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João Daniel Rassi


Doutorando pela Faculdade de Direito da USP

Roteiro de estudos “magistratura estadual”1

I – Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas

Principais temas-alterações:

De ordem preliminar:

1. No art. 1º, parágrafo único, foi mantida a opção legislativa em


considerar os crimes de drogas como uma norma penal em branco. Assim, a
definição do tipo de substância que deve ser considerada droga é remetida ao
que estiver especificado em Lei ou relacionado em listas administrativas.
Atualmente, o órgão responsável é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), vinculada ao Ministério da Saúde. V. art. 66 que, em consonância
com o parágrafo único, indicou a vigência da Portaria SVS/MS n. 344, de 12 de
maio de 1988 (constantemente atualizada).

2. Quais as consequências penais da exclusão temporária de determinada


droga da listagem administrativa (p.ex., do cloreto de etila, como já
ocorreu)?

1ª cor.) não tem significado de abolitio criminis, com retroação aos fatos
ocorridos anteriormente. Isso porque a falta de previsão foi efêmera
(temporária), aplicando-se, pois, os termos do art. 3º do CP. Posição da
doutrina: Vicente Greco Filho, Cesar Roberto Bitencourt, Magalhães Noronha
etc.;

2ª cor.) tem significado de abolitio criminis. Ainda que a substância


venha a ser reincluída, deve prevalecer a lei intermediária mais favorável
– na doutrina: Luis Flávio Gomes etc.; na jurisprudência: decisões do STF,
STJ, TJSP e TRF 3ª Reg. etc. ∗ ATENÇÃO: no ano de 2000 houve uma exclusão
do cloreto de etila da portaria. No entanto, a portaria que excluiu
referida substância foi considerada ato administrativo inválido, o que fez
o STF e também o STF a rejeitarem a tese de abolitio criminis, mantendo-se
as incriminações.

3. No Brasil a regra é da proibição das drogas (política criminal


proibicionista norte-americana). Exceções: 1) para pesquisa científica e
utilização hospitalar; 2) plantio, a cultura, colheita e exploração de
vegetais de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso (p.ex.,
ayahuasca (chá do santo daime), a jurema etc.∗ Atenção: esta última hipótese
foi novidade da lei.
Natureza jurídica: causa de exclusão de tipicidade.

Sobre os crimes:

4. A nova lei, como a antiga (6.368), não atribuiu aos crimes nomen iuris.
Crítica: a incerteza em se saber o que é, p.ex., tráfico ilícito de drogas
(considerado crime equiparado a hediondo).

5. Os tipos são mistos ou conjuntos alternativos, ou seja, a realização de


mais de um verbo, caracteriza fases do mesmo crime (p.ex., alguém importa
matéria prima, §1º, I do art. 33, e depois vende a droga produzida, art. 33,
caput).O crime é um só, portanto. ∗Atenção: poderá não existir alternatividade

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Roteiro de aula do curso “magistratura estadual” elaborado com base na incidência temática. Não
substitui as aulas ministradas. Toda bibliografia citada no texto pode ser encontrada na obra de
Vicente Greco Filho, Tóxicos, São Paulo: Saraiva, 2009, 13ª ed. e no livro de Vicente Greco Filho
e João Daniel Rassi, Lei de drogas anotada, São Paulo: Saraiva, 2009, 3ª ed., livros base do
presente texto.
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se as ações ou atos sucessivos ou simultâneos não guardarem entre si um nexo


causal, caso em que teremos crimes autônomos. P.ex., o agente importa cocaína
e vende maconha que tem em depósito. Ainda, importa cocaína e exporta maconha
etc. RESUMINDO: caso deve ser analisado à luz dos princípios da
especialidade, subsidiariedade e da consunção (inclusive da progressão).

6. É possível haver crime continuado nos crimes de drogas? Sim. Aplica-se o


critério objetivo cronológico. P.ex., indivíduo vende em dias diferentes
porções de maconha, recebidas, também, separadamente. Não haverá crime
continuado, porém, se há uma ação anterior (chamada de prevalente), ainda que
as posteriores sejam fracionadas no tempo e no espaço. P.ex., o agente
importa grande quantidade de maconha e passa a vendê-la em porções, durante
seis meses. O crime é único (de importação) e as vendas são consideradas
exaurimento. É possível haver crime continuado ou concurso de crimes em
relação ao tráfico (art. 33) e ao porte para consumo pessoal (art. 38)? Não.
O crime maior absorve o menor (major absorvet minorem).

