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REVISTA

DOSSIÊ DEMOCRACIAS E DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 11-23 NOV. 2005


AUTORITARISMOS

POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA1

Chantal Mouffe

RESUMO

Este artigo propõe uma redescrição dos princípios fundamentais da democracia de modo a abrir espaço
para o conflito, a paixão e o político. Em um primeiro momento, criticam-se as versões mais propagadas da
democracia deliberativa, em sua neutralização e redução do pluralismo político e abuso dos propósitos
democráticos de legitimidade e racionalidade. Em seguida, analisam-se os insights de Carl Schmitt em sua
compreensão do conceito do político. Finalmente, o conceito do político é apropriado de modo crítico no
âmbito de uma proposta de modelo agonístico de democracia, em que se deve renunciar à naturalização das
fronteiras da democracia e dos embates entre seus atores – os que eram tidos como inimigos, no interior de
uma sociedade democrática, devem assumir o papel de adversários que compartilham um conjunto de
valores e princípios ético-políticos, cuja interpretação está em disputa.
PALAVRAS-CHAVE: democracia; pluralismo; neutralidade; conflito; conceito de político; racionalidade.

I. INTRODUÇÃO sociedades liberal-democráticas, a qual contradiz


o triunfalismo que testemunhamos desde o colap-
Ao término deste século turbulento [século
so do comunismo soviético.
XX], a democracia liberal parece ser reconhecida
como a única forma legítima de governo. Isso É com tais considerações em mente que pre-
significa, porém, a sua vitória final sobre os seus tendo examinar o debate contemporâneo em teo-
adversários, como alguns acreditam? Há sérias ria democrática. Avalio as propostas oferecidas
razões para um certo ceticismo diante de tal pre- por teóricos da democracia de modo a consolidar
sunção. Não está claro o quão forte é o presente as instituições democráticas. Minha atenção será
consenso, nem por quanto tempo ele vai durar. voltada para o novo paradigma de democracia, o
Enquanto muito poucos ousam desafiar aberta- modelo de “democracia deliberativa”, que se tem
mente o modelo liberal-democrático, os sinais de constituído em um campo de rápido crescimento
desapreço pelas atuais instituições estão-se tor- na área. Em rigor, sua idéia central – de que na
nando generalizados. Um número crescente de sociedade democrática, as decisões políticas de-
pessoas vêm sentindo que os partidos tradicio- vem ser alcançadas por meio de um processo de
nais deixaram de atender a seus interesses e parti- deliberação entre cidadãos iguais e livres – tem
dos de extrema-direita estão fazendo importantes acompanhado a democracia desde o seu nasci-
incursões em muitos países europeus. Além dis- mento na Grécia do século V a. C. As formas de
so, mesmo entre aqueles que estão resistindo ao conceber a deliberação e a definição daqueles ap-
apelo dos demagogos, persiste um cinismo acen- tos a deliberar variaram enormemente, mas a de-
tuado sobre a política e os políticos – com seus liberação tem por longo tempo desempenhado um
muitos efeitos corrosivos sobre a adesão popular papel central no pensamento democrático. O que
aos valores democráticos. Há, claramente, uma se vê hoje é, portanto, o renascimento de um tema
força negativa em funcionamento na maioria das antigo, não a inesperada emergência de algo novo.
O que demanda análise, contudo, é a razão
desse renovado interesse pela deliberação, bem
1 Publicado em inglês como capítulo do livro The como por suas modalidades correntes. Uma ex-
Democratic Paradox (MOUFFE, 2000a). Tradução e re- plicação aponta para os problemas que hoje en-
sumo de Pablo Sanges Ghetti; revisão da tradução de frentam as sociedades democráticas. De fato, um
Gustavo Biscaia de Lacerda. dos proclamados fins dos democratas deliberativos

Recebido em 25 de outubro de 2005


Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 25, p. 11-23, nov. 2005
Aprovado em 1 de novembro de 2005 11
POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA

é o de oferecer uma alternativa para a compreen- O predomínio da perspectiva agregativa, com


são da democracia que se tornou dominante na sua redução da democracia a procedimentos para
segunda metade do século XX, o “modelo o tratamento do pluralismo de grupos de interes-
agregativo”. Tal modelo teve início com o traba- se, é o que a nova onda de Teoria Política
lho seminal de Joseph Schumpeter de 1947, normativa, inaugurada por John Rawls em sua obra
Capitalism, Socialism and Democracy, que argüia de 1971, A Theory of Justice, começou a colocar
que, com o desenvolvimento da democracia de em questão – o mesmo que o modelo deliberativo
massa, a soberania popular, como entendida pe- vem hoje desafiar. Declara-se que o predomínio
los modelos clássicos de democracia, tornara-se do modelo agregativo encontra-se na origem do
inadequada. Um novo entendimento da democra- atual desapreço a atingir as instituições democrá-
cia fazia-se necessário, colocando a ênfase na ticas, bem como da exuberante crise de legitimi-
agregação de preferências, disposta por meio de dade das democracias ocidentais. O futuro da
partidos políticos em que as pessoas teriam a ca- democracia liberal, em sua óptica, depende da re-
pacidade de votar em intervalos regulares. Segue- cuperação de sua dimensão moral. Observando
se sua proposta de definir a democracia como o tanto um espaço para “o fato do pluralismo”
sistema no qual as pessoas teriam a oportunidade (Rawls), como a necessidade de reconhecerem-
de aceitar ou rejeitar seus líderes graças a um pro- se as diferentes concepções do bem, os demo-
cesso eleitoral competitivo. cratas deliberativos afirmam, não obstante, que é
possível alcançar um consenso mais profundo que
Levado adiante por teóricos como Anthony
o “mero acordo sobre procedimentos” – um con-
Downs (1957) em An Economic Theory of
senso qualificado como “moral”.
Democracy, o modelo agregativo tornou-se o pa-
drão no campo acadêmico que se auto-intitulou II. A DEMOCRACIA DELIBERATIVA E SEUS
“teoria política empírica”. O propósito dessa cor- OBJETIVOS
rente era o de elaborar uma abordagem descritiva
Obviamente, os democratas deliberativos não
da democracia, em oposição àquela clássica, de
estão sozinhos ao buscarem oferecer uma alter-
natureza normativa. Os autores que aderiram a
nativa à perspectiva agregativa dominante, cuja
essa escola consideraram que, sob condições
visão do processo democrático é empobrecedora.
modernas, noções como “bem comum” e “von-
A especificidade de sua abordagem reside na pro-
tade geral” tinham de ser abandonadas e que o
moção de uma forma de racionalidade normativa.
pluralismo de interesses e valores precisava ser
Também é distintivo o seu esforço de fornecer
reconhecido como co-extensivo à própria idéia de
uma base sólida de lealdade política [allegiance]
“povo”. Além disso, dado que em sua perspectiva
para com a democracia liberal ao reconciliarem a
o auto-interesse era o que levava os indivíduos a
idéia de soberania democrática com a defesa de
agir – não a crença moral segundo a qual eles de-
instituições liberais. De fato, vale ressaltar que,
veriam agir conforme os interesses da comunida-
enquanto críticos de um certo modus vivendi li-
de –, eles declararam que eram os interesses e as
beral, a maioria dos defensores da democracia
preferências que deveriam constituir os
deliberativa não é antiliberal. Diferentemente de
parâmetros pelos quais os partidos políticos or-
críticos marxistas anteriores, eles acentuam o papel
ganizar-se-iam, além de fornecer a matéria a par-
central de valores liberais na concepção moderna
tir da qual a barganha e o voto seriam mobiliza-
de democracia. Seu objetivo não é abrir mão do
dos. A participação popular na tomada de deci-
liberalismo, mas recuperar sua dimensão moral e
sões deveria, isto sim, ser desencorajada, porquan-
estabelecer uma conexão forte entre valores libe-
to poderia ter apenas conseqüências nocivas para
rais e democracia.
o funcionamento do sistema. A estabilidade e a
ordem resultariam mais provavelmente do com- Sua pretensão principal afirma a possibilidade,
promisso entre interesses diversos do que da graças a procedimentos adequados de delibera-
mobilização do povo em direção a um consenso ção, de alcançarem-se formas de acordo que sa-
ilusório acerca do bem comum. Como conseqü- tisfariam tanto a racionalidade (entendida como
ência, a política democrática foi apartada de sua defesa de direitos liberais) quanto a legitimidade
dimensão normativa, começando a ser concebida democrática (tomada como soberania popular).
em termos puramente instrumentalistas. Tal movimento reformula o princípio democráti-

