Você está na página 1de 39

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

JULIA FERNANDA GROHS

VITIMOLOGIA FORENSE: O PAPEL DA VÍTIMA NOS CRIMES

CURITIBA
2022
JULIA FERNANDA GROHS

VITIMOLOGIA FORENSE: O PAPEL DA VÍTIMA NOS CRIMES

Monografia apresentada como requisito parcial para à


obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro
Universitário Curitiba

Orientador: Marcia Leardin

CURITIBA
2022
JULIA FERNANDA GROHS

VITIMOLOGIA FORESNSE: O PAPEL DA VÍTIMA DOS CRIMES

Monografia apresentada como requisito parcial para à obtenção do grau de Bacharel


em Direito, do Centro Universitário Curitiba, cuja banca examinadora é formada
pelos professores:

____________________________________________
Orientador: Professora Marcia Leardini

_______________________________________
Curitiba, __ de ________ de 2022
AGRADECIMENTOS

À minha mãe Sabrina, por toda força e apoio, me incentivando a correr atrás
dos meus sonhos e objetivos e por nunca me deixar desistir.

Ao meu pai Alfredo, por nunca ter medido esforços para me proporcionar a
melhor educação possível, me encorajando e acreditando em mim em todos os
momentos.

Ao meu irmão Vinicius, pelo suporte e amizade, e por nunca ter saído do
meu lado.

Aos meus avós Valdevino, Maria e Izabel, por me mostrarem os grandes


valores da família e estarem sempre ao meu lado.

Aos meus amigos, que independente das minhas escolhas, sempre me


apoiaram e trilharam comigo essa caminhada.

Aos meus professores, por cada ensinamento durante o curso, em especial


a minha orientadora Marcia, que me auxiliou na realização desse trabalho. Um
agradecimento especial a todos que acreditaram em mim neste caminho pela
faculdade de Direito. A presença de cada um em minha vida se tornou mais fácil.
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo o estudo das vítimas e seus direitos dentro
de um crime, entendendo se há eficácia na legislação brasileira, no que consiste em
garantir ou impedir o ato, evitando uma segunda vitimização. Nessa analise, é
importante o estudo para entender, desde antigamente, o papel que a vitima ocupa,
o grau de sua participação e a sua relevância a longo do processo, para também
decidir e proporcionar suas necessidades em seguida do ato. Diante do caso
exposto, verifica-se que há uma precária atenção com as vitimas, e que seus
interesses não se igualam ao do Estado. Com a Vitimologia, é possível um estudo
abrangente do assunto, entendendo por completo o tal direito e interesse da vítima.
Por fim, há uma grande comparação ao ordenamento jurídico, e o quanto é precário
nessa função.

Palavras-chave: Vítima. Vitimologia. Vitimização Secundária. Legislação Brasileira.


Direito Penal.
ABSTRACT

The present research aims to study the victims and their rights within a crime,
understanding if there is efficacy in the Brazilian legislation, in what consists of
guaranteeing or preventing the act, avoiding a second victimization. In this analysis, it
is important the study to understand the role the victim occupies, the degree of his or
her participation and relevance throughout the process, to also decide and provide
his or her needs after the act. In view of the above case, it is verified that there is a
precarious attention to the victims, and that their interests are not equal to those of
the State. With victimology, a comprehensive study of the subject is possible, fully
understanding the victim's rights and interests. Finally, there is a great comparison
with the legal system, and how precarious it is in this function.

Keywords: Victim. Victimology. Secondary Victimization. Brazilian Legislation.


Criminal Law.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 1
2. VITIMOLOGIA .................................................................................................. 3
2.1 CONCEITO DE VITIMOLOGIA ......................................................................... 3
2.2 VITIMOLOGIA NO BRASIL ................................................................................... 6
3. VÍTIMA .................................................................................................................. 8
3.1 CONCEITO DE VÍTIMA......................................................................................... 8
3.2 VÍTIMA PENAL...................................................................................................... 9
3.3 CLASSIFICAÇÃO DAS VÍTIMAS ........................................................................ 10
3.4 DUPLA PENAL E VITIMIZAÇÃO ........................................................................ 12
3.4.5 VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA ............................... 13
4. CONTRIBUIÇÃO DAS VÍTIMAS NOS CRIMES ...................................................16
4.1 CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E A VÍTIMA ....................................................... 16
4.2 PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA E SEU PAPEL NA DOSIMETRIA DA PENA ........19
4.3 PRECIPITAÇÃO OU PROGRAMAÇÃO DO CRIME PELA VÍTIMA ................... 21
4.5 LEGISLACAO BRASILEIRA AO CUIDAR DAS VÍTIMAS .................................. 22
4.5 ITER VICTMAE ................................................................................................... 28
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 30
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................32
1

1. INTRODUÇÃO

Dentro de um crime, existe o autor e a vítima. A preocupação com a vítima


esteve presente em diversas fases, desde a Antiguidade, seguindo com a Segunda
Guerra Mundial e agora com os dias atuais. Com isso, houve o surgimento da
Vitimologia, com o objetivo de estudar melhor a vítima e sua relação com o crime.
Dois grandes pioneiros envolvidos no estudo foram de Benjamin Mendelsohn,
um grande advogado judeu, professor e pesquisador, iniciando seu trabalho após a
segunda guerra mundial, e Hans von Hentig, grande psicólogo alemão, ainda
perseguido pelos nazistas. Nessa base, o estudo acabou se espelhando
mundialmente, buscando reconhecer os direitos que regem a base da vítima.
É necessário entender que a Vitimologia exerce o seu lugar a partir do
momento em que um direito é violado, não tendo basicamente um início de fato, isso
é, na ocorrência do delito.
Com a evolução dos direitos humanos a vitimologia passou a dar mais
destaque ao papel da vítima nos julgamentos atuais, considerando sua colaboração
e corresponsabilidade no delito dentro do processo criminal.
Além disso, isso permitiu com que a vítima passasse a receber um tratamento
mais humanizado, a partir das leis especiais e medidas protetivas que visam
resguardar os direitos violados pelo crime.
O objetivo da presente pesquisa é entender de fato o papel da vítima e seus
interesses e deveres, entendendo assim quais medidas ou precauções a serem
tomadas. Destacando-se o que está disposto na legislação brasileira, protegendo a
vítima ou não.
A partir disso, inicialmente será feita uma conceituação da vitimologia, a partir
da sua contextualização histórica e uma breve retrospectiva da trajetória do tema no
ordenamento pátrio.
Em seguida, o estudo será em torno da vítima, sua classificação e o
fenômeno da vitimização, incluindo a análise da dupla penal, caracterizada pela
relação da vítima com o autor, na qual pode haver harmonia ou contraposição. É
essencial a análise comportamental do duplo-penal, a partir da proporcionalidade do
grau de culpa do agente no delito frente ao grau de inocência da vítima.
Inclusive, estudar essa relação contraposta permite entender de que forma a
pena será aplicada.
2

Ainda, é feito o exame a respeito das classificações quanto à vitimização,


podendo ser classificada como primária, secundária e terciária.
O último capítulo foca no papel das vítimas nos crimes. Essa análise é crucial,
vez que as vítimas, muitas vezes, desempenham um papel coadjuvante na eclosão
do delito. Verificando-se a participação inconsciente da vítima, ou até mesmo sua
culpa, o crime deixa de existir ou se torna irrelevante.
O papel desempenhado pela vítima, inclusive, impacta na formulação de leis
cada vez mais específicas para tutelar seus direitos de forma eficiente e adequada,
valorizando-se o conceito de vitimologia dentro do âmbito legislativo.
Com a valoração da vítima e o reconhecimento de sua fragilidade, institutos
foram implementados em prol dessa figura, sendo explanado alguns dos mais
relevantes, tais quais a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a Lei nº 9.099/95
(Lei dos Juizados Especiais) e a Lei nº 9.807/99 (Lei de proteção às vítimas e
testemunhas ameaçadas).
Nesse sentido, é importante a abordagem desse tema diante da relevância e
amplitude do estudo, a fim de que o processo penal seja desenvolvido com eficácia
e segurança jurídica, bem como, para evitar que o crime cause novas vítimas ou que
essas vítimas causem novos criminosos
A metodologia utilizada para elaboração do presente tema foi a partir de
bibliografias doutrinárias, considerando os estudos já realizados em cima dessa
questão e as propostas feitas para um melhor entendimento do papel da vítima. A
pesquisa foi embasada, também, em posicionamentos jurisprudenciais e disposições
legais. O método de abordagem foi o dedutivo e indutivo, a partir das inferências que
foram obtidas, utilizando-se do raciocínio lógico e da dedução.
3

2. DA VITIMOLOGIA

Para entender determinados assuntos, é necessário saber o seu conceito no


início. O conceito de vitimologia foca no estudo do fato criminoso e autor. Seu
estudo começa desde a Segunda Guerra Mundial, onde milhares de judeus foram
vítimas do nazismo alemão.
A vitimologia não se restringe em apenas estudar a vítima como uma participação
em um crime. Em sua esfera, envolve os direitos humanos e a relação da vítima com
o fato criminoso e principalmente o reconhecimento de seus direitos e interesses.
Em alguns casos, a vítima e o agente nem sempre estão em lados paralelos, onde a
vítima pode ser a motivadora de sua vitimização, sendo diretamente o ponto chave
para o dano que a afligiu.