7. A lei descriminalizou a conduta de trazer consigo ou adquirir droga para


consumo pessoal?

1ª cor.) Sim. Fundamento: a definição de crime previsto no art. 1º da Lei


de Introdução do Código Penal que se limita a toda infração a que a lei
comina, isoladamente, cumulativamente, ou alternativamente pena de
reclusão ou detenção, o que não é a caso do art. 28 que não comporta pena
de prisão (e sim as penas de advertência, prestação de serviços à
comunidade e comparecimento a programas educativos). É a posição de Luís
Flávio Gomes que denominou o art. 28 de infração penal sui generis (isso
porque também não pode caracterizá-la como ilícito administrativo uma vez
que referida sanção não é aplicada por uma autoridade administrativa e sim
um juiz de direito). Por essas razões, teria havido abolitio criminis (na
edição seguinte de sua obra LFG retrata-se quanto a esse efeito);

2ª cor.) não, o que houve foi despenalização da conduta. Os argumentos são


os mesmos da corrente anterior. Nesse sentido, cf. RE 430105-FJ, 1ª T.,
rel. Sepúlveda Pertence do STF. ∗ Atenção: referido julgado ao concluir
pela despenalização, referiu-se a ela como “exclusão, para o tipo, das
penas privativas de liberdade”. Ou seja, não se trata de despenalização e
sim de nova opção punitiva que afasta a pena de prisão;

3ª cor.) Não houve descriminalização e nem despenalização, o que houve foi


abrandamento. Fundamento: a) a denominação do capítulo é expressa; e b) a
lei de drogas pode criar penas não previstas na lei de introdução ao
código penal (no caso decreto-lei com força de lei ordinária, como a lei
de drogas)- posição de Vicente Greco Filho e outros. Na jurisprudência é a
posição majoritária (se não pacífica).

O art. 28 é inconstitucional?

1ª cor.) Não. Posição majoritária na jurisprudência. Precedentes no STF,


STJ e TJSP;

2ª cor.) Sim, porque não há no caso “tipificação de conduta hábil a


produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da
igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à
diferença, corolário do princípio da dignidade” TJSP, ACrim 01113563.3, 6ª
Câmara “C” do 3º Grupo da Seção Criminal, Rel. José Henrique Rodrigues
Torres, j. 31-3-2008, v.u.).

8. A expressão “consumo pessoal” da atual lei tem o mesmo significado de


“uso próprio” da lei revogada?
1ª cor. ) Não. A expressão consumo pessoal é mais abrangente e benéfica. A
possibilidade de enquadramento é mais ampla e atinge não só aquele que traz
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droga para seu uso (uso próprio), como também aquela pessoa que traz a droga
para uso pessoal de terceiro, desde que não tenha animus de disseminação e
lucro, e seja para seu círculo familiar, de amizade, companheirismo etc.
P.ex., a esposa que leva a droga para seu marido no presídio. Na doutrina:
posição de Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi. Há decisões de primeira
instância nesse sentido;

2ª cor.) Não houve alteração de sentido. As expressões têm o mesmo


significado (droga para o uso próprio) doutrina majoritária, ao que parece.

9. O entendimento de que a expressão “consumo pessoal” abrange terceira


pessoa que não o usuário é compatível como o §3º do art. 33? Sim. A conduta
do §3º do art. 33 é um pouco mais grave porque o agente oferece, verbo que
não existe no art. 28. Além disso, poderá haver concurso material entre as
condutas, segundo disposição expressa do §3º.

11. Em relação ao art. 16, da lei revogada, o art. 28 acrescentou mais


duas condutas: tiver em depósito e transportar. Além disso foram
acrescentadas as condutas de “semear”, “cultivar” ou “colher” (§1º do art.28,
que podem ser entendidas como a conduta de “plantar”), desde que destinadas à
preparação de pequena quantidade de droga para seu consumo pessoal, o que
difere do art. 33, §3º, II. Também se considera abrangido no art. 28 a
conduta de “preparar” droga para consumo pessoal, tratando-se, pois, de
analogia in bonam partem (entendimento doutrinário).

