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DOI: 10.12345/reuni.v00i0.

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Da criminalidade à cidadania: o EJA no sistema prisional


From crime to citizenship: EJA in the prison system

Sebastião Jacinto dos Santos


ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5362-9433
Universidade Presbiteriana Mackenzie/Brasil 
E-mail: sebastiaojacinto@hotmail.com
Marcos Júlio Sergl
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2888-0591
UnyLeya/ Brasil
E-mail: mj.sergl@uol.com.br
João Clemente de Souza Neto
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3348-8316
Universidade Presbiteriana Mackenzie/Brasil 
E-mail: j.clemente@bol.com.br

RESUMO

Ao pesquisar como o Estado brasileiro concebe a educação nos presídios, verificamos que a literatura
registra que muito tem sido feito para fornecer educação para jovens apenados. Apesar desse esforço, a
pedagogia e a cultura predominantes foram sempre de descrédito do potencial humano dessa população,
em certo sentido, voltada para uma subserviência e, até, para uma educação reprodutora do crime eda
violência. O que a sociedade de fato espera é uma forma punitiva e repressiva do sistema prisional. Na
literatura, Foucault (2014) demonstra a aplicação de uma pedagogia do castigo, da humilhação, da
punição, da mutilação do eu e, se possível, da morte. Na contramão desse pensamenteo, objetivamos
mostrar que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tende a inaugurar no sistema prisional um processo
mais humanizador, para que o sujeito reflita sobre suas ações e suas experiências, e reveja sua forma de se
colocar no mundo, dentro de um processo pedagógico de tomada de consciência. Metodologicamente,
ouvimos e dialogamos com educadores que atuam no sistema carcerário. Concluimos que a sistemática
pedagógica da EJA é a resposta para modificar o pensamento negativo da sociedade em relação aos
reclusos.

Palavras-chave: Presidiário; Formação de professor; Educação social; Educação em presídios.

ABSTRACT

When researching how the Brazilian State conceives education in prisons, we find that the literature
records that much has been done to provide education for young inmates. Despite this effort, the
prevailing pedagogy and culture have always discredited the human potential of this population, in a
certain sense, oriented towards subservience and even towards an education that reproduces crime and
violence. What society actually expects is a punitive and repressive form of the prison system. In
literature, Foucault (2014) demonstrates the application of a pedagogy of punishment, humiliation,
punishment, mutilation of the self and, if possible, death. Against this thought, we aim to show that Youth
and Adult Education (EJA) tends to inaugurate a more humanizing process in the prison system, so that
the subject reflects on his actions and experiences, and reviews his way of placing himself in the world,

REUNI – Rev. Univ. – ISSN: 0041-895, vol. 0, nº 0


within a pedagogical process of raising awareness. Methodologically, we listened and dialogued with
educators who work in the prison system. We conclude that the EJA pedagogical system is the answer to
modify society's negative thinking in relation to prisioners.

Keywords: Inmate; Teacher training; Social education; Prison education.

INTRODUÇÃO
Partimos do pressuposto da política de direitos humanos de que o apenado,
depois de cumprir sua pena, tem direito ao reconhecimento social. Quando isso não
ocorre, o impacto sobre o egresso é bastante negativo, a ponto de reconduzi-lo a praticar
crimes como única perspectiva para uma definição de vida. A não aceitação e o não
reconhecimento destroem a esperança de que a sociedade o acolha e até mesmo perdoe
seu delito. Dependendo do crime praticado, a sociedade age com repulsão e violência,
pois é envolvida por uma atmosfera de medo e insegurança, não aceitando que egressos
do sistema prisional morem no seu bairro ou próximos a sua residência.
O presídio, a educação, o crime, a violência, sintetizam ou expressam os
paradoxos e as contradições sociais, cujo eixo condutor é a própria desigualdade social.
Autores como Durkheim (2019) afirmam que a base da sociedade é o crime. Nesta
mesma direção, Foucault (2014) define que não existe sociedade sem crime. A
perspectiva deste artigo é compreender na literatura o sentido do crime, do presídio e o
papel da educação para alterar essa situação. Ao mesmo tempo, ouvir algumas
experiências de educadores que atendem os apenados e buscar na bibliografia aspectos
teóricos que possam elucidar nossos objetivos e problema, de modo a verificar as
motivações de rejeição do egresso nas comunidades populares.
O que observamos na literatura crítica é que as escolhas e as políticas dos
Governos são voltadas ao encarceramento. Ao invés de políticas de enfrentamento à
desigualdade social, multiplicam-se os presídios para os pobres e os meios de
comunicação insistem em expor essas pessoas gerando contra elas ódio e rejeição. De
outro lado, a mídia sensacionalista se aproveita dessa situação para fazer espetáculos
baratos e muito lucrativos. Em certo sentido, transforma a situação do crime em uma
mercadoria simbólica rentável. A par com a rejeição do criminoso, o público
acompanha fascinado a exposição midiática da violência.

Não nos surpreenderemos em perceber que a obsessão comum da


mídia e dos políticos pelo crime casa-se com o fervor dos

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responsáveis pelas instituições penais do país. Ministério da Justiça,
administrações penitenciárias dos estados, departamentos de polícia,
sindicatos de agentes penitenciários e lobbies industriais ligados ao
complexo carcerário: todos concordam em ver no crime controle uma
prioridade nacional que não poderia absolutamente ser freada. É
sobretudo uma prioridade bem feita para justificar o crescimento sem
fim de seus efetivos, de seus orçamentos e de suas prerrogativas
(WACQUANT, 1999, pág. 46-47).