2.1 CONCEITO DE VITIMOLOGIA


O conceito de vítima se baseia em uma literatura especializada, onde no
campo da vitimologia há uma grande abrangência, como poderá ser observado na
citação de doutrinadores nesse trabalho.
Benjamin Mendelson, um grande professor da Criminologia e considerado por
muitos como o pai da Vitimologia Moderna, conceitua da seguinte forma, citado por
Heitor Piedade Júnior:

É a personalidade do indivíduo ou da coletividade na medida em que está


afetada pelas consequências sociais de seu sofrimento, determinado por
fatores de origem muito diversificada: físico, psíquico, econômico, político
ou social, assim como do ambiente natural ou técnico1

A análise sobre a vítima, enquanto peça do crime é recente, considerando a


seu estudo depois a Segunda Guerra Mundial (1940-1945). Nos tempos primórdios,
é perceptível, o prejuízo em relação ao ofendedor ou seu agrupamento social. A
vítima detinha, em suas mãos, o poder de definir o tipo de pena que deveria ser
aplicada ao seu agressor. Podem ser citadas aqui, as punições físicas.
Em um segundo momento, a pena passou a ser uma restituição em dinheiro,
paga pelo ofendedor à vítima. Nesse momento, o Estado passa a intervir, fixando a

1PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: Evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1993
4

pena e obrigando a vítima a receber (SANTOS, 1991). Aqui, percebe-se que o não
via a vítima como peça ou elemento do crime, mas sim uma imperfeição exterior a
ele.
Esse conceito estende-se para as Escolas Clássica e Positivista. Na
Escola Clássica, por exemplo, havia uma ampla cisma com o crime, agora na Escola
Positivista a consideração estava voltada para o criminoso. Esse abando em
relacionamento á vítima também pode ser olhado em outras áreas do conhecimento.
Segundo Luiz Flávio Gomes e Antonio Pablos de Molina:

O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta


em todos os âmbitos: no Direito Penal (material e processual), na Política
Criminal, Política Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o
campo da Sociologia e da Psicologia Social, diversos autores têm
denunciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo, advertem,
acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do infrator,
relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito da previsão social e
do Direito civil material processual.2

Hans Gross (1901) começou a iniciar os trabalhos nesse ramo. Apenas na


década de 1940, onde Von Hentlg e Benjamim Mendeslson iniciaram os estudos
mais sistemáticos das vítimas. Nas escolas Positiva e Clássica, o direito penal só se
importava com o delito, o delinquente e a pena. Em 1973, após o Simpósio
Internacional de Vitimologia em Israel, o chileno Israel Drapkin incentivou e
supervisionou a dupla, onde foi iniciado o estudo das vítimas, tentando entender
seus traços e sua interação com a psicologia e psiquiatria.
De acordo com Junior Piedade

um ramo da Criminologia que se ocupa da vítima direta do crime e que


compreende o conjunto de conhecimentos biológicos, sociológicos e
criminológicos concernentes à vítima3

Ao momento no qual se deu a sistematização e companhia dos estudos em


favor da vítima. Entre muitas contribuições de B. Mendelsohn e de diversos outros
pesquisadores, quão Hans von Henting, está a definição de vítima e a sua
classificação. É essencial focar que em uma outra visão, o ocorrido para que

2
GOMES, Luiz Flávio e GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia, 3. ed. rev, at. e amp..
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.73
3
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: Evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1993.
5

houvesse uma separação está em uma mero na consideração em que a vítima


esteve em seguida à Segunda Guerra, mas, também, quão ela passou a estar
presente e sendo vista.

A vítima adquire relevante preponderância no estudo do delito e que se


elimine o critério que a reduzia à condição de passiva receptora da ação
delituosa. E assim, igualmente se destrói a insuficiente afirmação de que só
o delinqüente pode decifrar o problema do crime, sem considerar que sua
existência como tal só é possível com a correlata existência da vítima e que
toda ação dirigida única e exclusivamente ao delinqüente fundar-se-á sobre
bases falsas4

Por sua vez, Ana Isabel Garita Vilchez define vítima como:

a pessoa que sofreu alguma perda, dano ou lesão, seja em sua pessoa
propriamente dita, sua propriedade ou seus direitos humanos, como
resultado de uma conduta que: a) constitua uma violação da legislação
penal nacional; b) constitua um delito em virtude do Direito Internacional; c)
constitua uma violação dos princípios sobre direitos humanos reconhecidos
internacionalmente ou d) que de alguma forma implique um abuso de poder
por parte das pessoas que ocupem posições de autoridade política ou
econômica (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 88).

De acordo com Manzarena: paradigma científico do modelo e da ideologia


adotada e vice-versa: cada teoria, tendência ou perspectiva elaborará sua definição
de vítima (Apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p.90)
Calhau, na busca de um conceito no âmbito jurídico, demonstra os três
sentidos para a definição de vítima, onde se baseiam:
Jurídico geral retrata sobre o indivíduo que de modo direto passa por situação
de ofensa ou ameaça ao seu bem jurídico. A jurídico penal restrito consiste no
sofrimento de forma direta o ato criminoso. Já a jurídico penal amplo se baseia na
reparação do indivíduo e sociedade que sofre com influência do ato delituoso.
Se baseando nas ideias de Mendelsohn, Lola Aniyar de Castro concretizou a
vitimologia da seguinte maneira: 1) Estudo da personalidade da vítima, tanto vítima
de delinquente, ou vítima de outros fatores, como consequência de suas inclinações
subconscientes; 2) O descobrimento dos elementos psíquicos do ‘complexo
criminógeno’ existente na ‘dupla penal’, que determina a aproximação entre a vítima

4
BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vítima: vitimologia, a dupla penal delinquente-vítima,
participação da vítima no crime, contribuição da jurisprudência brasileira para a nova doutrina.
São Paulo: Universitária de Direito, 1971, p. 21
6

e o criminoso, quer dizer: ‘o potencial da receptividade vítima; 3) Análise da


personalidade das vítimas sem intervenção de um terceiro; 4) Estudo dos meios de
identificação dos indivíduos com tendência a se tornarem vítimas; 5) A
importantíssima busca dos meios de tratamento curativo, a fim de prevenir a recidiva
da vítima
Com isso, o estudo da vítima passou a ser composto por três elementos
essenciais: fato típico, o autor do delito e a vítima, como um dos principais motivos
da gênese do crime, segundo Bitencourt.
Portanto, nota-se uma diferença enorme dos estudos sobre a vítima
realizados após a Segunda Grande Guerra. A vítima passa a ser entendida apenas
como uma categoria coadjuvante do crime, sendo vista como uma mera peça
necessária para o reconhecimento do delito.

2.2 VITIMOLOGIA NO BRASIL

A primeira instituição brasileira a abordar o tema da vitimologia foi a


Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Paraná, em 1958, através da
publicação de artigos de autoria de Paul Cornil.
A partir disso, outros profissionais e estudiosos se debruçaram sobre o papel
da vítima no aparato judicial. A amplitude do tema permitiu que ele fosse abordado
em âmbito internacional, tendo ocorrido diversos eventos que possibilitaram a
abordagem desse tema.
Em 1973, ocorreu o primeiro Congresso Brasileiro de Criminologia, em
Londrina, no Paraná, após o retorno dos profissionais da área do I Simpósio
Internacional de Criminologia, em Jerusalém.
Em 1984 foi fundada a Sociedade Brasileira de Vitimologia, com o objetivo de
estabelecer a vitimologia como ciência de estudo científico, jurídico e social do
Brasil.
O VII Simpósio Internacional de Vitimologia no Brasil ocorreu em 1991, no Rio
de Janeiro.
Atualmente, a principal forma de estudo e pesquisa da criminalidade realizada
no Brasil é o Mapa da Violência, com várias edições lançadas anualmente sobre
diferentes temas relacionados à violência como: Homicídios por armas de fogo no
Brasil, Homicídio de Mulheres no Brasil, Adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil etc.
7

