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Nota Prévia:

Estes são os apontamentos semanais das aulas práticas de DIREITO PENAL,


disponibilizados pela Comissão de Curso dos alunos do 2o ano da licenciatura em Direito
da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, para o mandato de 2022/2023.

Foram elaborados pelo aluno Guilherme Tarrinha, tendo por base as aulas e documentos
disponibilizados pela docente Francisca Silva. Salienta-se que estes apontamentos são
apenas complementos de estudo, não sendo dispensada, por isso, a leitura das obras
obrigatórias e a presença nas aulas.
Índice

Caso prático nº 11..............................................................................................................4

Caso prático nº 12..............................................................................................................4

Caso prático nº 13..............................................................................................................8

Caso prático nº 14..............................................................................................................9


Caso prático nº 11 – conclusão

Resolução da alínea

c) Tendo em conta que Portugal baseia a sua competência no princípio da


territorialidade, não se aplica o ne bis in idem, pelo que o agente pode voltar a ser
julgado e condenado em Portugal; assim, e não obstante a possibilidade de voltar
a ser julgado e condenado, aplica-se o princípio do desconto, previsto no artigo
82º do Código Penal, segundo o qual se descontará à pena portuguesa o período
de tempo que o agente cumpriu no Chile.

Caso prático nº 12

Enquadramento: imputação objetiva

O “tipo” do crime tem uma vertente objetiva e subjetiva.

Em relação à vertente objetiva, os seus elementos são o agente, a conduta e o bem jurídico:

 Agente – em regra, é uma pessoa singular, mas pode ser um ente coletivo ; durante
muito tempo, foi negada a responsabilidade penal a estes entes, devido a dois
obstáculos, a incapacidade de ação e a incapacidade de culpa; contudo, o
surgimento de uma criminalidade complexa e orgnaizada possibilitou que se
responsabilizasse os entes coletivos.
 Conduta – tem que se tratar de um comportamento humano e voluntário; esta
definição permite-nos excluir os comportamentos dos animais, os fenómenos da
natureza, os atos praticados sob coação ou os atos praticados em estado de
inconsciência (sonambulismo e hipnose).
 Bem jurídico – é a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na
manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem socialmente
relevante e juridicamente reconhecido como valioso.

Relativamente ao agente, podemos classificar os crimes como:

 Crimes comuns
 Crimes específicos – puros ou próprios e impuros ou impróprios

Relativamente à conduta, podemos classificar os crimes como:

 Crimes materiais ou de resultado


 Crimes formais ou de mera atividade
 Crimes de execução vinculada
 Crimes de execução livre

Relativamente ao bem jurídico, podemos classificá-los como:

 Crimes de perigo - perigo concreto ou perigo abstrato


 Crimes de dano

O problema da imputação objetiva coloca-se quanto aos crimes materiais ou de resultado,


cuja consumação necessita da produção de um resultado.

Quando falamos de imputação objetiva, procuramos saber quais são os requisitos que
precisam de estar preenchidos para que possamos concluir que o resultado foi produzido
pela ação.

Para resolver casos sobre imputação objetiva, necessitamos de hierarquizar três teorias:

1. Teoria das condições equivalentes – segundo este “degrau”, podemos afirmar a


imputação do resultado à conduta sempre que existir um nexo de causalidade, isto é,
sempre que a conduta for causa do resultado; qualquer conduta é uma causa de
resultado se for uma condição sem a qual o resultado não se teria produzido; assim, o
juiz deveria voltar ao passado e inferir se, retirando a conduta, o resultado seria ou
não produzido;
Esta teoria peca por ser muito abrangente, dado que implica que seja abrangida uma
infinidade de condições, pelo que foi construído um segundo “degrau”, o da teoria da
adequação.
2. Teoria da adequação – nesta teoria, vamos procurar aferir se existe, entre a conduta
e o resultado, um nexo de adequação; haverá imputação do resultado à conduta, à luz
desta teoria, quando, de acordo com as regras de experiência (os conhecimentos gerais
e especiais do agente), o resultado for uma consequência possível e previsível da
conduta; o juiz deveria regressar mentalmente ao passado para aferir se, tendo em
conta aquela experiência, o resultado era uma consequência previsível da conduta
Não sendo suficiente, recorre-se à teoria da conexão do risco.
3. Teoria da conexão do risco – esta teoria está pensada para certas atividades
especialmente perigosas, que colocam certos problemas de imputação objetiva que
não podem ser solucionados à luz da teoria da adequação.
Neste “degrau”, existem quatro corretores:
 Risco permitido – este corretor exclui a imputação do resultado à conduta
sempre que o agente atuar num domínio que convoca riscos, em conformidade
com as normas de cuidado desse setor.
 Diminuição do risco – este corretor permite excluir a imputação do resultado
à conduta sempre que o agente tiver atuado para evitar um mal maior.
 Comportamento lícito alternativo – no âmbito deste corretor, vamos excluir
a imputação sempre que, apesar de existir nexo de adequação, se provar que,
mesmo tendo o agente adotado um comportamento lícito, o resultado se
produziria.
 Âmbito de proteção da norma – aqui, vamos excluir a imputação sempre
que o perigo que se concretizou na verificação do resultado não estiver
compreendido no âmbito de proteção da norma.

Este é o percurso que a doutrina maioritária percorre no âmbito da imputação objetiva.

No entanto, o Professor Almeida Costa apresenta uma alternativa. Segundo o professor,


o problema da imputação objetiva prende-se com saber se existe um nexo entre o agente
e a conduta, portanto poderá funcionar tanto para os crimes de resultado ou materiais
como também para os crimes de mera atividade ou formais.

Entende, também, que deve haver um critério para os crimes dolosos e um critério para
os crimes negligentes:

 Crimes dolosos – critério do domínio do facto, segundo o qual haverá imputação


sempre que é da vontade do agente que depende o “se”, “como” e “quando” da
verificação do crime; no âmbito dos crimes dolosos, haverá domínio de facto se
concluírmos que o crime foi obra do agente.
 Crimes negligentes – critério da violação de um dever objetivo de cuidado, que
permite que o nexo de imputação se afirme sempre o agente tiver violado um
dever de cuidado, isto é, sempre que o agente tiver sido descuidado ou leviano, e
este descuido ou leviandade forem evitáveis.

Ainda, existem três casos especiais:

 Interrupção do nexo causal – existem dois processos causais, levados a cabo por
dois agentes, de forma autónoma, e que concorrem para a produção do mesmo
resultado, mas um dos agentes antecipa-se na produção do resultado,
interrompendo o processo causal do outro.
Exemplo: A e B querem matar C, mas a dose de A é mais potente que a de B. C
vem a morrer.
Em relação ao agente que antecipou o resultado, haverá punição por consumação,
enquanto que o outro agente é punido pela tentativa.
 Causalidade comulativa – quando dois agentes levam a cabo dois processos
causais, mas nenhum dos contributos é suficiente para a consumação do resultado,
só através da comulação dos contributos é que o resultado se produziria.
Podem verificar-se três situações:
- Se nenhum dos agentes conhecer o plano do outro, ambos são punidos por
tentativa;
- Se existia uma combinação entre ambos, há co-autoria, pelo que ambos devem
ser punidos por consumação;
- Se um deles conhecia o plano do outro e esse desconhecia o plano, aquele que
conhecia o plano do outro será punido por consumação, ao passo que o que
desconhecia será punido por tentativa.
 Causalidade alternativa – nesta hipótese, temos dois agentes que levam a cabo
dois processos causais, de forma autónoma, e com vista à produção de um
resultado; o resultado vem a produzir-se, mas não é possível apurar a qual das
condutas se ficou a dever.
Exemplo: A e B querem matar C com um tiro. A atinge C na cabeça e B atinge C
no coração.
Qualquer uma destas condutas produziria o resultado morte, mas não se consegue
provar qual dos tiros é responsável.
O Professor Almeida Costa entende que a punição por tentativa só se deve
verificar nas situações de menor alarme social, caso em que haverá atenuação da
pena; se o resultado se verificou, o Professor, ao contrário da doutrina maioritária,
entende que ambos devem ser punidos por consumação.

