral passou a ser finalista,
sendo que o maior indício desta alteração se encontra em seu artigo 20, que trata de erro de tipo, que
exclui o dolo quando há erro sobre os elementos do tipo.

Ilicitude x Antijuridicidade:
O professor destaca que embora seja comum a utilização de ilicitude e antijuridicidade como
sinônimos, a palavra antijuridicidade não existe, não sendo utilizada pelo direito positivo brasileiro em
nenhuma passagem. Francesco Carnelutti foi o primeiro autor a apontar este erro grosseiro.
Para esclarecer o que seria a ilicitude, o professor explica ser necessário o estudo dos fatos jurídicos:
Fatos jurídicos são todos os acontecimentos que produzem efeitos jurídicos (ex.: nascimento, morte,
raio, desde que gere obrigação de indenizar o segurado), podendo ser:
1. naturais ou involuntários: aqueles que ocorrem sem interferência do ser humano (ex.: queda de um
raio, uma tempestade); ou
2. voluntários: aqueles que dependem da interferência do ser humano, e se subdivide em:
a) atos lícitos: aqueles em conformidade com o direito; e
b) atos ilícitos: aqueles em desconformidade com o direito, que podem ser:
(i) penais: que podem ser crimes ou contravenções penais; ou
(ii) extrapenais.
Desta forma, crime é um ato ilícito e, enquanto ato ilícito é um fato jurídico. Por consequência, se o
crime é um fato jurídico, contraditório seria lhe chamar de “antijurídico”, de forma que possui como
elemento a ilicitude e não a antijuridicidade.

2. Fato típico
2.1. Conceito
Fato típico é o fato humano (ou pessoa jurídica nos crimes ambientais) que se amolda aos elementos
restritos do tipo penal. Por consequência, fato atípico é aquele que não se enquadra no tipo penal.

2.2. Elementos
O fato típico possui quatro elementos:
(i) conduta;
(ii) resultado (chamado de resultado naturalístico);
(iii) relação de causalidade; e

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(iv) tipicidade.

➔ Atenção: Os quatro elementos do fato típico estarão presentes simultaneamente apenas nos
crimes materiais consumados, vez que nos demais crimes (materiais tentados, formais ou de
mera conduta), o fato típico possuirá apenas dois elementos: conduta e tipicidade.

2.2.1. Crimes materiais, formais e de mera conduta


Esta classificação doutrinária leva em consideração a relação entre a conduta e o resultado
naturalístico.
Crimes materiais, também chamados de causais, são aqueles em que o tipo penal contém conduta e
resultado naturalístico, dependendo deste este último para fins de consumação.
Exemplo: Crime de homicídio.
(i) conduta: matar alguém;
(ii) resultado naturalístico: morte da vítima;
(iii) relação de causalidade: o resultado (morte da vítima) foi produzido pela conduta do agente; e
(iv) tipicidade: o fato se encaixa no artigo 121 do Código Penal.

➔ Atenção: Os crimes materiais são chamados pelo STF de crimes de resultado.

Nos crimes materiais tentados, há conduta, mas não há resultado naturalístico, relação de causalidade
e tipicidade.
Nos crimes formais, também chamados de crimes de consumação antecipada ou de resultado
cortado, o tipo penal contém conduta e resultado naturalístico, mas dispensa este último para fins de
consumação. Desta forma, o resultado naturalístico pode ocorrer, mas não é necessário, sendo
prescindível para fins de consumação.
Exemplo: extorsão mediante sequestro - artigo 159 do CP.
A conduta é a privação da liberdade da vítima, visando a obtenção de vantagem econômica indevida,
se consumando com a privação de liberdade. O resultado naturalístico é o resgate, a obtenção da
vantagem econômica como condição ou preço do resgate. Por ser formal, o crime se consuma com a
privação da liberdade da vítima e, embora o resgate (resultado naturalístico) possa ocorrer, não é
necessário para sua consumação.

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Os crimes de mera conduta, também chamados de crimes de simples atividade, são aqueles em que
o tipo penal se limita a descrever uma conduta criminosa. Não há previsão de resultado naturalístico.
Exemplo: ato obsceno - artigo 233 do CP.
Qual a diferença entre crimes formais e crimes de mera conduta?
A semelhança entre ambos reside no fato de que se consumam com a prática da conduta, motivo pelo
qual o STF os chama de crimes sem resultado.
O resultado naturalístico é dispensável no crime formal para fins de consumação, podendo ou não
ocorrer. Quando o resultado naturalístico de um crime formal ocorre estamos diante do exaurimento
(instituto inerente aos crimes formais). Zaffaroni chama o exaurimento de consumação material de
um crime formal, de forma que se traduz na ocorrência do resultado naturalístico de um crime formal.
A diferença dos crimes formais e de mera conduta se encontra no fato de que nos crimes formais o
resultado naturalístico não é obrigatório, mas pode ocorrer, enquanto nos crimes de mera conduta o
resultado naturalístico nunca ocorrerá, pois o tipo penal não o prevê, se esgotando na conduta.

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