Estas pesquisas utilizam dados oficiais e alcançam seu objetivo claro de


mapear violências específicas, várias vezes descobrindo o perfil estatístico da vítima
desta violência, com informações sobre sexo, idade e etnia. Porém, é necessária
uma análise mais minuciosa de crimes específicos e suas vítimas, pois homicídios,
por exemplo, podem ocorrer de diferentes formas e por variados motivos.
A vítima desempenha um papel imensamente importante dentro do crime.
Isso se evidencia tendo em vista que muitos crimes ocorrem em razão das
características da vítima, sejam elas sociais, raciais, físicas, de gênero, entre outras.
Até o momento, não existe um tipo ou modelo fixo para assassinos no Brasil.
Apesar de existirem diversos casos famosos, nota-se uma discrepância na escolha
das vítimas por parte dos criminosos. Entre estes casos, podem ser citados
Francisco das Chagas e o Vampiro de Niterói, os quais atacavam unicamente
crianças; Sailson das Graças, responsável por mais de 40 assassinatos, afirmou ter
um vício em matar mulheres brancas; Maníaco do Parque, visava atacar mulheres
jovens; Pedrinho Matador, perseguia e matava outros criminosos; Tiago Henrique
Gomes da Rocha, que supostamente matou mais de 20 pessoas, dentre elas
mulheres, moradores de ruas e homossexuais.
As especificidades de cada caso somada a dificuldade de se realizar um
estudo vitimológico dos assassinos, através dos exemplos, demonstram que o papel
da vítima deve ser analisado de acordo com o caso concreto.
No nosso ordenamento jurídico brasileiro, existe o instituto da dosimetria da
pena, contido no art. 68 do Código Penal. O papel da vítima é crucial na
determinação e aplicação da pena. Esse sistema será melhor abordado no último
capítulo.
8

3. VÍTIMA

3.1 CONCEITO DE VÍTIMA


Alline Pedra Jorge define o conceito de vítima, derivado do latim como
victima, disposto como: "pessoa ou animal sacrificado ou destinado aos sacrifícios,
oferecido como forma de pedido de perdão pelos pecados humanos". Esse termo é
advindo do verbo vincire, que significa o ato de atar ou amarrar, posto que a pessoa
ou o animal oferecidos a sacrifício após uma vitória eram amarrados (JORGE, 2005).
Também, pelo dicionário brasileiro, classifica-se:

1. Homem ou animal imolado em holocausto aos deuses.


2. Pessoa arbitrariamente condenada à morte, ou torturada, violentada:
as vítimas do nazismo.
3. Pessoa sacrificada aos interesses ou paixões alheias.
4. 4. Pessoa ferida ou assassinada.
5. Pessoa que sofre algum infortúnio, ou que sucumbe a uma desgraça,
ou morre num acidente, epidemia, catástrofe, guerra, revolta etc.
6. Tudo quanto sofre qualquer dano.
7. Sujeito passivo do ilícito penal; paciente
8. Pessoa contra quem se comete crime ou contravenção

Para Alline, conceitua como "A expressão vítima por si só tem o significado de
perda, atado, amarrado, pessoa ou animal que, ao perder uma batalha, não tem
como impor resistência ao sofrimento". Nesse sentido, há como entender a figura da
vítima como uma pessoa perdedora, frágil de certa forma. É de alguma forma pensar
do porquê as pessoas não se sentem a vontade de se imaginarem nessa posição,
mesmo que não é possível descartar tal ideia.
Mendelsohn, pelas palavras de Piedade Junior, citava como:

É a personalidade do indivíduo ou da coletividade na medida em que está


afetada pelas consequências sociais de seu sofrimento determinado por
fatores de origem muito diversificada, físico, psíquico, econômico, político
ou social, assim como o ambiente natural ou técnico 5

Um dos grandes pioneiros da Vitimologia acreditava que as “vítimas” se


caracterizavam pelas pessoas enfermas, desigualdade social, entre outras. A
definição de Mendelsohn foi deduzida como universal, já que se baseava em uma

5
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: Evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1993.
9

variedade de “vítimas, da natureza, tecnologia, meio ambiente, do trânsito, etc.”,


todas definidas por Kirchhoff. 6
Seguindo a linha de Mendelsohn, explica Bodero que suas pesquisas foram
baseadas num todo de pessoas sofredoras de fenômenos naturais ou humanos,
uma vez que:
A Vitimologia mendelsohniana acolhe as vítimas de inundações, terremotos,
temporais, explosões vulcânicas etc., os casos de psicose destrutiva do homem,
como armamentismo, as explosões atômicas, a destruição da camada de ozônio, os
atentados contra o meio ambiente, o depósito de lixo nuclear nos países de terceiro
e quarto mundo, como depreciativamente os Estados centrais referem-se aos da
periferia, vítimas de sua exploração (BODERO, 2001, p. 75).

3.2 VÍTIMA PENAL

Por sua vez, Frederico Abrahão de Oliveira explica que a vítima é alguém que
teve seus direitos humanos e/ou seus direitos fundamentais atingidos, de um jeito
físico, mental ou econômico.
"O foco da abordagem deve ser mais amplo, já que existem vítimas de crime
e de não crime" (FERNANDES, 1995, p. 39). Já Paul Separovic define vítima como
sendo “qualquer pessoa, física ou moral, que sofre como resultado de um
desapiedado desígnio, incidental ou acidental”.
Scarance Fernandes, seguindo o pensamento de Paul, critica determinada
posição, afirmando ser impossível determinar as abrangentes vítimas dos crimes.
Em um viés jurídico, Scarance descreve que há duas principais dificuldades.
Primeiramente, com o conceito, que pode ser amplo ou restrito, ligado ou não a
vítima. Para ele, o conceito restrito se limita a área criminal, havendo uma variedade
de papéis em que a vítima penal pode ocupar dentro daquele caso, existindo
consequentemente uma variedade terminológica, podendo ser caracterizada como a
segunda dificuldade presente.
De tal modo também, define as vítimas como:
as pessoas que, em razão da ofensa a uma norma jurídica substantiva,
viessem a sofrer algum prejuízo, algum dano, alguma lesão. Incluídas

6
KIRCHHOFF, Gerd Ferdinand. Vitimologia: um empreendimento supérfluo? Vitimologia em
Debate. Trad. da profª Mina Seinfeld Carakushansky, coordenadores: Ester Kosovski, Heitor Piedade
Júnior e Eduardo Mayr. Rio de Janeiro: Forense, 1990
10

estariam, portanto, as vítimas de crimes, as vítimas dos ilícitos civis, dos


acidentes de trabalho, das ofensas às leis trabalhistas, as vítimas de
violações de tratados internacionais e outras mais 7

Portanto, quando o foco é a vítima penal, se cria o pensamento e fundamento


de ser aquela que é atingida pela violação de normas de direito penal, ou, em outras
palavras, devido à prática de crime (FERNANDES, 1995, p.42).
Seguindo com a narrativa de Fernandes, vale ressaltar que a vítima está
sujeita a sofrer pelas outras esferas, como administrativa e civil.
No mesmo estudo define-se a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça
Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder: entendem-se por
"vítimas" as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um prejuízo,
nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento de
ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos
fundamentais, como consequência de atos ou de omissões violadores das leis
penais em vigor num Estado membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder.
Uma pessoa pode ser considerada como "vítima", no quadro da presente
Declaração, quer o autor seja ou não identificado, preso, processado ou declarado
culpado, e quaisquer que sejam os laços de parentesco deste com a vítima. O termo
"vítima" inclui também, conforme o caso, a família próxima ou as pessoas a cargo da
vítima direta e as pessoas que tenham sofrido um prejuízo ao intervirem para prestar
assistência às vítimas em situação de carência ou para impedir a vitimização (grifo
nosso).
As vítimas de Delito são classificadas pela ONU como vítima penal, por conta
da violação que sofrem, seja por dano físico ou moral, ou até mesmo pela perda de
um bem material, a partir da lesão aos seus direitos fundamentais.
Diante dos conceitos citados, é possível aferir que a doutrina é divergente a
respeito de uma definição clara sobre a vítima. Isso, por si só, demonstra a
relevância do tema e a necessidade que a Vitimologia tem de estudar as vítimas
dentro do âmbito penal.

