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Introdução
Hoje em nossa civilização com seus agravos e mal-estares, tudo ou quase tudo, quando
se trata de toxicomanias em geral, pode se transformar em adicção, desde o jogo, o
sexo, o trabalho.
Conectados ao discurso do mestre contemporâneo, que é uma conjunção do discurso
da ciência com o do capitalismo, com sua vontade de vigiar, punir e castigar, os
sujeitos ficam presos, tendo relação direta ao gozo, sem passar pelas embrulhadas do
amor. As consequências disso para ele, o sujeito, é leva-lo ainda mais a destruição e a
um circuito infernal: querem me proibir e punir, então eu quero mais, consumo mais.
Fica assim instalado um gozo sem limites: quanto mais guerra às drogas, mais
consumo.
Para nós psicanalistas lacanianos, que devemos estar em consonância com o tempo
em que vivemos se quisermos que nossa disciplina opere sobre o mundo das coisas e
dos sujeitos, seguindo o que nos indica Éric Laurent 1, é necessário mudarmos de
perspectiva quanto às toxicomanias, pois que não se trata de liberação ou proibição
total do consumo de drogas.
Afinal de que droga se trata?
É difícil e complexa a questão de inventarmos instrumentos e dispositivos de
orientação e tratamento para reduzir danos, o que implica num também difícil cálculo
político, pois sabemos que não se pode tudo inventar.
Sejamos incisivos: em nosso país o Estado, o chamado Poder Público, que nessa
conjuntura adversa destrói e mesmo desconhece as políticas públicas sociais inclusivas
está mesmo interessado nesse cálculo político que privilegia o sujeito e suas
singularidades?
Entre o empuxo ao pior do gozo – com a extensão do consumo e a proibição-punição-
repressão -, o problema não se resolverá. Instrumentos e dispositivos, inclusive os
legais, podem funcionar facultando tratamentos e permitir aos sujeitos sair dessa falsa
oposição que é, segundo Éric Laurent, a dupla face da pulsão de morte.
A questão é encontrar em cada um – em cada sujeito – um caminho que responda a
esse impasse já que soluções globais, universais e ideais impostas pelas burocracias
*
Sociólogo, Mestre em Educação pela FAE/UFMG, Psicanalista -Membro da EBP – Escola Brasileira de
Psicanálise – Escola do Campo Freudiano e da AMP – Associação Mundial de Psicanálise. Esse artigo
adveio de uma apresentação na mesa: “Quando falha a cavalaria química, a punição entra em cena” da
III Jornada do Ateliê Intervalo de Redução de Danos, cujo tema foi "Drogas, qual é a sua?", Belo
Horizonte, Universidade FUMEC, 07 de julho de 2017.
sanitárias, higienistas, segregacionistas e autoritárias não funcionam ou são mesmo
iatrogênicas.
Eis aqui uma má notícia: frente à relação particular que cada um tem com seu gozo, a
Psicanálise não é uma panaceia, não oferta saídas e respostas para todos os males.
Não promete a felicidade pois, como nos lembra o colega psicanalista Manoel Barros
da Mota 2 “a resposta da psicanálise não está ajustada, normalizada ao nível da
civilização”.
Lembra-nos, ainda, o colega que “o mestre contemporâneo intervém com exigência de
cálculo, trabalho, aspectos de uma razão que não supõe qualquer singularidade frente
a uma ordem simbólica que já não existe mais”.
Ainda é necessário acrescentarmos que a ascensão do neoliberalismo, esse raio
destruidor que nos tange, e a expansão da sociedade da hipervigilância coincide com
um estado de turbulências e instabilidades crescentes aqui no Brasil e em todo mundo.
2
MOTTA, Manoel Barros da – O crime à luz da psicanálise lacaniana, 1ª. ed. - Rio de Janeiro,: Forense Universitária, 2017,
p. 2.
3
Delírios Utópicos de Claudio Prado – in: https://youtu.be/E7nMwTqFX4k - Consultado em 04 de maio de 2017
4
Carlotti, Tatiana – “Execução penal, exclusão social e abandono do estado”, por Salvador Netto - in:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-Execucao-penal-exclusao-social-e-abandono-do-Estado-
por-Salvador-Netto/4/38054#
5
Ibidem, idem
6
Kehl, Maria Rita – Gozo em estado de exceção: corpos torturados e pessoas desaparecidas, in: Ditadura civil-militar no
Brasil – o que a psicanálise tem a dizer, São Paulo : Escuta : Sedes Sapientie, 2016: 43-62.
7
Ibidem, idem – p. 65.
RESUMO
O autor interroga se o Estado Brasileiro estaria interessado em estabelecer políticas públicas de tratamento a usuários de
drogas que leve em conta o sujeito e suas vicissitudes. Aponta que o aparelho repressivo do Estado - herança do período
de Ditadura Militar, no seu propósito de guerra às drogas, faz uso de métodos e práticas higienistas, repressivas, violentas,
criminalizando, prendendo, encarcerando e até exterminando jovens, sobretudo negros das periferias.
PALAVRAS-CHAVE:
Toxicomania; guerra às drogas; discurso do mestre contemporâneo; jovens; políticas sociais.
ABSTRACT
The author questions whether the Brazilian State would be interested in establishing public treatment policies for drug users
that takes into account the subject and its vicissitudes. It points out that the repressive apparatus of the State - inheritance of
the period of military dictatorship, in its purpose of war on drugs, makes use of methods and practices hygienist, repressive,
violent, criminalizing, arresting, imprisoning and even exterminating young people, especially blacks from the peripheries.
KEY WORDS:
Drug addiction; drug war; contemporary master's discourse; youth; social policies.