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UNIDADE DIVINÓPOLIS
CURSO DE PSICOLOGIA NOTURNO
SEMINÁRIO DE ANTROPOLOGIA
Divinópolis
2022
OS CORPOS INTENSIVOS: SOBRE O ESTATUTO SOCIAL DO CONSUMO
DE DROGAS LEGAIS E ILEGAIS
1. INTRODUÇÃO
Em primeiro momento, é importante colocar que a “droga” trazida pelo autor se refere a
todas as substâncias que causam uma reação no corpo. Entram, portanto, nessa
categoria, tanto as drogas ilícitas (cocaína, heroína, maconha, etc.), quanto as lícitas
(álcool, café, tabaco, fármacos em geral) e até mesmo substâncias que são utilizadas
para alterar o corpo (anabolizantes e esteroides).
Tendo isso em mente, o intuito central do texto é relacionar a utilização de drogas com a
construção social do corpo, que, segundo o autor, pode ser dar de duas formas: a
construção corporal extensiva, na qual o uso de drogas é feito de maneira
medicamentosa e paramedicamentosa, com o intuito de estender a vida; a construção
corporal intensiva, na qual o uso das drogas é feito de maneira não medicamentosa,
refletindo as urgências intensas do corpo, em detrimento a extensividade.
No texto, o autor demonstra que há, na sociedade ocidental moderna, uma guerra contra
o uso de drogas ilícitas, que se dá ao mesmo tempo em que há uma incitação nunca vista
ao uso de drogas lícitas. Uma questão que orienta o texto é: qual discurso poderoso está
por traz dessa contradição? A resposta que é desenvolvida ao longo do texto, e que será
trabalhada ao longo do nosso trabalho é: o discurso da Medicina. Por traz da crença
questionável, que permeia a Medicina, de que o ato de preservar a vida e curar o doente
é natural, desenvolveu-se um discurso segundo o qual cabe à Medicina, proprietária das
técnicas de longevidade da vida e cura das doenças, definir qual droga deve ou não ser
utilizada pelas pessoas.
3. O PODER DA MEDICINA
Vamos discutir agora em que, então, consiste essa “construção de corpo” dentro da
sociedade, e como tal construção está ligada à questão da utilização de drogas. Para
explicar como essa construção se dá, o autor recorre a uma das instituições que
atualmente mais colabora para definição do conceito de “construção de corpos ideais”:
a instituição médica.
Essa instituição tem como seus princípios fundamentais de funcionamento a
preservação e extensão da vida, colocando, dessa forma, que o principal objetivo da
vida é estender-se pela maior quantidade de tempo possível. Dessa forma, a medicina
dita a construção de “corpos extensivos”, que tem como objetivo o prolongamento da
vida e a busca pela saúde perfeita.
A respeito desse assunto, o autor traz uma análise de Weber em que o sociólogo
problematiza esse objetivo médico de estender a vida, e coloca que o prolongamento
ocorre muitas vezes em detrimento da qualidade.
... a 'pressuposição' geral da Medicina é apresentada trivialmente na afirmação de que
a Ciência Médica tem a tarefa de manter a vida como tal e diminuir o sofrimento na
medida máxima de suas possibilidades. Não obstante, isso é problemático. Com seus
meios, o médico preserva a vida dos que estão mortalmente enfermos, mesmo que o
paciente implore a sua libertação da vida, mesmo que seus parentes, para quem a
vida do paciente é indigna e para quem o custo de manter essa vida indigna se toma
insuportável, lhe assegurem a redenção do sofrimento. (...) Não obstante, as
pressuposições da Medicina, penal, impedem ao médico suspender seus esforços
terapêuticos. Se a vida vale a pena ser vivida e quando - esta questão não é indagada
pela Medicina. A Ciência Natural (...)”(Grifos nossos)
Em sala de aula, estudamos que houve um modelo biomédico, que, mais recentemente,
interferiu na forma como culturalmente se definia o que seria saúde e doença. Esse
modelo tendia a se utilizar de critérios puramente médicos para definir o que seria
saudável, excluindo da caracterização das patologias critérios sociais, morais e
psicológicos. De certa forma, é possível associar esse modelo biomédico à busca por
corpos extensivos, que marca o discurso repressivo da Medicina a diversas drogas. Isso
porque a Medicina, ao eleger os corpos extensivos como ideal de corpos, ignora as
vontades de individuais, que nem sempre são de extensividade, mas muitas vezes de
intensividade.