Resolução

Começando pelo primeiro “degrau”, vamos ter que aferir se existe um nexo de
causalidade, ou seja, se, eliminando a conduta de D, a fratura na coluna cervical de F se
verificaria.
Neste caso, e à luz da teoria das condições equivalentes, existiria imputação do resultado
à conduta, dado que, sem a conduta de D, F não teria caído na banheira.

Em relação à teoria da adequação, temos que verificar se seria previsível para um


canalizador que, perfurando o chão da casa de banho, ocorresse um curto circuito e,
consequentemente, fosse produzido um estrondo. Deste modo, excluímos a imputação do
resultado à conduta.

Assim, não avançaríamos para o próximo “degrau”, o da teoria da conexão do risco.

Se recorrêssemos ao critério do Professor Almeida Costa, o da violação de um dever


objetivo de cuidado, não haveria imputação do resultado à conduta, visto que o agente
não foi leviano ou descuidado na sua conduta.

Caso prático nº 13

Enquadramento: imputação objetiva

1. Teremos que percorrer o percurso das teorias.


No primeiro patamar, o da teoria das condições equivalentes, temos que verificar
se existe um nexo de causalidade, isto é, se a conduta é causa do resultado. Neste
caso, se C não tivesse ido trabalhar sem os equipamentos que D lhe deveria ter
fornecido, não teria morrido.
Em segundo lugar, e relativamente à teoria da adequação, teremos que verificar
se o resultado era consequência previsível da conduta. No caso, é previsível que,
indo trabalhar sem o equipamento de proteção, o sujeito sofra um acidente,
havendo, portanto, um nexo de adequação.
Por fim, e em relação à teoria da conexão do risco, verifica-se o terceiro corretor,
o do comportamento lícito alternativo, dado que, mesmo que estivesse a trabalhar
com os equipamentos de segurança, o resultado ter-se-ia produzido, o que resulta
na exclusão da imputação do resultado à conduta por via deste corretor do
comportamento lícito alternativo.
Como vimos, apesar de não haver desvalor do resultado, há desvalor da ação, pelo
que fica ressalvada a punição a título de tentativa, ou seja, o sujeito poderia ser
punido pela tentativa, no caso do crime ser doloso (se o crime for negligente, não
pode haver punição a título de tentativa).
Na perspetiva do Professor Almeida Costa, se o agente tivesse atuado com dolo,
deveríamos adotar o critério do domínio do facto, mas se tivesse atuado de forma
negligente, dever-se-ia adotar o critério da violação de um dever objetivo de
cuidado.
Se D tivesse atuado negligentemente, não fornecendo o equipamento de segurança
a C, teria havido uma violação de um dever objetivo de cuidado, pelo que o
resultado seria imputado à conduta de D.
2. Temos aqui uma hipótese especial de imputação objetiva, uma hipótese de
causalidade cumulativa, dado que temos dois agentes que pretendiam um
resultado, a morte de C. Este resultado verifica-se, mas é apurado que foi através
da conjugação das condutas de D e E que o resultado foi produzido.
Se nenhum dos agentes conhecesse o plano de atuação do outro, ambos seriam
punidos pela tentativa.
Se, por outro lado, os dois conhecessem o plano do outro, haveria punição por
consumação.
Se um conhecesse o plano do outro mas esse tivesse desconhecimento do plano
daquele, o primeiro seria punido por consumação e o segundo por tentativa.

Caso prático nº 14

Enquadramento: imputação objetiva

Temos um caso especial de imputação objetiva, neste caso uma hipótese de causalidade
alternativa, que se verifica quando dois agentes levam a cabo dois processos causais
autonomamente, concorrendo para a produção de um resultado, em relação ao qual não
se consegue verificar qual das condutas foi causa.

Nestes casos, ambos os agentes são punidos por tentativa, apesar do Professor Almeida
Costa considerar que, tendo-se verificado o resultado, não deveria haver punição pela
tentativa, mas sim por consumação.

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