Podemos inferir que existe uma cultura de descrédito e de rejeição aos egressos
do sistema penal, explícita nos meios de comunicação, nas instituições, na sociedade em
geral. No interior da sociedade e das comunidades, há uma certa ambivalência e
ambiguidade sobre o modo de conceber o presídio, o crime e a educação. A comunidade
pode, às vezes, entender que o egresso está consciente das dificuldades para se
reintegrar na vida da sociedade e de que ter acesso aos direitos de cidadania não é um
processo natural.
Diante da negação social, a educação viria colaborar para sua reinserção. Nesse
aspecto, acreditamos que um dos caminhos é a Educação de Jovens e Adultos (EJA),
embora não seja uma panaceia para todos os desafios, mas como uma possibilidade
entre outras. Compreender a educação fornecida no sistema prisional como meio de
conscientizar os indivíduos sobre as dimensões formativas da vida vai de encontro à
garantia dos direitos humanos, cuja perspectiva abrange a convivência em comunidade e
aceitação das normas sociais.

A população carcerária
No Brasil, os presídios são superlotados e há divergências quanto à qualidade do
atendimento dos encarcerados. Dados de 2021 indicam uma diminuição dessa
população para 682.182 (SILVA, 2021), comparada com ano anterior que apresentava
um total de 773.151 de presos (BRASIL, 2020).
As variações dessa população, a cada ano, demonstram que a falta de instrução
educacional pode ser um dos impedimentos para a busca pelo mercado de trabalho. De
2017 a 2019, de uma população de 726,7 mil presos em todo o país, 70% não haviam
concluído o ensino fundamental, 8% haviam terminado o ensino médio, 8% eram
analfabetos e menos de 1% havia ingressado ou tinha diploma do ensino
superior (MATUOKA, 2019).
Os relatos sobre as condições de insalubridade, qualidade insatisfatória de
alimentação, falta de higiene, maus tratos, violência, rebeliões e negação dos direitos

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humanos são sinais de que o sistema prisional possui muitos problemas de infraestrutura
e pouca implementação de projetos de ressocialização e de preparação dos presos para
vencer os desafios do regresso à sociedade. Nas entrelinhas, parece que existe uma
política de não ressocialização e de manter as condições para a ampliação da violência e
mesmo do genocídio.
Assim como os Estados não têm dados certos sobre as muitas questões que
afetam os presídios, atualmente, faltam informações precisas sobre os infectados e
mortos pela Covid-19 (ASSUNÇÃO, 2020), o que agrava ainda mais os impactos
negativos sobre os direitos dos presidiários. A questão fulcral tem sido como criar meios
para o desenvolvimento de educação solidária e cidadã nos presídios, sem comprometer
a segurança e sem criar impasses negativos para que o preso cumpra a sua pena.
A ambiguidade que percorre os contextos atuais, políticos e econômicos se
utiliza dos direitos humanos para escamotear a desigualdade social e a violência, cria
aquilo que Žižek (2012) denomina de “humanitarismo para inglês ver”.
Na tradição brasileira, o crime e o encarceramento são apresentados por uma
estética de múltiplas tonalidades que oscila entre o trágico e o desdobramento pelo
reconhecimento, pelo poder e por uma posição econômica.

A estética do crime
No Brasil Colonial se viveu bem com múltiplas realidades: o negro enquanto
escravo e o infringente dos direitos instituídos pelas leis da coroa, trancafiados nos
calabouços dos fortes e prisões. O crime não era aos modos do que conhecemos hoje,
pois se vivia a lógica dos conquistadores e das instrutoras sociais da época.
A história das casas de correções e prisões em São Paulo (SALLA, 1999), assim
como em todo o Brasil se constitui de muitos conflitos, principalmente por se entender
que a criminalidade faz parte do processo de destempero dos indivíduos frente ao
ambiente social de desigualdade em que o sistema capitalista gera situações de
necessidade. O confronto entre o ser ético e a banalização da moral individual que se
encerra na criminalidade demanda incertezas sobre a aceitação da comunidade em geral.
Movimentos que ressurgiram em regiões do Brasil, como o Bando de Lampião,
os seguidores de Antônio Conselheiro, a Balaiada, as revoltas de diferentes grupos,
inserem a lógica de um padrão de estética que esbarra na violência.

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As cidades brasileiras surgiram e cresceram sem eliminar a violência e a
criminalidade. A cada construção, a forma como se erguiam os muros instigava aos
desavisados e interessados em lançar mão sobre os direitos do outro, a escalar o muro e
pegar para si o quanto pudesse.
Se desde o princípio “a utilização dos galés, como eram conhecidos os presos
que realizavam serviços públicos, torna-se mais usual na medida em que a cidade se
preocupava com a higiene e a limpeza, com zelo até então desconhecido” (SALLA,
1999, p. 40), fica em evidência de que nestas práticas tinha embutido um modelo
pedagógico que também foi utilizado para a formação dos carcerários, com certo
controle e desconfiança, pois poderia ser temerário para o estado “colocar a raposa para
cuidar das uvas”. Embora se utilize alguns dos presos como boa instrução e formação
como monitores para o ensino de outros presos, os Estados brasileiros ainda não
assumiram essa política como um direito e os documentos indicam que tal ensino deve
estar ligado diretamente à Secretaria de Educação de cada Estado.
A luta por reconhecimento social leva os indivíduos apenados a acreditarem que
ao pagar por seus crimes e delitos voltaram a um quadro de normalidade social. No
entanto, as muitas experiências negativas e os traços de sofrimentos para se adequar às
leis criadas pelos próprios presos gera a perda de referenciais.
Na prática de um crime, está em jogo a vida ou a propriedade privada. Quando o
indivíduo vai além do direito do outro, causando danos que precisam ser reparados ou
interferindo diretamente naquilo que foi constituído por lei desobedecendo-a, está
cometendo um crime.
As composições dos problemas sociais engendrados por multiplicidades de
relações produzem ilhas de insegurança ou avançam na promoção de dignidade para
alguns. Da mesma forma, “à medida que o crime violento aumenta, os abusos persistem
e as pessoas procuram meios privados e frequentemente ilegais de proteção, entramos
num círculo vicioso que só vai resultar no aumento da violência” (CALDEIRA, 2000, p.
205).
Se as políticas públicas e de segurança não são eficazes para o atendimento da
população, dificilmente serão resolvidos os problemas de violência em que o controle
do crime se faz necessário. A sociedade em geral recebe de todos os lados os incentivos
subliminares que naturalizam o comportamento agressivo e a violência. Dois muros são
erguidos proporcionalmente: os de concreto e tijolos como forma de proteger as pessoas