3.3 CLASSIFICAÇÃO DAS VÍTIMAS

7FERNANDES, Antonio Scarance. O Papel da Vítima no Processo Criminal. São Paulo: Malheiros,
1995
11

São classificadas inúmeras vezes as espécies de vítimas: descritas na lei, os


que são prejudicados e os grupos formados pela família e Estado. Em outra
vertente, existem também as chamadas Tipologia da Vítima.
A classificação por Mendelsohn segue o raciocínio da seguinte maneira: A
vítima ideal ou completamente inocente; vítima menos culpada que o delinquente ou
vítima por ignorância; vítima tão culpada quanto o delinquente; vítima mais culpada
que o delinquente ou provocadora; vítima como única culpada.
A vítima ideal ou completamente inocente se baseia naquela que não
participou em nada no contexto delitivo, onde não provocou e não colaborou para
ocorrer o crime.
Já a vítima menos culpada que o delinquente, também chamada de vítima
ignorante, é aquela que contribui de algum modo para o resultado danoso do crime,
intencionalmente ou não.
No caso da vítima tão culpada quanto o delinquente é aquela de que alguma
maneira se torna indispensável para caracterizar o crime, como por exemplo o
estelionato pela torpeza bilateral, onde age de má-fé buscando algum benefício com
atitude.
Também, a vítima mais culpada que o delinquente, como o próprio nome já
diz, se enquadra na vítima provocadora como por exemplo o homicídio privilegiado.
E finalmente, a vítima como única culpada que, como o próprio nome já diz,
constitui-se na pessoa unicamente culpada pelo crime. É o caso dos crimes
culposos e de legítima defesa.
De acordo com Ribeiro (2001), Lola Aniyar de Castro foi uma autora que fez
um dos melhores estudos das vítimas, onde separou os tipos de vítimas em quatro.
Sendo eles: vítima coletiva ao singular; vítima de crimes alheios e de si mesma;
vítima por tendência, reincidente, habitual e profissional; vítima que age com culpa
inconsciente, consciente, com dolo.
Já Jiménez de Asúa, classificou as espécies de vítimas em: vítima indiferente
(onde o assaltante não se importa em quem assaltar); vítima ex crime determinante
passional por crimes e a vítima coadjuvante (aquela que ajuda o criminoso). Essa
classificação contém um teor sociológico delimitador, levando em conta o
desenvolvimento da sociedade.
Importante ressaltar também a classificação feita por Ester Kosovski, que se
baseou em normas do Código Penal em dividir as vítimas:
12

1. Relativo a agravantes: a) vítima reduzida a impossibilidade de defesa; b)


vítima menor de quatorze anos nos crimes contra os costumes (presunção
de violência); c) vítima idosa, enferma, com vínculos de parentesco ou
coabilitação, ascendência, descendência, irmão ou cônjuge; d) meio cruel
que faz vítima sofrer; e) por ocasião da desgraça particular do ofendido. 2.
Relacionada às atenuantes: a) vítima que provoca injustamente o delito; b)
retorsão da vítima; c) vítima por motivos nobres ou motivo de relevante valor
social ou moral; d) prestação de socorro á vítima; e) as diretrizes do art. 59
para a aplicação da pena. A mulher como vítima – sujeito passivo de aborto
(não consentido), estupro, sedução, rapto não consensual 8

Segundo Jimenez de Asúd (apud FERRACINI E MORAES 2019) é possível


classificar as vítimas que não estão definidas pelo criminoso, de forma indiferente;
há também as indeterminadas, como as que sofrem de maneira genérica; e as
determinadas, como por exemplo o assassinato com recompensa, onde eram
visadas.
A classificação das vítimas pela doutrina, pelo que foi exposto, pode ser
ampla ou mais restrita.

3.4 DUPLA PENAL E VITIMIZAÇÃO

A relação entre vítima e autor do crime é denominada de dupla penal. Criada


por Mendelson (1947) para explicar a vítima e o vitimário no cenário da vitimologia e
sua importância. Essa relação é necessária não apenas para entender a culpa da
vítima no crime, mas também para entender qual o tipo de atuação do agressor,
podendo ser dolosa ou culposa e a tipificação da conduta, excludentes e tipificação
penal e medidas e soluções que devem ser tomadas para a decisão da pena e
condenação penal.
Os variados estudos vitimológicos já realizados não acordam com a
unilateralidade, passando a visão de ultrapassada, onde concluem que deve ser
estudado todo o conjunto de autores do crime, e não apenas o criminoso. É
importante fazer essa leitura do crime para que assim sejam tomadas as medidas
cabíveis, ignorando o fato de que não deve ser ponderado excluir a culpabilidade do
réu e suas justificativas para cometer o crime.
Molina (1997) detalha que a vitimização é um processo que o indivíduo ou
grupo passa para entender se irá se tornar vítima de terceiro ou da sociedade, por

8
KOSOVSKI, Ester. Fundamentos da vitimologia. Vitimologia em Debate. Coordenadores: Ester
Kosovski, Heitor Piedade Júnior e Eduardo Mayr. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
13

própria conduta ou não. Nessa condição, o agressor claramente tem como o objetivo
principal de prejudicar a vítima. Em caso, cada crime cria uma vítima, porém, já de
conhecimento e entendimento, que não é criado apenas uma vítima e sim várias, em
vezes que até o Estado se enquadra.
A vitimização é um fenômeno pelo qual uma pessoa ou algum grupo de
indivíduos se torna vítima de uma infração penal. (MANZANERA, 2002, p.73).
Piedade Júnior faz uma direção a ilustração sobre esse processo:

Vitimização, vitimação ou processo vitimatório é a ação ou efeito de alguèm


(indivíduo ou grupo) se autovitimar ou vitimizar outrem (indivíduo ou grupo).
É o processo mediante o qual alguém (indivíduo ou grupo), vem a ser vítima
de sua própria conduta ou da conduta de terceiro (indivíduo ou grupo), ou
de fato da natureza fenômeno.9

Molina ainda descreve que nem sempre o processo de vitimização tem uma
finalização propriamente dita. Alguns episódios traumatizam a vítima de uma forma
tão grande que por muito tempo ainda há danos que prejudicam sua vida, e muitas
vezes fazendo –a se privar de certas coisas.
Explica também da mesma maneira que existem determinados casos que não
são entendidos pela vítima, exemplo disso, alguns casos de assédio moral no
trabalho, onde é alguma ilusão de um benefício.
Conforme leciona Beristain (2000) em seus estudos, muitas ocorrências são
ocultadas da polícia pelo fato das vítimas se envergonharem ou estarem
traumatizadas com o ocorrido, recaindo diversos delitos no fenômeno conhecido
como cifra oculta, no qual diversos delitos não são nem conhecidos pelo Poder
Público. O autor pretendia mostrar como a cifra oculta está ligada ao sistema penal,
vez que as estatísticas criminais que fundamentam as políticas públicas não são
recebidas e a população carece de uma tutela jurisdicional adequada.
A vitimização se baseia em três esferas: Vitimização primária, Secundária e
Terciária.

3.4.5 VITIMIZAÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

9
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: Evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1993
14

Ferracini Neto defende que a vitimização primária “é utilizada para referir a


vítima personalizada ou individual, que pode ser diretamente ou indiretamente
atacada e ferida em transgressão frontal, que é ameaçada ou tem uma propriedade
furtada ou danificada”. O doutrinador Nestor Filho diz que:

Normalmente entendida como aquela provocada pelo cometimento do


crime, pela conduta violador dos direitos da vítima. Pode causar danos
variados, materiais, físicos, psicológicos, de acordo com a natureza da
infração, a personalidade da vítima, sua relação com o agente violador, a
extensão do dano etc. Então, é aquela que corresponde aos danos à vítima
decorrentes do crime10

A vitimização secundária “refere-se geralmente a estabelecimentos


comerciais. A vítima é impessoal, comercial ou coletiva, mas não é tão difusa a
ponto de incluir a comunidade como um todo.” Já a vitimização terciária “exclui tanto
primário como secundário e diz respeitar uma vitimização muito difusa que se
estende a comunidade em geral inclui crimes contra a ordem pública harmonia
social ou administração do governo” 11
De acordo com Moraes E Ferracini Neto, há outras leituras totalmente
diferentes das informadas para a forma de vitimização. A primária é aquela que age
de forma direta e imediata do ato; a secundária se baseia na junção das vítimas
primárias e o exercício formal, ou seja, a consequência sobre a vítima diante todo o
processo de apuração e punição do crime. E a vitimização terciária é aonde todo
comportamento vem da parte da comunidade e meio social, criando certos
preconceitos.
Burke em 2019 conceituou que a vitimização primária opera logo em seguida
depois do consentimento do crime, onde recai sobre os bens da pessoa violada,
diretamente ou indiretamente. Nesse aspecto, pode-se incluir a família da vítima.
Já a vitimóloga Barros, realiza o conceito de vitimização secundária, onde,
diferente da primária, não se responsabilizam os sujeitos dos atos ilícitos, mas sim
autoridades públicas que pela lei, deveriam amparar e proteger às vítimas. Nesse
quesito se enquadram policiais e delegados da polícia. (BARROS, 2008, p.70)
Em razão sobre a vitimização terciária, Anderson Burke declara:

10
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva,
2012. P. 124
11 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de; FERRACINI NETO, Ricardo. Criminologia. Salvador:

JusPodvm, 201
15

A vitimização terciária ocorre no contexto da execução Penal quando se dá


o autor de crimes. Quando se está diante da vítima de infração penal, local
de ocorrência é fora dos ambientes policiais, assistenciais ou judiciais, ou
seja, acontece na própria comunidade no espaço qual reside ofendido do
delito 12

Viana13, em sua explicação sobre a vitimização secundária, é similarmente


dominada de uma vitimização processual, pois é todo um conceito estruturado pelas
disposições previstas no Código de Processo Penal.
Para uma possível mineração de ocorrência do fenômeno da vida vítimas
ação secundária ou pelo menos a diminuição de seu grau de magnitude seria
necessário intervir intervenção estatal e partir para um tratamento sério sobre os
crimes cometidos evitando as tradicionais perguntas constrangedoras que
questionam a sua moralidade e buscar um pejorativamente levantar provas que teria
provocado a conduta agressora e que resultou danos contra sua integridade moral
física ou sexual.14
É de entendimento que a vítima sofre inúmeras vezes, primeiramente por
conta do delito em si, depois sofre com a ineficaz tutela estatal, sendo lesionada
mais de uma vez por conta da sua condição como vítima.