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co de soberania popular de modo a eliminar os de sua teoria procedimental da democracia é de-


perigos que tal princípio pode representar para os monstrar a co-originalidade dos direitos individu-
valores liberais. É a consciência desses perigos ais fundamentais e da soberania popular. De um
que freqüentemente preocupou liberais diante da lado, o autogoverno serve para proteger direitos
participação popular, levando-os a tentar desenco- individuais; de outro, os mesmos direitos forne-
rajá-la e limitá-la. Os democratas deliberativos cem as condições necessárias para o exercício da
acreditam que tais perigos podem ser evitados, soberania popular. Uma vez entendidos desse
permitindo-se, por isso, que liberais abracem o modo, diz o autor, “então se pode entender como
ideal democrático com entusiasmo inusitado. Uma a soberania popular e os direitos humanos andam
solução proposta é a de reinterpretar a soberania lado a lado e logo perceber a co-originalidade das
popular em termos intersubjetivos e redefini-la autonomias cívica e privada” (HABERMAS,
como “poder gerado comunicativamente”2. 1996a, p. 127).
Há muitas versões diferentes da democracia Seus seguidores, Cohen e Benhabib, também
deliberativa, mas elas podem ser aproximadamente ressaltam o gesto conciliatório presente no proje-
classificadas em duas grandes escolas: a primeira to deliberativo. Enquanto Cohen considera que é
amplamente influenciada por Rawls, a segunda por um equívoco vislumbrar a liberdade dos moder-
Habermas. Concentrar-me-ei, portanto, nesses nos como sendo exteriores ao processo demo-
dois autores, acompanhados de dois de seus se- crático e que valores liberais devem ser vistos
guidores, Joshua Cohen e Seyla Benhabib, res- como elementos da democracia ao invés de um
pectivamente. É inegável, certamente, a existên- constrangimento a ela (COHEN, 1998, p. 187),
cia de diferenças entre as duas abordagens – as Benhabib (1996) declara que o modelo deliberativo
quais serão indicadas ao longo desta exposição – pode transcender a dicotomia entre a ênfase libe-
mas há também convergências importantes, as ral em direitos individuais e liberdades, assim como
quais, do ponto de vista desta pesquisa, são mais a ênfase democrática na formação coletiva e na
significativas que as divergências. formação da vontade.
Como já foi indicado, um dos propósitos da Outro ponto de convergência entre as duas
abordagem deliberativa – compartilhado tanto por versões de democracia deliberativa é a sua insis-
Rawls como por Habermas – consiste em asse- tência comum na possibilidade de fundar autori-
gurar uma ligação forte entre democracia e libera- dade e legitimidade em algumas formas de razão
lismo, combatendo todos os críticos – de direita e pública e sua crença compartilhada em uma for-
esquerda – que proclamaram a natureza contradi- ma de racionalidade que é não apenas instrumen-
tória da democracia liberal. Um exemplo é a de- tal, mas tem uma dimensão normativa: o “razoá-
claração de Rawls sobre sua ambição de elaborar vel” para Rawls, a “racionalidade comunicativa”
um liberalismo democrático que responderia não para Habermas. Em ambos os casos uma forte
só às pretensões extraídas da idéia de liberdade, separação é estabelecida entre “mero acordo” e
mas também daquela de igualdade. Ele procura “consenso racional”, ao passo que o campo pró-
encontrar uma solução para o desacordo que vem prio da política é identificado com a troca de ar-
ocorrendo no pensamento democrático durante gumentos entre pessoas razoáveis guiadas pelo
os últimos séculos, “Entre a tradição associada a princípio da imparcialidade.
Locke, que dá maior peso ao que Constant cha-
Tanto Habermas como Rawls acreditam que
mou de as ‘liberdades dos modernos’, liberdade
se pode encontrar o conteúdo idealizado da
de pensamento e consciência, alguns direitos bá-
racionalidade prática nas instituições da democra-
sicos da pessoa e da propriedade e o Estado de
cia liberal. Eles divergem na elucidação da forma
Direito, e a tradição associada a Rousseau, que dá
de razão prática incorporada pelas instituições
maior peso ao que Constant chamou de ‘liberda-
democráticas. Rawls enfatiza o papel dos princí-
des dos antigos’, as iguais liberdades políticas e
pios de justiça alcançados por meio do artifício da
os valores da vida pública” (RAWLS, 1993, p. 5).
“posição original” que força os participantes a
No que toca a Habermas, seu livro Between deixar de lado todas as suas particularidades e in-
Facts and Norms explicita que um dos objetivos teresses. Sua concepção de “justiça como eqüi-
dade” – que enuncia a prioridade dos princípios
2 Ver, por exemplo, Habermas (1996b, p. 29). liberais básicos – conjuntamente com os “elemen-

