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PSICANALISE E O TRATAMENTO DA DEPENDENCIA QUIMICA

Trabalho de conclusão de curso de Psicanálise Clinica apresentado á Escola de


Psicanálise Sigmund Freud. SBP/MA.
2019

LUIZ CARLOS SANTANA CARVALHO


Pedagogo formado pela Universidade Metodista de São Paulo.
E-mail de contato:
luiz.carvalhopr@gmail.com

Resumo

A estrutura deste artigo tem como objetivo conhecer as causas ou motivos que
levam um sujeito ao uso abusivo de drogas. Com o foco voltado á teoria e ao
método da clinica psicanalítica. A composição do presente artigo resultou de
pesquisas nas bases de dados SciELO, LiLACS, PePSIC, tendo como critérios a
seleção dos trabalhos, sua contribuição para o entendimento das causas da
drogadição e clinica psicanalítica.

Palavras-chave: Uso de drogas; adicção; clinica; psicanálise.

1. Introdução
Na atualidade é cada vez maior o numero de dependentes químicos, é um
problema que tem atingindo todas as classes sociais e econômicas e pessoas de
todas as idades, atingindo principalmente os mas jovens.
O aumento do numero de casos de dependência química, tem despertado o
interesse pelo estudo da toxicomania. Pesquisas e estudos mostram que são muitos
os fatores que levam o sujeito á dependência química: fatores biológicos, culturais,
sociais e emocionais.
Apoiando-nos nas contribuições de Freud, apesar de que ele não tenha
desenvolvido o tema de modo sistemático em um único trabalho ou estudo, em
vários momentos em sua obra menciona a toxicomania e nos fornece elementos
para pensarmos na natureza, na função e tratamento da toxicomania, sendo este o
objetivo deste artigo.

2. Causas da dependência química

Em nossa pesquisa encontramos algumas causas para o abuso de


substancias químicas utilizada pelo sujeito. É sabido que até meados do século XIX
a dependência química era atribuída a uma falha moral ou deficiência de caráter.
Com o avanço das pesquisas hoje a dependência química é considerada doença
pela OMS.

2.1 A psicanálise nos auxilia a compreender os mecanismos psíquicos


envolvidos no processo patológico das drogas. Na visão psicanalítica á busca
incessante pelas drogas é uma resposta possível do sujeito ao mal estar próprio, ao
processo de formação das sociedades e culturas, como também á própria formação
psíquica do sujeito. É o desejo de não sentir dor:

Tal como nos foi imposta, a vida resulta demasiado pesada, nos
fazendo deparar-nos com sofrimentos, decepções, empreendimentos
impossíveis. Para poder suportá-la, não podemos prescindir de paliativos.
Existem três tipos: os entretenimentos intensos, que fazem a nossa miséria
parecer menor; as satisfações substitutivas, que a reduzem; e os narcóticos,
que nos tornam insensíveis a ela. Qualquer um desses remédios acaba sendo
indispensável. (Freud, 1930/1996b, p.83)
De acordo com Freud, as decepções, o sofrimento e desejos não realizados ou
impossíveis, geram frustrações e a vida torna-se demasiada pesada, e a fim de
suportar a dor, o sujeito lança mão do que Freud chama de medidas paliativas, que
de acordo com o texto citado são: os entretimentos intensos, as satisfações
substitutivas e substancias tóxicas ou narcóticos. O que nos leva a entendermos que
a dependência ás drogas é uma fuga da realidade e um desejo desesperado de
não sentir dor. Diferente dos usuários esporádicos, o toxicômano por mas que tenha
sua vida prejudicada pelo uso de drogas, não consegue dela abster-se por longo
período. Freud refere-se a este fenômeno utilizando o termo “intoxicação” e
“intoxicação crônica”

Devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer, mas


também um grau altamente desejado de independência do mundo externo,
pois sabe-se que, com o auxílio desse ‘amortecedor de preocupações’, é
possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar
refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade.
Sabe-se igualmente que é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que
determina o seu perigo e a sua capacidade de causar danos. (Freud,
1930/1996i, p. 86).

Como podemos observar a tese fundamento de Freud é que a toda e qualquer


modalidade de vício bioquímico ou droga por parte de um sujeito, visa uma fuga
dos sofrimentos ou seja um “amortecedor de preocupações”.

2.2 No entanto na sua obra observamos outras funções das drogas, a


satisfação sexual enquanto atividade auto-erótica, tendo uma ligação com a
masturbação.

“Tem me ocorrido que a masturbação é o primeiro e único dos


grandes hábitos, a “protomania”, e que todas as demais adicções, como a do
álcool, da morfina, do tabaco, etc., só aparecem na vida como substitutos e
deslocamentos daquela. A importância que esta adicção tem na histeria é
realmente prodigiosa, e talvez origine-se aqui – em parte ou totalmente – o
meu magno obstáculo, ainda desconhecido.” (Freud, 1897, como citado em
Gurfinkel, 1996, p.148).

