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TEXTO ELABORADO PELO PROFESSOR DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO E INÉDITO

TEMAS FUNDAMENTAIS DE DIREITO PENAL

O ERRO NO DIREITO PENAL

I - INTRODUÇÃO

O erro se traduz numa falsa percepção ou no


desconhecimento da realidade. Há falsa percepção, p.e., ao acreditar o motorista que o
carro, parado no farol, se movimenta, freiando aflitamente, quando, verdade, o veículo ao
lado é que se movimentou. Há também falsa percepção dos fatos ao crer o agente ser
agredido por seu desafeto, que põe a mão no bolso do paletó não para sacar a arma mas
para retirar a carteira de cigarro. Há desconhecimento da realidade quando, p.e., a
enfermeira ministra um remédio ao paciente ignorando-lhe o efeito letal pela troca,
realizada pelo fabricante, do princípio ativo da droga.

O erro pode situar-se no plano dos fatos, da realidade


fenomênica e social, ou no plano do direito, do que decorre a subdivisão entre erro de fato
e erro de direito. Constitui erro de fato retirar de sobre uma mesa a caneta Mont Blanc de
terceira pessoa pensando ser própria. É erro de direito acreditar o agente ter o direito de
reter o automóvel da vítima até esta pagar o conserto.

Essa subdivisão dogmática clássica em erro de fato e de


direito foi modificada modernamente pela dicotomia erro de tipo e erro de proibição, de
maior precisão conceitual e acerto científico. Constatou-se que algumas formas de erro
tidas por erro de fato configuram na realidade erro sobre um elemento do tipo penal1.
O erro quanto à identidade do sujeito passivo da corrupção (pensa-se ser particular quem é
funcionário público - art. 327 do CP), incide sobre a norma legal. Também incide sobre a
norma o erro quanto à natureza jurídica de um título de crédito (p.e. pensa-se não ser
cheque o que o é, segundo a Lei do Cheque).

O erro incidente sobre os fatos constitui-se erro de tipo,


porquanto o tipo penal descreve integralmente a conduta proibida, retratando, assim, o fato
da vida de relevância penal. Constituem-se os fatos num todo de elementos fenomênicos,
culturais e jurídicos complexamente integrados e unitariamente fundidos. Se o tipo
descreve o fato delituoso, ele contém elementos descritivos, que apelam aos sentidos e
demandam uma atividade cognoscitiva-sensorial, e elementos normativos, que ascendem à
esfera axiológica, à esfera dos valores. Estes elementos normativos vão alojar-se no mundo
cultural ou no universo jurídico, apelando sempre ao intérprete ou operador do direito uma
atividade compreensivo-valoradora.

Os elementos do tipo penal, portanto, podem ser de natureza


descritiva (p.e. casa, homem, mulher, arma, tempo, local, etc), ou normativa de cunho
cultural (honestidade, dignidade, decoro) ou jurídico (cheque, warrant, funcionário
público, casamento, propriedade, etc.). O erro quanto a qualquer desses elementos é erro
de tipo porque incidente sobre um elemento do tipo.

1
Fragoso, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, parte geral. São Paulo: Bushatsky, 1978, p. 198.
1
Já o erro de proibição não se volta aos fatos mas se refere à
proibição jurídica. O agente tem plena compreensão dos fatos, em seus aspectos
descritivos e normativos, percebe-os de forma clara e precisa, não sendo desvirtuada sua
inteligência dos sucessos exteriores. O que se acha prejudicada é a avaliação axiológica
dos fatos, havendo descompasso entre a real incidência jurídico-normativa sobre os fatos e
a projeção axiológica que deles faz o agente. Este erra quanto ao estar proibido,
conhecendo os fatos que embasam sua conduta e conhecendo ou podendo conhecer muito
bem a lei, a norma jurídica ou eventual norma cultural subjacente ou orientadora da
conduta. O erro, aqui, está no plano da relação entre o fato e a proibição.

Tome-se o exemplo do estrangeiro em cujo país é


abertamente permitido o aborto. Se ele, ao entrar em território brasileiro, imediatamente se
encaminha a uma clínica para a realização do ato abortivo terá plena compreensão dos
fatos. Todavia, agirá sob erro quanto à perspectiva jurídica desse fato, não lhe permeando
a consciência a proibição da conduta.

1. O erro de tipo
O erro de tipo incide sobre todos os elementos nele presentes,
sejam de caráter descritivo, sejam de caráter normativo, cultural ou jurídico ou ligados à
ilicitude. O erro, contudo, para ser escusável deve ser relevante, isto é, incidir sobre
elemento essencial do tipo penal. Assim, para ser escusável, o erro do agente deve alcançar
a ação descrita pelo verbo típico, em seu núcleo, ou incidir sobre o bem objeto de tutela (o
agente crê ser um animal o que é pessoa humana; pensa ser próprio o bem que é alheio;
pensa estar excluída do rol de substâncias estupefacientes aquela nele incluída); ou a
qualidade essencial da pessoa (está certo de oferecer dinheiro a um particular quando se
verifica, posteriormente, tratar-se de funcionário público no exercício da função).

O dolo deve abranger todos os elementos descritivos e


normativos do tipo penal. Relembre-se que os elementos descritivos exigem uma atividade
cognitiva da pessoa humana, ligada aos órgãos sensitivos e de percepção e compreensão da
realidade, enquanto os elementos normativos se remetem a outra esfera da realidade, qual
seja a realidade valorativa. Tais elementos dependem, por isso, de um juízo valorativo do
juiz e não do conhecimento sensorial quanto à sua existência.

O exemplo do homicídio esclarecerá: o tipo penal do homicídio


objetivamente descreve a conduta humana de matar alguém, que significa tirar a vida. Descreve,
também, a qualidade do sujeito passivo: o ser humano. Não é necessário nenhum juízo
valorativo e nem ascender ao mundo dos valores para se constatar a conduta típica de matar
alguém.2

Diferente era no crime de rapto3, cujo tipo penal descrevia a


conduta humana de “raptar mulher honesta”. O verbo típico “raptar”, que é tirar a liberdade, e a
qualidade de “mulher” da vítima impunham uma atividade meramente perceptiva, pois eram
elementos descritivos do tipo. Todavia o que seja honestidade - elemento normativo de caráter

2
É certo aqui que se poderá levantar a questão do término da vida e sua disciplina normativa. Assim, o art. 3º. da Lei n. 9.434/97,
regulamentada pelo Decreto n. 2.268/97, definiu o que seja morte pelo conceito de morte encefálica. Assim, o conceito de morte,
ínsito ao verbo típico “matar” envolveria o apelo a elemento normativo de caráter jurídico.
3
O crime de rapto sofreu a abolitio criminis, sendo revogado o art. 219 do CP por intermédio da Lei n.
11.106/2005.
2
cultural – obrigava o operador a entrar no mundo dos valores para determinação do conteúdo desse
conceito eminentemente ético-cultural. E esse arcabouço valorativo encontrava o magistrado no
meio social, nas pautas valorativas sociais. Somente uma atividade valorativa permitia ao
magistrado dizer da honestidade ou não da pessoa vítima do rapto. Outro tanto sucede no crime de
ato obsceno (art. 233 do CP), cujo conceito (obscenidade) demanda a incursão nas pautas ético-
sociais. Outro tanto ocorre com o crime de entrega de filho a pessoa inidônea, cujo tipo penal exige
que a vítima fique moralmente em perigo (art. 245, do CP)
Os elementos normativos culturais, quanto ao juízo axiológico, não se ligam a uma qualquer
concepção ética ou moral do magistrado, mas a ela transcendem porque se conectam com a
constelação axiológica social, imperante no meio da comunidade.

Se erra o agente, por ignorância ou falsa percepção da


realidade, sobre um elemento essencial do tipo penal evidentemente não estará a agir com
o dolo ínsito no tipo penal. Ausente o dolo, remanesce-lhe a culpa por não se ter conduzido
com maior cautela na verificação da situação fática. Por isso, o erro quanto a elemento
essencial do tipo exclui o dolo mas permite a punição por culpa se prevista em lei (art. 20
do CP). Ou seja, o agente, por inobservância da cautela devida nas circunstâncias,
responderá culposamente em razão da prática, sob o aspecto objetivo, de um delito embora
subjetivamente não fosse sua intenção cometê-lo.