12 BURKE, Anderson. Vitimologia, Salvador: JusPODIVM, 2019.


13 VIANA, Eduardo. Criminologia. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2018
14 Apud, BURKE, ANDERSON, 2019, p.81
16

4. CONTRIBUIÇÃO DA VÍTIMA NOS CRIMES

Em continuação ao estudo da vitimologia, nesse capítulo será abordado a


relação da dupla penal, vítima e agressor no contexto do crime, seguindo como base
os estudos realizados e já citados por doutrinadores, visando o entendimento da
relação. A vítima ofendida, em algumas vezes exerce certa influência sobre o agente
ofensor e por isso, se tornou um sujeito importante para a conclusão e consequência
do crime.
Durante todo o trajeto de história do Direito Penal, a vítima sempre esteve em
um papel de parte ofendida e passiva. Porém, com os estudos recentes e a
mudança de doutrinas, surgiu a necessidade de reformular a interpretação do seu
comportamento, a partir de uma nova compreensão. Não se deve deixar de lado a
consequência jurídica, prevista no artigo 59 do Código Penal, estabelecendo a
jurisdição e o comportamento da vítima.

4.1 CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E A VÍTIMA

No contexto atual da globalização e expansão do capitalismo, os conflitos


sociais são constantes, principalmente em razão da desigualdade e diferenças
sociais. A partir disso é que surge o dever do Estado de buscar a pacificação social,
com seu direito de punir.
De acordo com o autor Aury Lopes Júnior, segundo o direito processual, a
vítima pode participar de diferentes maneiras. Primeiramente, pode estar em um
papel que auxilia (como por exemplo declarações do ofendido); pode exercer
também um papel maior, atuando em uma solução de conflitos, como hipóteses de
renúncia e perdão do ofendido, dispostos no artigo 107 do Código Penal. Sem
contar sobre o artigo 72 em diante, que cita o ministério público e juizados especiais
criminais.
A ação penal pública, um dos tipos de ação penal do processo brasileiro, se
divide em condicionada e incondicionada. Nesse tipo de ação, o Ministério Público
oferece denúncia independente da provocação da vítima. Já a ação penal privada, o
segundo tipo de ação penal, se baseia no caso em que na relação processual penal,
a vítima atua no polo ativo.
17

De acordo com Oliveira (1998), na maioria das vezes, os autores dos crimes
se responsabilizam, a partir da sua conduta de um fato denominado crime, e ainda
dependendo do comportamento e ação do autor, se caracterizam em doloso ou
culposo. O dolo direto é caracterizado pelo fato de o agente querer e reconhecer o
resultado. Enquanto isso, no dolo eventual, o agente não pretende o resultado, mas
assume risco (artigo 18 do Código Penal).
Por outro lado, o crime culposo, previsto no artigo 18, parágrafo II do Código
Penal, caracteriza- se pelo crime praticado sem a intenção, mesmo proibido por
legislação. Nesse caso, pode ser denominado como imprudência, negligência ou
imperícia.
Já estudado anteriormente, a vítima que tinha controle sobre seu sofrimento
na Antiguidade. Desse modo e tempo depois, o Estado decidiu se colocar a frente
para evitar maus tratos, denominadas vinganças privadas. Com isso, Jorge explica
como:
A partir do momento em que o Direito Penal se tornou questão de ordem
pública, o Estado chamou para si o direito de punir, vedando a vingança privada.
Dessa forma, é como se o Estado sempre fosse atingido com a violação da norma
penal, por ser o titular desta norma, representando a violação do preceito
incriminador uma afronta aos seus interesses na preservação da ordem, na garantia
da paz pública e na proteção da sociedade e de seus membros (JORGE, 2005, p.
39).
Nesse caso, por mais que a prática tenha atingido a vítima, quem se encaixa
na figura do sujeito passivo é o Estado. Assim, as vítimas ficam à mercê das ações
do Estado, e quando o ato criminoso é privado, a representação legal só pode atuar
se o interesse em punir o infrator for exclusivamente seu.
No entanto, deve-se perguntar se os interesses do Estado em castigar os
criminosos coincidem com os interesses das vítimas.
De estudos científicos A maioria das vítimas busca justiça. E essa justiça nem
sempre precisa ser obtida por meio de compensação financeira. De fato, de acordo
com a experiência de Louk Houlsman no tribunal de París, o principal interesse das
vítimas é chamar a atenção das autoridades competentes, ser ouvidas quando falam
sobre suas perdas e, assim, tentar aliviar seus encontrar uma maneira de acalmá-
los, encontrar uma maneira de viver em paz novamente. Os interesses das vítimas
nem sempre coincidem com o que o Estado interpreta como ideais. Há situações em
18

que a vítima nem roga punição ao agressor - e nesse aspecto não julgamos o que o
motiva a tomar uma decisão.
A verdade é que quando o problema cai no aparelho judicial, deixa
de pertencer àqueles que o protagonizaram, etiquetados como
delinquente e vítima, para ser uma questão de ordem pública. A
partir de então, o destino dos envolvidos na relação pertence ao
Estado, através de seu sistema penal 15

Após estudos feitos, em alguns casos, mesmo recebendo custeio e suporte, a


vítima não demonstra interesse em participar a acusação, sem ao menos se quer
aparecer em juízo. Nisso, surgiu a atividade da conciliação, até os de grave
atividade. O que consegue se extrair deste entendimento, é que não foi acionado o
judiciário, já que a vitima não sentiu vontade. (HULSMAN; CELIS, 1997, apud,
JORGE, 2005).
No atual sistema, as vontades da vítima ficam longe de serem supridas.
Apesar de surpresa, há casos em que o desejo seja que o ator seja punido. Há
episódios em que as vítimas iriam se sentir melhores se fizessem acordos, ou até
mesmo se fossem punidos em liberdade. São casos demonstrados em diferentes
esferas.
Indiferentemente, a vítima não possui a capacidade de definir o futuro do
agressor sem nenhuma base, já que isso está relacionado aos tempos de vingança
privada e todo o processo de luta até o alcance dos Direitos Humanos (que falta
grande parte a ser alcançada).
Após o período da Antiguidade, a atenção a vítima fica escassa:
Quando da transição de um sistema para o outro, o sistema criminal atual
surgiu na intenção de coibir a vingança privada, exercida pelo ofendido ou por seu
representante. Por isso é que hoje não se valoriza a participação da vítima na
instrução criminal, nem muito menos se considera sua opinião (JORGE, 2005, p. 46)
Para tomar as rédeas da justiça, o Estado acabou tomando a voz da vítima.
Alline Rochas Jorge fez trabalho de campo na secretaria Estadual de Justiça da
metrópole de Alagoas, Maceió, de abril a dezembro de 2001. A intenção era
entender se a vontade da vítima e a do Estado eram compatíveis, no que diz
respeito à aplicação da pena aos agressores.

15 JORGE, Alline Pedra, 2005, p 43)


19

Ele também procura entender o que as vítimas esperam das proteções


judiciais em relação à sua participação no processo. Embora a intenção fosse
entrevistar pelo menos 50 (cinquenta) pessoas, 12 (doze) foram alcançadas,
mostrando que não houve mais vítimas participando do julgamento desde então.33
Em suma, a equipe identificou várias situações, por exemplo. por exemplo, uma
situação em que a vítima fez sua declaração na presença do acusado.
Esse cenário só mudou quando o advogado do réu sugeriu ao juíz a
possibilidade de a vítima não desejar que o réu estivesse presente no local,
conforme permitido pelo artigo 217 da codificação de processo Penal. Jorge conta
ainda que a vítima, ao ser questionada, ficou tão emocionada que relatou que não
pretendia mais continuar com o processo e que essa declaração a lembrou de todo
o acontecimento que ela conseguiu esquecer.
Em relação ao interesse no uso da sanção houve resultados diversos, desde
vítimas que queriam que a pena máxima fosse aplicada, até vítimas que permanecer
satisfeitos com os serviços prestados à comunidade. Algumas vítimas justificaram
seu apoio à pena máxima possível pelo medo de deixar suas casas; Para as
ameaças contra o agressor que respondeu livremente à operação e também houve
justificativa para a vítima que estava enraizada na pena de prisão porque senão se
vinga de si mesma.