12. Três foram as penas previstas pelo legislador no art. 28 (I –


advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à
comunidade; e III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo), que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como
substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor
(art. 27). Não são penas restritivas de direitos porque, se assim fosse, seu
descumprimento acarretaria prisão (art. 44, §4º). Por isso, para a garantia
do cumprimento das referidas penas, o juiz pode submeter o acusado,
sucessivamente, à “admoestação verbal” e multa (art. 28, §6º). Não se tratam
de novas penas, e sim de medidas que visam garantir sua eficácia.

Como tornar coercitivas as penas ou medidas? Posição de Greco Filho: se o


acusado não comparecer na audiência de advertência ou admoestação, deve ser
conduzido coercitivamente nos termos do art. 260 do CPP). No caso da multa
não paga, deve ser ela inscrita como título da dívida ativa. No caso da
prestação de serviços, aplica-se o art.260 (condução coercitiva), durante o
horário em que foi determinada a aplicação da pena, ainda que o acusado não
cumpra, devendo permanecer no local. Por fim, a prescrição executória é de
dois anos (art. 30).

Direito intertemporal: o art. 28 retroage, se o processo ou a condenação


foi pelo art. 16 da Lei n. 6.368. Se o processo foi instaurado, será remetido
ao Juizado (art. 48, §1º), salvo se houver conexão. Se estiver em grau de
recurso, o Tribunal fará a adequação. Se já foi condenado, o juiz das
execuções fará a adequação (súmula n. 611 do STF). O mesmo ocorre, agora com
fundamento no art. 28, §1º, se o processo ou condenação for pelo art.12, §1º,
II, se a situação se enquadrar na hipótese específica de semear, cultivar ou
colher plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga para
consumo pessoal.

13. Sobre as alterações ao art. 33, merecem destaque as seguintes


observações: a) as 18 condutas previstas na lei anterior, foram mantidas no
caput; b) a pena privativa de liberdade foi recrudescida para cinco anos, em
vez dos três anos da lei anterior, aumentando-se significativamente a pena de
multa; c) a figura de contribuição genérica de incentivo e difusão ao vício e
tráfico (art. 12, §2º, III, da Lei n. 6368, não foi mais prevista, havendo,
portanto, abolitio criminis; d) a hipótese prevista no inciso II do §2º da
lei revogada incriminava a conduta de quem utilizava o “local” para o tráfico
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ou uso de drogas. A lei nova trouxe duas alterações. A primeira é a


incriminação não só da utilização do local como também de “bem de qualquer
natureza”. A segunda é a punição somente no caso de utilização para o
tráfico de drogas e não mais para o uso. Assim, a cessão de local para o uso
indevido poderá configurar o crime do §2º; e) A conduta do §3º é nova e não
foi prevista nas legislações anteriores. Trata-se de uma figura privilegiada.
A conduta é de oferecer, mas abrange também a de dar. Quatro são as
circunstâncias, três objetivas e uma subjetiva. São circunstâncias objetivas:
o oferecimento seja eventual e, cumulativamente, não tenha objetivo de lucro.
A ausência dessas circunstâncias excluí o privilégio e crime será do caput.
Ratear não significa que haja objetivo de lucro (Greco Filho). A terceira
circunstância objetiva é que a pessoa seja do seu relacionamento. Em
acréscimo, a circunstância subjetiva se revela no dolo específico do agente
que consiste na finalidade de juntos consumirem a droga. Logicamente, não
está excluída da hipótese do §3º, o concurso de crimes, já que para oferecer,
teve a droga consigo para consumir. Incidirá, aquele que ofereceu, portanto,
nas penas do art 28; f) A causa de diminuição de pena do §4º refere-se às
condições negativas de o agente não se dedicar às atividades criminosas nem
integrar organização criminosa. O ônus da prova é da acusação. Não
demonstrada a dedicação ou integração no crime organizado, a pena será
diminuída de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário e de
bons antecedentes.