Exemplificando. Tício ouve ruído provindo do interior de um


saco de lixo. Supondo um miado de gato, chuta violentamente o saco para matar o
bichano, quando, dentro, havia uma criança cujo choro se assemelhava ao miado. Nestas
circunstâncias o agente não tem a consciência e vontade de “matar alguém”. Não integra
esse dado seu elemento intelectivo (não percebe ser uma criança) nem volitivo (não quer
matar ninguém), faltando a total percepção do centro mesmo da conduta típica que é ceifar
a vida de outro ser humano. O erro quanto a esse elemento essencial do tipo penal (morte e
vida humana) está a demonstrar a completa exclusão do dolo (consciência e vontade de
matar alguém).

Esse erro deve ser invencível ou seja, um erro que a


diligência ordinária é incapaz de afastar. Somente o erro invencível retira a tipicidade
dolosa e culposa. Se vencível, remanesce a responsabilidade a título de culpa: se o agente
nas circunstâncias atuou sem a cautela devida, deixando de aplicar-se à percepção da
realidade, responderá por culpa dada sua imprudência negligência ou imperícia. Tal
ocorreria se o agente, p.e., conhecesse a circunstância de estar sua vizinha grávida e não
desejar ter o bebê, havendo prenunciado que dele se desfaria, pondo-o no lixo. Some-se,
no exemplo, a inexistência na vizinhança de gatos soltos. Nesse contexto, a
responsabilidade culposa por homicídio decorre da falta de observância do cuidado devido
nas circunstâncias.

O erro, como visto, deverá recair sobre elemento essencial do tipo


penal e não sobre elemento acidental. O erro quanto a instrumento do crime, forma de execução, ou
qualidade da vítima não constitui erro relevante de modo a excluir o delito, porquanto incidente sobre
dado não elementar do tipo penal. Se alguém na prática de homicídio erra quanto à natureza da arma
(pensa ser um revólver 38 quando se tratava de um revólver calibre 22), ou quanto à qualidade da
vítima (pensa ser Tício, o desafeto, quando se trata de Caio); ou ainda quanto ao tempo ou modo de
execução (crê ser noite a partir das 18:00 horas e não quando o sol se põe ou, ainda, não constituir o
afogamento meio cruel mas tão só a asfixia mecânica), tais modalidades de erro são absolutamente
irrelevantes pois incidentes sobre dado não essencial do tipo penal básico. Trata-se, esses exemplos,
de erro de tipo irrelevante para exclusão da tipicidade dolosa do homicídio. Tal erro poderá relevar

3
para a tipificação qualificada, ou seja, poderá significar um erro relevante e invencível, a afastar
configuração típica subjetiva do tipo qualificado, a remanescer o delito previsto no tipo básico.

Em síntese, o erro inevitável e incidente sobre elemento essencial do


tipo penal é relevante e, por isso, exclui o dolo do tipo e exclui a tipificação culposa. Será permitidae
a punição por culpa, se prevista em lei, em sendo vencível o erro. É o disposto no art. 20 do Código
Penal: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, se previsto em lei”. Se o erro era vencível, superável pela diligência do
homem médio nas condições pessoais semelhantes ao do agente, tal erro será produto de uma falta
de cuidado exigível nas circunstâncias.

É bom que se diga que o erro poderá recair também sobre as


circunstâncias do crime, por isso que as circunstâncias estão emolduradas tipicamente nos artigos 61,
62 e 65 do CP.
Erro sobre as descriminantes

O erro poderá incidir também sobre o tipo permissivo, ou seja, sobre


o tipo que emoldura uma causa de exclusão da ilicitude. Como já devidamente esclarecido 4, o tipo
penal é modelo jurídico aplicável a todos os institutos jurídicos, tanto da parte geral quanto da parte
especial do Código Penal. O direito como realidade normativa trabalha com tipos, vaza-se em tipos,
em modelos jurídicos e modelos dogmáticos. O tipo expressa-se em normas proibitivas quando
emoldura a conduta proibida, enquanto as condutas permitidas recortam-se em tipos permissivos que
involucram normas autorizadoras de condutas.

As causas de exclusão da ilicitude vêm descritas em modelos


jurídicos permissivos. Há modelos jurídicos objetivamente e subjetivamente considerados na
legítima defesa, no estado de necessidade, no estrito cumprimento do dever legal ou no exercício
regular de um direito.

Na legítima defesa em sua face objetiva, isto é, no plano dos fatos e


da conduta do agente, deve ocorrer uma situação de agressão atual ou iminente a direito seu ou de
terceiro, não contrastável de outro modo, senão por meio daquele defensivo caracterizado pela
moderação. A face objetiva do estado de necessidade é uma situação necessitada não causada pelo
agente e a preservação de bem jurídico de expressiva dignidade penal. No estrito cumprimento do
dever legal e no exercício regular de um direito objetivamente deve existir universo jurídico que
permita ao agente exercer plenamente sua potestade jurídica ou cumprir cabalmente seu dever legal.

Subjetivamente, o agente há de ter a consciência e a vontade de


defender-se, de preservar o bem de maior dignidade constitucional-penal, de exercer regularmente
um direito ou de cumprir seu dever legal, consciente da licitude da conduta.

Casos há em que o agente erra fática e objetivamente quanto aos


elementos presentes no tipo permissivo definidores das excludentes de ilicitude penal. Assim, p.e., ao
pensar haver uma agressão atual à sua pessoa quando, na verdade, seu desafeto está a tirar do bolso
carteira de cigarro, há claramente um erro quanto a circunstância fática que permite a legítima defesa
(art. 23,II, do CP). Ou ainda ao crer, dadas as circunstâncias, a existência de um incêndio intoxicante
e para salvar sua vida ou de terceiro destrói o patrimônio ou pratica uma lesão corporal, vindo,
depois, a constatar tratar-se simplesmente de fumaça inócua provinda de incenso. Aqui há uma
situação fática de erro quanto ao estado de necessidade (art. 23, I, do CP).

4
ver fls.
4
Nestes exemplos não se configura objetivamente a
excludente, completando-se contudo subjetivamente a causa de exclusão: intenção de
defender-se, na legítima defesa, ou preservar o bem jurídico superior, no estado de
necessidade, ou de exercer regularmente um direito. O agente ao errar quanto ao elemento
fático expõe o “dolo” de defender-se ou de preservar o bem superior, pelo que ipso juris e
ipso facto estará demonstrada a ausência do dolo do tipo incriminador. Ou seja, a ausência
ou a falsa percepção do agente quanto à presença dos elementos fáticos de uma causa de
exclusão da ilicitude, leva a um erro de tipo permissivo, isto é, o agente pensa
equivocadamente que todos os elementos fáticos da causa de justificação estão presentes, o
que não se dá no plano da realidade.

Portanto, o erro quanto a esses pressupostos fáticos do tipo


permissivo, ao tempo em que provada a intenção positiva do agente de preservação da
ordem jurídica, exclui a tipicidade dolosa do tipo incriminador, permitindo, contudo, a
punição na forma culposa, se vencível o erro e, claro, prevista em lei. É o erro incidente
sobre as descriminantes putativas fáticas tratado no art. 20, § 1º do CP.

No exemplo da legítima defesa putativa, em que o agente se


entende em situação de agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de terceiro e
reage moderadamente, poderá haver a punição pelo delito culposo se o erro era vencível e,
assim, derivou de culpa, ou seja, de uma falta de cuidado objetivo nas circunstâncias em
que atuou o agente.

No exemplo do estado de necessidade - conduta do agente


necessitado que causa lesão a terceiros ou dano ao patrimônio - remanescerá punição, se
decorrente o erro da falta de percepção inescusável. Sempre, é claro, no pressuposto de
haver a punição a título de culpa. Assim, no exemplo do erro quanto ao estado de
necessidade, o erro quanto à natureza e proveniência da fumaça produzida pela queima de
incenso e o dano ocorrido em patrimônio de terceiro não configurará ilicitude penal apenas
porque não há crime de dano culposo. Não obstante a falta de diligência ordinária e
exigível nas circunstâncias (p.e., verificando pelo aroma suave não se tratar de fumaça
daninha) a configurar culpa, não há delito pela inexistência da forma culposa. Diferente
será se o agente, nas mesmas circunstâncias, para salvar vida de terceiro, lesiona a
integridade física da vítima, em virtude da violação do cuidado na investigação das causas
da fumaça. Aqui responderá por lesão corporal culposa.

