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Introdução
1 Possui graduação em Psicologia pela Faculdade do Vale do Ipojuca- FAVIP, atua como psicóloga
social no Centro de Educação Popular Assunção – CEPA, na cidade de Caruaru-PE. E-
mail:silva.elisangelamaria@gmail.com.
2 Pedagogo e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea –
PPGEduc da Universidade Federal de Pernambuco – Campus Acadêmico do Agreste, atua no
acompanhamento de projetos pedagógicos no Centro de Educação Popular Assunção – CEPA,
na cidade de Caruaru – PE. E-mail: adrielrodrigues.89@outlook.com
No século IV, a cristianização do Império Romano levou, todavia, ao colapso as
antigas noções pagãs sobre o uso de drogas, as quais passaram a ser
estigmatizadas não só por sua associação a cultos mágicos e religiosos, mas
também por seus usos terapêuticos para aliviar o sofrimento [...] Assim, no século
X, o emprego de drogas para fins terapêuticos tornara-se sinônimo de bruxaria ou
heresia a ser punida, tanto por católicos como por protestantes, com torturas e
morte. As acusações serviam, evidentemente, a fins políticos e econômicos.
Ajudavam, também, a estigmatizar grupos, como o das mulheres, dos
camponeses e dos pensadores que punham em questão os dogmas eclesiásticos
[grifo nosso] (MACRAE, 2014, p. 33).
3 A Lei 6.368/76 foi definida sob as principais Convenções da Organização das Nações Unidas
(ONU) das quais o Brasil era signatário: Convenção Única sobre Entorpecentes (1961) e Convenção
sobre Substâncias Psicotrópicas (1971). Ambas definem quais substâncias ficam sob controle das
comunidades internacionais, estabelecem os critérios para a disponibilização destas para uso médico
e cientifico e combatem a prática do comércio ilegal.
Enquanto dávamos os primeiros passos para o controle de substâncias e repressão ao tráfico
ilícito de drogas, na década de 70, alguns países europeus já caminhavam às discussões sobre
novos paradigmas que apresentavam o uso e dependência de drogas como um fenômeno complexo,
multifatorial, indiciando assim os primeiros experimentos em Redução de Danos como alternativa às
estratégias proibicionista estabelecidas pela “Guerra as Drogas”.
As respectivas leis encontram se disponíveis em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-
internacionais/multilaterais/emenda-a-convencao-sobre-entorpecentes-de-1961-como-emendada-
pelo-protocolo--de-25-03-1972/. Acesso em 09 de junho de 2019.
http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/documentos/Legislacao/ONU/
329618.pdf. Acesso em 09 de junho de 2019.
A implantação desta lei trouxe grandes impactos no aumento do número de
presos por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Segundo o Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias- INFOPEN- (BRASIL, 2017) num período de
16 anos, entre 2000 e 2016 a população prisional aumentou 157%, sendo composta
por 64% de negros, 55% de jovens entre 18 a 29 anos e 28% condenados e/ou
aguardando julgamento por crimes relacionados ao tráfico de drogas.
Nesse sentido, percebemos que ao longo da trajetória, os principais aspectos
das discussões produzidas, necessitam seguir ao campo de visão das
complexidades existentes nesses fenômenos, que implicam diretamente nos
contextos, sujeitos e drogas.
Para a compreensão dos contextos, entendemos que se faz necessário
dimensionar as características econômicas e políticas presentes nos diversos
cenários sobre a comercialização de drogas, os aspectos socioculturais, as
conjunturas sociais, a importância da identidade comunitária sob seus valores,
crenças, história e a participação do sujeito na construção destas.
O sujeito, em suas diversas possibilidades de SER, constitue sua
subjetividade nas relações consigo mesmo, com o corpo, com o outro e o coletivo.
Compreende-lo em suas múltiplas características biopsicossociais nos empodera de
uma visão histórica dialética de nós mesmos e nossa relação com o mundo.
O Centro de Educação Popular Assunção- CEPA, uma organização da
sociedade civil localizada em Caruaru, município do agreste pernambucano, tem se
firmado como um espaço socioeducativo que alia as perspectivas freireanas da
Educação Popular a um novo modelo de gestão social, que estimula a
institucionalização dos movimentos sociais a partir da participação social e popular,
instrumentalizando-os para o constante diálogo entre Estado e sociedade.
Nas oficinas (dança, teatro, capoeira, maracatu, informática, audiovisual), na
educação infantil, no acompanhamento familiar, no envolvimento de educadores/as,
educandos/as, pais e/ou responsáveis, membros da comunidade, do sistema de
garantia de direitos, é onde desenvolvemos a prática dialógica a partir das rodas de
conversa, oficinas educativas, aulas passeios e ações culturais, que nos permitem
refletir sobre a construção histórica dos elementos estigmatizadores da população
negra, empobrecida, vítima de violências físicas, psicológicas e simbólicas, por
vezes condicionadas nas desigualdades socioeconômicass em favor a manutenção
da supremacia hegemonica que ainda sustentam concepções pseudocientíficas
sobre o uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas que deram espaço a leis
antidrogas e práticas de higienização social através da criminalização e da
segregação do usuário/dependente.
