O documento resume um livro sobre enteógenos e sua relação com a evolução humana. O autor argumenta que plantas psicodélicas desempenharam um papel importante no desenvolvimento da capacidade imaginativa e criativa do ser humano. No entanto, com o tempo essas plantas passaram a ser perseguidas pelas estruturas de poder, que as associaram a grupos marginalizados para justificar a guerra às drogas.
Descrição original:
Resenha do livro O Alimento dos Deuses, de Terence McKenna
O documento resume um livro sobre enteógenos e sua relação com a evolução humana. O autor argumenta que plantas psicodélicas desempenharam um papel importante no desenvolvimento da capacidade imaginativa e criativa do ser humano. No entanto, com o tempo essas plantas passaram a ser perseguidas pelas estruturas de poder, que as associaram a grupos marginalizados para justificar a guerra às drogas.
O documento resume um livro sobre enteógenos e sua relação com a evolução humana. O autor argumenta que plantas psicodélicas desempenharam um papel importante no desenvolvimento da capacidade imaginativa e criativa do ser humano. No entanto, com o tempo essas plantas passaram a ser perseguidas pelas estruturas de poder, que as associaram a grupos marginalizados para justificar a guerra às drogas.
Neste livro, Terence McKenna fala sobre os enteógenos como meio de dissolução do ego. Para McKenna o uso dos enteógenos vai muito além do uso recreativo e do uso subversivo pregado na nossa contemporaneidade. Apesar de um pouco antigo, o livro foi escrito em 1992, o livro permanece bastante atual, sendo possível até mesmo estabelecer alguns paralelos entre o que vivenciamos hoje com o que McKenna disse. O livro é dividido em Paraíso, Paraíso Perdido, Inferno e Paraíso Reencontrado. O Paraíso fala de como evoluímos enquanto seres humanos numa relação simbiótica com as plantas, o Paraíso Perdido fala de como abandonamos essa relação e passamos a cultuar o ego, o Inferno fala da nossa relação nociva com as substâncias e o Paraíso reencontrado trata de uma solução para as drogas. No início do livro McKenna explora as sociedades primitivas e a evolução do homem, para o autor estamos ligados às plantas em simbiose, de modo que elas fizeram parte da nossa evolução. As plantas nos deram visões psicodélicas e por meio delas nossa capacidade imaginativa foi expandida. A partir de então fomos capazes de utilizar nossos corpos físicos para expressar as ideias contidas em nossa mente. Yuval Harari não compartilha exatamente da ideia de que uma planta possa estar ligada ao nosso desenvolvimento como espécie, mas ele admite que o potencial imaginativo humano foi capaz de estabelecer e criar redes de confiança cujas quais nossa sociedade pode se construir. McKenna então dá o status de potencializador da consciência e catalisadoras da evolução humana às plantas alucinógenas. Uma planta era a principal responsável por dar aos seres humanos a capacidade criativa propulsora da humanidade. Mas agora surgia o embate - qual planta seria essa? Para McKenna, a planta deveria estar presente nos lugares onde a civilização humana floresceu, no caso a África, e não deveria passar por procedimentos muito complexos em seu preparo. McKenna traz evidências bastante sólidas de que não se tratava de uma planta, mas de um fungo, cogumelos do gênero Psilocybe. Muitos pesquisadores buscaram conhecer a origem das plantas alucinógenas e seu papel nas sociedades primitivas. Nos Vedas indianos há menção à bebida alucinógena Soma (a droga que os habitantes do Admirável Mundo Novo, d e Aldous Huxley, eram obrigados a consumir). Muitos tentaram decifrar o que compunham a bebida, sem sucesso. O pesquisador Wasson chegou à conclusão de que o soma era feito de cogumelos, mas para esse pesquisador o cogumelo era o Amanita muscaria, que posteriormente foi apresentado a Albert Hoffman, descobridor do LSD. Contudo, as experiências com o amanita das moscas in natura eram frustrantes, principalmente devido a sua variabilidade entre os diferentes meios onde essa espécie estivera presente. Atualmente sabemos que o principal componente da bebida eram cogumelos do gênero Psilocybe. Nas descobertas de fungos alucinógenos foi descoberta a