2. O erro de proibição

O erro poderá recair não sobre o fato constitutivo da conduta


proibida, mas sobre a proibição, ou seja, sobre a ilicitude da conduta. O agente está
absolutamente ciente de cada uma e de todas as circunstâncias do fato, sabe o que faz e
quer o que faz, sabe a consequência natural de sua ação, conhece plenamente o nexo
causal entre a ação e o resultado mas não imagina que comete uma infração criminal. Erra
o agente quanto ao “estar proibido”.

Como assinala FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, não se


trata de um desconhecimento da lei, mas na ausência absoluta, no agente, da consciência
de estar praticando uma conduta que ofenda a ordem jurídica, que atente contra o direito.
Uma coisa é a presunção de conhecimento da lei, extensivo a todos os membros da
comunhão social, outra coisa é a situação de erro quanto à ilicitude no caso concreto.
Enquanto o primeiro constitui um postulado necessário à vigência e eficácia da norma
5
penal, que não pode deixar de ser cumprida sob a escusa de desconhecimento ou
ignorância5, o erro é a condição interna do agente que não apresenta à consciência e ao
espírito a ilicitude do agir.6

Nas palavras de EDUARDO CORREIA, "dizer-se que as


leis, uma vez editadas e publicados, adquirem validade formal, ou vigência,
independentemente de serem conhecidas em concreto, é uma afirmação correta mas que
nada tem a ver com o problema da consciência da ilicitude, pois do que nesta se cura não
é da ignorância da lei penal, que pela natureza das coisas só em abstrato poderia ser
considerada, mas de concreta ausência no agente, e no momento da atuação, da
consciência da ilicitude de uma certa conduta7.

Conclui Francisco de Assis Toledo: "Não se trata, como se


vê, de um simples "ignorar a lei" mas de um atuar, na vida real, que implica
desconhecimento da ilicitude do fato, não da lei. Pratico esta conduta concreta que se
ajusta a um tipo penal não porque ignoro ou compreendo mal a lei penal (posso até
conhecê-la muito bem) mas porque não me passa pela cabeça que tal conduta seja algo
errado, seja algo condenável, seja algo "proibido". Nesse sentido, até mesmo as pessoas
mais instruídas podem, em certas circunstâncias, valorar um fato de modo a incorrer em
erro sobre a ilicitude da conduta concreta que realiza.8

Ora, o estrangeiro que desembarca no Aeroporto do Galeão


e, logo após sair da alfândega, na calçada mesma do Aeroporto, joga no bicho não comete
a contravenção penal de jogo no bicho porquanto não lhe perpassou a consciência, e nem
era possível ter-lhe perpassado, a ilicitude de seu agir, já que em seu país o jogo é
praticado livremente. Outro exemplo é o de quem, antes da revogação operada no art. 240
do CP pela Lei nº 11.106, de 2005, casado no exterior9, desembarcando no Brasil, ia a uma
casa de prostituição. O crime de adultério10 objetivamente se teria então configurado.
Todavia, com relação à culpa pessoal do agente não poderá haver reprovabilidade porque
não lhe assomou à consciência, e nem potencialmente seria caso de assomar, a ilicitude de
seu agir já que em seu país essa conduta não é reprimida penalmente.

O erro de proibição pode ser inevitável e assim escusável, ou


evitável e, dessa forma, inescusável. Será escusável se o agente não tiver tido a mínima
possibilidade de percepção valorativa de sua conduta em face do direito, não se lhe
exigindo, nas circunstâncias, uma tal percepção nem mesmo mediante esforço de
consciência quanto aos valores éticos imperantes e circunstantes. Se o agente não tiver tido
a consciência atual da ilicitude mas, mediante esforço intelectivo-axiológico, puder
alcançar a proibição o erro será inescusável, respondendo o agente pelo crime, porém com
culpabilidade diminuída.

Esse o disposto no art. 21 do Código Penal que determina


que o erro de proibição inevitável isenta de pena enquanto o erro evitável resulta em
diminuição da reprimenda de 1/6 a 1/3.

3. o erro e os sistemas causal-natural e final, na teoria do delito.


5
"Ignorantia legis neminen excusat".
6
"O erro no direito penal", Saraiva, p. 76-84.
7
Eduardo Correia, Direito criminal, vol. 1, Coimbra: Almedina, 1963, p. 419.
8
op. cit. loc. cit.
9
Cujo casamento é válido também no Brasil
10
Houve a abolitio criminis com relação ao crime de adultério, pela Lei n. 11.106/2005
6
A exata compreensão do erro exige o conhecimento relativo
aos sistemas causal-natural e finalista da teoria do delito.

Foi sob a influência da construção científica de


CARRARA , somada à contribuição da doutrina do tipo de BELING 12, e com a distinção
11

entre antijuridicidade objetiva e culpabilidade subjetiva de LISZT que se formou a teoria


causal-natural. No plano filosófico, essa teoria reproduziu o modelo positivista.13

Segundo o sistema causal-natural, denominado Liszt-Beling,


o crime, ao feitio clássico, era dividido em um todo objetivo e subjetivo. Isto ainda de
acordo com a visão carrariana mecanicista da ação humana, em que o delito estaria
submetido às forças causais objetiva e subjetiva. A tipicidade e a antijuridicidade
pertenceriam ao aspecto objetivo do crime e a culpabilidade ao aspecto interno.

O tipo era considerado como modelo jurídico livre de dados


subjetivos e valorativos. Igual concepção norteava o conceito de antijuridicidade, aqui
compreendida em seu aspecto formal e material. A culpabilidade resolvia-se em duas
formas manifestação: a dolosa e a culposa. A consciência da ilicitude integrava-se ao dolo
indissociavelmente, embebendo a conduta de substância ética, restando a imputabilidade
como pressuposto ou elemento da culpabilidade.

A ação humana era compreendida sob enfoque mecanicista,


como simples causação voluntária de modificação no mundo exterior, apresentando-se
irrelevante e impertinente a investigação de seu conteúdo 14. À compreensão da ação
humana interessava apenas o coeficiente psicológico mínimo para fazer da conduta um
atributo pessoal do agente, de modo a excluir os atos reflexos e aqueles sob coação física
absoluta15.

A obra posterior de FRANK16 enriqueceu a concepção


psicológica da culpabilidade com um elemento normativo, consistente na inexigibilidade
de conduta diversa, requisito da censurabilidade da conduta. A essa altura, o dolo deixa de
ser uma forma de culpabilidade para transmudar-se em elemento do conceito, numa
concepção psicológico-normativa da culpabilidade, mas ainda embebido axiologicamente
da consciência da ilicitude.

Ficou assim esquematiza a teoria do delito dentro do sistema causal-natural, na formulação


de FRANK:
1. aspecto objetivo: conduta humana
2. aspecto objetivo: tipo penal: elementos objetivos descritivos e normativos
3. aspecto objetivo: antijuridicidade: formal e material

11
"Programma", parte generale I e II, passim.
12
Ver "Esquema de derecho penal - La doctrina del delito-tipo", trad. Sebastián Soler, Buenos Aires:
Depalma, 1944, passim.
13
ZAFFARONI, "Teoria del delito", p. 72 e, também, "Manual", p. 261.
14
Conforme afirmava MAGGIORE, "Azione é una condotta volontaria consistente in un fare o in un non fare,
che produce un mutamento nel mondo esteriore" (p. 233), enquanto "volontá è la libera determinazione dello
spirito (auto-determinazione) che provoca l'innervazione e il moto, opure l'arresto di un muscolo" (p. 239).
("Diritto penale", tomo primo).
15
JUAREZ TAVARES, "Teorias do delito", pp. 18-20.
16
"Über den Aufbau des Schuldbegriffs", cit. por JUAREZ TAVARES, op. cit., p. 40.
7
4. aspecto subjetivo: culpabilidade: imputabilidade como pressuposto, dolo integrado pela
consciência atual ou potencial da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa a redundar
na reprovabilidade.

A construção do sistema causal-natural Liszt-Beling viu-se


sob críticas principalmente à concepção avalorada do tipo belinguiniano. Destacou-se, com
todo acerto, que inúmeros modelos típicos agasalham elementos dependentes de valoração
judicial para sua determinação17, além de tipos outros que requerem para seu aperfei-
çoamento a presença de dados anímicos especiais18. Observou-se argutamente que o tipo
do delito tentado não poderia ser determinado sem o coeficiente da vontade e finalidade do
agente referentemente ao resultado delituoso perseguido, vale dizer, sem a determinação
do tipo incriminador da parte especial sobre que incide o elemento anímico do agente.