Observamos aqui que Freud, relaciona todas as dependências do consumo


regular de uma determinada substância (droga, tabaco, medicamento, etc.) ou a
pratica constante de uma atividade com o auto-erotismo, ou seja, a masturbação.

2,3 Outro mecanismo psíquico envolvido na dependência química é que a


toxicomania pode se interpretada como uma fixação oral que é definida como uma
condição em que a pessoas tem uma obsessão inconsciente com a sua boca. O
estagio oral é explicada por Sigmund Freud como algo relacionado à experiência
de infância de uma pessoa, tem duração de cerca de um ano e meio. É nesse
momento em que as crianças estão preocupadas com sucção, e também aceitam
qualquer coisa colocada na boca. O caráter oral pode ser satisfeito, exagerado ou
frustrado. Quando uma criança é satisfeita, os impulsos normalmente são
cumpridos. Assim, ela supera a fase oral e não permanece com traços de
personalidade que são desagradáveis, como ser dependentes dos outros ou de
alguma substancia química.
A primeira contribuição psicanalítica para o entendimento da
dependência química foi dada por Freud (1905) em seu trabalho: “O Chiste e
sua Relação com o Inconsciente”. Freud associou a drogadição com a
satisfação de necessidades infantis primárias (KALINA, 1999). Postulou que
a origem das drogadições está na fase oral do desenvolvimento. Assim, a
toxicomania pode ser interpretada como uma fixação oral. A maior
contribuição de Freud, nesse caso, foi descrever a dinâmica da oralidade que
inclui aspectos como a intolerância a espera na satisfação de desejos e a
importância da fixação e da regressão (SILVEIRA FILHO, 1995).

A dependência química é aqui associada com a satisfação de necessidades


infantis primarias, em outras palavras a droga neutraliza o “superego”, deixando o
“ego” livre, que leva o sujeito a um processo regressivo, que faz do mesmo uma
criança narcisista.

2,4 Nas ciências biológicas as causa do consumo abusivo de drogas, baseiam-


se na idéia de predisposição orgânica e hereditariedade de alguns sujeitos. No
texto abaixo, podemos ter um entendimento dos fundamentos das ciências
biológicas:

[...] a insanidade hereditária deve-se à transmissão de pai para filho,


não de pensamentos anormais, mas sim do próprio tecido cerebral mórbido,
onde originam-se tais pensamentos. De maneia similar, o bebedor não
transmite a sua prole o desejo intenso pelo álcool, mas sim o tecido corporal
orgânico anormal, que dá origem a este desejo (HARLEY, 1884 apud
BERRIDGE, 1994, p. 18).

A associação entre hereditariedade e dependência continua a ser pesquisadas.


Neste sentido a dependência química é comparada a doenças como a hipertensão
e o diabetes, em decorrência da herança genética. O problema desta tese é a idéia
da ausência de responsabilidade do sujeito sobre seus atos e impotência diante da
dependência.

2,5 Outra teoria que visa explicar a dependência é a teoria comportamental.


Que parte da premissa que todo comportamento é conseqüência da interação do
individuo com seu ambiente ou contexto social ou seja a dependência química
resulta de uma interação complexa entre cognições (pensamentos, crenças, idéias,
valores, opiniões, e expectativas); comportamentos; emoções; relacionamentos
familiares, sociais e influencias culturais.
Diante do exposto, percebemos que os estudos sobre a etiologia das
dependências químicas encontram diversos caminhos a serem percorridos dentro
da psicanálise, psicologia e medicina.

3. Clinica
A clínica da toxicomania tornou-se grande desafio lançado à psicanálise, sendo
que o primeiro desafio do analista é estabelecer um vinculo terapêutico com o
paciente. Para que o tratamento seja positivo é necessária a formação do par
analítico. Porém estabelecer este vínculo não e tarefa fácil, pois muitas vezes o
dependente cria situações para ser abandonados e assim continuar reeditando o
trauma vivenciado. Outro desafio é desviar o foco do objeto, visto que quando o
sujeito chega a clinica só consegue falar de si a partir do uso que faz das drogas. É
preciso que o sujeito venha a deparar com o mal estar, com o vazio, para que a
angustia possa surgir e construir a demanda da psicanálise ao sujeito inconsciente.