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POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA

tos constitucionais essenciais” fornece o quadro tido é racional e não um mero acordo. Essa é a
para o exercício da “razão pública livre”. No que razão pela qual a ênfase é colocada na natureza do
concerne a Habermas, tem-se a defesa do que procedimento deliberativo, bem como nos tipos
chama de abordagem estritamente procedimental, de razão que são tidos como aceitáveis para parti-
em que nenhum limite é estabelecido para a am- cipantes competentes. Benhabib expõe-no da ma-
plitude e o conteúdo da deliberação. São os cons- neira seguinte: “De acordo com o modelo
trangimentos procedimentais da situação ideal de deliberativo de democracia, é condição necessá-
fala que eliminarão as posições que não podem ria para a obtenção de legitimidade e racionalidade
ser aceitas pelos participantes do “discurso” mo- com relação ao processo de tomada de decisão
ral. Como relembrado por Benhabib, as caracte- coletiva em uma unidade política que as institui-
rísticas de tal discurso são as seguintes: “(1) a ções dessa unidade política arranjem-se, de tal
participação em tal deliberação é governada pelas modo que aquilo que é considerado no interesse
normas de igualdade e simetria; todos têm as mes- comum de todos resulte de um processo de deli-
mas chances de iniciar atos de fala, para questio- beração coletiva conduzido racional e eqüitativa-
nar, interrogar e abrir o debate; (2) todos têm o mente entre indivíduos livres e iguais”
direito de questionar os tópicos definidos da con- (BENHABIB, 1996, p. 69).
versação e (3) todos têm o direito de iniciar argu-
Para os habermasianos, o processo de delibe-
mentos reflexivos sobre as próprias regras do pro-
ração tem resultados razoáveis assegurados, na
cedimento discursivo e o modo pelo qual são apli-
medida em que se estabeleçam as condições do
cadas e implementadas. Não há regras que em
“discurso ideal”: quanto mais igual e imparcial,
princípio limitem a agenda da conversação ou a
mais aberto será o processo; quanto menos os
identidade dos participantes, desde que qualquer
participantes são coagidos e prontos para serem
pessoa ou grupo excluído possa demonstrar
guiados pela força do melhor argumento, mais os
justificadamente que são afetados de modo rele-
interesses verdadeiramente generalizáveis poderão
vante pela norma proposta em questão”
ser aceitos por todos os afetados de modo rele-
(BENHABIB, 1996, p. 70).
vante. Habermas e seus seguidores não negam que
Nos termos dessa perspectiva, a base de legi- haja obstáculos para a realização do discurso ide-
timidade das instituições democráticas deriva do al, mas os mesmos são entendidos como tendo
fato de que as instâncias que afirmam um poder natureza empírica. Tais obstáculos devem-se ao
coercitivo fazem-no sob a presunção de que suas fato de que é improvável, dadas as limitações prá-
decisões representam um ponto de vista imparci- ticas e empíricas da vida social, que possamos
al, que se situa na conjunção do interesse igual de deixar de lado completamente todos os nossos
todos. Cohen, depois de enunciar que a legitimi- interesses particulares a ponto de que nossos in-
dade democrática decorre de decisões coletivas teresses venham a coincidir com nosso “si-mes-
entre membros iguais, declara: “De acordo com mo” [self] racional universal. Esse é o motivo pelo
uma concepção deliberativa, uma decisão é cole- qual a situação ideal de fala é apresentada como
tiva apenas no caso em que emerge das disposi- “ideal regulativo”.
ções de escolhas coletivas exigíveis que estabele-
Além disso, Habermas agora aceita que haja
cem as condições para o raciocínio público livre
questões que devam permanecer alheias às práti-
entre iguais que são governados pelas decisões”
cas de debate público racional, como questões
(COHEN, 1998, p. 186).
existenciais que dizem respeito não a questões de
Nessa óptica, não seria suficiente que um pro- justiça, mas à vida digna – este seria em sua visão
cedimento democrático levasse em consideração o domínio da ética –, ou, ainda, conflitos entre
os interesses de todos e alcançasse um compro- grupos de interesse que só possam ser resolvidos
misso capaz de estabelecer um modus vivendi. O por via de compromisso. Contudo, ele considera
propósito é o de gerar “poder comunicativo” e que “essa diferenciação, dentro do campo de ques-
isso requer o estabelecimento de condições para tões que requerem decisões políticas, não nega a
o livre consentimento de todos os envolvidos – importância central de considerações morais, nem
daí a importância de encontrarem-se procedimen- a praticidade do debate racional como a forma
tos que garantiriam a imparcialidade moral. Ape- mesma de comunicação política” (HABERMAS,
nas aí se pode ter certeza de que o consenso ob- 1991, p. 448). Em sua perspectiva, questões po-

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líticas fundamentais pertencem à mesma catego- também mostra como esse autor fornece um bom
ria que questões morais e podem ser decididas exemplo da compatibilidade entre as duas aborda-
racionalmente. Ao contrário das questões éticas, gens. Particularmente, Cohen destaca o processo
elas não podem depender de seu contexto. A vali- deliberativo e afirma que a democracia requer que
dade de suas respostas vem de uma fonte inde- os participantes não apenas sejam livres e iguais,
pendente e tem um alcance universal. Ele perma- mas também “razoáveis” – a democracia entendi-
nece inflexível quanto à afirmação de que a troca da como um sistema de arranjos sociais e políti-
de argumentos e contra-argumentos, como cos, capaz de ligar o exercício do poder ao livre
verificada em sua abordagem, é o procedimento exercício da razão entre iguais. Por “razoáveis”
mais adequado para o alcance da formação racio- quer dizer que “eles [os participantes] procuram
nal da vontade de onde o interesse geral surgirá. defender e criticar instituições e programas nos
termos de considerações que outros, como livres
A democracia deliberativa, nas duas versões
e iguais, têm razão para aceitar, dado o fato do
consideradas aqui, em benefício da perspectiva
pluralismo razoável” (COHEN, 1998, p. 194).
agregativa, admite que nas condições modernas
uma pluralidade de valores e interesses precisa ser III. FUGINDO DO PLURALISMO
reconhecida e que o consenso sobre o que Rawls
Após ter delineado as idéias principais da de-
chama de visões “abrangentes” [comprehensive]
mocracia deliberativa, examinarei agora em maior
de natureza religiosa, moral e filosófica deve ser
detalhe alguns pontos do debate estabelecido en-
abandonado. Seus defensores, porém, não acei-
tre Rawls e Habermas, com o objetivo de trazer a
tam que isso leve à impossibilidade de um con-
lume os defeitos cruciais da perspectiva
senso racional sobre decisões políticas – enten-
deliberativa. Dois pontos, a partir daí, assumem
dendo-se por isso não um simples modus vivendi,
particular relevância.
mas um tipo moral de acordo, resultado do racio-
cínio moral livre entre iguais. Dado que os proce- O primeiro refere-se a uma das pretensões
dimentos de deliberação assegurem imparcialida- centrais do “liberalismo político” defendido por
de, igualdade, abertura e ausência de coerção, eles Rawls: um liberalismo político não-metafísico e
guiarão a deliberação em direção a interesses ge- livre de visões abrangentes. Estabelece-se uma
neralizados que possam ser subscritos por todos separação clara entre o reino privado – em que
os participantes, conseqüentemente produzindo uma pluralidade de diferentes e irreconciliáveis
resultados legítimos. A questão da legitimidade é visões abrangentes coexistem – e o reino público,
mais fortemente enfatizada pelos habermasianos, em que um consenso sobreposto pode ser esta-
mas não há diferenças fundamentais entre belecido sobre uma concepção compartilhada de
Habermas e Rawls nesse ponto. De fato, Rawls justiça.
define o princípio liberal de legitimidade de um
Habermas contesta que Rawls não pode ter
modo congruente com a visão de Habermas: “Nos-
êxito nessa estratégia de evitar questões filosófi-
so exercício do poder político é adequado e logo
cas controversas, porque seria impossível desen-
justificável apenas quando ocorre de acordo com
volver sua teoria no modo independente como ele
uma constituição por cujos elementos essenciais
anuncia. De fato, sua idéia de “razoável”, assim
espera-se razoavelmente o apoio de todos os ci-
como sua concepção de “pessoa”, necessariamente
dadãos, conforme princípios e ideais aceitáveis
o envolve em questões pertinentes aos conceitos
para eles como razoáveis e racionais” (RAWLS,
de racionalidade e verdade que pretende ultrapas-
1993, p. 217). Essa força normativa, devido ao
sar (HABERMAS, 1995, p. 126). Além disso,
princípio de justificação geral, sintoniza-se com a
Habermas declara que sua própria abordagem é
ética do discurso de Habermas e essa é a razão
superior à de Rawls, em função de seu caráter
por que se pode argüir a possibilidade de
estritamente procedimental, que lhe permite “dei-
reformulação do construtivismo político rawlsiano
xar mais questões abertas porque deposita mais
na língua da ética do discurso3. Na verdade, isso
confiança no processo de constituição da opinião
é o que o próprio Cohen, de certo modo, faz; isso
e da vontade racionais” (idem, p. 131). Por não
delimitar uma separação forte entre o público e o
privado, seria uma perspectiva mais bem talhada
3 Tal argumento é apresentado por Rainer Forst em sua para acomodar a amplitude de deliberação que
resenha de Liberalismo político (FORST, 1994, p. 169). decorre da democracia. A isso, Rawls replica que