Quais os critérios para gradação da diminuição de pena? A rigor, não podem


ser aqueles previstos no art. 42, que mandam considerar com preponderância
sobre o previsto no art. 59, a natureza ou quantidade da substância ou
produto, a personalidade a conduta social do agente (súmula n. 241 do
STJ,sobre a reincidência). Assim, Greco Filho entende que o art. 42, por ser
lei especial, leva a um sistema não rigorosamente trifásico, devendo o juiz
considerar as circunstâncias preponderantes para todo o bloco de aplicação da
pena. A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, entretanto,
utiliza como critério (como parâmetro para majoração) a natureza ou
quantidade da substância, assim como “pluralidade de agentes”, “habitualidade
na traficância”, “primariedade” etc.

Direito intertemporal:
Retroage o §2º do art. 33, se o processo ou a condenação tiver sido pelas
condutas de induzir, instigar etc. e a condenação se fundamentou no art. 12,
§2º, I, da Lei 6.368.
Retroage o §3º, se o processo ou a condenação for pelo art. 12 ou pelo
art. 16, neste último caso se houve aplicação da pena superior a um ano, ou
se a situação se enquadrar na hipótese específica de oferecer droga
eventualmente e sem objetivo de lucro à pessoa do seu relacionamento para
juntos consumirem.
Retroage a diminuição de pena do §4º do art. 33, se a condenação for pelo
art. 12, §§1º e 2º. Pergunta-se: poderão ser combinadas as leis?

Sobre a não combinação de leis:


1ª Cor.) Na doutrina: Greco Filho. Não se trata de aplicar retroativamente
ou não, a norma, que é mais benéfica. E sim de como aplicá-la. Não há
combinação de leis. O juiz deve calcular a pena com base no art. 12, sem a
redução de pena do §4º. Em seguida, deve refazer o cálculo, em uma simulação,
com base nas penas do art. 33, e sua redução de pena do §4º. Todos os
cálculos levarão em conta as circunstâncias do acusado no caso concreto. Se o
cálculo simulado da Lei n. 11.343 der ensejo a uma pena menor, a lei irá
retroagir. Caso contrário, não. Explica Greco Filho e Rassi: “Exemplifiquemos
primeiro com a pena mínima. O juiz entende, ou entendeu, de aplicar a pena
mínima de três anos porque o fato ou o julgamento está sob o regime da Lei n.
6.368/76, em que não havia a possibilidade de redução. Deve simular uma
aplicação de pena pela nova lei, sendo que aplicaria, então, cinco anos.
Entende também que a redução deveria ser de um sexto, o que levaria a pena a
quatro anos e dois meses, maior, portanto, que é inaplicável porque o fato é
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anterior, permanecendo, em conseqüência a pena de três anos. Se, porém,


entender que, pelas circunstâncias do caso, a redução deveria ser de metade,
a pena seria de dois anos e seis meses, sendo esta, então, a aplicada porque
mais benéfica. Em suma, o juiz deve fazer uma simulação ou recomposição
comparativa entre a pena que seria ou foi aplicada com base na Lei n.
6.368/76, em que não era possível a redução, e a pena que seria aplicada, nas
mesmas circunstâncias, no regime da lei comentada, aplicando a mais
favorável. Para essa operação, pode haver necessidade de prova, que o juiz
determinará tendo em vista sua pertinência”. E na sequência, explicam os
mesmos autores a respeito da retroatividade da pena de multa: “Note-se que
argumentos acima expostos são perfeitamente compatíveis também com a
aplicação da pena de multa, majorada sensivelmente na lei nova. Se
porventura, feita a simulação pelo juiz e este verificar que a aplicação da
diminuição da pena do § 4º, torna a pena privativa de liberdade menor do que
aquela que seria aplicada nos termos do art. 12, mas, no que tange a pena de
multa, esta, ao revés, é maior, deverá ser fixada a pena de multa da lei
antiga (art. 12), juntamente com a pena privativa de liberdade da lei nova
(art. 33, § 4º). Ou seja, tanto para a pena privativa de liberdade como para
a pena de multa, será aplicada aquela que mais for benéfica ao acusado. Não se
argumente que procedendo assim haveria uma combinação dos preceitos
secundários dos dispositivos. Na verdade as penas são distintas, uma com
natureza de prisão e outra de natureza patrimonial, e, portanto, de forma
independente deverão ser aplicadas ao caso concreto. Reafirme-se: a aplicação
é toda da lei vigente que somente retroagirá no que beneficiar o réu”.