ergotamina, fungo que contamina a cevada. Curiosamente a ergotamina foi o primeiro fármaco elaborado especificamente para a enxaqueca - muitos sintomas focais da enxaqueca são similares a uma trip psicodélica. Particularmente, acredito que possa haver uma relação entre os psicodélicos e a sintomatologia focal das doenças cerebrovasculares. As vivências psicodélicas e os quadros de aura descritos - geometrização, perda da percepção do tempo, flashes luminosos são muito semelhantes entre si. As religiões antigas, eram baseadas na dissolução do ego, no abandono da experiência objetiva em prol de uma vivência completamente subjetiva, guiada por um xamã. Mas com o passar dos tempos, observamos que a experiência religiosa abandonou esse estado de dissolução do ego em troca de cultos mais elaborados, dando origem a rituais religiosos mais complexos - acreditava-se que as substâncias deixavam o indivíduo muito longe de si próprio. McKenna hipotetiza que isso pode ter dado origem às nossas religiões contemporâneas. Isso trouxe diversos problemas, um dos quais é a busca pelos prazeres hedônicos individuais, o prazer do ego em detrimento da unidade. Muitas outras experiências de abandono do ego foram substituídas por experiências puramente egóicas, como as orgias, por exemplo, que foram substituídas pela relação sexual entre um homem e uma mulher. O consumo de alucinógenos como expansores da consciência encontrou lugar em diversos pontos da história humana, como as festas gregas de Dionísio e Deméter. Também esteve ligado às religiões pagãs da idade média, perseguidas cruelmente pelas instituições cristãs, que tratavam os cultos de dissolução do ego e a capacidade de “voar” como feitiçaria e bruxaria. O que Terence nos mostra é que as drogas também são usadas como forma de dominação humana por parte das estruturas de poder - seja para perseguir, seja para enfraquecer, seja para se criar um mercado consumidor. Então, entramos na parte do livro onde o autor passa a falar sobre a estrutura de dominação criada por cima das drogas. Desde o início do livro é abordado o tema da Deusa, do feminino como criador do mundo, para McKenna o macho utilizava o alucinógeno para ampliar a sua força e visão, as mulheres utilizavam-na para a imaginação e linguagem, de maneira que a criação do mundo é em suma feminina e ele deixa bem explícito no capítulo da Cannabis. Pela planta feminina conter a maior parte das substâncias alucinógenas, o autor atribui a isso o fato dela ser tão perseguida pelo mundo. A crença do autor é de que essa droga poderia tornar a sociedade mais igualitária, quebrando possíveis interesses de dominação masculina vistos atualmente. Além disso, nos anos 30, Aslinger do departamento de narcóticos dos EUA, passou a perseguir ferozmente a indústria do cânhamo, num protecionismo econômico. O cânhamo possui propriedades que não eram de interesse para as indústrias das fibras como o algodão e a celulose. Então começou uma verdadeira caça às bruxas que culminou com a proibição da erva. É muito interessante notar, que para fortalecer sua campanha contra às drogas, Aslinger fez uso de estratégias factóides e racistas. Com apoio da imprensa marrom, o agente da narcóticos associou o uso da maconha aos negros e mexicanos, daí a expressão marijuana. Um dos efeitos da guerra às drogas é a restrição sobre quais plantas podemos nos relacionar, com que drogas queremos alterar nossa consciência, somos obrigados a ter que escolher apenas entre o tabaco e o álcool, mesmo que estas não sejam as melhores substâncias para nós. Os seres humanos possuem uma relação necessária com a alteração da consciência, mesmo que eles não saibam conscientemente disso. E isso nos leva às drogas socialmente aceitas: o açúcar, o chocolate, o chá e o café. Fomos capazes de escravizar pessoas, simplesmente para termos o prazer do açúcar em nosso café. São evidentes os malefícios advindos do açúcar refinado na dieta humana, mas porque nos rendemos a esse prazer e o aceitamos tão bem e não podemos aceitar outros prazeres como o de outras drogas? O medo de ter as camadas do ego, desveladas uma a uma, fez com que alterássemos o uso original de algumas plantas, principalmente para evitar o