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Beatriz P.

| 2019/20

AÇÃO PENALMENTE RELEVANTE

1. Questionar se é penalmente relevante

2. Quanto a este tópico, apontam-se, tradicionalmente, as orientações de três escolas:


o Clássica – Há ação quando haja movimento corporal determinante de uma
modificação no mundo exterior, ligada causalmente à vontade do agente.
Crítica: O conceito de ação, aparentemente muito amplo – todo e qualquer
comportamento comandado pela vontade passa o primeiro nível – não é tão
amplo assim, uma vez que exige um movimento corpóreo, deixando de fora os
comportamentos omissivos, os quais se caracterizam justamente por não
provocar qualquer alteração no mundo exterior. Ora, desde sempre que os
comportamentos omissivos são considerados crimes.
Não abrange bem comportamentos que são crimes apenas pelo seu significado
de bens jurídicos em termos sociais (ex.: injúria).

o Neoclássica – A ação é um comportamento humano determinante de uma


modificação no mundo exterior, ligado à vontade do agente e com significado/
relevância social (de influência neokantiana – a origem do conhecimento reside
nos valores e na cultura).
Crítica: Do ponto de vista lógico, a sua conceção de ação é demasiado ampla.
Poderemos considerar os meros pensamentos ações?
Não é possível, de maneira nenhuma, distinguir entre comportamentos ativos
e omissivos? Isto parece inaceitável do ponto de vista do sistema (até do
sistema constitucional) – não podemos valorar da mesma maneira estas duas
realidades. Não deve ser deixada às valorações ínsitas no sistema essa distinção.

o Finalista – A ação é a supradeterminação final de um processo causal. Na


prática, Welzel quer mostrar que os comportamentos responsáveis são
comportamentos que têm um significado ôntico de finalidade, finalidade essa
que está ínsita em as pessoas saberem o que estão a fazer e conduzirem esse
comportamento para um determinado fim (“matar uma pessoa nunca é o
mesmo que matar uma mosa” – erros sobre as causas de justificação são
irrelevantes).
Crítica: Casos de erro sobre as causas de justificação.

3. A metodologia
Seguimos a orientação da professora Maria Fernanda Palma, na medida em que
considera que a definição analítica de crime deve ser o ponto de partida numa
metodologia de decisão penal. Há uma sólida tradição continental europeia no sentido
de fazer aquela análise, uma vez que esta nos permite mais objetividade, menor
arbitrariedade de caso para caso e dá-nos um critério geral para a definição do crime.
Não é uma metodologia meramente teórica e conceptualista. Fornece critérios que
permitem ir selecionando as categorias do facto que o permitem qualificar-se como
crime.
Seguimos ainda a sua posição no sentido de entender a ação como o conceito básico de
qualificação do comportamento que vai comandar todos os outros critérios. O facto tem
de exibir características que demonstrem haver uma base comportamental para atribuir
Beatriz P. | 2019/20

responsabilidade: características de objetividade como a exterioridade,


controlabilidade (domínio do percurso do comportamento para dado objetivo) e
evitabilidade (possibilidade, desde início, de se conformar com a norma). Neste ponto,
alia-se, de certa forma, ao pensamento funcionalista, segundo o qual só a punição dos
comportamentos evitáveis, por um lado, adverte os seus destinatários de que não os
podem realizar e, por outro, reforçam a confiança da comunidade no sistema (não
obstante apontar a esta doutrina as devidas críticas, no sentido de que prescinde de
facetas da cultura e da vida fundamentais, a partir do momento em que não sejam
funcionais).
Sendo que a Professora salienta a necessidade de não referir os juízos de
controlabilidade e evitabilidade à figura do homem médio – não é o Direito que
determina a evitabilidade e controlabilidade, antes tem, neste ponto, de aceitar as
estruturas sociais e conhecimentos científicos sobre o comportamento humano. Isto,
porque apenas os comportamentos livres e responsáveis poderão ser qualificados como
típicos, ilícitos e culposos.

4. A professora salienta como funções que o conceito de ação deve desempenhar a


sistemática e a delimitativa
Sistemática: O conceito de ação é a base que estabelece a articulação entre os vários
elementos do conceito de crime.
Delimitativa: Permite destrinçar quais as ações que são ou não penalmente relevantes.

5. Tendo em conta tudo isto, estaremos perante um ato reflexo?


Reação endógena que surge como efeito de uma solicitação exterior que nós não
controlamos e que provoca o mesmo efeito independentemente da pessoa
(característica da universalidade). Estes atos não podem sequer ser assimilados pela
vontade.

6. Estaremos perante um automatismo?


Nos automatismos, há uma supressão da consciência, a qual é, na verdade, desejada.
Como acontece quando conduzimos ou andamos, convém que o movimento seja
comandado por uma certa automaticidade. Tratam-se de tarefas em que a consciência
não é bem-vinda, porque faz o agente hesitar.
A ciência tem demonstrado, contudo, que a finalidade caracterizadora da ação não exige
uma consciência reflexiva e controladora de todo o processo comportamental. Os
automatismos são produto da experiência e aprendizagem, pelo que ainda poderá haver
uma ação final, na medida em que há um controlo possibilitado por essa mesma
experiência. Quando treinamos os automatismos, treinamos também a interrupção dos
mesmos.
Cabe ainda dizer que temos automatismos instintivos (reações a um fator exterior que
têm um cunho essencialmente reativo, muito embora não sejam marcadas pela
universalidade) e automatismos rotineiros (comportamentos determinados pela
experiência do agente). Os primeiros são mais suscetíveis de não serem considerados
ações (em cenários de concreta imprevisibilidade da ocorrência de um estímulo
exterior) do que os segundos. O automatismo previsível integra uma conduta voluntária.
Num patamar anterior ainda, salienta JAKOBS, tem de ser concretamente possível agir
para evitar o que sucedeu (ex.: haver tempo suficiente entre o momento do estímulo e
o da verificação do resultado para virar o volante).
Beatriz P. | 2019/20

7. Estaremos perante um caso de hipnose, sonambulismo ou efeito de certas


substâncias?
Nestes casos, há um domínio do corpo sobre a consciência.

Nota: Nomeadamente, no que diz respeito à ingestão de bebidas alcoólicas ou consumo


de estupefacientes, abre-se sempre a hipótese de aquele estado não ter causado uma
perturbação total do controlo sobre o corpo e a capacidade de reconhecimento dos
atos, pelo que não haverá discussão nesses casos.

No entanto, quando o agente tiver pretendido utilizar esse estado para praticar o
facto, esses factos já serão ações penalmente relevantes – doutrina das actiones liberae
in causa (ação livre na causa) – enquadrando-se na previsão do art. 20º/4 CP.

MFP → Acrescenta ainda que também são ações penalmente relevantes os atos
praticados inconscientemente, quando, não obstante o agente não se ter colocado
intencionalmente naquele estado para praticar esse facto, fosse previsível que isso
sucederia.
Do 20º/4, contudo, parece que esses comportamentos não poderão mais tarde ser
imputados ao agente, devendo este ser punido pelo ato de autocolocação em estado
de embriaguez, conforme o artigo 295º CP.

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