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em casa e o da indiferença em que pouco importa a violação dos direitos e da
criminalidade – desde que não seja comigo ou com os meus.
A criminalidade é uma realidade presente em todas as sociedades humanas e ao
mesmo tempo faz parte de um imaginário cultural representativo que vai das peças de
teatro, desde a Grécia Antiga, às interpretações modernas em que os enredos de morte e
tragédias são o ápice para ilustrar o enredo central. Os crimes estampam as páginas dos
jornais nas diferentes localidades do Brasil despertando a curiosidade humana, mas
também produz uma mentalidade em que até mesmo a criança deseja ser um bandido
famoso que está constantemente passando na TV. Somos, por natureza, detentores da
curiosidade sobre o sofrimento dos outros.
Thomas Morus (2004) em suas teorias políticas define que duas regras são
imprescindíveis na sociedade: a garantia da vida e a garantia de propriedade. No
entanto, o mesmo adverte que tudo que define o direito de propriedade é uma invenção
humana. Para este filósofo tudo que fazemos na sociedade é para garantir a vida. Por
isso, as pessoas trabalham incessantemente para ganhar dinheiro e manter a sua
qualidade; mas, em outros momentos gastam tudo que têm para sua autoproteção. Neste
dinamismo está a circularidade da vida em que tentamos preservá-la a todo custo
mesmo se estiver envolto pelo direito de posse.
A estética do crime está montada na necessidade de manter a vida em que todos
os crimes podem ser justificados para sua manutenção. Muitas são as ferramentas de
distribuição simbólica da criminalidade, na construção da memória coletiva
(HALBWACHS, 2003) da sociedade que vai da literatura à filosofia, se confundindo
com o real e o ficcional. Morus (2004) em Utopia descreve como a sociedade deve
conduzir o que é plausível de punição:

Os maridos são responsáveis pela punição das esposas e os pais, pela


punição dos filhos, a menos que a falta cometida seja tão grave que o
interesse público requeira uma punição pública. Os crimes mais
graves são punidos com a escravidão, pois considera-se que é tão
eficaz para conter o criminoso quanto a pena capital imediata, sendo,
no entanto, mais benéfica para o Estado. Além do mais, os escravos
ficam permanentemente visíveis aos olhos do público para lembrar-
lhes de que o crime não compensa. Os escravos que se rebelam contra
sua condição, como bestas selvagens que as grades e as correntes não
são mais suficientes para conter, são imediatamente executados
(MORUS, 2004, p. 96).

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Necessário será garantir que dentro do Estado sejam preservadas essas garantias
a partir do desenvolvimento de leis e códigos de condutas morais. Quando o indivíduo
invade a moradia de outro e suprime determinado bem sem tal permissão, está entrando
em confronto com a lei e por isso criando seu próprio código de conduta.
É por ter desenvolvido o seu próprio código de conduta que a maior parte dos
sujeitos que violam a lei tem inicialmente dificuldade para perceber que tal ação se
constitui como erro. No Brasil as consequências para o entendimento desta quebra de
confiança social com delito ou crime está alicerçada na ideia de que se achar fácil, leva
e se não tem dono posso retomar para mim.
Quando o sujeito encontra um bem perdido e tenta encontrar os verdadeiros
donos está seguindo um código de conduta, mas ao mesmo tempo é visto por parcelas
da sociedade como sujeito ético, pois vai de encontro a estética da criminalidade. Por
outro lado, ele pode ser julgado como tolo.
O crime para alguns é abominável, mas para outros é a continuação da garantia
de manutenção da vida. Mas, para que esse sujeito volte a perceber que de fato suas
ações estão erradas precisa aprender a repensar a realidade do direito grupal e do direito
de cada indivíduo.
Para inibir o crime, o Estado precisa instruir o seu quadro de policiais e os
empresários precisam desenvolver mecanismos de segurança, inibindo a ação do ladrão.
Ao criar determinados espaços de segurança, chamam a atenção para esses espaços.
Ironicamente, ao impedir o delinquente de entrar em sua propriedade, os sujeitos
passam a viver em verdadeiras gaiolas e têm a exata noção de que "estão presos em casa
e os bandidos soltos na rua", conforme alega o senso comum. E criam uma afetividade
pelos espaços de segurança em que

[...] não somente casas e muralhas persistem através dos séculos, mas
toda a parte do grupo que está em permanente contato com elas e
confunde sua vida com a vida das coisas permanece impassível,
porque não se interessa pelo que acontece na realidade fora seu círculo
mais próximo e além de seu horizonte mais imediato (HALBWACHS,
2003, p. 161).

