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Nota Prévia

Estes são os apontamentos semanais das aulas práticas de DIREITO PENAL,


disponibilizados pela Comissão de Curso dos alunos do 2º ano da licenciatura em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, para o mandato de
2022/2023.

Foram elaborados pelo aluno Guilherme Tarrinha, tendo por base as aulas e documentos
disponibilizados pela docente Francisca Silva.

Salienta-se que estes apontamentos são apenas complementos de estudo, não sendo
dispensada, por isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.

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Índice

Definição de Direito Penal.............................................................................................. 2

Que consequências jurídicas prevê o ordenamento jurídico-penal?................................ 2

Quais as penas que o nosso ordenamento jurídico-penal prevê?......................................3

Definição/Conceito material de crime..............................................................................4

O que é um bem jurídico?.................................................................................................4

Responsabilidade civil.......................................................................................................5

Funções do Direito Penal – Welzel.................................................................................. 6

Conceito material de crime............................................................................................... 6

Teorias dos fins das reações criminais/penas..................................................................... 7

Teorias absolutas (doutrinas retributivas)............................................................. 7

Teorias relativas (doutrinas preventivas)............................................................... 8

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Aula de 20/10

O que é o Direito Penal?

O Direito Penal é um ramo de Direito Público, de acordo com o critério dos interesses,
segundo o qual o Direito Privado prossegue interesses privados e o Direito Público
prossegue interesses públicos; este critério foi, entretanto, corrigido, estando agora
formulado com base na predominância dos interesses, ou seja, o Direito Privado
prossegue, predominantemente, interesses privados, enquanto o Direito Público
prossegue interesses predominantemente públicos.

No entanto, este critério provou-se insuficiente, tendo surgido o critério da qualidade dos
sujeitos, segundo o qual o Direito Privado tutela relações entre particulares e o Direito
Público tutela relações entre entes públicos.

Ainda assim, também este último critério tem provado não ser suficiente, o que fez surgir
o critério da posição relativa dos sujeitos, que postula que o Direito Público regula
relações entre dois sujeitos, em que um deles está numa posição de supremacia em relação
ao outro, em virtude de estar revestido de ius imperii, ao passo que o Direito Privado
regula relações entre sujeitos em situação de paridade.

O Direito Penal é um ramo de Direito que define os crimes e associa-lhes determinadas


penas – definição formal.

Que consequências jurídicas prevê o ordenamento jurídico-penal?

 Penas: aplicam-se a imputáveis (agentes que agem com culpa)


 Medidas de segurança: aplicam-se a inimputáveis (agentes não passíveis de juízo
de culpa, sendo apenas a perigosidade tida em causa)

A pena é o elemento sancionatório mais relevante, quer de um ponto de vista quantitativo


como de um ponto de vista qualitativo. Em bom rigor, apenas os sujeitos que agem com
culpa e que são sancionados com penas praticam crimes; já os agentes inimputáveis, que
agem sem culpa e que são sancionados com medidas de segurança, praticam ilícitos
típicos.

Porque é que só os imputáveis praticam crimes?

O conceito de crime decompõe-se em cinco elementos constitutivos:

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 Ação/Omissão
 Tipicidade
 Ilicitude
 Culpa (o agente que age sem culpa não pratica um crime – inimputável)
 Punibilidade

Quais as penas que o nosso ordenamento jurídico-penal prevê?

1. Penas principais
1.1. Pena de prisão
1.2. Pena de multa (não se confunde com a coima, que é uma sanção
contraordenacional e aplicada por uma entidade administrativa, ao passo que
a multa é uma sanção criminal, decorrente da prática de um crime e aplicada
por um tribunal)
2. Penas acessórias
Encontram-se previstas nos artigos 65º e seguintes do Código Penal e aplicam-se
em conjunto com uma pena principal, não podendo ser aplicadas isoladamente
(geralmente, aplicam-se em relação a crimes cometidos com automóveis –
proibição de condução de veículos com motor → artigo 69º)
3. Penas de substituição
Visam substituir uma pena principal (exemplo da pena suspensa, que substitui a
pena principal de prisão)

Deve designar-se Direito Penal ou Direito Criminal?

Ambas as expressões são corretas, porém incompletas, dado que a designação “Direito
Penal” coloca a tónica nas penas, excluindo a existência das medidas de segurança, e a
designação “Direito Criminal” centra-se nos crimes, excluindo, igualmente, os ilícitos
típicos e, consequentemente, as medidas de segurança.

O Doutor Figueiredo Dias prefere a designação “Direito Penal”, porque:

1. Direito Penal é o nome escolar oficial da disciplina


2. O diploma legislativo que consagra as normas penais designa-se Código Penal

Código Penal – lei mais relevante para o ordenamento jurídico-penal

O Código Penal divide-se em duas partes:

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1. Parte Geral – prevê os pressupostos de aplicação da lei penal, os elementos
constitutivos do crime e as sanções criminais em geral
2. Parte Especial – prevê os específicos crimes (homicídio, violação, roubo, etc) e
as sanções concretas que se aplicam a cada crime

Definição/Conceito material de crime

O conceito formal de crime prova-se insuficiente, pois, se o tivermos como ponto de


partida, vamos concluir que o crime será tudo o que o legislador tipifica como crime, o
que não nos dá uma correta perspetiva da definição de crime.