2ª Cor.) Não pode haver combinação de leis. “Nota-se, ademais, que a lei
nova contém normas ao mesmo tempo prejudiciais e favoráveis aos réus em
situação como a tratada nestes autos; todavia, o que vem disposto no
parágrafo 4º (norma favorável) fica estritamente vinculado ao caput do art.
33 (norma desfavorável), sendo inviável a repartição dessa mesma norma para
daí extrair somente a parte favorável, desprezando-se a parte desfavorável.
Ora,se a lei nova veio apenar mais severamente o tráfico ilícito de drogas,
não se poderia, desprezando-se a vontade do legislador, promover a redução
que a nova lei previu para situações especiais em função da cominação mais
severa hoje em vigor. A redução da pena de reclusão, permissa venia, viria,
inequivocamente, em sentido contrário à nova orientação legislativa voltada
para a repressão com maior rigor desse tipo de crime hediondo por equiparação
legal. E como ficaria a pretendida redução com relação à pena pecuniária?
Seria altamente discutível pretender-se o fracionamento da lei nova para
aplicação sumária da parte benéfica e ao mesmo tempo a também sumária não
aplicação da parte mais gravosa para o sentenciado. Não seria o caso de
cindir-se a norma referida consubstanciada no art. 33 e seu § 4ª, para fazê-
la retroagir apenas na parte favorável ao réu (a redução da pena), deixando-
se de aplicá-la na parte prejudicial (a cominação de penas mais severas). É
forçoso entender-se, repita-se, que a redução prevista na lei nova está
condicionada, concomitantemente, à cominação e apenação mais gravosas (seja
quanto à pena privativa de liberdade, seja quanto à pena de multa), formando
um todo legislativo que, sendo de caráter material, só poderia ter aplicação
aos fatos pretéritos se fosse mais favorável ao acusado (o efeito “ex tunc”).
(TJSP, Embargos Infringentes nº 993.05.021439-7/50000 – Sorocaba; rel. Des.
Antonio Luiz Pires Neto; j. 26/01/09)

Sobre a combinação de leis:

3ª Cor.) Rogério Sanches Cunha e Luiz Flávio Gomes (Lei de drogas


comentada..., p. 198 e 370-371), André Luís Callegari (Nova lei de drogas –
da combinação de leis (lex tertia) – fato praticado sob a vigência da Lei n.
6368/76 e aplicação da nova Lei n. 11.343/06, Boletim IBCCrim, ano 14, n.
170, p. 6, jan. 2007) e Alberto Silva Franco (Crimes hediondos..., p. 137-
138).
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Abolitio criminis se o processo ou a condenação foi pelo ar. 12, §2º, II,
figura não mais prevista.
Abolitio criminis se o processo ou a condenação foi pelo art. 17, que pune
a violação de sigilo.

14. Art. 34, que incrimina de forma autônoma as condutas relativas aos
maquinários, aparelho, instrumentos ou objetos destinados à fabricação,
preparação, produção ou transformação de drogas. Alterações legislativas:
foram acrescentadas cinco novas figuras, atendendo melhor às recomendações da
Convenção Única de 1961 (utilizar, transportar, oferecer, distribuir e
entregar). A pena privativa de liberdade foi mantida, mas a pena de multa foi
aumentada significativamente, sendo maior do que a prevista no art. 33, em
princípio conduta mais grave, o que é objeto de crítica da doutrina. ∗Atenção:
sobre a hediondez do crime, ver próximo item.