4.2 PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA E SEU PAPEL NA DOSIMETRIA DA PENA

Segundo a analogia de Vanessa De Biassio Mazzuti (2012) a vingança


privada foi o pioneiro no sistema das sanções, sendo decidido pela pessoa
agressora, pois eram a vítima os seus familiares que decidiam sua pena. Com a
sociedade germânica, foi impedido o uso da vingança privada, fazendo com quem
as penas fossem decididas pelo conjunto da sociedade. E com a formação do
Estado, iniciou o processo de redigir as normas que assim iriam punir o ato
criminoso.
Para se calcular a pena que irá ser aplicada ao réu denomina se dosimetria
da pena, onde é utilizada na prolação da sentença. Ao aplicar a pena no processo
penal brasileiro, é seguido o sistema trifásico juntamente com as circunstâncias
judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal. São as circunstâncias que ditam se
há prova ou não para a ocorrência do crime, diferenciando das legais (expressas em
20

lei), ou das judiciais (de acordo com os dados fáticos nos autos e são extraídas pelo
juiz para a fixação da pena base).
Vanessa Mazzuti declara que a vítima pode ter certa influência na prática do
delito, por isso é importante observar sua conduta para fixar a pena. Sendo ainda
caracterizado de origem facilitadora ou provocadora no ato ilícito. Com esse
raciocínio, as circunstâncias judiciais necessariamente não se relacionam com o
delito de forma direta, mas a importância de analisar de forma correta para uma
aplicação da pena do agressor é crucial.
Em sua obra, declara Edgard Moura Bittencourt (1978) que em alguns casos,
quando houver certa participação da vítima inconscientemente, há probabilidades do
autor ser absolvido pela atenuação da pena, diminuição ou até em alguns casos o
perdão judicial, por estar de acordo com alguma excludente de ilicitude ou
culpabilidade. Deve estar atento em relação ao comportamento do ofendido, por ter
resultado antijurídico ou atípicos em alguns momentos.
A avaliação do juiz é essencial quanto a participação da vítima no crime.
Apesar de não justificar o ato, de alguma forma minimizam a conduta do autor, se
tiver alguma contribuição direta ou indireta, fazendo assim com que a pena seja
avaliada, de acordo com Júlios Fabbini Mirabele (2002).
Em relação sobre a participação da vítima no processo no ato do crime:

Quando a vítima instiga, provoca, desafia ou facilita a conduta delitiva do


agente, diz-se, portanto, que a oitava circunstância judicial está favorável ao
réu. Nesses casos, a vítima teve participação efetiva na culpabilidade do
autor, posto que enfraqueceu a sua determinação de agir conforme o
Direito. Logo, por consequência, merece o agente uma censura mais
branda do que a que lhe caberia nos casos de ausência total de provocação
da vítima 16

De um viés parecido, Rafaela Câmara Cordeiro (2011), declara que o ator


criminoso que fez com que a vítima teve culpa, claramente não isenta o autor da
culpa pelo dano que foi causado, e com isso ainda pune o autor. Porém, há os casos
em que a vítima é exclusivamente culpada. Como já mencionado, mesmo com uma
culpa direta ou indireta da vítima, aplica-se os efeitos da dosimetria da pena.
Após estudos feitos por Cleber Masson, demonstra que a vítima pode motivar
a prática do crime. Conecta-se a criminologia, onde se estuda a relação da vítima
com a infração de normas e seu comportamento e participação. A conduta deve ser
16
José Paganella Boschi, ob. cit., p. 224.
21

aplicada em favor do réu; caso não tenha participação da vítima, deve ser uma
situação neutralizada.
Tal jurisprudência descreve;
O comportamento da vitima apenas deve ser considerado em benefício do
agente, quando a vitima contribui decisivamente para a pratica do delito,
devendo tal circunstancia ser neutralizada na hipótese contraria, de não
interferência do ofendido no cometimento do crime, não sendo possível,
portanto, considera-la negativamente na dosimetria da pena 17

4.3 PRECIPITAÇÃO OU PROGRAMAÇÃO DO CRIME PELA VÍTIMA

Há estudos da área da criminologia com ênfase na vitimologia, citando um


deles a tese do crime precipitado pela vítima, onde sempre se rotula o criminoso
como inconsequente e a vítima como inocente. Há casos precipitados, uma vez que
esses papeis podem estar invertidos. Em outras palavras, a dupla penal.
Benigno Di Túllio, um grande doutrinador, destaca que, mesmo em maioria,
não é certo interpretar que a maioria dos casos como sempre o inconsequente, que
é o criminoso, e a vítima como pura. A verdade é que existem uma serie de fatores
para que possam ser caracterizados.
Os fatores crimino-implementes se relacionam no impulso para um
comportamento criminoso; já os Vitimo- Impelentes se relacionam quando há o
impulso de uma situação envolvendo a vítima, ou seja, ela utiliza qualquer meio em
uma oportunidade para programar a sua vitimização, a partir de transtornos
orgânicos ou genéricos. Esse conceito é a partir da citação de Wasserman &
Wachbroit.
Geralmente, os próprios autores dos crimes são responsáveis pelo fato típico,
se diferenciando em doloso e culposo. Quando classificado como culposo, pode ser
dentro das seguintes formas: inconsciente, consciente ou impróprio.
A culpa consciente se baseia quando o autor prevê o erro em sua atitude,
mas age do mesmo jeito assumindo o risco. A forma inconsciente se da pela
negligência, imprudência e pericia, mesmo sem resultado previsto pelo agente,
porem com resultado previsível. Já a imprópria, prevista no parágrafo 1 artigo 20 do
Código Penal, se baseia quando o autor falhar e ocasionar o erro.

17
STJ. HC n. 255231, julgado em 26/2/2013, Relator: Min Marco Aurélio Bellizze
22

De acordo com grande pesquisador sobre o assunto, Edmundo Oliveira, é


dever do Estado assumir a constitucionalidade de justificar a utilização da pena para
limitar os direitos individuais, para assegurar a harmonia de conviver em sociedade.
Vale ressaltar episódios já vividos onde as vítimas estavam completamente em
defesa como, claramente o Regime Nazista.
De qualquer modo, em certas ocasiões, quando se trata de vítima
programadora, não tem a chance de ser indefesa ou não merece o reconhecimento
de sua inocência, pois com isso revela-se para o estado vitimal.
Seguindo seus estudos, Edmundo de Oliveira continuou o estudo de variados
tipos de vítimas, todas trazidas por Benjamim Mendelsohn, cacterizadas como:
Vítima programadora: aquela que arquiteta a situação, podendo assumir a
função do ator. Age diretamente para que exista um resultado, que ela planejou.
Uma munição para que ocorra o crime. Vítima precipitadora: se caracteriza por, de
forma culposa ou dolosa, contribui na ação ou omissão do autor na execução do
feito. Dessa forma, ela se torna como se fosse uma isca, um apetite.
Nesse caso também se encontram as formas de programação e precipitação
da vítima, com base em sua conduta típica. São exemplificadas como vítima de
culpa exclusiva (aquela que extingue total a culpa do autor, sem que haja mais
motivos para a condenação); a vítima concorrente (quando a vítima interfere e
concorre com a responsabilidade); e a vitima de culpa recíproca (quando a vitima
tem tamanha responsabilidade por falta de cuidado. Nesse modelo, temos alguns
exemplos de precipitação ou programação, sendo: homicídio, eutanásia, lesão
corporal, tortura, intolerância sexual, sequestro, corrupção, chantagem, invasão de
intimidade e privacidade, dentre outros.
Desse modo, é possível descrever que a vítima poderá ser completamente
modelada pelo ator criminoso e vice e versa, pelos casos citados da programação e
precipitação.

4.4 LEGISLACAO BRASILEIRA AO CUIDAR DAS VÍTIMAS


No ordenamento jurídico brasileiro, há leis brasileiras capazes de amparar a
vítima, dando ênfase nas normas que tem como objetivo a proteção a vítima, tirando
a ocorrência de uma vitimização secundária (pode ser evitada, quando tiver uma
atenção dobrada, sem a falha de órgão competente). A seguir, será citado as mais
importantes.
23