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POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA

a perspectiva de Habermas não pode ser tão estri- pios fundamentais estão envolvidos – não é um
tamente procedimental como ele gostaria, pois terreno neutro que poderia ser isolado do
deve incluir uma dimensão substantiva, dado que pluralismo de valores ou em que soluções racio-
questões relativas ao resultado dos procedimen- nais e universais poderiam ser formuladas.
tos não podem ser excluídas das escolhas que le-
O segundo ponto é outra questão concernente
vam a eles (RAWLS, 1995, p. 170-174).
à relação entre autonomia privada e autonomia
Ambos estão corretos em suas críticas mútu- pública. Como vimos, ambos os autores procu-
as. Realmente, a concepção de Rawls não é tão ram conciliar as “liberdades dos antigos” com as
independente de visões abrangentes como ele acre- “liberdades dos modernos” e argumentam que os
dita e Habermas não pode ser tão procedimentalista dois tipos de autonomia necessariamente cami-
como pretende. Que ambos sejam incapazes de nham juntos. Contudo, Habermas considera que
separar o público do privado, ou o procedimental apenas sua abordagem consegue estabelecer a co-
do substancial, como declaram, é revelador. O que originalidade de direitos individuais e participação
isso revela é a impossibilidade de conseguir-se o democrática. Afirma que Rawls subordina a so-
que cada um deles, apesar de por diferentes ca- berania democrática aos direitos liberais porque
minhos, está realmente perseguindo, ou seja, cir- ele concebe a autonomia pública como um meio
cunscrever um domínio que não seria sujeito ao para autorizar a autonomia privada. Habermas, por
pluralismo de valores e em que um consenso sem seu turno, como Charles Larmore apontou, privi-
exclusão poderia ser instaurado. Com efeito, ao legia o aspecto democrático, dado que assevera
evitar doutrinas abrangentes, Rawls está motiva- que a importância dos direitos individuais subsis-
do por sua crença de que nenhum acordo racional te em sua capacidade de tornar possível o
é possível nesse campo. Eis a razão por que, com autogoverno democrático (LARMORE, 1996, p.
o fim de tornar as instituições liberais aceitáveis 217). Então, mais uma vez, temos de concluir que
para pessoas de diferentes visões morais, filosó- nenhum deles é capaz de cumprir o que anunci-
ficas e religiosas, precisam ser neutras em rela- am. O que querem negar é o caráter paradoxal da
ção a visões abrangentes. Por isso, a clara sepa- democracia moderna e a tensão fundamental en-
ração que tenta instituir entre o reino privado – tre a lógica da democracia e a lógica do liberalis-
com seu pluralismo de valores irreconciliáveis – e mo. São incapazes de reconhecer que, ao passo
o reino público, em que um acordo político sobre que realmente direitos individuais e autogoverno
concepções liberais de justiça seria assegurado por democrático são constitutivos da democracia li-
meio da criação de um consenso sobreposto em beral – cuja novidade reside precisamente na arti-
termos de justiça. culação dessas tais duas tradições – também exis-
te uma tensão entre suas “gramáticas” respecti-
No caso de Habermas, uma tentativa similar
vas que nunca poderá ser eliminada. Certamente,
de escapar das implicações do pluralismo de valo-
ao contrário do que alguns de seus adversários,
res é feita por intermédio da distinção entre ética
como Carl Schmitt, argumentaram, isso não sig-
– um domínio que permite concepções sobre o
nifica que a democracia liberal é um regime fada-
bem que competem entre si – e moralidade – em
do ao insucesso. Tal tensão, apesar de
que um procedimentalismo estrito pode ser
inerradicável, pode ser negociada de diferentes
implementado e a imparcialidade alcança condi-
maneiras. De fato, uma grande parte da política
ção de liderança na formulação de princípios uni-
democrática dá-se precisamente em torno da ne-
versais. Rawls e Habermas querem fundamentar
gociação de tal paradoxo e da articulação de solu-
a adesão à democracia liberal com um tipo de acor-
ções precárias4. O que é descabida é a procura de
do racional que fecharia as portas para a possibi-
uma solução racional final. Não apenas infrutífe-
lidade de contestação. Eles precisam, por esse
ra, essa empreitada carrega constrangimentos
motivo, relegar o pluralismo para um domínio não-
indevidos ao debate político. Tal procura deveria
público, isolando a política de suas conseqüênci-
ser reconhecida pelo que realmente é – outra ten-
as. O fato de que sejam incapazes de manter a
separação rígida que advogam tem implicações
muito importantes para a política democrática.
Ressalta-se aí que o domínio da política – mesmo 4 Desenvolvi esse argumento em meu artigo “Carl Schmitt
quando questões básicas como justiça ou princí- and the Paradox of Liberal Democracy” (MOUFFE, 1999).