15. O crime de “associação ao tráfico” foi mantido no art. 35. A pena


privativa de liberdade é a mesma do crime anterior (art. 14), sendo aumentada
significativamente a pena de multa. Foi acrescentado o parágrafo único,
punindo a associação para a prática do crime de financiamento do tráfico
(art. 36), com a diferença que, para este, a prática deve ser reiterada,
portanto, habitual (Greco Filho). A lei eliminou o problema que existia em
relação à agravante prevista no antigo art. 18, III, aumentando a pena no
caso de concurso. Como não há disposição similar na lei nova, ou há ânimo
associativo e caracteriza-se o crime do art. 35, ou não, e o concurso não é
mais agravante legal em si mesmo. ∗ Atenção: o STF, na vigência da lei antiga,
já vinha se manifestando no sentido de que o crime de associação ao tráfico
(antigo art. 14, atual 35), não estava abrangido na expressão tráfico de
entorpecentes e drogas afins, que se referia aos crimes equiparados aos
hediondos (Cf., p.ex., HC 83.659/AC, rel. Min. Nelson Jobim). O mesmo vale,
também, para as condutas do art. 13 (atual 34).

16. O crime do art. 36, de financiar ou custear os crimes do art. 33,


caput e §1º, e 34, é novo, sendo o mais grave da lei. Trata-se de uma forma
de participação ao tráfico erigida como crime autônomo e com pena mais grave
(não retroage, portanto). As expressões financiar ou custear são sinônimas?
1ª cor.) Sim, sendo certo que o financiamento abrange moeda ou dinheiro e
não empréstimo de veículos. O fornecimento puro de bens é um dos crimes do
art. 33 e §1º ou 34. Observe que o fornecimento de bens envolva
financiamento, com p.ex., leasing, caso então em que incidirá o dispositivo
(nesse sentido: Greco Filho, Guilherme de Souza Nucci etc.
2ª cor.) Não. Financiar abrange dinheiro e custear é a entrega de bens com
armas, munição, veículos etc. (nesse sentido: Andrey Borges de Mendonça e
Paulo Roberto Galvão de Carvalho).

O crime é habitual?
1ª cor.) Não. A lei refere-se à prática de “um” dos crimes definidos nos
arts. 33 e §1º e 34. Desse modo, mais de um financiamento poderá caracterizar
crime continuado (nesse sentido: Greco Filho, Guilherme de Souza Nucci,
Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho;
2ª cor.) Sim. O sustento deve ser reiterado, habitual, costumeiro (nesse
sentido: Rogério Sanches Cunha).

17. O art. 37 também é um crime novo e pune o colaborador dos crimes


definidos nos arts. 33, caput e §1º e 34 desta Lei. É uma forma de
participação erigida como crime autônomo com pena menor daquela do art. 33,
§1º e art. 34. Assim, haverá retroatividade da norma. Poderá haver concurso
com o crime de corrupção passiva, se o colaborador é funcionário público.
Também não é um crime habitual sendo que, havendo repetição, poderá existir
continuidade delitiva.

Direito intertemporal: retroage se o processo ou a condenação decorre da


participação nessa forma de colaborar como informante.
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18. O art. 38, incriminação que já existia (art. 15), é o único crime
culposo da lei. Contudo, algumas alterações foram feitas. Diferentemente do
crime anterior, que limitava como sujeito ativo o médico, dentista,
farmacêutico ou profissional de enfermagem, pela atual lei pode ser sujeito
ativo qualquer profissional legalmente habilitado para prescrever ou
ministrar droga, como o nutricionista, médico veterinário etc. ∗ Atenção: o
crime continua sendo próprio. Tanto é verdade que o parágrafo único prevê
como efeito da sentença condenatória a comunicação pelo juiz ao Conselho
Federal da categoria que pertença o agente. ∗ Atenção: Quid juris se o
profissional de enfermagem ministra droga a um paciente errado? Pela atual
lei, se a conduta foi culposa, responderá pelo crime em tela. Ministrar por
engano é ministrar sem necessidade (cf. a nova redação do artigo). Sob a
vigência da lei antiga, a solução era outra (lesão corporal ou homicídio
culposo), já que não previa essa hipótese.