Pois a necessidade sexual, uma vez despertada e satisfeita por algum


tempo, não pode mais ser silenciada; só pode ser deslocada por outro
caminho. Aliás, o mesmo se aplica a todos os tratamentos para romper com
um vício. Seu sucesso será apenas aparente enquanto o médico se contentar
em privar seus pacientes da substância narcótica, sem se importar com a
fonte de que brota sua necessidade imperativa. O “hábito” é uma simples
palavra, sem nenhum valor explicativo. Nem todos os que têm oportunidade
de tomar morfina, cocaína, hidrato de cloral etc. por algum tempo adquirem
dessa forma um “vício”. A pesquisa mais minuciosa geralmente mostra que
esses narcóticos visam a servir – direta ou indiretamente – de substitutos da
falta de satisfação sexual; e sempre que a vida sexual normal não pode mais
ser restabelecida, podemos contar, com certeza, com uma recaída do
paciente. (Freud, 1898/1996ª, p.262).

O sujeito inconsciente é que precisa ser tratado. O psicanalista necessita dar


importância “a fonte de que brota a necessidade imperativa” de seu analisando.
Após as entrevistas preliminares o analista, avalia a capacidade do paciente para
trabalhar na situação psicanalítica, com a associação livre. Neste processo o
paciente fala livremente sobre o que lhe surge no momento, podendo relatar sonhos
e outros acontecimentos da vida cotidiana. É através da associação livre que é
produzido o material da situação analítica. No decorrer da analise surgem as
resistências, é tarefa do analista, analisar tais resistências para restabelecer o uso
adequado da associação livre. A resistência está presente deste o começo até o fim
do tratamento. As resistências se opõem ao analista, ao trabalho analítico e ao ego
racional do paciente. A terapia psicanalítica se caracteriza pela analise sistemática e
completa das resistências. A causa imediata da resistência é sempre evitar algum
efeito doloroso como a ansiedade, culpa e ou vergonha. Para chegar à associação
livre o paciente deve ser capaz de regredir em seu raciocínio, deixar as coisas
surgirem passivamente, abandonar o controle de seus pensamentos e emoções e
renunciar, parcialmente, ao seu teste de realidade. Produzindo o material da
situação analítica, segue-se a análise deste, que em geral inclui quatro
procedimentos diferentes: Confrontação, esclarecimento, interpretação e
elaboração. Em geral é necessário tempo para estabelecer mudanças profundas no
comportamento

Conclusão

Podemos concluir com a realização da presente pesquisa que o uso de


substancias tóxicas é tão antigo quanto o homem, os primeiros vestígios da
drogadição foram presenciados em varias culturas e cultos primitivos. Devido ás
mudanças em relação ao modo de produção, apesar da repressão por parte das
autoridades as drogas são comercializadas e adquiridas com certa facilidade,
aumentando assim de forma assustadora o numero de dependentes químicos .
Este artigo permitiu a construção de conhecimentos acerca das causas da
dependência química e o tratamento do dependente através da psicanálise. Para
finalizar, caberia citar Eunice Pereira(2015):

A intervenção analítica tem como objetivo oferecer elementos e


condições para que o paciente funcione de maneira mais equilibrada e
integrada o seu aparelho psíquico. É possibilitar a ampliação das capacidades
processuais do psiquismo em lidar com suas experiências emocionais sem
uso excessivo de defesas neuróticas e sem o recurso à psicose como defesa
estruturada. O cuidar é propiciar ao paciente uma possibilidade de fazer sua
vida ter sentido. Este fazer sentido requer em oposição aos excessos
traumáticos da passionalidade primitiva e extrema que uma vida simples
comporta. “A existência humana transcorre longe da perfeição, da
estabilidade e da permanência”. (Pereira, Eunice)
REFERÊNCIAS

Berridge, Virginia. Dependência: história dos conceitos e teorias. In: GRIFFITH, Edwards; LADER,
Malcolm. A natureza da dependência química. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. p. 13-34.

Freud, S. (1996a) A sexualidade na etiologia das neuroses. In: Edição Standard Brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, v. III, 1ª ed. (pp. 249- 270). (J. Salomão, dir. da Trad.). RJ:
Imago Ed. (Trabalho original publicado em 1898).

Freud, S.(1996b) O mal-estar na civilização. In Edição Standard Brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud, v. XXI, 1ª ed. (pp. 67-148). (J. Salomão, dir. da Trad.). RJ: Imago Ed.
(Trabalho original publicado em 1930).

Gurfinkel, D. (1996) A pulsão e seu objeto-droga: estudo psicanalítico sobre a toxicomania.


Petrópolis: Vozes.

Kalina, E.; Kovadloff, S.; Roin, P. M.; Serran, J. C.; Cesarmen, F. Drogadição hoje: individuo, família
e sociedade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

Pereira, Eunice. O que a psicanálise diz sobre a Dependência Química. Disponível em:
https://psicologosdebotucatu.wordpress.com/2015/10/19/o-que-a-psicanalise-diz-sobre-a-dependencia-
quimica/

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