Tais leis tem como objetivo poupar a vitima de futuros acontecimentos que
poderão de certa forma ser evitados, durante o decorrer do processo, já que
realizados por órgão competente.
Citarei a seguir dois grandes exemplos: A Lei dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais – Lei n 9.099, de 26 de setembro de 1995, que veio para regulamentar
todo o processo nos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, separando-os em
esferas diferentes. Assim, juizado especial cível é responsável por analisar,
promover a conciliação e o julgamento onde o valor da causa será de até 40
salários-mínimos.
Já o juizado especial criminal, tem o dever de analisar, conciliar e promover o
julgamento de infrações que estão de acordo com um poder ofensivo menor, de
acordo com o artigo 60 da Lei 9.099/95. Disposto como “o Juizado Especial Criminal,
provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação,
o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo,
respeitadas as regras de conexão e continência”.
Nesse espaço, como já mencionado anteriormente, a vítima passou e ocupou
posições diferentes em relação ao seu papel e importância no delito, sendo no final
a intervenção do Estado para evitar situações mais brutas. Contudo, após essa fase,
a vítima foi se tornando esquecida, e o agressor possuía toda atenção, sendo que
deveria ser ao contrário.
De acordo com Luiz Flávio Gomes, com a Lei n 9.099 de 1999, a nova
legislação “está em perfeita consonância com as fundamentais reivindicações da
Vitimologia” (MOLINA; GOMES, 1999, apud JORGE, 2005, p.95); tem como o
objetivo se atentar ao tratamento com a vítima.
Nesse caso, é priorizado a partir de como a vítima irá agir, seu
comportamento. Se a conciliação for uma etapa não sucedida, assim seguira o
próximo caminho no qual irá ser aplicada uma sanção não- privativa de liberdade.
Como já mencionado nesse trabalho, a maior vontade da vítima, é que haja a
confirmação do crime pelo autor, já que se torna mais fácil pelo sistema.
Nos termos da Lei, dando ênfase no artigo 62, é descrito onde o Juizado deve
atuar, como a simplicidade, informalidade, oralidade, celeridade e economia
processual. Explica também que, na medida do possível, a pessoa priorizada será a
vítima, buscando reparar os danos sofridos.
24

Nesse caso, a preocupação com a vítima é clara. O objetivo é evitar a


vitimização secundária, tentando mudar certas características do processo,
buscando cada vez mais as vítimas.
Para Alline, o procedimento do Juizado Especial consiste em uma
composição civil, onde dentro da Vitimologia, tentam resolver os conflitos. Isso é, as
despesas que o autor terá que arcar, podendo ter uma indenização acima disso.
Disposto no artigo 75, quando a composição dos danos civis é afetada, há a
possibilidade da vítima se representar verbalmente, tornando o processo mais
rápido. No artigo 77, parágrafo 3, onde descreve sobre a penal de iniciativa do
ofendido.
Dessa lei, Alline Pedra Jorge descreve: “vítima é colocada como parte do
processo, não estando inserida no rol de meras testemunhas, o que não acontece
no juízo criminal comum. Mas continuará sendo ouvida em termos de declaração”
Dessa maneira, a Lei de Juizados Especiais segue uma linha mais acessível
e humana, tentando solucionar conflitos de uma maneira mais rápida, e preservando
assim as limitações de cada um. Com isso, o procedimento realizado, evita o
aparecimento de uma vitimização secundária, pois tem como objetivo principal os
respeitos e limitações da vítima.
Além desta, outra Lei de extrema importância para este tema Lei Maria da
Penha - Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Após uma grande luta de Maria da Penha Fernandes, onde foi vítima de dupla
tentativa de feminicídio, foi promulgada a Lei nº. 11.340. Esta, tem como objetivo
principal evitar a violência doméstica contra a mulher, oferecendo amparo e proteção
a mulheres nessa situação. Nesse viés, houve a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, onde será de competência julgar os crimes.
Essa lei é de extrema importância, destinada a qualquer mulher independente
de raça, etnia, condição financeira, religião, idade etc., visando preservar os direitos,
todos dispostos no artigo 2 º.
Em continuidade, conforme descrito no artigo 5º, se configura violência
doméstica e familiar como "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial".
Há características para que esteja de acordo com a Lei Maria da Penha.
Sendo elas: a vítima ser mulher, se o tipo de violência esta previsto no artigo 5
25

(dentro do ambiente familiar, doméstico ou afetivo), ou se está previsto no artigo 7


(violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral).
Infelizmente, no Brasil, o número de casos registrados contra a mulher é
assustador. No Estado do Rio de Janeiro, apenas no ano de 2018, mais de 4 mil
mulheres foram vítimas de estupro, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio
de Janeiro. Os números podem não expressar algo tão assustador, pois ainda tem
os casos que deixaram de ser registrados e em seguida, os casos em que, mesmo
denunciados, não se enquadravam na Lei, já que a vítima não possuía vínculo com
o agressor.
A partir do artigo 8 º, começa a se estabelecer a assistência e medidas em
relação a mulher, já que com isso foram criadas as chamadas Delegacias de
Atendimento à Mulher, onde pessoas preparadas lidam com tais situações em que a
vítima se encontra. Seguindo o artigo 9 º, preza pelo atendimento a mulher,
necessitando de auxílios médicos ou não.
O artigo 10 garante um atendimento policial prestado por mulheres, pois
assim a mulher se sente mais protegida ao receber auxílio por uma profissional do
mesmo sexo. Uma grande característica é que a Lei irá sempre preservar a
integridade da mulher, sendo assim, no inciso III do mesmo parágrafo, não autoriza
realizar perguntas do quesito pessoal, ou que não irá alterar o desenrolar do
processo, podendo apenas ofender a vítima.
Seguindo com os incisos do artigo 11, são descritas as medidas que devem
ser tomadas pelas autoridades com o intuito de amparar a vítima, desde a proteção
policial, medicinal ou até o Instituto Médico Legal, dentre outros. O artigo 12 consiste
quando houver risco atual à saúde da mulher, ferindo sua integridade, deverá ser
afastada de locais que poderão a afetar novamente, sendo como o lar ou local que
foi noticiada a ocorrência.
O artigo 17 restringe nos quesitos que são baseados no pagamento de multas
isoladas, permitindo assim uma proteção maior a vítima. Seguindo com o artigo 19,
onde são tratadas as medidas protetivas de urgência. Do pensamento do Ministério
Público "pode representar um auxílio à vítima que não conhece essa alternativa legal
ou que não vislumbra a existência de medidas que possam lhe conferir maior
resguardo ou proteção" (COUTO, 2017, p. 67).
Ainda previsto no artigo 19, as medidas protetivas de urgência poderão de
imediato, ser concedidas, mesmo que o Ministério Público não tenha se manifestado
26

e audiência ainda não tenha sido realizada. No artigo 21, dispõe sobre a vitima ter
direito do processo movido pelo seu agressor, em qualquer esfera que esteja.
No artigo 23, ainda sobre as medidas protetivas dispõe:
Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras
medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa
oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus
dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do
agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo
dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em
instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio,
ou a transferência deles para essa instituição,
independentemente da existência de vaga.

No artigo 27, determina a Lei que a vítima precisa estar sempre com um
acompanhante em todas as medias judiciais, e também de um advogado, já
enquadrado no artigo 28, onde tem acesso a "Defensoria Pública ou de Assistência
Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante
atendimento específico e humanizado"
Em relação ao artigo 29, dispõe sobre a equipe de atendimento
multidisciplinar, (profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de
saúde); do artigo 30 (Ministério Público e a Defensoria Pública, com a função de
desenvolver trabalhos de orientação, prevenção e outras medidas), e artigo 31
(quando precisar de uma pesquisa mais profunda por especializado profissional).
Diante dessa grande análise, fica claro o importante e fundamental papel que
a Lei Maria da Penha ocupa na sociedade, pois pelo Estado, recebe ajuda e amparo
quando necessário. Porém, devera ser necessário em breve, a proteção a todas as
mulheres, sem exceção, a qualquer ato em que elas ocupem o papel da vítima.
A Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas Ameaçadas - Lei nº 9.807, de
13 de julho de 1999, foi responsável por instituir o PROVITA (Programa de Proteção
às Vítimas e Testemunhas). No contexto atual de ampla criminalidade, muitos delitos
carecem da devida averiguação ante a falta de testemunhos e depoimentos
decorrentes do medo que as testemunhas e vítimas sentem, seja por falta de
amparo e segurança por parte do Estado, seja pelas circunstâncias do crime em si.
Nesse sentido, o PROVITA visa amparar e proteger testemunhas, vítimas e seus
27

familiares de ocorrências de homicídio, tentados ou consumados, decorrentes da


agressão institucional, da ação de grupos de extermínio ou do crime organizado.
A Lei n. 9.807/1989, mais conhecida como “Lei de Proteção às Vítimas e
Testemunhas” determinou regras para manutenção e organização do programa para
vítima e testemunhas que sejam ameaçadas. Esta Lei, mesmo de suma importância,
possui abrangência limitada.
De acordo com seu artigo 1º, as medidas de proteção da União, Estados e
Distrito Federal, devem ser "vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam
coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação
ou processo criminal”
Assim, mesmo estabelecendo garantias fundamentais, as pessoas que
podem se beneficiar delas ficaram restritas à vítimas e testemunhas que estejam
sob coação ou ameaça
Já em seu artigo 2º, foi determinado que: “a proteção concedida pelos
programas e as medidas dela decorrentes levarão em conta a gravidade da coação
ou da ameaça à integridade física ou psicológica, a dificuldade de preveni-las ou
reprimi-las pelos meios convencionais e a sua importância para a produção da
prova.” Ou seja, para que se possa receber a proteção do Estado, é necessário que
o indivíduo seja também vítima de um novo crime, a coação no curso do processo.
Portanto, o Estado apenas age quando o sujeito é duplamente lesada.
Consequentemente, após sua aptidão para receber proteção do Estado, a lei
dispõe que tal proteção poderá ser estendida ao cônjuge da vítima, seus
ascendentes, descendentes e até mesmo outras pessoas consideradas
dependentes, desde que possuam convivência com a vítima em questão.
Para a solicitação de ingresso no programa de proteção, a Lei ainda prevê
que, em caráter de urgência, a depender da gravidade e da iminência da coação ou
ameaça, a vítima poderá ser colocada provisoriamente sob a custódia de órgão
policial. Depois, será decidido sobre o ingresso ou exclusão da vítima no programa,
bem como as medidas necessárias para seu cumprimento.
O art. 7º enumera as medidas que poderão ser aplicadas isolada ou
cumulativamente. Dentre elas, podemos citar as principais, quais sejam: segurança
residencial, incluindo controle de telecomunicações; escolta e segurança nos
deslocamentos da residência; transferência de residência ou acomodação provisória
em local protegido; apoio e assistência social, médica e psicológica; ajuda financeira
28