As casas precisam da composição de muros altos que impeçam a sua invasão. A


modernidade traz os cenários da vigilância com câmeras de vídeos e muitos outros
equipamentos que nos auxiliam a evitar ou ajuda a verificar o crime ocorrendo no seu
determinado momento.

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Muitas expressões que fazem parte do imaginário do crime, como passar a perna
no outro, roubar escondido, "dar a Elza", surrupiar, suprimir, pegar à força, se proteger,
atuar para a legítima defesa, são ideias que apresentam a estrutura estética do crime.
A estética do crime tem sua continuidade na prisão a partir da noção de espaço e
lugar e das linguagens e comportamentos que compõem a identidade do sistema
penitenciário. Em muitos presídios podem existir dois padrões que regem a permanecia
do detento, marcada pela visibilidade das leis do Estado e pelas leis criadas pela
população carcerária.

A estética do poder
A consciência ingênua em acreditar que os presidiários vão ficar calados, sem se
posicionar diante de sua realidade de sujeito que foi tolhido de sua liberdade, é uma fala
constante do Estado, que acaba por determinar o falso mito do controle padronizado,
que leva o indivíduo ao silêncio.
Todos os sistemas prisionais do mundo deveriam ter como finalidade levar o
sujeito a refletir sobre suas próprias ações, pois em algum momento ele acaba por se
voltar para reflexões a respeito do que o levou a praticar o crime.
Nesse contexto, “é visível a olho nu a exclusão de grandes massas populacionais
da moradia, da alimentação, da saúde, da educação, da cultura, do lazer, do transporte e
de todos os bens necessários à vida” (LUCKESI, 2011, p. 259). Sem ter o mínimo, o
indivíduo, na sociedade de consumo, se vê tomado pela idealização dos seus desejos: o
poder do ter e do ser ronda a sua existência de modo perverso, pois a própria sociedade
capitalista acabar por produzir essas necessidades.
Nas salas de aula dos presídios a avaliação da aprendizagem não pode ser um
processo de exercício do poder, mas o professor deve propor a avaliação solidária em
que deixa a cargo do próprio aluno a compreensão de seu compromisso enquanto
indivíduo que busca a transformação de sua existência.

A indústria do crime
Os presídios são exemplos das novas abordagens do capitalismo em que, como
verdadeiras cidades, precisam ser mantidos como uma indústria própria de manutenção,
que vai do fardamento aos alimentos consumidos.

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Cada preso custa ao Estado mais do que se pode preparar um indivíduo para não
se voltar contra a sociedade, enquanto produtor do crime. Por isso, não existe um
interesse em resolver os problemas de conduta dos que estão propícios à criminalidade.
As guerras e os confrontos policiais perpetuam a industrialização dos
armamentos e os conflitos sociais ganham legitimidade. No Brasil, os pontos de
controle paralelo ao Estado são conhecidos e silenciados, desde o Rio de Janeiro com as
milícias aos grupos organizados no Estado de São Paulo. Os tentáculos do crime
brasileiro ganham força na América Latina e fazem história, recrutando desde o
adolescente infrator, até os envolvidos com o tráfico de drogas, criando necessidades
que fortalecem a sua permanência.
Compreender que “hoje, numa curiosa mudança de seu papel histórico e em
desafio às intenções originais de seus construtores e às expectativas de seus moradores,
nossas cidades se transformaram rapidamente de abrigos contra o perigo em principal
fonte desse mesmo perigo” (BAUMAN, 2007, p. 78).

Procedimentos metodológicos
Ao verificar as teorias que versam sobre o ensino nos presídios, busca-se, com
este artigo, desenvolver subsídios para que se possa refletir sobre a dinâmica da
formação cidadã em detrimento da negação do direito do apenado.
Para confirmar que o crime ou delito passa a ser visto com naturalidade pelos
apenados, citamos dois exemplos: a) de uma presidiária da Colônia Penal Feminina do
Bom Pastor, na cidade do Recife/PE; b) de outra na Penitenciária Estadual de
Alcaçuz, em Nísia Floresta/RN, frutos de narrativas de experiência de uma agente da
Pastoral Carcerária. Os diferentes serviços das Pastorais Sociais procuram se manter
unidos “[...] para atuar com maior eficácia no enfrentamento de situações que levam as
pessoas ao sofrimento, à marginalização, à exclusão social” (CNBB, 2008, p. 34).
A bibliografia sobre educação proporciona caminhos para a verificação da
população carcerária como detentora de direitos, a partir das normas que regem que a
instrução educacional é um direito de todos e colabora para o desempenho formativo de
uma capacitação cidadã.

Quando um grupo humano vive por muito tempo em um local


adaptado a seus hábitos, não apenas a seus movimentos, mas também
seus pensamentos se regulam pela sucessão das imagens materiais que

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os objetos exteriores representam para ele (HALBWACHS, 2003, p.
163).

O Estado deve estar equipado com meios que proporcionem aos apenados
cursos, principalmente os profissionalizantes, e o desenvolvimento de projetos, como o
EJA, que atendam a todos em fase de escolaridade e aos adultos que desejam aprender.