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tativa de insular a política dos efeitos do pluralismo na importância de um outro tipo de racionalidade,
de valores, desta vez tentando fixar terminante- a racionalidade em marcha na ação comunicativa
mente todo o sentido e a hierarquia dos valores e na razão pública livre. Querem fazê-la a força
liberal-democráticos fundamentais. A teoria demo- central de movimento dos cidadãos democráticos
crática deveria renunciar a essas formas de e a base de sua fidelidade em relação a suas insti-
escapismo e enfrentar o desafio que decorre do tuições comuns.
reconhecimento do pluralismo de valores. Isso não
A preocupação de Habermas e Rawls com o
significa aceitar um pluralismo total – alguns limi-
atual estado das instituições democráticas é uma
tes precisam ser estabelecidos com relação ao tipo
que compartilho, mas considero as suas respos-
de confrontação que será vista como legítima na
tas extremamente inadequadas. A solução para
esfera pública. Mas a natureza política dos limites
nossos graves problemas contemporâneos não se
deve ser reconhecida, em lugar da apresentação
resume a substituir a “racionalidade de meios-fins”
de tais limites como exigências da moralidade e
dominante por uma nova forma de racionalidade,
da racionalidade.
agora “deliberativa” ou “comunicativa”. De fato,
IV. QUE LEALDADE PARA A DEMOCRACIA? há espaço para entendimentos diferentes da razão
e é importante tornar mais complexo o quadro
Se tanto Rawls como Habermas, embora de
oferecido pelos detentores da visão instrumenta-
diferentes maneiras, buscam alcançar uma forma
lista. No entanto, simplesmente substituir um tipo
de consenso racional ao invés de um “simples
de racionalidade por outro não nos ajudará a al-
modus vivendi” ou um “mero acordo” é porque
cançar o problema real que a questão da lealdade
acreditam que, ao obterem bases estáveis para a
política [allegiance] expõe. Como Michael
democracia liberal, esse consenso contribuirá para
Oakeshott relembrou-nos, a autoridade das insti-
assegurar o futuro das instituições liberal-demo-
tuições políticas não é uma questão de consenti-
cráticas. Como vimos, enquanto Rawls conside-
mento, mas de contínua adesão dos cives que re-
ra que a questão-chave é a justiça, para Habermas
conhecem suas obrigações de obedecer às condi-
ela envolve a questão da legitimidade. De acordo
ções prescritas pela res publica (OAKESHOTT,
com Rawls, uma sociedade bem-ordenada é aquela
1975, p. 149-158). Seguindo essa linha de pensa-
que funciona conforme princípios estabelecidos
mento, podemos dar-nos conta de que o que real-
por uma concepção compartilhada de justiça. É
mente está em jogo na fidelidade a instituições
isso que produz estabilidade e a aceitação das ins-
democráticas é a constituição de um conjunto de
tituições por parte dos cidadãos. Para Habermas,
práticas que façam possível a criação de cidadãos
uma democracia estável e funcional requer a cri-
democráticos. Essa não é uma questão de justifi-
ação de uma unidade política integrada por meio
cação racional, mas de disponibilidade de for-
de discernimento racional em direção à legitimi-
mas democráticas de individualidade e subjetivi-
dade. Essa é a razão de os habermasianos enten-
dade. Ao privilegiar a racionalidade, tanto a pers-
derem que a questão crucial descansa na busca
pectiva deliberativa como a agregativa deixam de
de um caminho capaz de garantir que decisões
lado um elemento central, que é o papel crucial
tomadas por instituições democráticas represen-
desempenhado por paixões e afetos na garantia
tem um ponto de vista imparcial, expressando
da fidelidade a valores democráticos. Isso não
igualmente os interesses de todos, o que requer
pode ser ignorado, do que decorre avaliar a ques-
estabelecer procedimentos aptos a propiciar re-
tão da cidadania democrática de modo bem dife-
sultados racionais mediante a participação demo-
rente. O fracasso da teoria democrática contem-
crática. Como expresso por Seyla Benhabib, “a
porânea em atacar a questão da cidadania é a con-
legitimidade em sociedades complexas deve ser
seqüência de seu funcionamento com uma con-
pensada como resultante da livre e desimpedida
cepção de sujeito que vê os indivíduos como an-
deliberação pública de todos, sobre matérias de
teriores à sociedade, portadores de direitos natu-
interesse comum” (BENHABIB, 1996, p. 68).
rais, e tanto agentes da maximização dos benefí-
Em seu desejo de mostrar as limitações do cios como sujeitos racionais. Em todos os casos
consenso democrático como vislumbrado pelo estão abstraídos das relações sociais e de poder,
modelo agregativo – apenas preocupado com a linguagem, cultura e todo o conjunto de práticas
racionalidade instrumental e a promoção do auto- que tornam a ação [agency] possível. O que falta
interesse –, os democratas deliberativos insistem a essas abordagens racionalistas é a própria ques-

