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formas de uso, ao contexto e aos próprios usuários. Em cada caso específico atribuem-
que vem se afrouxando em alguns países nos últimos tempos - proibição esta arbitrária
em toda sua plenitude que considera as convenções adotadas por um grupo social
bastante seleto.
substância: os seus perigos por um lado; e por outro os ensinamentos que proporciona.
Segundo este autor, a categoria de “vício” que até um momento era pensada apenas em
termos morais passou a ser patologizada em função de teorias médicas e étnicas que
substâncias é tido como um dom divino de natureza mágica que aumenta a percepção e
o vigor de quem usa, e por outro lado é considerado como pecado, imbuído de
receber tratamento.
Entre os escravos o que ocorria era que plantavam Cannabis junto às canas de
açucar, difundindo o seu uso entre o restante da miscigenada população brasileira sob as
mundo islâmico o uso psicoativo da Cannabis alcançou sua estabilidade no século XIV,
espalhando-se por toda a África e chegando assim com os escravos até o Brasil.
demais populações subalternas justifica a sua proibição, que constitui um ato que visa
mais aqueles que consomem a substância do que ela em si mesma. Segundo Torcato
ainda assim o uso terapêutico da Cannabis era reconhecido pelas elites. Foram
insônia, asma e problemas de pressão. Com as cinzas, usadas como pomadas, pode-se
também a cocaína. Tais drogas eram as preferidas pelas elites, e o seu uso era tido como
um “vício elegante” uma vez que a Cannabis era associada ao negro e à pobreza, à
Alimentos que hoje em dia temos como parte de nosso cotidiano alhures eram
restritos a apenas poucas pessoas de alto poder aquisitivo. Como é o açúcar, o chá e o
constituição social como é o exemplo do café que difundido no século XVII passa a ser
de chá, envolto por uma série de ritos e sistemas de significações que lhe são próprios.
prática de controle e regulação do uso de drogas por parte dos médicos constitui
claramente uma exceção à regra que afirma a vontade individual de livre escolha de
pensamento e ação.
um grupo seleto de profissionais que tem o poder de decidir quando e como o indivíduo
deve alimentar sua própria alma. Esta restrição à iniciativa individual e espontânea de
cuidar da própria alma, do próprio âmago do ser para submeter-se aos ditos da
que defende a autonomia e livre iniciativa como práticas morais de ação do pensamento
individualista. Henrique Carneiro (2008) procura analisar como opera este paradoxo de
nossos tempos.
surgem, para ele, por meio da interação, como um produto ao mesmo tempo histórico e
coletivo. Nesse sentido a consciência individualizante que reina atualmente – por mais
paradoxal que seja - considera a cultura e, portanto, a coletividade, que dispõe aos
modelo de subjetividade que seguimos até os dias de hoje surgiu foi no Renascimento.
não deixar-se perder seu foco no trabalho e produção para entrar em mergulhos
linearidade da narrativa de si para modificar sua consciência até que se dilua sua própria
“sentimento oceânico” de Freud, uma vez que as drogas possuem sistemas de utilização
significações particulares.
formas de transe, o que culminou no caso das missões coloniais do século XVI com a
Mundo. A Igreja Católica fez como seu dever o combate à idolatria dando margem para
a heresia.
cosmologia nativa associada ao uso de substâncias no Novo Mundo, uma das dimensões
da proibição das drogas no Brasil situa-se no monopólio de controle da medicina sobre
determinadas drogas deva estar acompanhado por normas específicas, mas afirma que a
decisão sobre o seu uso deva partir “do núcleo mais íntimo e essencial da liberdade de
escolha, de expressão e de gestão de si” (Carneiro, 2008: 80). O mesmo sistema que cria
a doença da depressão recebe grandes quantias lucrativas para seu tratamento por meio
supõe que algumas drogas que até então eram utilizadas raramente para fins terapêuticos
uso entra para o “universo do consumo”. O abandono gradativo destas substâncias como
que se observa no panorama atual das redes de consumo e comércio ilegal de drogas
ilícitas.
(barris de coisas secas) e foi popularizada no contexto das Cruzadas que permitiu o
exóticas para o mundo europeu. Tais especiarias seriam caminhos para se chegar ao
é visto como danoso à sociedade. Tal medida possui como prática de ação a perseguição
tabaco. Vargas aponta que no século XX a transformação que se aflorou foi a repressão
mercadológico, uma vez que elas não tinham mais como finalidade o uso terapêutico
mas sim recreacional. Nesse sentido, a partilha moral entre drogas lícitas e ilícitas deu-
demais drogas.