19. A lei anterior não previa o crime do art. 39, que é análogo ao art.
306 da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), que consiste em
dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, ou substância de feitos
análogos. Observe-se, entretanto, que o tipo não abrange o álcool. O
dispositivo refere-se tão somente a drogas, entendida esta de acordo com o
art. 1 da Lei (v. item “1” do nosso estudo). Assim, a conduta de quem conduz
embarcações sob o efeito de álcool continua respondendo pela contravenção
penal do art. 34. ∗ Atenção: diferentemente do crime análogo do Código de
Trânsito, não é necessário que o agente esteja embriagado ou sob o efeito da
droga, bastando que a tenha ingerido antes da condução, mas apta a produzir
algum efeito. É um crime de perigo concreto, mas sem a necessidade de
determinação de pessoa colocada em perigo.
Cabe suspensão condicional do processo?
Antes de alterado o art. 291 do CTB, pela Lei n. 11.705/08, Luis Flávio
Gomes entendia que, pelo princípio da igualdade, poderia ser aplicada a lei
n. 9.099, também ao art. 39, apesar de não haver disposição expressa na lei
de drogas. Com a alteração do art. 291, a proibição é expressa inclusive para
os crimes de trânsito. Princípio do nemo tenetur se detegere e a prova
testemunhal: o acusado não pode ser compelido à extração de sangue ou a
realizar outros exames como de urina etc. Se sua negativa poderá provocar
consequências, há divergência na doutrina. Ressalte-se que comprovação do
crime em comento poderá ser feita pela prova testemunhal porque,
diferentemente do crime de trânsito, não é exigido quantidade mínima de
droga.

20. As causas de aumento de pena foram previstas no art. 40, e são


aplicadas aos crimes definidos nos artigos 33 a 37. O aumento é de um sexto a
dois terços. São elas:
transnacionalidade do tráfico (I): a expressão é mais abrangente daquela
anterior que se referia ao tráfico com o exterior. Abrange, assim, um
financiador no Brasil (art. 36) em um tráfico no exterior. A competência é da
Justiça Federal(art. 70 da lei e art. 109, V, da CF). Para saber se a o crime
tem caráter transnacional, utiliza-se do critério da procedência ou natureza
da droga (droga apreendida em embarcação que chega do exterior, ou com
embalagem que prova sua procedência alienígena etc.) ou natureza; Abuso da
função pública (II): confronto com o art. 37 e o crime de corrupção passiva.
Todos os dispositivos coexistem. Se o agente que colabora é funcionário
público e recebe suborno, o crime será do art. 37 em concurso com o art. 317
do CP. Ainda que sendo funcionário público, mas não recebendo nenhuma
vantagem para ser colaborador, o crime será do art. 37, com o aumento de
penal do inc. II.
Lugar como critério para o aumento de pena (III): ∗ Atenção: foi
acrescentando entre os lugares que dão ensejo ao aumento os estabelecimentos
prisionais. E ainda, segundo posição majoritária, não é necessário para
incidência do aumento, em se tratando de estabelecimento de ensino, que o
agente vá fornecer droga nesse lugar, p.ex.. Basta que ele saiba que se
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encontra nas imediações da escola, ainda que não seja esse o lugar visado por
ele;
emprego de violência física ou moral (IV): tráfico interestadual de drogas
(V); menor como prejudicado (VI) ∗ Atenção: confronto com o art. 243 da Lei n.
8.069/90, que pune a venda, o fornecimento, a conduta de ministrar ou
entregar a criança ou adolescentes produtos que possam causar dependência
física ou psíquica. Os produtos que fazem referência o citado artigo estão
excluídas as drogas, assim definidas no art. 1º da lei de drogas, sendo
subsidiário;
financiamento (VII): referido dispositivo é compatível com o art. 36? Sim.
Haverá o art. 36 se o agente não “põe a mão” na atividade de tráfico, e faz
operações aparentemente lícitas para esconder sua verdadeira atividade de
custear o tráfico. Aplica-se o aumento de pena se o agente está no tráfico e
incidir em um dos crimes do art. 33, §1º ou 34, deixando à disposição de
companheiros e partícipes recursos para que estes façam a sua parte na cadeia
do tráfico. Há divergências, porém.

Direito intertemporal: retroage a nova lei reduzindo à pena se o processo


ou condenação teve aplicação da causa de aumento de pena do art. 18, III, da
Lei n. 6368.