17
POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA

tão de quais são as condições de existência do de opinião, deve haver acordo sobre formas de
sujeito democrático. vida. Em sua ótica, concordar com a definição de
um termo não é suficiente e precisamos de acor-
Pretendo desenvolver a visão segundo a qual
do sobre o modo que a utilizamos. Isso significa
não é com a construção de argumentos sobre a
que os procedimentos devem ser entendidos como
racionalidade incorporada em instituições liberal-
conjuntos de práticas. É porque estão inscritos
democráticas que se contribui para a criação de
em formas de vida compartilhadas e em acordos
cidadãos da democracia. Indivíduos da democra-
sobre juízos que os procedimentos podem ser
cia só serão possíveis com a multiplicação de ins-
aceitos e seguidos. Eles não podem ser vistos como
tituições, discursos, formas de vida que fomen-
regras que são criadas com base em princípios e
tem a identificação com valores democráticos. Eis
então aplicadas a casos específicos. Regras para
a razão por que, apesar de concordar com os de-
Wittgenstein são sempre abreviações de práticas,
mocratas deliberativos sobre a necessidade de um
são inseparáveis de suas formas de vida específi-
conceito diferente de democracia, vejo suas pro-
cas. Isso indica que uma distinção estrita entre
postas como contraproducentes. Em rigor, preci-
“procedimental” e “substancial” ou entre “moral”
samos formular uma alternativa ao modelo
e “ética” – distinções que são fundamentais para a
agregativo e à concepção instrumental da política
abordagem habermasiana – não podem ser sus-
que esse modelo fomenta. Está claro que ao
tentadas. Procedimentos sempre envolvem com-
desencorajarem o envolvimento ativo dos cida-
promissos éticos substanciais e não pode nunca
dãos no funcionamento da unidade política e ao
haver procedimentos puramente neutros.
encorajarem a privatização da vida, eles não asse-
guraram a estabilidade que anunciaram. Formas Vistos de um tal ponto de partida, a lealdade à
extremas de individualismo espalharam-se ampla- democracia e a crença no valor de suas institui-
mente, ameaçando a própria “fábrica social” [the ções não dependem em dar-lhes uma fundação
very social fabric]. De outro modo, desprovidos intelectual. Pertencem mais ao âmbito do que
da possibilidade de identificarem-se com concep- Wittgenstein comparou a um “compromisso apai-
ções preciosas de cidadania, muitas pessoas es- xonado a um sistema de referência. Logo, apesar
tão, em um crescendo, procurando formas de de ser crença, é realmente um modo de viver ou
identificação que podem muito freqüentemente de avaliar-se uma vida” (WITTGENSTEIN, 1980,
colocar em risco o laço cívico que deveria unir a p. 85e). Ao contrário da democracia deliberativa,
associação político-democrática. O crescimento tal perspectiva também implica reconhecer os li-
de várias religiões, bem como de fundamentalis- mites do consenso: “Onde dois princípios que não
mos morais e étnicos, é a meu ver a conseqüên- podem ser reconciliados realmente se encontram,
cia direta do déficit democrático que caracteriza a cada homem declara o outro um tolo e um heréti-
maior parte das sociedades liberal-democráticas. co. Eu disse que ‘combateria’ o outro homem –
mas não lhe daria razões? Certamente; mas quão
Para enfrentar seriamente tais problemas, o
longe iriam? Ao fim das razões, vem a persuasão”
único caminho é vislumbrar a cidadania demo-
(WITTGENSTEIN, 1969, p. 81e).
crática de uma perspectiva diferente, de modo a
colocar ênfase nos tipos de práticas e não nas Ver as coisas dessa maneira deveria permitir-
formas de argumentação. Em The Return of the nos perceber que levar o pluralismo a sério requer
Political (MOUFFE, 1993), argumentei que as que se abra mão do sonho de um consenso racio-
reflexões sobre associação civil, desenvolvidas por nal que acarreta a fantasia de que poderíamos es-
Michael Oakeshott em On Human Conduct, são capar de nossa forma de vida humana. Em nosso
muito pertinentes para a concepção de formas desejo de uma compreensão total, diz Wittgenstein,
modernas de comunidade política e o tipo de laço “aportamos sobre o gelo escorregadio onde não
unindo cidadãos democráticos, i. e., a linguagem há fricção e, então, de certo modo, as condições
específica do intercâmbio civil que ele chama de são ideais, mas, também exatamente por isso,
res publica (idem, cap. 4). Também podemos, somos incapazes de andar: então precisamos de
porém, inspirar-nos em Wittgenstein que, como fricção. De volta ao terreno tosco”
demonstrei (MOUFFE, 2000), fornece insights (WITTGENSTEIN, 1958, p. 46e).
muito importantes para uma crítica do raciona-
“De volta ao terreno tosco” aqui significa com-
lismo. Com efeito, em seu trabalho tardio, subli-
preender o fato de que, longe de serem meramen-
nhou o fato de que, para alcançarem-se acordos

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 11-23 NOV. 2005

te empíricos ou epistemológicos, os obstáculos Isso implica que qualquer objetividade social é em


aos artifícios racionalistas são ontológicos. De fato, última instância política e que ela tem de mostrar
a deliberação pública livre e desimpedida de todos os traços de exclusão que governam a sua consti-
sobre matérias de interesse comum é uma impos- tuição. Esse ponto de convergência – ou de
sibilidade conceitual, dado que formas particula- arruinamento mútuo – entre a objetividade e o poder
res de vida que são apresentadas como seus “em- é o que nós queremos dizer com “hegemonia”.
pecilhos” são sua própria condição de possibilida- Esse modo de apresentar o problema indica que o
de. Sem elas, a comunicação ou a deliberação ja- poder não deve ser concebido como uma relação
mais adviriam. Não há justificação alguma para externa acontecendo entre duas identidades pré-
atribuir privilégio ao chamado “ponto de vista constituídas, mas sim como constituindo as iden-
moral” governado pela racionalidade e pela im- tidades elas mesmas. Considerando-se que qual-
parcialidade e em que um consenso racional uni- quer ordem política é a expressão de uma
versal poderia ser alcançado. hegemonia, de um padrão específico de relações
de poder, a prática política não pode ser entendida
V. UM MODELO “AGONÍSTICO” DE DEMO-
como simplesmente representando os interesses
CRACIA
de identidades pré-constituídas, mas como cons-
Além de dar ênfase às práticas e aos jogos de tituindo essas próprias identidades em um terreno
linguagem, uma alternativa ao quadro conceitual precário e sempre vulnerável.
racionalista também requer entender o fato de que
Asseverar a natureza hegemônica de qualquer
o poder é constitutivo das relações sociais. Um
tipo de ordem social significa operar um desloca-
dos defeitos da abordagem deliberativa é que, ao
mento das relações tradicionais entre democracia
postular a disponibilidade de uma esfera pública
e poder. De acordo com a abordagem deliberativa,
em que o poder teria sido eliminado e onde um
quanto mais democrática uma sociedade, menos
consenso racional poderia ser produzido, este
o poder será constitutivo das relações sociais. Se
modelo de política democrática é incapaz de re-
aceitarmos, contudo, que as relações de poder são
conhecer a dimensão do antagonismo e seu cará-
constitutivas do social, então a questão principal
ter inerradicável, que decorre do pluralismo de
para a política democrática não é como eliminar o
valores. Eis o motivo por que esse modelo está
poder, mas como constituir formas de poder mais
fadado a menosprezar a especificidade do políti-
compatíveis com valores democráticos.
co, vislumbrado assim como um domínio parti-
cular da moralidade. A democracia deliberativa Compreender a natureza constitutiva do poder
provê uma boa ilustração do que Schmitt expres- implica abandonar o ideal de uma sociedade de-
sou sobre o pensamento liberal: “De um modo mocrática como a realização de perfeitas harmo-
muito sistemático, o pensamento liberal evade ou nia ou transparência. O caráter democrático de
ignora o Estado e a política e manifesta-se, ao uma sociedade só pode ser dado na hipótese em
invés disso, em termos de uma típica e sempre que nenhum ator social limitado possa atribuir-se
recorrente polaridade de duas esferas heterogê- a representação da totalidade ou pretenda ter con-
neas, sabidamente a ética e a economia” trole absoluto sobre a sua fundação.
(SCHMITT, 1976, p. 70). De fato, ao modelo
A democracia requer, portanto, que a natureza
agregativo, inspirado pela economia, a única al-
puramente construída das relações sociais encontre
ternativa que os democratas deliberativos podem
seu complemento nos fundamentos puramente
opor é uma que reduz a política à ética.
pragmáticos das pretensões de legitimidade do
De maneira a remediar essa séria deficiência, poder. Isso implica que não haja nenhuma lacuna
precisamos de um modelo democrático capaz de insuperável entre poder e legitimidade – obviamente
apreender a natureza do político. Isso requer o não no sentido de que todo poder seja automati-
desenvolvimento de uma abordagem que inscre- camente legítimo, mas no sentido de que a) se
ve a questão do poder e do antagonismo em seu qualquer poder é capaz de se impor, é porque foi
próprio centro. É tal perspectiva que advogo, cujas reconhecido como legítimo em algumas partes e
bases teóricas foram delineadas em Hegemony and b) se a legitimidade não se baseia em um funda-
Socialist Strategy (LACLAU & MOUFFE, 1985). mento apriorístico, é porque se baseia em alguma
A tese central do livro é a de que a objetividade forma de poder bem-sucedido. Essa conexão en-
social é constituída por meio de atos de poder. tre poder e legitimidade e a ordem hegemônica