Os relatos no sistema carcerário


As atividades com a Pastoral Carcerária (CNBB, 2020) renderam muitas
experiências e narrativas que nos fazem perceber a contramão do sistema prisional
frente à existência humana, formulada em determinados momentos, na contradição que
requer o auxílio da pedagogia social.
Essa pode colaborar para o entendimento de que os conflitos podem surgir tanto
da parte do apenado, que reage negativamente por ações violentas, como da sociedade
que julga, condena e ao mesmo tempo absorve o crime do apenado.
Na verdade, a sociedade acompanha como ocorre o crime ou delito com uma
expectativa que acaba por gerar certo prazer estético. Isso vai se confirmando ao longo
da história da humanidade como um interesse pela vida do outro. Tais comportamentos
passam a ser corriqueiros ao trazer a naturalidade e aceitação para determinadas ações e
condenações para outras. Foucault já identifica as formas de vigilância e punição e
adverte que “o poder na vigilância hierarquizada das disciplinas não se detém como
uma coisa, não se transfere como uma propriedade; funciona como uma máquina”
(2014, p. 174) que perpassa todos os indivíduos na comunidade.
O delito ou crime passa a ser visto pela massa popular primeiro com julgamento,
condenação, depois complacência e por último é avaliado e visto com naturalidade ou
aceitação. Citamos dois exemplos.
O primeiro é de uma apenada que foi transferida para a Colônia Penal Feminina
do Bom Pastor que quando indagada por um agente de Pastoral Carcerária sobre o seu
crime, relatou todos os pormenores ocorridos e como tinha matado o seu filho recém-
nascido. Em seguida terminou com a seguinte frase: “se eu soubesse que ia ser tão bom
eu teria feito isso antes com meu filho mais velho”. Isso porque essa senhora era mãe
solteira, com dois filhos e acreditava que não podia criar um terceiro e por isso ao
nascer ela o assassinou.

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A vizinhança ao descobrir o ocorrido se revoltou e quase a linchou ali mesmo na
rua onde aconteceu o crime. Ela foi presa enquanto a comunidade continuava
extremamente revoltada, mas enquanto aguardava para ser transferida para um presídio
feminino de detenção máxima, foi aos poucos se familiarizando com ambiente da cadeia
e assumindo algumas funções, como fazer a limpeza das celas, preparar o café dos
policiais, varrer as calçadas da delegacia, de modo que ela foi de alguma forma
ganhando uma visibilidade que antigamente não existia.
As pessoas da comunidade, que antes a desejavam matar, agora começavam a
analisar o seu ato e perceber que na verdade ela era fruto de uma problemática social.
Que de fato ela não podia criar uma criança, pois não tinha condições para mantê-la
financeiramente. Na sequência, a comunidade chegou a quase que aceitar o
comportamento da detenta.
O outro caso é emblemático, ocorrido em uma Penitenciária Estadual no Rio
Grande do Norte. Esse caso foi relatado por um dos agentes da Pastoral Carcerária, que
em uma visita encontrou no canto do presídio um senhor negro, baixinho, magro, com
traços de muita felicidade e de um sorriso encantador.
A equipe ficou encantada com aquele sorriso e quis entender o que ocorria para
tamanha felicidade em um ambiente inóspito e obscuro, pois a penitenciária masculina
situada no município de Nísia Floresta/RN sempre foi superlotada. Em determinado
momento de sua história alguns presos circulavam livremente em seus espaços, como
vendedores de produtos diversos. Não podemos nos esquecer de que ambiente que tem
mais de sete mil presos é na verdade uma pequena cidade.
A narrativa do senhor é que teria passado vinte e três anos preso, cumpriu a pena
estipulada pelo estado e chegou o dia de sua soltura. Os dias anteriores que sucederam a
liberdade ocorriam com um misto de sensações, como insegurança, incerteza, medo e
curiosidade de como seria a vida lá fora com liberdade.
Segundo este preso, sua saída se deu no dia indicado. Pegou o transporte e se
dirigiu para a localidade onde iria ficar. Enquanto o transporte se locomovia pelas ruas
da cidade, ele se encontrava extremamente perdido, não conseguia mais identificar
aquele lugar como um ambiente de sua existência. Isso ocorreu pela manhã. Depois do
meio-dia já se encontrava extremamente sufocado, pois não se sentia bem com aquela
liberdade.

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Ele analisava o que fazer, pois acreditava que o seu único lugar de memória era
a penitenciária que tinha acabado de sair. Começou a perceber que não conseguiria se
adaptar à nova realidade e passou alimentar o desejo de voltar para a prisão.
De acordo com seus relatos, às seis horas da tarde tomou a decisão: entrou em
uma farmácia, se dirigiu para o balcão e anunciou o assalto. Solicitou que o funcionário
passasse o dinheiro e ficou ameaçando sem nenhum interesse em relação ao produto do
roubo.
Esperava que fosse feita uma ligação para a delegacia e que a polícia o viesse
resgatar naquele momento. O que de fato ocorreu e às oito horas da noite, ele já estava
recolhido, esperando para ir para a penitenciária. Passou menos de vinte e quatro horas
solto e termina a sua narrativa com a frase: “aqui é meu lugar de onde não desejo mais
sair. Aqui sou livre”. Este relato condiciona a saída do detento a

[...]. O Ser submetido institucionalmente, o Ser que contraria tal


submissão através de um contra-poder de um código de ética grupal
da massa carcerária e o Ser social pronto a restabelecer relações no
mundo externo à prisão se encontram nesse momento da
transitoriedade, que é a saída, e implicam na caracterização de sujeitos
que vivem esse momento, na limiaridade entre estar preso e estar solto
(FILHO, 2012, p. 185).