Com fundamento na contribuição da psicologia da ação de


NICOLAI HARTMANN, com antecedentes da filosofia tomisto-aristotélica, WELZEL
construiu a teoria finalista da ação, que resultou em um remanejo nos elementos que
compõem o delito. O acato à natureza ôntico-ontológica da ação, ou seja, ao que é a ação
humana e como ela se manifesta, e às categorias lógico-objetivas, que exigem respeito à
concretitude da ação humana, importam no reconhecimento de finalidade em toda conduta.
A ação do homem difere do sucesso natural. Enquanto a conduta humana dirige-se a um
fim antevisto e querido, prevendo o agente os efeitos concomitantes da ação e valendo-se
dos meios adequados e hábeis ao resultado, o sucesso da natureza advém de forças sem
direção, submetido à inexorabilidade da lei da causalidade natural.

Figuradamente São Tomás afirmava que o caminho da flecha


em direção ao alvo não pertence à flecha mesma, mas a quem a direcionou
finalisticamente19. Essa finalidade imanente a toda conduta humana quando transportada
para o tipo penal transforma-se conceitualmente no dolo: dolo é a finalidade tipificada.

As críticas dirigidas ao finalismo centravam-se


principalmente no setor da culpa stricto sensu, em especial na culpa inconsciente, ou nos
delitos culposos de mero esquecimento, nos quais a conduta humana desenvolve-se sem
nenhuma consideração final com o resultado típico da ação não sendo caso nem mesmo de
se cogitar de finalidade potencial: finalidade potencial é a que poderia ter existido, mas
não existiu, o que significa a negação da própria finalidade20.

Ficou assim esquematizada a teoria do delito sob a perspectiva finalista:


1. aspecto objetivo-subjetivo: conduta humana
2. aspecto objetivo-subjetivo:
2.1 tipo penal objetivo: elementos objetivos descritivos e normativos, aqui incluída a
culpa stricto sensu
2.2 tipo penal subjetivo: dolo e elementos anímicos especiais
3. aspecto objetivo: antijuridicidade: formal e material, além do juízo normativo de culpa
17
op. cit., p. 38.
18
idem, ibidem.
19
Suma teológica, I, 103, 1,. apud JUAREZ TAVARES, op. cit., p. 54, nota 3.
20
Sobre a finalidade potencial, JUAREZ TAVARES, "Direito penal da negligência", pp. 19-22. Em resposta
às críticas, ver ZAFFARONI, "Manual", pp. 373-374. Expressamente WELZEL abandona a idéia de finalidade
potencial para sustentar que o conteúdo do tipo de injusto culposo não se radica na direção finalista
objetivada pelo autor, senão na direção finalista efetivamente imposta, que vai mais além e que o autor não
há imposto em sua atividade. "Há uma falta de ação finalista real de acordo com a ação finalista imposta".
WELZEL, "Derecho penal", p. 136.
8
4. aspecto subjetivo: culpabilidade: imputabilidade como pressuposto, consciência
potencial da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa, a redundar na reprovabilidade

A teoria social da ação traz o enfoque social como de


relevância definitiva ao conceito de ação humana. Ação é somente aquela dotada de
relevância social, o que empresta verdadeiro significado e sentido à conduta humana.
Distancia-se de um conceito natural, sendo fundamental o universo cultural sob o qual se
desenvolve a conduta.

Assim, não haverá o delito de ato obsceno se alguém põe-se


em pelos em uma ilha deserta pública; mas se corporificará caso alguém presencie ou
possa presenciar o ato. O crime nessa hipótese dependerá unicamente da significação de
sentido social da conduta21.

4. Teorias do erro: teoria do dolo e teoria da culpabilidade


Duas teorias explicativas quanto ao erro foram criadas,
vinculando-se cada uma a um desses sistemas 22. O sistema causal-natural criou a teoria do
dolo, de solução unitária, porquanto o erro de tipo ou de proibição excluirá sempre o dolo
e, assim, a culpabilidade. O sistema finalista gerou a teoria da culpabilidade, em que o erro
de tipo excluirá o dolo e, em conseqüência, a tipicidade dolosa, permitindo a punição por
culpa, enquanto o erro de proibição excluirá a culpabilidade, pela impossibilidade de
reprovação penal.

4.1 Teoria do dolo

A teoria do dolo propõe uma solução unitária para o erro de


tipo e o erro de proibição, ambas a excluir o dolo e, consequentemente, a culpabilidade. O
erro quanto aos elementos do tipo penal excluirá o dolo porquanto este deve
obrigatoriamente abranger todos os elementos do modelo. Se por ignorância ou falsa
percepção da realidade o agente não representa um dos elementos típicos o dolo requerido
pelo tipo restará excluído. E como o dolo constitui uma forma de culpabilidade, na
evolução elementos da culpabilidade, justamente a culpabilidade dolosa, a culpabilidade
restará excluída podendo o agente ser punido pelo crime culposo se previsto em lei.

Assim, o erro quanto a elemento do tipo excluirá o dolo e,


ipso facto a culpabilidade dolosa, permitindo a punição por culpa em havendo a
modalidade culposa, culpa que constitui igualmente uma forma ou um elemento do juízo
de culpabilidade.

Como se verá adiante a teoria da culpabilidade pertencente


ao sistema finalista chega à mesma conclusão somente que por trilha diversa.

O erro de proibição também excluirá o dolo, porquanto o


dolo no sistema causal natural é o dolus malus, isto é, dolo é a consciência e a vontade da
prática do fato descrito no tipo penal, conhecendo o agente que infringe alguma norma,
seja moral, costumeira ou jurídica. Se a consciência atual da ilicitude está amalgamada
ao dolo, sua falta acarretará obrigatoriamente a ausência de dolo. E não havendo dolo
excluída será a culpabilidade dolosa.
21
WESSELS, "direito penal", pp. 20-22; JUAREZ TAVARES, "Teoria" cit., p. 91-94.
22
Sobre a doutrina do erro ver FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, "O erro no direito penal", e "Culpabilidade
e a problemática do erro jurídico penal", RT 517/251; ainda, ALCIDES MUNHOZ NETTO, "Descriminantes
putativas fáticas", RDP 17/18, LUIZ FLÁVIO GOMES, "Erro de tipo e erro de proibição".
9
A teoria do dolo subdivide-se em teoria extremada e teoria
limitada do dolo. A divergência de ambas situa-se na extensão e natureza do erro de
proibição. Segundo a teoria extremada sempre haverá exclusão da culpa, dolosa ou stricto
sensu, em virtude de erro de proibição toda vez que o agente atuar sem a consciência atual
da ilicitude. Como esta integra o dolo, o dolo restará afastado, e, assim, a culpabilidade,
não podendo haver punição nem mesmo a título de culpa, porquanto não se poderia pensar
num crime doloso/culposo. Assim é porque se o agente atuou com consciência e vontade
do resultado, apenas lhe faltando a representação da ilicitude, essa atitude anterior de plena
percepção dos fatos e direção volitiva neles não poderá transmudar-se em uma conduta
culposa, cuja característica é a não convergência entre o sucesso delituoso e o conjunto
intelectivo e volitivo do agente. O resultado será sempre a absolvição a todo título.

Para a teoria limitada, que teve em vista conter a impunidade,


principalmente no âmbito do resíduo culposo do agente que dá causa a resultado delituoso
por falta de diligência no informar-se adequadamente no âmbito das normas técnicas,
como também no segmento dos agentes refratários aos valores do ordenamento jurídico,
haverá a responsabilidade penal. No caso de erro de proibição, sustenta-se que a
consciência da ilicitude há de ser potencial. Isto é, pode o agente na situação concreta não
se capacitar da ilicitude de seu comportamento, mas se essa insensibilidade axiológica
derivar de uma “cegueira jurídica” ou de um “ânimo adverso ao direito”, uma oposição
contumaz aos valores jurídico-sociais, deve o agente ser punido pela forma dolosa, bem
assim será punido na modalidade culposa se infringiu o dever de informar-se de dados
técnicos quando de sua ação, a resultar numa culpa pela condução de vida23.

O erro de proibição vencível importaria também na


absolvição.