19
POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA

que ela acarreta é precisamente o que a aborda- Vislumbrada a partir da óptica do “pluralismo
gem deliberativa renega ao estabelecer a possibili- agonístico”, o propósito da política democrática
dade de um tipo racional de argumentação em que é construir o “eles” de tal modo que não sejam
o poder foi eliminado e em que a legitimidade é percebidos como inimigos a serem destruídos,
fundada na racionalidade pura. mas como adversários, ou seja, pessoas cujas idéias
são combatidas, mas cujo direito de defender tais
Uma vez delimitado o terreno teórico, pode-
idéias não é colocado em questão. Esse é o verda-
mos começar a formular uma alternativa tanto ao
deiro sentido da tolerância liberal-democrática, a
modelo agregativo quanto ao modelo deliberativo
qual não requer a condescendência para com idéias
– um modelo que proponho chamar de “pluralismo
que opomos, ou indiferença diante de pontos de
agonístico”5. Uma primeira distinção é necessária
vista com os quais discordamos, mas requer, sim,
para esclarecer a nova perspectiva que estou for-
que tratemos aqueles que os defendem como
mulando, a distinção entre “política” [politics] e
opositores legítimos. A categoria de “adversário”,
“o político” [the political]. Por “o político” refi-
todavia, não elimina o antagonismo e ela deve ser
ro-me à dimensão do antagonismo inerente às re-
distinguida da noção liberal do competidor com e quem discorda ou não
lações humanas, um antagonismo que pode to-
que ela é identificada algumas vezes. Um adver- respeita os princípios
mar muitas formas e emergir em diferentes tipos
sário é um inimigo, mas um inimigo legítimo, com éticos-políticos da
de relações sociais. A “política”, por outro lado, democracia liberal, é um
quem temos alguma base comum, em virtude de
indica o conjunto de práticas, discursos e institui- inimigo não adversarial?
termos uma adesão compartilhada aos princípios
ções que procuram estabelecer uma certa ordem
ético-políticos da democracia liberal: liberdade e
e organizar a coexistência humana em condições
igualdade. Discordamos, porém, em relação ao
que são sempre conflituais porque são sempre
sentido e à implementação dos princípios e não se
afetadas pela dimensão do “político”. Considero
pode resolver tal desacordo por meio de delibera-
que é apenas quando reconhecermos a dimensão
ção ou de discussão racional. De fato, dado o
do “político” e entendemos que a “política” con-
pluralismo inerradicável de valores, não há solu-
siste em domesticar a hostilidade e em tentar con-
ção racional para o conflito – daí a sua dimensão
ter o potencial antagonismo que existe nas rela-
antagonística6. Isso não significa, obviamente, que
ções humanas que seremos capazes de formular
adversários não possam cessar de discordar, mas
o que considero ser a questão central para a polí-
isso não prova que o antagonismo foi erradicado.
tica democrática. Essa questão, vênia aos
Aceitar a visão do adversário significa passar por
racionalistas, não é a de como tentar chegar a um
uma mudança radical de identidades políticas. É
consenso sem exclusão, dado que isso acarreta-
mais uma espécie de conversão do que um pro-
ria a erradicação do político. A política busca a
cesso de persuasão racional (do mesmo modo que
criação da unidade em um contexto de conflitos e
Thomas Kuhn argumentou que a adesão a um novo
diversidade; está sempre ligada à criação de um
paradigma científico é uma conversão). Pactos
“nós” em oposição a um “eles”. A novidade da
[compromises] certamente são também possíveis;
política democrática não é a superação dessa opo-
eles são parte integrante do cotidiano da política,
sição nós-eles – que é uma impossibilidade –, mas
mas deveriam ser vistos como interrupções tem-
o caminho diferente em que ela é estabelecida. O
porárias de uma confrontação contínua.
ponto crucial é estabelecer essa discriminação nós-
eles de um modo compatível com a democracia.

6 Essa dimensão antagonística, que não pode nunca ser


5 O “pluralismo agonístico” como definido aqui é uma completamente eliminada mas apenas “domada” ou “su-
tentativa de operar o que Richard Rorty chamaria de blimada” ao ser, por assim dizer, “exaurida” de um modo
“redescrição” do auto-entendimento básico do regime libe- agonístico, é o que, em minha perspectiva, distingue meu
ral-democrático, que enfatiza a importância de reconhecer- entendimento de agonismo daquele formulado por outros
se a sua dimensão conflitual. Deve ser portanto distinguido “teóricos agonísticos”, os que são influenciados por
do modo pelo qual o mesmo termo é usado por John Gray Nietzsche ou Hannah Arendt, como William Connolly ou
para referir-se à rivalidade mais larga entre formas de vida Bonnie Honig. Parece-me que suas concepções deixam aber-
inteiras, as quais ele vê como “a verdade mais profunda da ta a possibilidade de que o político, sob algumas condições,
qual o agonismo liberal é apenas um exemplo” (GRAY, torne-se absolutamente congruente com o ético – otimismo
1995, p. 84). de que não compartilho.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 25: 11-23 NOV. 2005

Introduzir a categoria do “adversário” requer crata, neoliberal, radical-democrática e assim por