mensal para prover as despesas de subsistência individual ou familiar, nos casos em


que a pessoa protegida encontra-se impossibilitada de praticar seu trabalho ou,
ainda, quando inexiste fonte de renda (o teto dessa ajuda financeira será fixado pelo
conselho deliberativo). É possível ainda a alteração do nome completo da pessoa
protegida, em casos excepcionais em que se julgar necessário para a sua proteção
(art. 9º).
Finalmente, a duração do programa de proteção será de no máximo dois
anos, podendo ser prorrogada excepcionalmente (art. 11). No sistema brasileiro,
esse prazo é evidentemente falho, visto que o processo pode ter duração
indeterminável. Não obstante a boa intenção do legislador, é preciso lembrar que o
processo é, muitas vezes, extremamente lento, fato que causa ainda mais prejuízos
às vítimas.
Até o ano de 2018, quando o PROVITA completou 20 anos de atuação, os
Estados que contavam com programas de proteção em âmbito estadual eram os
seguintes: Acre, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais,
Pernambuco, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa
Catarina. As vítimas e testemunhas dos demais Estados eram amparadas pela
equipe federal do PROVITA, coordenada pelo Ministério dos Direitos Humanos.
Sendo assim, resta evidente a necessidade da proteção as vítimas e
testemunhas em situação de ameaça. Na mesma esteira, também se mostra
insuficiente a legislação existente para proteção à vítimas que não estejam
necessariamente sob coação ou ameaça. Estas, também foram prejudicadas pelo
ato coator do delito.
Ainda, o Estado não deveria estabelecer como critério a necessidade de a
vítima sofrer um novo crime para que seja hábil ao programa.

4.5 ITER VICTMAE

Consiste em um conjunto de etapas que estão cronologicamente ligadas e


prezam para o desenvolvimento da vitimização. Dentro do Direito Penal, há o Iter
Criminis, que se baseia em uma trajetória que o criminoso percorre atrás do seu
objetivo, juntamente com a consumação do crime.
29

O Iter Victmae, é a trajetória que a vítima busca para se proteger, evitando


que aconteça o crime. É baseado em cinco fazes, sendo elas intuição, atos
preparatórios, inicio da execução, execução e consumação.
De acordo com Edmundo de Oliveira: "Iter Victimae é o caminho, interno e
externo, que segue um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de etapas
que se operam cronologicamente no desenvolvimento de vitimização”
A primeira fase, da intuição, fica no interior, não abrange fora da esfera do
pensamento. Na intuição, declara que no crime pode ser vitimizada, como estiver
lendo um jornal, por exemplo. Na segunda fase, consiste nos atos preparatórios,
onde ela já pensa em se preparar para a defesa, praticando até os atos na sua
defesa. Na fase da execução, adquire a fase de proteção, está sendo protegida. Na
quarta fase, coloca em prova o que foi testado. Já na última e quinta fase, não houve
crime, pelo fato do agente ter se defendido com seus mecanismos.
Então, para o Iter Criminis, o ato é praticado e há resultado e o Iter victimae
tenta todos os caminhos, e tenta o crime.
30

5. CONCLUSÃO

Diante do que foi apresentado no presente trabalho, é possível perceber que


o estudo da vitimologia ocupa um papel muito importante dentro da legislação
brasileira. Além de abranger um amplo e complexo estudo, no comportamento da
vítima, autor, e sua dupla vitimização. Porém, percebe-se que o atendimento da
vítima dentro do processo criminal ainda é precário, sem considerar efetivamente o
atendimento de forma humanizada que ela merece.
A vitimologia vem com o objetivo de entender e apresentar os direitos e
deveres que a vítima tem dentro do ordenamento jurídico, demonstrando que a
ausência de sua valoração pode sujeitar outros indivíduos a ocupar esse papel. A
vítima, infelizmente, mesmo com estudos feitos por grandes nomes do Direito Penal,
não recebe do Estado o tratamento que merece. É evidente que a tutela penal
apresenta falhas no oferecimento de amparo às vítimas e isso causa uma
insegurança jurídica no nosso ordenamento.
Nessa questão, o autor do crime ocupa o papel de personagem principal,
deixando a vítima como um personagem secundário. Nesse trabalho, o objetivo foi
tentar descrever o quão inadequado é colocar a vítima nesse lugar, já que a vítima,
independente da situação, justamente pelo papel que desempenha, está em uma
posição mais frágil. Infelizmente, com os estudos e amparos em pequena escala, os
números de casos não diminuirão até uma grande mudança no ordenamento
jurídico, pois a população carece de informações e estudos.
Como visto anteriormente, pode haver momentos em que ela pode ocupar
um papel de ter mais culpa que o próprio autor. A partir da análise realizada nessa
dissertação, foi estudado o porquê da falta de seu conceito, classificação, sua
contribuição, sua participação e seus direitos regidos pela Lei Brasileira. Porém, com
tal estudo realizado, não se compara a atenção que o agressor recebe. Por isso, é
necessário perceber a falta de amparo que o Estado proporciona, já que é dever do
mesmo estar à frente disso.
De acordo com o trabalho descrito, nesse quesito, a falta de informação e de
conhecimento, faz com que as vítimas não procurem a ajuda necessária, mesmo
havendo diversas leis (inclusive citadas aqui) em proteção a elas.
Desse modo, é importante entender que elas deixarão de ocupar esse papel,
assim que comunicarem as autoridades. As vítimas devem ter o cuidado e atenção
31

necessária, pois de modo inconsciente ou consciente, sua figura se fará presente no


crime de qualquer forma. Nesse aspecto, não se pode dizer que todas as medidas
que o Estado dispõe são suficientes no amparo.
Diante de todo fato exposto, é de suma importância o papel da vítima dentro
do crime, devendo ter a sua grande importância dentro do Direito Penal, e, por mais
que existam leis importantes nesse aspecto, o ordenamento jurídico é falho, onde
necessita de uma alteração, já que tratam de vítimas que necessitam de um
tratamento digno
32

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vítima: vitimologia, a dupla penal


delinquente-vítima, participação da vítima no crime, contribuição da
jurisprudência brasileira para a nova doutrina. São Paulo: Universitária de
Direito, 1971, p. 21
BOSCHI, José Paganella, ob. cit., p. 224.
BURKE, Anderson. Vitimologia, Salvador: JusPODIVM, 2019
FERNANDES, Antonio Scarance. O Papel da Vítima no Processo Criminal. São
Paulo: Malheiros, 1995
GOMES, Luiz Flávio e GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia, 3. ed.
rev, at. e amp.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.73

JORGE Alline Pedra. Dissertação de Mestrado. Em busca da satisfação dos


interesses da vítima penal., 2005.

KIRCHHOFF, Gerd Ferdinand. Vitimologia: um empreendimento supérfluo?


Vitimologia em Debate. Trad. da profª Mina Seinfeld Carakushansky,
coordenadores: Ester Kosovski, Heitor Piedade Júnior e Eduardo Mayr. Rio de
Janeiro: Forense, 1990
KOSOVSKI, Ester. Fundamentos da vitimologia. Vitimologia em Debate.
Coordenadores: Ester Kosovski, Heitor Piedade Júnior e Eduardo Mayr. Rio de
Janeiro: Forense, 1990
MORAES, Alexandre Rocha Almeida de; FERRACINI NETO, Ricardo. Criminologia.
Salvador: JusPodvm, 2011

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 17. ed. rev. atual. e aum.
Rio de Janeiro: Forense, 2017

PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: Evolução no tempo e no espaço. Rio de


Janeiro: Freitas Bastos, 1993
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual Esquemático de Criminologia. São
Paulo: Saraiva, 2012. P. 124
STJ. HC n. 255231, julgado em 26/2/2013, Relator: Min Marco Aurélio Bellizze
VIANA, Eduardo. Criminologia. 6 ed. Salvador: Juspodivm, 2018

Você também pode gostar