4.2 Teoria da culpabilidade

Já a teoria da culpabilidade – de origem finalista – propõe a


distinção entre as duas formas de erro: o erro incidente sobre os elementos do tipo penal a
excluir o dolo e, assim, a própria tipicidade do fato; e o erro sobre a ilicitude, que exclui a
culpabilidade em decorrência de desconhecimento absoluto do proibido, a impedir a
reprovabilidade da conduta pela ausência de um seu elemento essencial: a consciência da
ilicitude.

Para a teoria da culpabilidade, portanto, o erro sobre os


elementos constitutivos do tipo penal exclui o dolo e, consequentemente, a tipicidade
dolosa da conduta - remanescendo a forma culposa se o erro for vencível e se prevista tal
modalidade em lei -, enquanto o erro sobre a ilicitude exclui, se inevitável, a culpabilidade,
ou, se evitável, atenua-a.

A divergência dos adeptos da teoria da culpabilidade inicia


quando se considera o erro incidente sobre as causas de justificação. A teoria extremada
entende ser indiferente a natureza ou localização do erro se sobre os pressupostos fáticos
ou sobre a existência e limites de causa de justificação, porquanto sempre virá excluída a
culpabilidade. A teoria limitada distinguirá entre o erro de proibição incidente sobre a exis-

23
Edmund Mezger. Derecho Penal, parte general, México: Cardenas Editor, 1985, pp.250 e segs. Ver também Diritto
penale, tradução de Filippo Mandalari, Padova: Cedam, 1935, pp. 345 e segs..
1
tência ou os limites de uma causa de justificação – erro sobre a ilicitude – e aquele que
recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, compreendido como erro
de tipo, a excluir o dolo e, consequentemente, a tipicidade da conduta, permitindo a
punição a título de culpa, se prevista em lei.

Para os adeptos da teoria extremada24, na situação das


descriminantes putativas fáticas o agente erra quanto ao caráter jurídico ou antijurídico de
sua ação. Pensa ser lícita a conduta, prestigiada pelo direito, ajustada ao ordenamento,
quando, na verdade, trata-se de uma ação desvaliosa. Sem negar que primariamente haja
uma distorção fática, essa distorção, todavia, terá relevância no plano jurídico ao retirar do
agente a consciência da ilicitude de sua ação. Na realidade, sabe que mata alguém e que há
a norma jurídica que prevê o crime de homicídio. Acredita, contudo, ser lícita essa sua
conduta em razão da presença de uma causa de exclusão da ilicitude que na realidade
fenomênica não existe.

Assim, para a teoria extremada tanto o erro relativo aos


pressupostos fáticos da causa de justificação quanto aquele incidente sobre a existência da
referida causa ou de sua extensão afastam a consciência da ilicitude e, assim, a
culpabilidade dolosa, se se tratar de erro inevitável. Se o erro for evitável permitirá a
punição pela forma dolosa atenuada.

Aqui a aporia dessa teoria, que acabará por excluir a


possibilidade de condenação pela forma culposa, conduzindo, por distorção, à condenação
dolosa de fato culposo. Figure-se a hipótese da legítima defesa putativa em que o erro,
marcado pela falsa percepção da realidade, é resultado de culpa do agente que, nas
circunstâncias não se comportou cuidadosamente de modo a avaliar a realidade da
agressão. Nessa hipótese configura-se um erro evitável que não foi evitado pela falta de
diligência do agente na percepção da situação fática. Trata-se de erro evitável, segundo a
teoria extremada. E como erro evitável deverá o agente deverá ser punido a título de dolo,
podendo, apenas, haver diminuição da pena, pois o erro de proibição quando inevitável
exclui a culpa e quando evitável a atenua.

Todavia, é claro que se trata de uma conduta culposa. Ou


seja, por falta de cuidado nas circunstâncias o agente deu causa a um resultado lesivo por
negligência ou imprudência, não prevendo um resultado previsível. Essa conduta assim
culposa, segundo a teoria extremada - mas de maneira claramente fictícia – será punida a
título de dolo. Ou seja, uma conduta culposa punida como se dolosa fora !

A teoria limitada da culpabilidade, por isso, pretende


distinguir entre o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação
e aquele incidente sobre a existência de uma causa de justificação e/ou os seus limites.

Assim, todo o erro incidente sobre os dados fáticos ou


normativos do tipo penal, seja o tipo incriminador seja o tipo permissivo, exclui o dolo e
consequentemente a tipicidade dolosa, permitindo a punição por culpa. De outro lado, o
erro concernente à existência de uma causa de justificação (agente crê que no Brasil se
permite o desforço pessoal nas lesões patrimoniais) ou os limites da causa de justificação
(crê o agente que pode, em resposta a uma ofensa grave à honra, defender-se causando
lesão física ou a morte do agressor) constituirá erro de proibição, com a consequência da

24
Welzel, ********, Maurach *********.
1
exclusão ou isenção da culpa em caso de inevitabilidade do erro ou de diminuição dela em
caso de evitabilidade.

O art. 21 do Código Penal brasileiro contempla o erro sobre a


ilicitude do fato como causa de isenção de pena, se inevitável, ou, se evitável, como causa
de diminuição em quantidade variável: de um sexto a um terço, a preferir o sistema
finalista. O equívoco terminológico é manifesto. Evidentemente não se cuida de mera
isenção de pena, mas de inexistência do próprio crime pela ausência de um dos seus
elementos constitutivos, qual seja, a culpabilidade dolosa: exclui-se a culpabilidade, um
dos elementos conceituais do delito.

5. A inimputabilidade: descriminantes putativas fáticas e erro de proibição

Nas descriminantes putativas fáticas o agente erra quanto aos


pressupostos fáticos da causa de justificação, isto é, erra a respeito da compreensão do fato concreto.
O erro não incide sobre a proibição, mas primariamente sobre os fatos. Antes de configurar-se o erro
de proibição, há na realidade uma incorreta compreensão do quadro fático. Esse erro é precedente, isto
é, esse erro é anterior a qualquer juízo de proibição. Ele incide sobre a realidade fática, a relevar desde
logo para fins penais. Exclui imediatamente a própria tipicidade do fato. Não há tipicidade do tipo
permissivo, pela ausência de componente objetivo que presumia o agente presente na realidade da
ação concreta.

Por isso, o erro quanto às putativas fáticas constitui-se em erro de tipo


permissivo, a incidir sobre o próprio fato e não erro de proibição, a pensar o agente estar sua conduta
permitida pelo ordenamento jurídico, como crê a teoria extremada da culpabilidade.

Assim, pode o inimputável agir mediante erro plenamente escusável e


essencial na hipótese das descriminantes putativas fáticas. O inimputável poderá debaixo de uma
incorreta avaliação das circunstâncias fática agir de modo plenamente justificável, decorrente essa
ação até mesmo de um instinto de sobrevivência. E em agindo debaixo da descriminante não se poderá
sobre ele aplicar a medida de segurança. Se configurada a situação fática capaz de levar a erro a
generalidade dos membros da comunhão social, esse erro não terá provindo da morbidez psíquica do
autor do fato, morbidez que não determinou a ação lesiva ao bem jurídico.

Como já referido, diferente é a orientação da teoria extremada da


culpabilidade, segundo a qual deve ser aplicada ao agente a medida de segurança em virtude do erro
de proibição não ser relevante dada a precedente inimputabilidade do agente, que não compreende o
caráter ilícito de sua ação ou não consegue autodeterminar-se conforme esse entendimento. Como
visto, para a teoria extremada, o erro no âmbito das putativas fáticas resolve-se em erro de proibição
em virtude de a situação fática não haver permitido ao agente a avaliação de ser sua conduta proibida
pelo ordenamento – pensando o agente ser ela permitida no contexto específico da ação. Ora, faltando
ao agente inimputável a capacidade de apreensão dos valores jurídico-sociais em toda e qualquer
situação, seja no contexto da ação delituosa comum seja no daquela justificada, não poderia ele atuar
justificadamente, devendo, por isso, receber a resposta jurídico-penal expressa na medida de
segurança. Em resumo, para os inimputáveis não há possibilidade de configuração do erro de proibição.

Portanto, para a teoria extremada e limitada da culpabilidade a solução é


absolutamente distinta. Para a teoria limitada, o erro quanto aos pressupostos fáticos, não advindo tal erro da
morbidez psíquica, configura erro de tipo permissivo, excludente da tipicidade. Para teoria extremada,
constituindo erro nas putativas erro de proibição e estando prejudicada no inimputável a capacidade de

1
conhecimento do caráter ilícito da ação e de autodeterminação conforme esse entendimento, o erro é
irrelevante no que toca à aplicação da medida de segurança.