Assim, centramo-nos no conceito material – fonte de legitimidade para considerar uma


dada conduta como crime -, que é anterior ao formal, e que deve ser a base do legislador,
quer para o Direito Vigente, quer para o Direito a constituir.

O conceito material de crime procura reconduzir o crime à lesão de bens jurídicos


essenciais.

O que é um bem jurídico?

Para Figueiredo Dias, o bem jurídico pode ser definido como “a expressão de um
interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado,
objeto ou bem socialmente relevante e juridicamente reconhecido como valioso”.

O bem jurídico pode ser um objeto, material ou imaterial (honra), uma relação entre
pessoas (uma estrutura familiar), uma relação entre uma pessoa e um objeto (propriedade)
ou, ainda, um sistema de relações (sistema monetário).

O Direito Penal não tutela todos os bens jurídicos, apenas os essenciais. Para definir os
bens jurídicos essenciais, temos que utilizar a Constituição da República Portuguesa
(CRP) como referente, que nos fornecerá o quadro axiológico essencial, pelo que
qualquer bem jurídico essencial será uma concretização dos valores constitucionais.

Atividade prática (relacionar crimes com os bens jurídicos que aqueles afetam)

1. Homicídio (art. 131º) → bem jurídico vida


2. Ofensa à integridade física (art. 143º) → integridade física
3. Aborto → vida intrauterina
4. Violação (art. 164º) → liberdade sexual
5. Difamação (art. 180º) → honra

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6. Furto simples (art. 203º) → propriedade
7. Condução por excesso de embriaguez (art. 292º) → segurança rodoviária

Exemplo: o senhor A decide subtrair um andor de uma procissão. Estará em causa um


crime de furto simples ou furto qualificado? Furto qualificado, dado que o andor é um
objeto afeto ao “culto religioso” e a procissão é um “lugar destinado ao culto” (art.
204º/1/c)).

Neste exemplo, para além do bem jurídico da propriedade, está em causa a


tutela da liberdade religiosa e de culto (quando um crime tutela mais do que um bem
jurídico, designa-se de crime pluriofensivo/complexo).

Nota: o crime de furto basta-se pela subtração de coisa ou animal alheio, enquanto o roubo
pressupõe a violência ou a ameaça violenta

O Direito Penal é particularmente compressivo dos direito e liberdades fundamentais, não


podendo intervir sempre, mas apenas nos casos em que a limitação das liberdades de uma
pessoa seja imprescindível para o asseguramento das liberdades e dos direitos de outra
pessoa ou da comunidade.

Daqui resultam duas características fundamentais do Direito Penal:

1. Dignidade penal – o Direito Penal só pode intervir quando estiverem em causa


condutas particularmente graves que lesem ou coloquem em perigo os bens
jurídicos essenciais
2. Necessidade de pena – mesmo em relação a condutas particularmente graves, o
Direito Penal só irá intervir quando a tutela que oferece seja necessária; daqui
decorre que, se existirem outros meios jurídicos, que sejam suficientes, menos
onerosos para os direitos fundamentais, aplicam-se esses

Deste modo, o Direito Penal oferece uma tutela subsidiária ou de “ultima ratio”.

Responsabilidade civil

Responsabilidade civil por factos ilícitos (um dos seus elementos constitutivos é a culpa)

Responsabilidade civil objetiva (prescinde de culpa)

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Exemplo: o sujeito A está a conduzir, cumprindo todas as regras do Código da Estrada,
mas é surpreendido por um troço de estrada com óleo derramado, que o faz perder
controlo do automóvel e atropelar uma pessoa; neste caso, não há crime, dado que A não
agiu com culpa, mas sim um caso de responsabilidade civil, que resultará num dever de
indemnizar – responsabilidade civil objetiva.

Funções do Direito – Welzel

1. Função de ordenaçaõ/conformação – é cumprida com o Direito Civil e o Direito


Administrativo; procura concretizar a justiça distributiva, repartindo os ónus, os
deveres, os encargos e os direitos pelos membros da comunidade; as suas normas
são normas de valoração, isto é, normas que contêm juízos de valor quanto à
justiça distributiva, definindo o que cada sujeito deve à sociedade e o que esta
deve a cada pessoa; o núcleo do ilícito está no desvalor do resultado e o que se
pretende é assegurar a esfera de proteção de cada indivíduo
2. Função de garantia ou proteção – é levada a cabo pelo Direito Penal; as suas
normas são normas de determinação, ou seja, são normas que servem um
propósito de influenciar os comportamentos futuros, prevenindo a lesão ou a
colocação em perigo de bens jurídicos essenciais; o núcleo do ilícito é o desvalor
da ação (é dado relevo à tentativa, que existe quando alguém pretende adotar uma
conduta ilícita, mas, por fatores alheios, não consegue)

Conceito material de crime

O crime é um comportamento humano, violador de uma norma de determinação, que visa


tutelar bens jurídicos essenciais.