como ciência médica. Em 1921, graças ao sucesso da articulação política desta classe
médica as drogas tornaram-se um problema público sob pena de prisão para aqueles que
as vendiam. Contudo tem-se o fato de que as autoridades médicas e legislativas
dialogaram somente entre si para concretizar tal decisão de forma que a população em
controle por parte dos médicos sobre os fármacos, sendo junto à consolidação da
geral restrito aos especialistas da mente que como forma de legitimação apoiaram-se
nos fenômenos da depressão e melancolia como doenças que deveriam ser tratadas por
eles. Com a entrada dos antidepressivos no mercado e a cura dos males da alma nas
consumo livre e espontâneo destas drogas para entrar em cena a sua intensa regulação
Este fenômeno que se conhece por “cruzada farmacológica” que teve início nos
grande desafio para se pensar no uso de drogas ilícitas. O que se procura controlar é um
suposto dano causado antes do usuário para o próprio usuário do que um prejuízo
princípio que fere a lei: delinquente e vítima. Portanto o que se procura proteger no
permite a livre circulação de determinadas plantas e proíbe, ou regula outras. Por qual
motivo aquela pessoa que toma seu café todos os dias não é estigmatizada como uma
viciada? É possível uma inferência para tal questionamento quando pensamos no uso de
para a perspectiva levantada até então que enxerga na substância enquanto tal o
problema do vício a partir dos parâmetros definido pela medicina. Não é a droga em si
que trará um suposto risco ou benefício ao usuário, mas sim a forma que ela é utilizada.
efeitos das drogas no organismo humano são interpretados como revelações do sagrado,
como uma forma de ampliar-se a percepção para entrar em contato com o mundo
Jurema e a Ayahuasca aparecem como bebidas fundamentais no que tange ao seu uso
diversas etnias da Floresta, uso que se popularizou para além dos indígenas alcançando
os usos, costumes e tradições dos diversos fluxos culturais que se entrecruzam nas
regiões das fronteiras entre Floresta e Cidade como alternativa de cura – neste caso,
física e espiritual - para os habitantes da região que não possuem acesso à saúde
hospitalizada. Esta forma de terapia dos curandeiros surge como recurso mais facilitado
Para além das formas de uso com tal planta psicoativa surgem no século XX
consegue sua legitimação na década de 1980 sob o princípio da liberdade religiosa, após
lutas e perseguições. Tomando como base o texto de MacRae (2005), por meio do uso
ritual foi possível a legalização da Ayahuasca para fins cerimoniais. Neste contexto
efeitos indesejáveis. O uso controlado da Ayahuasca respeita rituais e tabus que fazem
sociedade. A integração interna entre os adeptos foi vista como socialmente relevante, e
o diálogo destes com o restante da sociedade foi observado como positivo em termos
éticos e morais. Num âmbito mais amplo, as comunidades ayahuasqueiras das regiões
A religião do Santo Daime fundada por Mestre Irineu tem na bebida o seu
tido como “um ser divino transformado em líquido” e nesse sentido todo trabalho
concentração e o feitio. Outro fator que dá legitimação aos adeptos do Santo Daime para
suas cerimônias é o seu notável caráter excepcional, tendo em vista as prescrições pelas
quais devem se submeter a nível alimentar e comportamental três dias antes e três
forma a manter a ordem da cerimônia, que conta com uma organização rígida da
disposição do espaço, das vestimentas e dos movimentos que são feitos pelos
na qual as letras dos hinos ajudam a orientar as experiências dos participantes de forma
a dar um significado para aquilo que eles estão passando e também para aliviar os
desconfortos físico-mentais. O grupo se mantém desta forma em toda sua coesão, fora
as tensões que são naturais dentro de toda coletividade. Nesse sentido, após a morte de
Mestre Irineu na década de 1970 alguns conflitos surgiram no que dizem respeito à
Grande parte destes seguidores, para além das populações simples e humildes da
cultural característico da década de 1970 aqui no Brasil. Neste período estava em pleno
chamados hippies com fortes ideologias da “Nova Era” as quais afirmavam a “liberdade
sexual, experiências com drogas, misticismo, viagens de carona etc.” (MacRae, 2005:
467). Grande parte destes hippies era oriunda das classes médias urbanas que optavam
Daime do Norte do país atraídos à religião em função do uso da bebida psicoativa. Mal
questões éticas e morais quanto ao uso da bebida, que era associada agora não mais
desenvolvimento espiritual.
algumas práticas que carregavam com si, práticas estas que se coadunavam com a
não foram deixados de lado, mas sim passaram por um processo de continuidade que
sacralizadas de tal forma que fez surgir um complexo sistema social de significações em
notável legitimidade interna, a começar pelo relato mítico de sua revelação ao Padrinho.
Segundo Malinowski (1988), que pesquisou os nativos das Ilhas Trobriand, o mito é
fruto de uma experiência subjetiva vivida pelo feiticeiro, que é o que legitima a crença
do grupo em seu poder. Nesta experiência subjetiva o feiticeiro recebe uma revelação
singular. Se pudermos fazer uma analogia do feiticeiro das Ilhas Trobriand com o
Padrinho Sebastião, tem-se que a este lhe foi revelado o segredo da Santa Maria.