Solução unitária será a da teoria do dolo. Consistindo o dolo em dolus malus


carregado de consciência da ilicitude, o inimputável não agirá verdadeiramente com dolo porquanto não teve
a compreensão dos fatos ou de seu significado valorativo. É caso, contudo, de aplicar tão-apenas medida de
segurança pela prática do fato típico e antijurídico.

5. Error in persona, error in objeto e aberratio ictus


1. error in persona
A ausência ou errada percepção da realidade poderá recair, com relação aos
elementos integrantes do tipo penal, sobre o objeto no qual recai a ação delituosa. Se a equivocada percepção
da realidade incide sobre a pessoa sobre quem recai a ação criminosa diz-se existente um error in persona.
Se recai sobre outro objeto que não a pessoa humana diz-se ter havido error in objeto. Essas duas
modalidades de erro, todavia, podem ser unificadas sobre a rubrica de error in objecto: pessoa humana no
primeiro caso e objeto jurídico diverso na segunda hipótese.

O art. 20, parágrafo 3º, do Código Penal cuida do denominado error in


persona, isto é, o erro que recai sobre a pessoa-vítima da ação delituosa. Dispõe a referida norma que
“o erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste
caso, as condições ou qualidades da vítima senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o
crime”. Se Caio pretende matar seu pai Semprônio, mas em razão da escuridão do local no momento vem
a atingir com um disparo o vizinho Tício, responderá pelo crime de homicídio doloso contra Tício.
Apresenta-se absolutamente irrelevante tal modalidade de erro quanto à pessoa, porquanto não se traduz
num erro essencial quanto a dado elementar do tipo penal. Como vimos, somente o erro quanto a elemento
essencial do tipo penal é relevante.

Dispõe, porém, a segunda parte do dispositivo não se considerar a qualidade


pessoa da vítima (vizinho Tício) mas sim a da pessoa contra a qual deveria ter-se dirigido a ação delituosa (o pai
Semprônio), segundo o plano do agente. Neste caso, entrarão em consideração as qualidades pessoais de
Semprônio, vítima visada, e não de Tício a vítima efetiva do disparo, para finalidade de ajuizamento da
culpabilidade. O fato é tratado jurídico-penalmente como se o crime tivesse sido praticado contra o pai
Semprônio.

Esta disciplina do erro quanto a pessoa poderá violar um direito penal da culpa,
tanto porque se poderia introduzir no sistema a responsabilidade objetiva, quanto porque se poderia adotar um
direito penal da vontade ou do ânimo. Dentre essas duas possibilidades de violação do direito penal da culpa, a
primeira foi afastada em nosso sistema. Pense-se primeiramente na hipótese de o filho querer matar o vizinho
(Tício) e vir a matar o pai (Semprônio). Nesta hipótese, se nossa legislação fosse levar em consideração as
condições pessoais não da vítima visada mas a da vítima efetivamente atingida (o pai), mas que não correspondeu
a vontade do agente (queria matar o vizinho mas matou o pai), instaurar-se-ia abertamente um direito penal
voltado à responsabilidade objetiva, à responsabilidade meramente pelo resultado.

Na segunda hipótese, porém, viola-se abertamente um direito penal da culpa.


Considere-se o filho que deseja matar o pai (Semprônio) e matar o vizinho (Tício). Nesta hipótese nossa
legislação considera as condições pessoais da vítima visada (o pai Semprônio) e não da efetivamente atingida
(vizinho Tício). Ou seja, considera-se no fato concreto dado nele não existente (atingimento do pai). Esse
procedimento viola um direito penal da culpa, faz erigir-se um direito penal do ânimo. Numa palavra, pune-se a
intenção do agente e não o fato concreto.

Na primeira hipótese, como se disse, o nosso sistema afasta a responsabilização a


título objetivo, porquanto não se pode levar em consideração as condições pessoais da vítima efetivamente
1
atingida (o pai), isto porque o agente não alcançou com o dolo esse resultado diverso de sua ação. Como o dolo
não alcançou o resultado efetivamente ocorrido contra terceira pessoa (no caso o pai Semprônio), não poderia o
agente ser responsabilizado por condições pessoais desta última por si desconhecidas no momento da ação
concreta. Aqui há atenção a um direito penal de cariz democrático.

Todavia, a violação do direito penal da culpa, repita-se, acontecerá na segunda


hipótese, qual seja a de desejar matar o pai (Semprônio) e matar o vizinho (Tício). Censurar o agente por fato não
ocorrido (atingimento do pai Semprônio, vítima visada, quando de fato atingiu-se Tício, o vizinho) viola o princípio
da culpabilidade pelo fato. Se bem enfocada a questão, se olhado de perto o problema, também se está a fraturar o
princípio da legalidade, na vertente da tipicidade, porquanto se passa a trabalhar com uma ficção de fato (crime
contra o pai), fato não existente, numa suposta tipicidade circunstanciada.

Em síntese, a última parte do art. 20, § 3 o, acaba por violar o princípio da


culpabilidade, a consagrar um direito penal do ânimo e também o princípio da legalidade, na vertente da tipicidade.
Estende-se a culpabilidade para além da medida da personalidade delimitada no fato, fato que emoldura a culpa
penal e marca fronteiras à resposta jurídico-estatal. Ao mesmo tempo, trabalha-se com uma ficção relativamente aos
fatos. Há claramente a violação do direito penal do fato. Trabalha-se com uma ficção jurídica. Faz-se uma subsunção
sem um dos termos.

De outro lado, adota-se francamente um direito penal voltado à punição da


personalidade, que vai além de um direito penal da atitude interior, ou um direito penal da culpabilidade que vê na
ação concreta uma atitude interna juridicamente reprovável. Esquece-se de que na concepção moderna de
culpabilidade, em que se ex-cogita de um tipo de culpa ao lado de um tipo de ilícito, o fato expressa em si a
personalidade do agente, ao tempo em que esse mesmo fato delimita o campo de avaliação de reprovação da
personalidade. Culpabilidade é sempre um fato referido a um agente. Fato que fundamenta a reprovação pessoal e,
indo além, reprovação da própria personalidade, mas personalidade expressa e delimitada na objetividade do fato.
Nunca, contudo, se poderá aderir à Gesinnung25 em desvinculação do fato, a menos que se pretenda
ver no fato um simples índice de antisocialidade, ao feitio do movimento da Nova Defesa Social,
destinando o Direito Penal a moldar ou reformular a personalidade do agente.26
Aliás, há uma contradição básica na moderna concepção da culpabilidade, a qual surgiu para afastar a
aparente aporia da liberdade de vontade como fundamentadora da reprovação. Segundo essa corrente,
em suas várias nuances, o juízo de reprovabilidade se faz em razão da atitude interna – produto da
personalidade do agente - juridicamente reprovável expressa no fato concreto. A contradição reside em
que ao agente merecedor de menor reprovabilidade porque a personalidade não esteve permeada
adequadamente dos valores ético-jurídico-sociais, a ele se destinará uma maior reprovação penal;
enquanto para aqueles agentes cuja personalidade recebeu a infusão desses mesmos valores, será
reserva uma menor carga de reprovação. Os primeiros, porque o crime manifestou uma personalidade
de oposição ao ordenamento jurídico em razão da malformação da escala valorativa: por isso, todo o
fato delituoso será retrato de sua personalidade malsã, a merecerem uma reprimenda mais intensa.
Todavia, aqui, em razão mesmo dessa malformação valorativa, não se poderia erigir juízo mais grave
de reprovação, dado que não teve o agente oportunidade de bem captar os valores socialmente
imperantes e de introjetá-los na personalidade senão em excepcional esforço de consciência valorativa.
Já os últimos, cuja estruturação valorativa foi adequada, havendo vivenciado debaixo do universo
axiológico positivo moral e juridicamente, o fato destoará da personalidade individual, estará em
contraste com ela, a merecer portanto – e desde que o fato destoa de sua personalidade – uma menor
reprovabilidade porque a prática da infração penal foi um episódio que não retrata o homem. Para
estes, como visto, a reprovação será em menor grau, porque o fato não retrata sua personalidade,

25
Ver a teoria da Gessinung
26
Na versão radical, ver Filippo Grammatica, Principios de defensa social, trad. Jesus Muñoz y Nuñes de
Prado e outro, Madrid, Editorial Montecorvo S/A, 1974; moderadamente, Marc Ancel, A nova defesa social. Um
movimento de política criminal humanista, trad. Osvaldo Melo, Forense, 1979.
1
quando deveria ser muito mais reprovável sua ação: estando compenetrados dos valores ético-sociais
imperantes, tendo plena consciência da ilicitude de sua conduta, podendo escolher outros caminhos
que não o ilícito, ainda assim escolheu a senda criminosa, a merecer um maior reprovabilidade.