Os depoimentos indicam que não é uma condição simplista praticar um crime,


ser preso, pagar a pena e ser solto. O sentimento de liberdade indica que “essa vivência
na fronteira gera a necessidade de alterar o estado de consciência logo ao sair da prisão”
(FILHO, 2012, p. 185).
A experiência de cada indivíduo “faz parte dos relatos desse passado a sua
relação familiar, a sua relação no seu meio social composto por vizinhos e amigos, além
dos hábitos e costumes próprios de cada um” (FILHO, 2012, p. 186). São muitas as
implicações que estabelecem constantes conflitos para o detento e a expectativa de
liberdade pode não ocorrer de acordo com as idealizações pessoais.
Na luta por liberdade, “a saída do espaço prisional representa mais do que o
sonho físico de liberdade, principalmente, pelo caráter simbólico do aprisionamento”
(FILHO, 2012, p. 186), mas encontramos muitas outras histórias de detentos masculinos
e femininos que se fossemos escutar, interpretar e refletir sobre o real sentido do seu
crime, diríamos que as desgraças vividas na vida de alguns indivíduos são terríveis.

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Infelizmente o ato do crime é o único motivo para dar visibilidade a sua
existência. Nesse caso, o criminoso aparece como um produto da sociedade e lança luz
sobre a problemática social fazendo com que reflitamos de forma aceitar com
complacência ou repugnar o crime praticado.
É lamentável que em determinados ambientes sociais o crime seja a única forma
de dar visibilidade, existência dos indivíduos. Porisso, acreditamos que os projetos
voltados à educação têm que funcionar também de forma preventiva no sentido de
preparar a comunidade para lidar com seus problemas sociais.

A educação como um direito para todos


No sistema prisional do Estado de São Paulo somente “3% dos funcionários do
sistema (ou 3.124 pessoas)” (SANTOS, 2017, p. 46) atuam em atividades de educação
com apenados, representando uma pequena fração para a população prisional de
“240.061” (SANTOS, 2017, p. 8), sendo que 10% dos presos são atendidos em
atividade escolar.
Pela dimensão da população de presos no Estado de São Paulo e as diversas
rebeliões que tem ocorrido em diferentes localidades do Brasil, percebe-se que existe
um inchaço que impacta diretamente na forma como esses indivíduos vêm sendo
acomodados no cárcere.
Cada família dos presos também padece com a o tratamento que o Estado tem
oferecido, o que deixa como ensinamento que nem todos são tratados de forma
igualitária. Além da dimensão do crime, as condições financeiras também imperam,
impedindo que as camadas mais pobres e principalmente os negros continuem em uma
condição de exclusão.
Levando-se em conta a população e suas necessidades, a educação formal pode
trazer meios de religação para o sentido da vida. É uma forma para que o apenado
alimente a esperança por melhores condições para a sua manutenção e a dos seus
familiares.
São muitos os conflitos vivenciados nos presídios, criando uma atmosfera de
repetição da violência em que muitos dos presos mesmo ao tentar cumprir a sua pena
passam por tortura por parte de seus próprios colegas de cela.
É preciso que o Estado cumpra o que está prescrito na Lei de Execução Penal
como forma de propor que o preso possa acessar seus direitos, já que a “[...] assistência

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educacional é um direito garantido à pessoa privada de liberdade e deve ser oferecido
pelo Estado na forma de instrução escolar e formação profissional, visando a
reintegração da população prisional à sociedade” (SANTOS, 2017, p. 46).
Enquanto direito, a educação no sistema prisional deve ser amparada por uma
sensibilidade que conste que “o ser humano está, da mesma forma, inserido no meio que
o cerca e com ele vive e convive, contudo também o transcende por meio de sua
capacidade de agir e de compreender “como” age e a razão pela qual se age”
(LUCKESI, 2011, p. 31).

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) no sistema prisional


No Estado de São Paulo, a preparação para a implantação do Novo Ensino
Médio não nos oferece uma definição de como ela ocorrerá no sistema prisional, mas
dadas as definições do EJA na Lei nº 16.279, (SP, 2016), fica em evidência a
necessidade de ampliação de cursos profissionalizantes, com a finalidade da retomada
na participação social com dignidade.
Outras disciplinas que competem ao quadro da educação formal, como a Arte e
Educação Física, temas transversais como meio ambiente, sustentabilidade e as questões
éticas, são meios de instrução aos jovens e adultos apenados. A Lei de Diretrizes e
Bases (BRASIL, 1996), torna “facultativa nos cursos noturnos” (Art. 26, § 3) o ensino
da Educação Física, mas necessária aos apenados que precisam de condições para
movimentar o corpo, encontrando melhores condições de saúde e que ao desempenhar
exercícios físicos acabam por desenvolver hábitos saudáveis.
Como o preso se encontra em situação de conflito pessoal e social, a
participação no EJA pode trazer equilíbrio com a aprendizagem e ao mesmo tempo, o
direcionar para o fato de que “a vivência em sociedade é determinante na manutenção
da identidade, um conhecimento da própria história que nunca para de se transformar”
(BRASIL, 2016, p. 198).
Se familiarizar com sua história pessoal, transitar pelo processo de aceitação,
reconhecer a esfera de perigo criado por seus próprios atos podem ser acionados a partir
da participação nas aulas. A ONU estabelece na Regra 104 que

1. Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de


todos os reclusos que daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa
nos países em que tal for possível. A educação de analfabetos e jovens
reclusos será obrigatória, prestando-lhe a administração prisional

14
especial atenção. 2. Tanto quanto for possível, a educação dos
reclusos deve estar integrada no sistema educacional do país, para que
depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, os seus
estudos (ONU, 1955, p. 32).

Compreender a oferta de ensino das diferentes modalidades no sistema prisional


requer a criação de projetos com linguagens próprias e adequadas, em que sejam
avaliadas as fromas de motivação para que o detento se decida livremente a participar
de sua formação, como meio de o preparar para os desafios futuros.