Vale dizer ainda que, fazendo uma relação com as ideias de Foucault, pode-se observar
a medicina como instrumento “velado” de poder: “É precisamente aqui que o caráter
'natural' ou 'desinteressado' dos cuidados médicos revela-se em sua artificialidade; pois
é no mesmo momento em que os saberes e as práticas médicas tomam a vida sob seus
cuidados, sob sua proteção, em nome do critério extensivo de preservação da vida, que
eles a avaliam, a modelam, a disciplinarizam, preestabelecem seus passos, suas
etapas, suas finalidades, seus valores, seus sentidos e negam, como aponta Clavreul
(1983:47), "qualquer outra razão de viver que não seja a razão médica que faz viver,
eventualmente à força". (trecho do texto) (Grifos nossos)
Portanto, dentro de nossa sociedade, a medicina tem a capacidade de influenciar na
construção social dos corpos, além de legitimar os argumentos na guerra contra as
drogas, sendo capaz de incitar o uso de certas substâncias e taxar como negativo o de
outras. Dessa forma, ela estabelece um consumo moralmente qualificado ou
desqualificado das substâncias, determinando o estatuto social das drogas na sociedade
moderna (ou seja, o uso das drogas está intimamente relacionado com as relações de
poder que vigoram na sociedade).
Assim, podemos observar o grande poder atribuído a medicina, tanto na medida de
controle por meio das prescrições, tanto com o poder de classificar uma droga como
“ruim”, passando a ser desqualificada moralmente pela sociedade. Quando essa
classificação ocorre, abrem-se possibilidades de intervenções, tanto sociais (como o
julgamento dos usuários pelo seu caráter), tanto estatais (intervenções policiais,
utilizando a força do Estado), e econômicas (comércios clandestinos e criação de micro
polos de poder).
7. CONCLUSÃO
Por fim, o autor conclui que a utilização das drogas não medicamentosas estaria
vinculada, então, a construção de “corpos intensivos”, que ocorre quando o homem se
serve de seu corpo não visando à extensividade, mas sim à intensividade. Ou seja, o uso
de drogas não medicamentosas se daria porque é possível que, para os usuários dessas
drogas, o vigor dos instantes de vida se imponha sobre a duração da vida em extensão.
A medida da duração da vida poderia se dar, pois, não somente em termos de extensão,
como quer fazer crer o discurso da Medicina, mas também de intensidade.
Obviamente, é preciso enfatizar nesse momento que o texto em questão não pretende
fazer apologia ao uso de drogas. O propósito em questão não é defender o uso das
substâncias não medicamentosas, mas compreender o processo que levar a esse uso.
Isso fica claro quando o autor conclui seu texto informando que o uso de drogas não
medicamentosas, ainda que abordado pelo viés da utilização intensiva de corpos,
continua a ser uma questão de vida e morte. Contudo, pelo viés dos corpos extensivos,
cada ser vivo deveria se afastar da morte preservando a vida (organismo e espírito). Já
pelo viés dos corpos intensivos, a morte seria necessária para a produção da vida.
Por fim, abordar o uso das drogas não medicamentosas pela perspectiva da utilização
extensiva do corpo leva a concluir que é preciso insensibilizar a vida para tentar evitar a
morte. Por outro lado, abordar o uso das drogas não medicamentosas pela perspectiva
da utilização intensiva do corpo implica reconhecer que é preciso se aproximar da morte
para afirmar a vida.