A definição de crime tem sofrido alterações, de acordo com as modelações sociais, sendo
esta a base de explicação para os fenómenos de neocriminalização (quando uma conduta
que não era considerada crime passa a sê-lo) e de descriminalização (quando uma conduta
considerada crime deixa de o ser).

Ao nível da descriminalização, podemos distinguir:

 Descriminalização pura – a conduta deixa de ser crime e passa a ser ilícita


 Descriminalização impura – a conduta deixa de ser considerada um ilícito penal e
passa a ser um ilícito de outra natureza, como um ilícito contraordenacional

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Teorias dos fins das reações criminais/penas

O problema das penas foi sendo resolvido com apelo a duas teorias:

1. Teorias absolutas (doutrinas retributivas)


De acordo com o pensamento retributivo, a pena é um fim em si mesmo, pelo que
é um instrumento de compensação ou retribuição do mal que o crime causou; a
pena deve ser aplicada com os olhos postos no passado, visando castigar o
criminoso.
Deve existir sempre uma proporção entre o desvalor do crime para a sociedade e
o desvalor da sanção penal para o criminoso, ou seja, a sanção deve ser
proporcional à gravidade do delito.
A sanção penal aplica-se atendendo quer à ilicitude do facto quer à culpa do
agente, sendo esta última o fundamento e o limite da pena.
O grande mérito destas teorias é a implementação do princípio unilateral e
unívoco da culpa, decorrendo desta ideia duas consequências: i) não há pena sem
culpa; ii) a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Desta forma, pode haver culpa sem pena, pois esta é uma conceção unívoca, e,
apesar da medida da pena não poder exceder a medida da culpa, o inverso não é
verdade, pois a pena pode ficar aquém da culpa.

Inconvenientes da teoria:
 Se o fundamento para a aplicação de uma sanção é a censura/culpa, o
pensamento retributivo não oferece uma solução quanto aos inimputáveis
 Este pensamento não oferece solução para os criminosos especialmente
perigosos, dado que, se eles têm tendência para praticar crimes, são menos
livres na sua área de atuação, pelo que devia ser aplicada uma pena mais
branda, o que colidiria com exigências de prevenção
 A circunstância deste pensamento colidir com o Estado de Direito
democrátivo pluralista e laico dos nossos dias, em que o Estado não pode
sancionar o vício e o pecado e não pode agir por vingança

2. Teorias relativas (doutrinas preventivas)

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Qualquer teoria preventiva vai ver a pena como um instrumento para prevenir
crimes.
2.1. Prevenção geral – a pena é um instrumento de prevenção do crime em relação
à generalidade da comunidade
2.1.1. Prevenção geral positiva/de integração – a pena será um instrumento
de reabilitação da confiança da comunidade na vigência e validade das
normas do ordenamento jurídico-penal; a confiança da sociedade é
abalada com o crime e a sanção permite reabilitar essa confiança
2.1.2. Prevenção geral negativa/de intimidação geral – a pena será um
instrumento em que, através do sofrimento que é infligido ao
concreto delinquente, afastará os membros da comunidade da prática
de crimes; ao ser aplicada uma pena ao concreto criminoso,
desencorajar-se-á as outras pessoas da prática de crimes

Críticas:

 A pena aplicada para gerar o efeito de desencorajar as pessoas de praticar


crimes será demasiadamente severa e brutal, assim como atentatória dos
direitos e liberdades das pessoas, o que conduzirá a um Direito Penal de
terror
 Estas penas podem levar à emergência de movimentos de solidariedade
para com o agente do crime
 Pode gerar-se um efeito de habituação social, pois, não obstante o
desencorajamento a curto prazo, a longo prazo a comunidade habitua-se e
volta a delinquir
 Não oferece uma resposta adequada quanto aos criminosos por tendência,
visto que, se estes criminosos têm uma tendência para delinquir, a pena
pensada para o “homem médio” não surtirá o efeito pretendido neles
2.2. Prevenção especial – a pena é um instrumento de prevenção quanto ao
concreto delinquente
2.2.1. Prevenção especial positiva – a pena pode ser um instrumento que
permita dar ao criminoso condições para que, no futuro, ele não
pratique crimes; a pena poderá ser um instrumento de
ressocialização/reintegração social
2.2.2. Prevenção especial negativa

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2.2.2.1. Incapacitação – procura-se que a pena seja um instrumento de
segregação do agente, isto é, de separação do mesmo em relação a
todas as realidades onde ele possa reincidir
2.2.2.2. Intimidação individual – a pena será um instrumento que
atemorizará o concreto delinquente a um ponto tal que ele se
sentirá desencorajado a praticar crimes no futuro

Críticas:

 Pode conduzir ao Direito Penal terapêutico, o que seria atentatório à


dignidade da pessoa (tratamento de choque, por exemplo)
 A pena deveria ser indeterminada, porque ela deveria manter-se
enquanto se mantivesse a perigosidade da pessoa
 Não dá resposta adequada quanto aos criminosos ocasionais, isto é,
pessoas que não têm tendências para praticar crimes e que só os
praticam em circunstâncias excecionais e anómalas

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