Retroage o art. 40, nos casos de condenação por crime da lei n. 6.368 com
o aumento de pena do art. 18, desde que se tratem de hipóteses
correspondentes, já que o aumento mínimo (1/6) é menor do que aquele previsto
na Lei. 6368.

Sobre o procedimento

21. O art. 41 trata da delação premiada. São os requisitos: a) colaboração


efetiva e eficaz, ou seja, capaz de propiciar a identificação dos demais co-
autores ou partícipes e/ou a recuperação total ou parcial do produto; b) a
colaboração deve ser com a investigação policial ou o processo criminal; c) a
redução, direito subjetivo do réu, será dosada de acordo com o grau de
colaboração; d) a redução é ato do juiz, não tem nenhum valor jurídico as
promessas ou acordos feitos com a autoridade policial ou Ministério Público.

22. art. 44: para Greco Filho o artigo traduz, para o campo específico das
drogas, as disposições da Lei dos Crimes Hediondos. São considerados crimes
equiparados a hediondos todos aqueles mencionados no caput do art. 44 (art.
33, caput e §1º, e 34 a 37), por estarem abrangidos na expressão tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins do art. 2º da Lei n. 8072/90.
É vedada a liberdade provisória para os crimes previstos no art. 44?
1ª cor.) Não. A lei 11.464/07 excluiu a proibição da liberdade provisória
do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, sendo aplicável aos crimes de
drogas, por serem equiparados a crimes hediondos. Reforça o entendimento o
fato de que o art. 21 da Lei n. 10.826/03 (Estatuto do Desarmando), foi
declarado inconstitucional pelo Plenário do STF, já que o texto
constitucional não autoriza prisão ex lege ou a priori. Nesse sentido: na
doutrina Alberto Silva Franco e a maioria dos que tratam da lei de drogas. Na
jurisprudência: STF, em decisão recente do Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
HC/MG nº 97976 e STJ, 6ª T., Rel. Min. Paulo Galotti, HC 104968/MG, p.ex..
2ª cor.) Sim. A modificação da Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90), não
influi na Lei de Drogas, que é especial. Na doutrina: Greco Filho e na
jurisprudência STJ, 5ª T., Rel. Min. Laurita Vaz, HC 124412/SP, p.ex., no
TJSP, ver p.ex., julgado da 2ª Câmara, Rel. Des. Antonio Luiz Pirez Neto, HC
n. 990.08.172770-6, de 16 de março de 2009, citando inclusive jurisprudência
do STF.
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23. O art. 394 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, trouxe
a seguinte questão. Após no §2º ter ressalvado a aplicação para leis
especiais (§2º), determina a aplicação dos arts. 395 a 398 do Código
inclusive aos procedimentos nele não regulados (§4º). Para evitar nulidade,
os juízes têm combinado as leis: é dado prazo para defesa preliminar da lei
comentada e, depois, recebe-se a denúncia, podendo ocorrer a absolvição
sumária do art. 397. Na audiência faculta-se ao réu ser interrogado antes ou
depois das testemunhas.

24. Prazo máximo para prisão processual na lei de drogas: (Greco Filho e
Rassi) No caso da lei, sem se considerar eventual prorrogação do parágrafo
único e o exame de dependência do art. 56, § 2º, estima-se que o prazo
alcançará noventa e três dias, cabendo à jurisprudência, porém, a definição
final do tempo, uma vez que poderão ser somados também os prazos cartorários.
Não obstante, segundo nosso cálculo, a contagem se daria da seguinte forma:
trinta dias para a conclusão do inquérito policial (art. 51); dez dias para o
oferecimento da denúncia (acrescentando-se os prazos cartorários de quarenta
e oito horas para autuação e conclusão, mais quarenta e oito horas para
despacho determinando a notificação do acusado, mais quarenta e oito horas
para a expedição de mandado e notificação do acusado) (art. 54); dez dias
para apresentação de defesa preliminar (acrescentando-se o prazo cartorário
de 48 horas para conclusão) (art. 55); 5 dias para decisão do juiz; e
finalmente, mais trinta dias para realização da audiência (art. 55, § 2º),
somando o prazo total de 93 dias.

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