Por isso, é absolutamente refratário a um direito penal do fato e um


direito penal da culpa tomar-se uma circunstância não existente no fato concreto e não enriquecedora
do tipo básico, para, a partir da simples constatação da vontade delituosa, punir-se como se houvera
efetivamente praticado um crime circunstanciado, como se o agente houvera, em realidade, matado o
próprio pai.

Em outros termos, cuida-se de punir uma circunstância putativa. Ou seja,


pune-se como se presente no fato real uma circunstância que apenas ocupou a imaginação do agente.
Pensa este último praticar um delito circunstanciado quando, na verdade, não o praticou. E as
circunstâncias, como já visto ****, reclamam uma tipicidade objetiva e uma tipicidade subjetiva. Isto
é, o fato circunstanciado deve objetivamente ser um trecho da realidade e subjetivamente ser
alcançada pelo dolo do agente.

2. error in objeto
Como visto quando tratado do error in persona, o erro sobre o objeto do
crime diz respeito ao objeto material e jurídico sobre que recai a ação humana. A diferença entre o
error in objeto e o error in persone é que o primeiro envolve a alteração do objeto material e e do
objeto jurídico na generalidade dos bens objeto de tutela penal, enquanto no segundo não existe
mudança do objeto jurídico (vida humana), mas tão apenas do objeto material sobre que incidente a
ação delituosa (vida de A ao invés de vida de B).

Assim, se o agente pensa furtar a caneta tinteiro de Tício quando na


verdade subtrai-lhe a lapiseira que compõe o conjunto, ou imagina estar a destruir a vidraça da casa de
Tício quando na verdade destrói a de Semprônio, incide em erro quanto ao objeto da ação delituosa.
Sendo tal erro absolutamente irrelevante, porquanto não incidente sobre dado essencial do modelo
típico, responde o agente pelo delito primariamente praticado.

Contudo, há hipóteses em que essa forma de erro poderá modificar


eventuais dados de qualificação do crime. Como visto, se o agente que queria furtar um objeto, mas
por engano subtrai outro, esse erro apresenta-se irrelevante. No entanto se o agente, empregado de
confiança, quer furtar bem pertencente a um colega de trabalho mas acaba por subtrair bem
pertencente à empresa, essa hipótese de erro é relevante: não para excluir a incidência típica elementar
(furtar), mas para afastar a modalidade qualificada prevista no art. 155, par. 4º, II, do CP.

3. aberratio ictus
Aberratio ictus significa o desvio no curso causal. O agente dá causa a
um resultado de lesão ou perigo a bem jurídico, que vai além ou é diverso do pretendido em
decorrência de erro na utilização dos meios de execução ou em razão de um desvio causal acidental.
Não existe verdadeiramente erro quanto aos elementos do tipo penal, nem um erro que alcance a
proibição da conduta. Há, tão-só, um desvio causal motivado por erro ou por acidente em uma ação
realizada com plena consciência de todos os elementos do tipo e informada pela vontade de sua
realização, compenetrado o agente do universo axiológico em que inserida a conduta.

Quando o agente atinge bem jurídico diverso do pretendido em razão do


desvio causal, responde pelo crime doloso consumado como se fora sobre o objeto pretendido. Trata-
1
se da denominada aberratio ictus simples. Por outro lado, se em razão do desvio, além do bem
jurídico primariamente afligido e que compunha o quadro de representação do agente (e que
responderá a título de dolo), atinge ele um terceiro bem, responderá quanto a este último por culpa, se
presentes os elementos do delito culposo. Trata-se, aqui, da aberratio ictus complexa. É que mesmo
nas ações delituosas impõe-se um dever de cuidado para não se transbordar por imprudência ou
negligência os limites da ação antijurídica inicial. Pode-se afirmar que mesmo uma ação homicida
deve ser uma “ação cuidadosa de matar”, ou uma ação de lesão corporal deve constituir uma “ação
cuidadosa de lesionar”.

Já criticamos o disposto no art. 20, par. 3º do CP, disciplina jurídica


agora reproduzida no art. 73 do CP ao cuidar da aberratio ictus. Segundo o art. 20, § 3º, do CP, como
já vimos, no erro quanto à pessoa não se consideram as condições pessoais da efetiva vítima, mas sim
as condições pessoais da vítima visada pelo agente. Igual disciplina é aplicada à aberratio ictus,
quando em virtude do desvio causal atinge-se terceira pessoa, diversa da visada pelo agente. Aqui
também se viola o direito penal da culpa e o princípio da legalidade, mais designadamente o da
tipicidade.
Assim, é o exemplo do pai que em razão de desvio causal acidental ou por utilização equivocada dos
meios de execução vem a matar o próprio filho quando queria matar seu vizinho, ou vice-versa. As
mesmas considerações para o caso de error in persona valem para a hipótese da aberratio ictus com
atingimento de pessoa diversa da pretendida. Aqui se instala a responsabilização meramente objetiva
ou descompassada fica a culpa pessoal.

De acordo com a disciplina oferecida para a aberratio ictus no art. 73 do


CP, quando por acidente ou erro de execução o agente atinge pessoa diversa consideram-se as
qualidades pessoais da vítima visada. Quando além de atingir a pessoa visada atinge-se terceiro, o
agente responde por dois delitos em concurso formal (art. 70 do CP), ou, se não atingida a vítima
almejada, configura-se um concurso entre o delito doloso tentado contra a vítima visada e um culposo
relativamente àquela efetivamente atingida27.

O artigo 73, como já se enfatizou, traz as duas hipóteses, ou seja, de


aberratio ictus simples e aberratio ictus complexa: 1) o desvio causal do qual decorre apenas um
resultado delituoso (simples), e 2) o desvio causal de que resulta mais de um resultado delituoso
(complexa). Segundo o art. 73, vale a pena repetir, na hipótese de ocorrerem dois resultados típicos
(aberratio complexa) o agente responderá na forma do concurso formal, isto é pelo resultado mais
grave com aumento de pena de 1/6 até metade (art. 70 do CP), exceto se houve desígnios autônomos.
Neste último caso, aplica-se o concurso material de infrações, pois na realidade objetiva e subjetiva há
duas entidades delituosas, ligando-se ambos os resultados a duas perspectivações racional-volitivas do
agente.

Assim, se o agente pretendendo matar Tício, por erro na execução vem a


atingir Caio que estava ao lado do primeiro, responderá por homicídio doloso como se fora Tício a
vítima atingida, aqui valendo as críticas já apontadas anteriormente. Se o agente pretendendo matar
Tício vem atingir a ambos, a Caio e a Ticio, responderá pelo duplo homicídio, sendo a Tício a título de
dolo e a Caio por culpa. Aplica-se, assim, a regra do concurso formal (art. 70 do CP), punindo-se pelas
penas do homicídio doloso com aumento de 1/6 até metade.

Se o agente querendo matar Tício, mata Caio e fere Tício, responderá a


título de homicídio tentado com relação a Tício, se houve quanto a este uma proximidade do risco, e

27
Nesse sentido, Zaffaroni, Teoria Del delito, Buenos Aires: Ediar, 1973, p. 279.
1
homicídio culposo com relação a Caio, aplicando-se a regra do concurso formal: pena de tentativa de
homicídio com aumento de 1/6 a 1/3. Se provoca lesões em ambos, tentativa de homicídio e lesão
corporal culposa consumada, de novo aplicando-se o concurso formal de infrações. Se mata Tício,
vítima efetivamente visada e por erro de execução lesiona Caio, responderá o agente por homicídio
consumado relativamente a Tício em concurso formal com a lesão corporal culposa consumada em
Caio.