tornar complexa a noção de antagonismo e a dis- diante. Cada uma delas propõe a sua própria in-
tinção de duas formas diferentes mediante as quais terpretação do “bem comum” e tenta implementar
ela pode emergir: o antagonismo propriamente dito uma forma diferente de hegemonia. Para alimen-
e o agonismo. O antagonismo é a luta entre inimi- tar a lealdade a suas instituições, o sistema demo-
gos, enquanto o agonismo representa a luta entre crático requer a disponibilidade daquelas formas
adversários. Podemos, portanto, reformular nos- de identificação com a cidadania em disputa. Elas
so problema dizendo que, desde a perspectiva do provêem o terreno em que as paixões podem ser
“pluralismo agonístico”, o propósito da política mobilizadas em torno de objetivos democráticos
democrática é transformar antagonismo em e o antagonismo transformado em agonismo.
agonismo. Isso demanda oferecer canais por meio
Uma democracia em bom funcionamento de-
dos quais às paixões coletivas serão dados meca-
manda um embate intenso de posições políticas.
nismos de expressarem-se sobre questões que,
Se faltar isso, há o perigo de que a confrontação
ainda que permitindo possibilidade suficiente de
democrática seja substituída por uma confronta-
identificação, não construirão o opositor como
ção dentre outras formas de identificação coleti-
inimigo, mas como adversário. Uma diferença
va, como é o caso da política da identidade. Muita
importante em relação ao modelo da democracia
ênfase no consenso e a recusa de confrontação
deliberativa é que, para o “pluralismo agonístico”,
levam à apatia e ao desapreço pela participação
a tarefa primordial da política democrática não é
política. Ainda pior, o resultado pode ser a crista-
eliminar as paixões da esfera do público, de modo
lização de paixões coletivas em torno de questões
a tornar possível um consenso racional, mas mo-
que não podem ser manejadas [managed] pelo
bilizar tais paixões em prol de desígnios democrá-
processo democrático e uma explosão de antago-
ticos.
nismo que pode desfiar os próprios fundamentos
Uma das chaves para a tese do pluralismo da civilidade.
agonístico é que, longe de pôr em risco a demo-
É por essa razão que o ideal de uma democra-
cracia, a confrontação agonística é, de fato, sua
cia pluralista não pode ser alcançar um consenso
condição de existência. A especificidade da de-
racional na esfera pública. Esse consenso não pode
mocracia moderna reside no reconhecimento e na
existir. Devemos aceitar que cada consenso exis-
legitimação do conflito e na recusa de suprimi-lo
te como resultado temporário de uma hegemonia
pela imposição de uma ordem autoritária. Rom-
provisória, como estabilização do poder e que ele
pendo com a representação simbólica da socieda-
sempre acarreta alguma forma de exclusão. Idéi-
de como um corpo orgânico – que era caracterís-
as de que o poder poderia ser dissolvido por meio
tica do modo holístico de organização social –,
de um debate racional e de que a legitimidade po-
uma sociedade democrática reconhece o
deria ser baseada na racionalidade pura são ilu-
pluralismo de valores, o “desencantamento do
sões que podem colocar em risco as instituições
mundo” diagnosticado por Max Weber e os con-
democráticas.
flitos inevitáveis que dele decorrem.
O que o modelo da democracia deliberativa está
Concordo com aqueles que afirmam que uma
denegando é a dimensão da “indecisibilidade” e da
democracia pluralista exige um certo volume de
indefectibilidade do antagonismo, que são
consenso e que ela requer a lealdade aos valores
constitutivas do político. Ao postularem a dispo-
que constituem seus “princípios ético-políticos”.
nibilidade de uma esfera pública não-exclusiva de
Entretanto, dado que tais princípios ético-políti-
deliberação em que se poderia obter um consenso
cos só podem existir por meio de muitas interpre-
racional, os autores que defendem tal modelo ne-
tações diferentes e conflitantes, esse consenso está
gam o caráter inerentemente conflitual do
fadado a ser um “consenso conflituoso”. Esse é,
pluralismo moderno. Eles são incapazes de reco-
com efeito, o terreno privilegiado de confronta-
nhecer que pôr fim à deliberação sempre resulta
ção agonística entre adversários. Idealmente, tal
de uma decisão que exclui outras possibilidades e
confrontação deveria ser observada em torno das
pela qual não se deve deixar de assumir responsa-
diversas concepções de cidadania que correspon-
bilidade com o apelo a comandos de regras gerais
dem às diferentes interpretações dos princípios
ou princípios. Eis porque uma perspectiva como
ético-políticos: liberal-conservadora, social-demo-
o “pluralismo agonista”, que revela a impossibili-

21
POR UM MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA

dade de estabelecer um consenso sem exclusão, tais fronteiras e as formas de exclusão que delas
é de fundamental importância para a política de- decorrem, ao invés de tentar disfarçá-los sob o
mocrática. Ao precaver-nos contra a ilusão de que véu da racionalidade e da moralidade. Compreen-
uma democracia perfeitamente bem-sucedida pos- dendo a natureza hegemônica das relações sociais
sa ser alcançada, força-nos a manter viva a con- e identidades, nossa abordagem pode contribuir
testação democrática. Abrir caminho para o para subverter a sempre presente tentação exis-
dissenso e promover as instituições em que possa tente nas sociedades democráticas de naturalizar
ser manifestado é vital para uma democracia suas fronteiras e “essencializar” as suas identida-
pluralista e deve-se abandonar a própria idéia se- des. Por essa razão, ele é muito mais receptivo do
gundo a qual poderia haver um tempo em que que o modelo deliberativo à multiplicidade de vo-
pudesse deixar de ser necessário, pois que a soci- zes que as sociedades pluralistas contemporâneas
edade seria a tal ponto bem-ordenada. Uma abor- abarcam e à complexidade de sua estrutura de
dagem “agonística” reconhece os limites reais de poder.

Chantal Mouffe (mouffec@wmin.ac.uk) é Professora de Teoria Política na Universidade de Westminster


(Inglaterra) e cientista política formada pelas universidades de Louvain, Paris e Essex. Lecionou em
diversas universidades da Europa, América do Norte e América Latina; organizou os livros Gramsci and
Marxist Theory, Dimensions of Radical Democracy, Deconstruction and Pragmatism e The Challenge
of Carl Schmitt; é co-autora (com Ernesto Laclau) de Hegemony and Socialist Strategy: Towards a
Radical Democratic Politics (1985) e autora de The Return of the Political (1993), The Democratic
Paradox (2000) e On the Political (2005).

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sity of Chicago.

23
ABSTRACTS

Versão dos resumos para o inglês: Miriam Adelman


TOWARD AN AGONISTIC MODEL OF DEMOCRACY
Chantal Mouffe
This article proposes a new description of the fundamental principles of democracy that allow for
conflict, passion and politics. Initially, a critique of the most commonly propagated forms of deliberative
democracy is carried out, focusing on the way that they neutralize and reduce political pluralism and
abuse the democratic goals of legitimacy and rationality. We then go on to analyze insights belong to
Carl Schmitt’s understanding of the concept of the political. Finally, the concept of the political is
critically appropriated within the realm of a proposal for an agonistic model of democracy in which
there is no longer a naturalization of the boundaries of democracy and of the clashes among actors;
those who within a democratic society are seen as enemies should take on the role of adversaries
that share a set of values and ethical and political principles, the interpretation of which then become
the object of dispute.
KEYWORDS: democracy; pluralism; neutrality; conflict; concept of the political.
* * *
RÉSUMÉS

POUR UN MODÈLE AGONISTIQUE DE DÉMOCRATIE


Chantal Mouffe
Cet article propose une nouvelle description des principes fondamentaux de la démocratie de manière
à laisser un espace au conflit, à la passion et au politique. D’abord, on critique les versions les plus
connues de la démocratie délibérative, en fonction de sa neutralité et réduction du pluralisme politique,
et des abus démocratiques de légitimité et de rationalisme. Ensuite, on analyse les insights de Carl
Schmitt en ce qui concerne son entendement du concept du politique. Finalement, le concept du
politique est appréhendé de façon critique, dans la sphère d’une proposition du modèle agonistique
de démocratie, dans laquelle on doit renoncer à naturalisation des frontières de la démocratie et des
affrontements entre les acteurs – ceux qui sont considérés comme des ennemis au sein d’une
société démocratique, doivent jouer le rôle d’adversaires partageant un ensemble de valeurs et de
principes éthico-politiques dont l’interprétation est en dispute.
MOTS-CLÉS: démocratie; pluralisme; neutralité; conflit; concept du politique
* * *

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