Com o objetivo de problematizar junto aos/às educadores/as, educando/as,
família e comunidade questões biopsicosociais relacionadas ao uso de drogas lícitas
e ilícitas; promover ações de cunho preventivo e protetivo acerca dos mecanismos
sutis e avassaladores de aliciamentos, dependências e multiplos fenômenos
gerados pela dependência e comercialização das drogas; problematizar o imaginário
social4 predominante sobre as drogas, o Centro de Educação Popular Assunção-
CEPA vem desenvolvendo um projeto de práticas preventivas sobre o uso de
drogas, o qual nos propomos a socializar nossas vivências em algumas atividades
(rodas de diálogo e aulas passeio) norteadoras de importantes considerações sobre
a temática.
Maria-Antonietta Macciocchi. A favor de Gramsci. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p.
183.
a moradia, alimentação, educação, trabalho, etc. Assim sendo, constantemente
estaremos trabalhando com grupos complexos, homogêneos, heterogêneos,
participantes ativos ou passivos, entre outros. O papel do interventor, portanto, é
assumir dois lugares distintos: prático/facilitador e pesquisador. Conforme Neiva
(2010, p.49) “Sua capacidade de observação, escuta e análise deverá estar em
constante uso, durante todas as etapas da intervenção”.
Na proximidade com o outro se faz a construção de sentidos. Na psicologia,
autores como Kenneth Gergen (apud SPINK, 1999) discutiam sobre a ideia de um
movimento que adota a construção do conhecimento no coletivo, por meio da
socialização de saberes e práticas. Na perspectiva construcionista, a produção de
sentidos se dá pela compreensão da relação que as ciências tem com a realidade,
pela constante procura de desconstruir a retórica da verdade e pelo empoderamento
de grupos e sujeitos socialmente marginalizados.
A Fenomenologia Existencial apresenta o sujeito nos seus vários modos de
ser, buscando não uma única verdade, mas procurando novas perspectivas para
olhar as verdades como sendo relativas ou diferentes umas das outras.
Segundo Critelli (2007), a fenomenologia rompe com a idéia da metafísica
que traz a verdade como única e absoluta. Mostra que a perspectiva e a verdade
são relativas e provisórias. Além de preconizar a existência de verdades a
fenomenologia também fala dos infindáveis modos de ser no mundo. “[...] um modo
de habitar o mundo, de instalar-se nele, de conduzir sua vida e a dos outros homens
com quem convive de forma próxima ou distante” (p.16). Segundo Pokladek (2004)
os caminhos da fenomenologia permitem ao ser humano uma compreensão do seu
cotidiano e de suas formas de existir. E o que significa esse existir? Para Heidegger
(apud JOSGRILBERG, 2002, p. 32-33), a existência é uma característica do ser
humano que lhe permite uma abertura para o mundo e que sua existência, só existe
de fato, quando ele se permite à essa abertura.
O diário de campo, é uma importante ferramenta que tanto nos orienta para
construção de novas vivências como para análise dos fenômenos emergidos em
intervenções anteriores (LAGE,2013), aliado ao conhecimento das práticas
discursivas (SPINK, 1999) que nos conduz a compreender as interfaces dos
dircussos subjetivos e sociais em suas liguagens e formas de produção.
Nas práticas, visão e valores do CEPA temos como base as concepções da
Educação Popular (FREIRE,NOGUEIRA, 1993) que tem como sentido de existir no
esforço para mobilizar, organizar e capacitar científica e tecnicamente as classes
populares através do estímulo à participação, construção do empoderamento,
autonomia e ação-transformação.
É no diálogo constante que surgem as provocativas, as reflexões e as
mudanças. Esse diálogo se inicia no campo da prática educativa/pedagógica que
intencionalmente busca problematizar discursos hegemonistas e excludentes, e se
multiplica nas rodas de conversa, nos encontros de formação continuada de
educadores/as, nas oficinas educativas e aulas passeios.
Foto: Cepa. Figura 1. Oficina Isto é droga? Foto: Cepa. Figura 2. Oficina Isto é droga?
Educandos e educadora da oficina de dança. Educandos e educador da oficina de capoeira.
Foto: Cepa. Figura 7. Visita a comunidade Foto: Cepa. Figura 7. Visita a comunidade
Xucuru de Orubá, Pesquera- PE. Xucuru de Orubá, Pesquera- PE.
(IN) Continuum
Referências
GEORGE Moraes de Luiz, Rayany Mayara Dal Prá e Renata Closs Azevedo.
Intervenção psicossocial por meio de oficina de dinâmica de grupo em uma
instituição: relato de experiência. Psic. Rev. São Paulo, volume 23, n.2, 245-260,
2014.
HART, Carl. Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa
visão sobre drogas. Tradução Clóvis Marques. - 1.ed. Rio de Janeiro: ZAhar, 2014.
LANE, S.T. O processo grupal. In: Lane, S. T. e Godo, W. (Orgs.) Psicologia social:
O homem em movimento (pp. 78-98). São Paulo: Brasiliense, 1994.