4. resultado diverso do pretendido


No caso de resultado diverso do pretendido, consoante o art. 74 do CP,
igual disciplina regerá o fato. Responderá o agente por delito tentado relativamente ao delito visado e
culposo com referência ao resultado efetivamente ocorrido, resultado do desvio causal, desde, é claro,
o desvio causal decorra de culpa, pela inobservância do cuidado devido nas circunstâncias.

Se o agente querendo praticar o crime de dano contra o vizinho atira uma


pedra na vidraça e ao contrário de acertar a vidraça causa a este último lesão corporal, responderá por
lesão corporal culposa. Se além de atingir a vidraça (fim visado) causa lesão corporal, responde tanto
pelo crime de dano quanto pelo crime de lesão corporal culposa em concurso formal, se houver agido
com infração do dever de cuidado objetivo nas circunstâncias. Se, ao contrário, quer a lesão corporal
de seu vizinho e ao atirar a pedra involuntariamente acerta a vidraça, responderá tão apenas pela lesão
corporal dolosa se atingido o vizinho, pois não há crime de dano culposo. Em caso de não acertar o
vizinho mas tão apenas a vidraça, responderá por tentativa de lesão corporal apenas, desde que não há
a forma culposa do crime de dano.

De sorte que na hipótese de resultado diverso do pretendido com


plúrimas infrações penais, responderá o agente a título de dolo, na forma tentada ou consumada,
quanto ao crime visado e a título de culpa referente às demais infrações, desde que prevista a forma
culposa.

1
RESUMO
O erro é a ignorância ou a falsa percepção da realidade.
O erro pode incidir sobre os elementos do tipo penal, sejam elementos de caráter
descritivo ou normativo, estes últimos de natureza cultural ou jurídico. Trata-se de
erro de tipo. O erro também poderá incidir sobre a proibição jurídica, ascendendo ao
plano do direito. Trata-se de erro de proibição.

O erro quanto aos elementos do tipo penal exclui o dolo


(art. 20 do CP), porquanto deve este abranger todos os elementos do modelo jurídico.
Excluindo o dolo, o erro de tipo exclui a tipicidade dolosa, permitindo a punição pela
forma culposa se prevista em lei. O erro de tipo para ser relevante deverá recair sobre
elemento essencial do tipo penal e deverá também ser inevitável. Se evitável o erro
mediante esforço perceptivo do próprio agente, permanece a punição a título de culpa,
pela configuração do tipo culposo. O erro incidente sobre uma causa de justificação
(legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento dever legal e exercício
regular de um direito) é erro de tipo permissivo, a excluir o dolo do tipo de proibição e
permitir, se evitável, a punição pela modalidade culposa, se prevista em lei.

O erro quanto ao estar proibido é o erro de proibição. Não se


confunde o dogma do conhecimento da lei com o erro de proibição. Uma coisa é
desconhecer a legislação outra é desconhecer o caráter ilícito de uma determinada
conduta, em sua concretitude.

O erro inevitável quanto ao estar proibido exclui a


culpabilidade, enquanto o erro evitável poderá atenuá-la (art. 21 do CP). Há
evitabilidade do erro se mediante esforço de consciência podia o agente capacitar-se
do caráter ilícito da conduta. Se evitável o erro, responde o agente a título de dolo, mas
com reprovabilidade minorada, sendo causa de diminuição da pena de 1/6 a 1/3.

Duas teorias buscam explicar o erro: teoria do dolo


(extremada ou limitada) teoria da culpabilidade (extremada ou limitada). Essas
teorias se fundam em dois sistemas distintos: sistema causal-natural e sistema finalista. A
teoria do dolo encaixa-se no sistema causal-natural. A teoria da culpabilidade assenta-
se no sistema finalista. A teoria do dolo é unitária, porquanto integrando o dolo a
culpabilidade e estando nele ínsita a consciência da ilicitude como dolus malus, o erro de
tipo excluirá o dolo em seu aspecto cognitivo-volitivo e o erro de proibição também
excluirá o dolo em seu aspecto subjetivo-valorativo de consciência, atual ou
potencial, da ilicitude. Seja, portanto, o erro de tipo, seja o erro de proibição
excluirão o dolo e permitirão a punição na modalidade culposa se prevista em lei. A
teoria do dolo se subdivide em limitada e extremada. A teoria extremada entende que
faltando consciência atual da ilicitude há exclusão da culpabilidade dolosa, remanescendo
a culposa. A limitada, procurando evitar a impunidade da exigência de uma consciência
atual da ilicitude sustenta que mesmo sem essa consciência, mas potencialmente podendo
tê-la o agente, responderá pelo delito doloso, havendo uma reprovabilidade por dolo.

Segundo a teoria da culpabilidade (sistema finalista),


estando o dolo no tipo penal, o erro de tipo exclui o dolo e portanto a tipicidade
dolosa, permitindo a punição a título de culpa se prevista em lei. O erro de proibição
exclui a culpabilidade, porquanto ao eliminar a consciência da ilicitude elimina um
de seus elementos, qual seja a consciência potencial da antijuridicidade. A teoria da
culpabilidade se subdivide em teoria extrema e teoria limitada. Para a teoria
extremada, seja erro quanto aos pressupostos fáticos de causa de justificação
1
(legítima defesa putativa) - tipo permissivo -, seja quanto à existência ou limites de
referida causa tratar-se-ia sempre de erro de proibição a excluir a culpabilidade dolosa,
permitindo a punição na modalidade culposa se prevista em lei. A teoria limitada conclui
que o erro quanto aos pressupostos fáticos do tipo permissivo exclui a tipicidade dolosa
permitindo a punição na forma culposa, enquanto o erro relativo à existência e limites de
causa de justificação é erro de proibição, a eliminar culpabilidade por ausência de
consciência da ilicitude.

O error in objeto é aquele incidente sobre o objeto


material do delito. No caso da pessoa humana trata-se do error in persona. Todo outro
erro é erro sobre o objeto o crime. Esta espécie de erro é a princípio irrelevante.

Ocorre o error in persona (art. 20, par. 3º., do CP), quando o


agente, não obstante o correto processo de execução, erra quanto a pessoa sobre que
incidente a ação delituosa. Pensa que mata A quando, na verdade, atinge B. Consoante o
Código Penal levam-se em consideração as condições pessoais da vítima visada A e
não daquela atingida B, impondo-se, portanto, todas as circunstâncias relativas àquela
(A). Por exemplo, Tício querendo matar o pai, confunde-o com a pessoa de Caio, que vem
a ser atingida. Neste caso a agravante de ser cometido o crime contra ascendente (art. 61,
II, “e”, do CP) é aplicável. Trata-se de erro absolutamente irrelevante.
Aberratio ictus significa o desvio no curso causal. O agente
causa resultado delituoso além ou diverso do pretendido em decorrência de erro na
utilização dos meios de execução ou em razão de um desvio causal acidental. Se
atingido bem jurídico diverso em razão do desvio causal, responde pelo crime doloso
consumado como se fora sobre o objeto pretendido, seguindo a disciplina do erro sobre
a pessoa. Se além do bem jurídico visado inicialmente atinge terceiro bem, responde
quando a este último, se presentes os elementos do delito culposo, por culpa.
Se o agente atinge pessoa diversa, consideram-se as
qualidades pessoais da vítima visada (art. 73 do CP). Quando além de atingir a pessoa
visada atinge-se terceiro, o agente responde por dois delitos em concurso formal (art.
70 do CP), sendo um delito doloso tentado contra a vítima visada e um culposo
relativamente àquela efetivamente atingida.
Duas são as formas da aberratio: desvio causal do qual
decorre um resultado delituoso, e o desvio causal que produz mais de um resultado
delituoso. Se ocorrer mais de um resultado típico, o agente responderá na forma do
concurso formal, isto é pelo resultado mais grave com aumento de pena de 1/6 até
metade (art. 70 do CP), exceto se houve desígnios autônomos.
Identicamente no caso de resultado diverso do pretendido
(art. 74 do CP). Responde o agente por delito tentado relativamente ao delito visado e na
modalidade culposa com referência ao resultado efetivamente ocorrido, saldo do desvio
causal, desde, é claro, o desvio causal decorra de culpa, pela inobservância do cuidado
devido nas circunstâncias.

****Obs.: Falar sobre a aberratio ictus e descriminantes, isto é, sobre o erro de exe
cução no exercício de uma discriminante, entendendo a jurisprudência não haver delito
pelo desvio da execução defensiva.

TEXTO ELABORADO PELO PROFESSOR DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO E INÉDITO

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