encontro com algo que muitas pessoas talvez não saibam lidar. Então, chegamos a origem de outras drogas, como o tabaco, o ópio e a cocaína. Desvirtuadas do seu uso original, essas substâncias passaram de reveladoras da consciência para potencialmente destruidoras. Tudo numa ânsia de aperfeiçoar efeitos, criar produtos atrativos e que pudessem atender a um mercado consumidor. O tabaco original era consumido como folhas enroladas e colocadas nas narinas e acesas, o indivíduo entrava em transe. Os colonos começaram a adaptar seu uso, para torná-lo mais socialmente aceito na Europa. Então foi macerado e consumido em pequenas quantidades e passou a ser um produto comercial que conquistou diversos clientes europeus. Mesmo com as condenações do papa, a sociedade europeia se tornou grande adepta do fumo. O ópio já não foi bem aceito socialmente, mas era bastante assimilado pela cultura médica europeia. Além de servir bem aos interesses do neocolonialismo - a China havia rejeitado o consumo do tabaco, então a Inglaterra passou a utilizar o ópio como forma de explorar o mercado Chinês. O Imperador ao saber da situação decretou proibição do consumo de ópio no território, mas a Inglaterra não quis perder seu mercado consumidor e ciente do seu poder de fogo, investiu contra a China. O resultado foram duas guerras e a concessão da China ao mercado de ópio inglês. Outros derivados do ópio também foram utilizados como estratégia de dominação, o Japão utilizou a droga para enfraquecer a população da Manchúria para que estes não resistissem à invasão nipônica. As folhas da coca eram utilizadas como alimento pelo povo andino, inclusive é possível vermos diversos produtos feitos à base do vegetal. A sua forma refinada foi alçada como potente anestésico local e estimulante, descrito inclusive por Sir Arthur Conan Doyle, em o Signo dos Quatro. Contudo, após a Guerra de Secessão, havia boatos de que os negros ao consumirem cocaína ficavam enfurecidos e enlouquecidos, capazes de matar. Isso levou à proibição da droga nos EUA. Quando a droga serve aos interesses de dominação da sociedade, ela é bem aceita. E é exatamente como ocorre com a televisão, e mais atualmente com as redes sociais. Ambas ditam como devemos viver, a quem devemos odiar, como devemos nos vestir, o que devemos comer ou fazer. A televisão troca a realidade por uma outra realidade, por vezes intangível, com a qual talvez nunca travássemos um contato. O objetivo dessas drogas contemporâneas é alienar o indivíduo, fazendo com que ele jamais pense por conta própria, ou adquira gostos próprios. A concessão ou a proibição das drogas parece servir a um poder estatal muito maior do que as pessoas imaginam. Na última parte McKenna traz um pouco da história dos psicodélicos e fala sobre como podemos tomar as rédeas da nossa história, antes que acabemos com a nossa própria existência. Os psicodélicos perderam espaço principalmente porque as drogas passaram a ser vistas como algo recreativo ou como algo médico, não como algo revelador da própria consciência. O uso de alucinógenos como o DMT, de estrutura tão próxima à serotonina, revela que há uma certa ambivalência química no ser humano, que há uma outra linguagem onde o ser humano pode se relacionar, que talvez ele próprio não compreenda como uma forma de inteligência. Mas para além de toda filosofia por detrás da psicodelia, o autor nos mostra que o principal problema para a sua aceitação social é a ruptura que a experiência psicodélica traz na vida do usuário, ele passa a viver uma libertação de um padrão social condicionante (imperativo - faça, tenha, possua, seja). Esse padrão social é possivelmente toda a nossa ruína social, com o surgimento de drogas destrutivas, destruição do planeta e extinção da vida. Para Mckenna devemos optar pela descriminalização das drogas, pelas práticas de xamanismo e por uma educação séria que trate do tema de forma a discutir as reais implicações das drogas sobre a vida dos seres humanos.
“A qualidade da retórica que emana da comunidade psicodélica deve melhorar radicalmente. Caso contrário, perderemos o direito de reclamar nosso direito de nascença, e toda a oportunidade de explorar a dimensão psicodélica será cortada.”