A finalidade do EJA nos presídios


Embora existam muitas interpretações para se crer que o crime deve ser pago
com castigos, as leis que regem sobre os direitos do apenado direcionam para o fato de
que o Estado deve devolver para a comunidades pessoas melhores.
Não é o que vem ocorrendo nas comunidades carcerárias do Brasil, nas quais o
indivíduo se torna o elemento chave da estética do crime, um produto da indústria do
crime. Para frear tais realidades o Estado deve “[...] oportunizar aos seus detentos
condições de reeducação, reinserção e ressocialização” (CUNICO, 2014, p. 11), como
meio de diminuir a desigualdade social.
Se “a Educação de Jovens e Adultos (EJA) dentro do Sistema Prisional tem
como objetivo elevar a escolaridade dos alunos privados de liberdade, resgatar a
autoestima e reintegrá-los socialmente” (CUNICO, 2014, pp. 12-13), deve-se levar em
conta que a motivação e o desejo em participar desta modalidade de ensino não pode ser
deixada a cargo do próprio preso, que já vem desmotivado de uma realidade social que é
excludente, mas deve ser proposto e oferecido como meio e necessidade da própria
estrutura prisional em melhorar o seu quadro de preparação do futuro egresso.
O ensino na prisão tem como finalidade “incluir não só quem a sociedade exclui,
mas também quem a escola abandonou” (MATUOKA, 2019, sp.). Elucidar que se as
escolas brasileiras deixam muitos dos seus alunos à deriva por falta de uma educação de
qualidade, levando-os a recorrer a meios ilícitos para a sua sobrevivência, não é a
resposta correta, pois a educação não é a salvadora da criminalidade. Seus meios só se
tornaram eficazes se a isso se somarem as políticas públicas e outros meios de educação
informal que devem ser desenvolvidos principalmente na família.
O EJA tem muito a oferecer para a ressocialização dos presos, elucidando a
dificuldade de alguns que não frequentaram a escola ou que a abandonaram por

15
variados motivos. É uma forma de gastar o tempo que se tem, empregando-o para
aprender e ser alfabetizado.
Se a luta por uma educação de qualidade não se confirma na sociedade em geral,
dificilmente isso deve ocorrer nos presídios como forma de efetivação dos direitos da
comunidade carcerária. Essa visão não pode desanimar a aqueles que lutam pela
garantia dos direitos humanos.
Os projetos de educação e o EJA deveriam ser uma oferta necessária a toda a
comunidade carcerária principalmente para promover a ressocialização e a manutenção
de meios que os prepare na busca de ressignificar a sua vida para além do ato criminal.
A compreensão de que “atualmente é ilegal não querer ser livre ou renunciar à
sua própria vontade” (BAUDRILLARD, 2002, p. 57) constrói para o preso uma quase
utopia da liberdade, em que pode se acentuar o conflito pessoal e social. Se o EJA como
proposta de educação formal pode ser meio de ressocialização cabe ao professor
exercitar a sua sensibilidade para compreender a dinâmica da forma como pensa o
carcerário.

Preparar o professor para atuar na educação em presídios


Os documentos que regem a educação brasileira visam atender diferentes
modalidades de ensino. Nas diretivas de mudanças atuais

Essas decisões precisam, igualmente, ser consideradas na organização


de currículos e propostas adequados às diferentes modalidades de
ensino (Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação
do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar
Quilombola, Educação a Distância), atendendo-se às orientações das
Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2017, p. 17).

O professor que atuará no ensino prisional encontrará todas essas realidades


juntas, pois as prisões têm recebido detentos de diferentes realidades sociais,em sua
maioria desprovidos economicamente, tomados pela miséria, desigualdade social e
exclusão.
O professor, como um aprendiz, vai aos poucos introduzindo em sua ação
pedagógica que “essa ampliação da visão de mundo dos estudantes resulta em ganhos
éticos relacionados à autonomia das decisões e ao comprometimento com valores como
liberdade, justiça social, pluralidade, solidariedade e sustentabilidade” (BRASIL, 2017,
p. 569).

16
Não é uma tarefa fácil se disponibilizar a ser professor no sistema penitenciário,
pois tal opção se apresenta na sociedade revestida de preconceitos e prejulgamentos que
descaracterizam esse profissional, e que na prisão está relacionada a

[...] visão pragmática associada à educação escolar, relacionada à


obtenção de um emprego e à diminuição do estigma de ex-presidiário,
fruto de uma visão ideológica que não concebe a educação como
direito assegurado legalmente e, tampouco, como política pública
implementada na prisão (OLIVEIRA, 2013, p. 964).

Da mesma forma que se cobra a criação e material próprio para uma


determinada etapa ou fase de ensino, a necessidade de produção de material próprio
para o ensino nos presídios deve ser levada em conta, principalmente, com meios para
que cada presidiário se sinta acolhido e ao mesmo tempo compreenda a linguagem
correta para o desenvolvimento da sua formação intelectual.
Com isso queremos afirmar que a educação nos presídios não deve levar o
criminoso a esconder o delito ou crime, mas encorajar a cada um a refletir sobre seus
erros e como pode retomar a condução da vida a partir de novas aprendizagens para
estabelecer a confiança pessoal e social.
Os avanços em relação aos cuidados com a educação prisional requerem que a
“capacitação e inteligência” (Brasil, 2009, p. 22) dos funcionários correspondam às
necessidades dos presidiários. Os cuidados com a formação do jovem têm como
proposta a melhoria do indivíduo, compreendendo-se que a sociedade tem muito a
ganhar com esses investimentos.