Conta-se que Padrinho Sebastião tivera um sonho no qual um cavaleiro lhe traria
notícias de que ele entraria para outra linha espiritual. No mesmo sonho apareceu outro
homem, supostamente um anjo, que lhe apresentava uma planta, e que esta seria para
curar. Tal qual o feiticeiro de Malinowski, foi revelado a Padrinho Sebastião a “verdade
de Santa Maria” que foi confirmada em seguida quando Lúcio Mortimer – um dos
mudas que cultivava. O fato ocorrido foi a confirmação do sonho do Padrinho, que
substância no organismo. Devido à sua associação com a Virgem Mãe de Deus, a Santa
Maria representa para os usuários o conforto, o carinho e o alento, o que não passa
longe dos efeitos sedativos da Cannabis no organismo humano. Como de costume entre
uma série de instruções começaram a ser fornecidas para o seu uso sagrado e correto,
Segundo o Padrinho de uma notável Igreja que frequento dos arredores de Belo
associados.
“Assim, fumar virou pitar, o termo corrente entre os hippies para o papel de
cigarro, isto é, seda virou papelim, e o topo da planta fêmea, muito valorizado por ser
“mariano”, em clara e sincera alusão à ordem católica” (MacRae, 2005: 471 grifos do
autor).
Segundo alguns adeptos que convivi, há uma série de gestos, rituais e maneiras
corretas de agir com a planta de forma a não profaná-la (importante lembrar aqui que as
compartilhadas dentro deste mesmo grupo, que podem variar de contexto para contexto.
Algumas concepções podem ser mais generalizadas que outras). Primeiramente, como
representação do princípio feminino a Santa Maria é usada para invocar todo e qualquer
ser elementar feminino do plano astral. Para ser consagrada da maneira correta, deve ser
enrolar e acender. Esta acepção não exclui a possibilidade do uso somente entre
homens, sendo que na realidade esta regra não é seguida muito a risca, inclusive
passando como desconhecida entre alguns adeptos. Em segundo lugar a oração que se
faz antes de acender: “Declaro divina esta fumaça que penetra no meu corpo físico, meu
corpo astral, minha alma e todo meu ser. Consagro Divino este pito. Em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo. Sol, Lua, Estrela”. O Sol, Lua, Estrela, que se refere a um
hino do Mestre Irineu, nesse sentido seria o significado das 3 tragadas que o participante
deve dar por regra, cada uma em homenagem a cada um dos astros. Antes de passar o
pito – sempre para a direita – faz-se o sinal da Cruz. Normas que também são sugeridas
nos momentos do ritual é que se faça silêncio, senão quando são entoados hinos de
falou um informante de uma Igreja próxima à Belo Horizonte “se eu vou chamar minha
Todas estas prescrições são eficazes na medida em que enfatizam o caráter sério
consensual, os marianos devem pitar somente entre si, não devendo misturar-se aos
maconheiros, que não são cientes de sua sacralidade. A “maconha de rua” também não
deve ser consumida, pois carrega as “energias pesadas” decorrentes de sua circulação no
urbanos os marianos encontram uma saída para escapar às restrições desta última
Algumas pessoas costumam abençoá-la antes de pitar, mesmo sendo um pito prensado,
um pito de favela. Costumeira a argumentação de que o importante na hora de pitar é a
intenção que se faz presente na consciência do indivíduo e a energia que aquele que vai
pitar carrega em si. Surgem tensões e conflitos entre os marianos mais ortodoxos e os
Padrinho Sebastião é constituído por regras e rituais que operam como sanções, gerando
um baixo custo social decorrente do uso da substância. A doutrina daimista fornece uma
estruturação social à vida dos usuários, e a Colônia 5000, o local de origem da revelação
a perseguição da Santa Maria deve-se à maldade dos homens, mentalidade que acaba
por contribuir para o imaginário típico deste movimento religioso milenarista que crê
Concluindo, neste trabalho fizemos toda uma trajetória analítica que discorre
regulação ao universo consumista mais geral por tais camadas sociais, visando
religiosa. Contudo os marianos ainda lutam para que se legitime o uso da Santa Maria,
legalidade da Ayahuasca não querem se envolver com esta substância que é ilegal e já
defendido por uma parcela mínima da sociedade, muito ao contrário do que se dá com a
Ayahuasca.
O uso da Santa Maria é interessante para pensarmos nas drogas a partir de uma
agência sendo, portanto, socialmente relevante. Clara está a arbitrariedade que constitui
o proibicionismo tal qual ele se manifesta nos dias de hoje, com conceitos pré-
risco que o uso destas drogas pode causar ao usuário, conceitos mantidos em benefício
civilizada o que podemos considerar como uma consciência alterada seria uma afronta
às normas, que são definidas como já vimos por grupos seletos que estão no poder.
“alterados”.
REFERÊNCIAS
Mercante, Marcelo S., 2012. Imagens de cura: imaginação, saúde, doença e cura e na
Barquinha. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Vargas, Eduardo V., 2008. Fármacos e outros objetos sócio-técnicos: notas para uma
genealogia das drogas. In B. C. Labate, S. Goulart, M. Fiore, E. MacRae & H. Carneiro
(orgs), Drogas e cultura: novas perspectivas (pp. 41-63). Salvador. Edufba.