Os professores devem dar conta de determinada tarefa, constituída


historicamente. A realidade de trabalho e as condições objetivas que
se apresentam, no entanto, não permitem que concretizem o que
socialmente deles se espera. Ser professor diz respeito a um modo
particular de ser, implicando autoridade moral em um mundo
controverso (PENNA, 2007, p. 78).

Em qualquer experiência docente, “a prática do professor apresenta-se conectada


ao contexto social em que está inserida, sendo necessário buscar a compreensão das
condições em que ocorre” (PENNA, 2007, p. 78). Participar da esperança do preso é
uma condição motivadora, no sentido de direcionar sua missão de ensinar para o
reconhecimento do ato de liberdade que deve ocorrer em consonância com a realidade
de professor e aluno.

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Os conceitos de liberdade e prisão que estão tão arraigados no detento se tornam
analogias e simbolismos do próprio processo entre aquele que ensina e o que aprende,
mesmo no conflito.
Existe uma dicotomia entre ensinar e aprender, pois envolve relações pessoais
que são carregadas de incertezas, insegurança e identificação. Na prisão essa dicotomia
tende a aumentar pois envolve também o medo. Mas, nos dizeres de Freire (2011) é
necessária a dupla conscientização, pois para que

[...] quem sabe possa ensinar a quem não sabe é preciso que, primeiro,
quem sabe não sabe tudo; segundo, que, quem não sabe, saiba que não
ignora tudo. Sem esse saber dialético em torno do saber e da
ignorância é impossível a quem sabe, numa perspectiva progressista,
democrática, ensinar a quem não sabe (FREIRE, 2011, p.256).

A sociedade em geral deve reconhecer na educação os meios de controle social


para a convivência amistosa, mas têm muitos “prós e contras” a serem analisados, pois
há muitas pessoas para quem interessa o sucateamento da educação brasileira e o
ressurgir de novas indústrias de controle social, voltada para um suposto resgate de
direitos sociais.
Nesse caso, [...] a sociedade precisa entender que, sem educação, o Sistema Prisional
torna as pessoas muito piores a um custo muito alto” (CUNICO, 2014, pp. 104-105). O
papel social da educação é confirmado também na prevenção e formação pessoal dos
indivíduos para livremente dar rumo ao direcionamento da vida.

O reconhecimento como um dos aspectos da educação social


O apenado se encontra em situação de conflito e por isso é visto pela pedagogia
social em condições de restituir a sua dignidade a partir da própria reestruturação
educativa.
As prisões estão aparelhadas com castigos que vão desde o controle alimentar, o
próprio espaço superlotado à tortura física que gera “[...] uma perda de confiança em si
e no mundo, que se estende até as camadas corporais do relacionamento prático com
outros sujeitos, emparelhada com uma espécie de vergonha social” (HONNETH, 2009,
215).
A prisão pelo crime ou delito causa no indivíduo a vergonha pela “[...] perda da
capacidade de se referir a si mesmo como parceiro em pé de igualdade na interação com

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todos os próximos” (HONNETH, 2009, 217). Entre a experiência de perda e insucesso,
o apenado leva tempo para se perceber como indivíduo que errou nas suas escolhas e ao
cometer um crime quebrou a confiança que a sociedade depositava em si.
Reconhecer as perdas causadas pelo crime leva tempo, além de causar medo e
insegurança. Depois vem a conformidade e a tomada de decisão sobre o rumo a ser dado
na vida. Se encontrar um ambiente propício de motivação provavelmente trará
facilidade para no exercício da liberdade, escolher pela melhoria da vida.

Considerações
A luta por igualdade de direitos e a busca por reconhecimento é uma batalha
travada por qualquer indivíduo que cumpre pena em presídios. Não existe uma cultura
de instrução da população para reconhecer os direitos e a luta desses indivíduos.
Reconhecer que a educação pode representar as mudanças necessárias para esta
parcela da sociedade pode ser um caminho a ser trilhado pela comunidade em geral e,
ao mesmo tempo, pelo poder público que deve propor projetos inovadores para a
instrução nas diferentes áreas do conhecimento.
Propor uma cultura de resgate de condições sociais, amparada pelas conquistas
dos direitos humanos, é uma forma de ir aos poucos preservando a dignidade das
comunidades carcerárias. Neste ínterim, não se pode ser ingênuo a tal ponto de acreditar
que de uma hora para outra tudo vai se resolver pela educação. Tal fato está
condicionado a muitos fatores e um deles é o próprio interesse do detento que
provavelmente deve ter um histórico de abandono e desinteresse pela escola quando
podia frequentá-la, antes do delito ou crime.
Nos arriscamos a propor que para se resolver a criminalidade, cada comunidade
deveria cuidar dos membros, e a cada ocorrência que foge do padrão social e dos
hábitos, desenvolver meios de reeducação e cidadania. Essa seria uma forma da
educação render frutos, preparando os indivíduos para assumir seus compromissos
sociais, ampliando as teias de relações e reconhecimento de seus direitos de cidadão
escolarizados.
A facilidade proposta pela cultura da educação a ser imposta nos presídios
também não pode negar a dívida do preso, no entendimento de que seus atos feriram
profundamente parte da sociedade e que existem feridas a serem sanadas, representando
riscos, estresses e insegurança por ambas as partes. Porém, pela educação correta,

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estimuladora, ele pode descobrir novos valores e se tornar um cidadão participante na
construção de uma nova sociedade, mais justa e equilibrada.

20
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