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Pré projeto – Igor Coelho

Medicina cria usuários de drogas como doentes, logo como usar um veneno para

curar? Dificuldade aceitação social utilização

Rosenberg considera tão importante o crescente papel do diagnóstico na história do


Ocidente nos últimos séculos que opta por usar a expressão “tirania do diagnóstico”,
reportando à sua indispensabilidade. Segundo o autor: O diagnóstico é um ritual cognitiva e
emocionalmente necessário que conecta profi ssionais e ideias médicas a homens e mulheres
que são seus clientes. Tais ligações entre o coletivo e o unicamente individual são necessárias
em qualquer sociedade, e nas nossas o papel da medicina é central para tais percepções e
identidades negociadas. O sistema de categorias de doença e diagnósticos é tanto uma
metáfora para nossa sociedade quanto um microcosmo dela. (Rosenberg, 2002, p. 256,
tradução minha).

Desde que o mundo é mundo o ser humano quer ficar expandir a consciência (Grof,

1997). Assim sendo, essa é uma marca de todas épocas e culturas, a busca dos sujeitos pela

expansão da consciência, sendo uma condição inerente ao ser humano (Carneiro, 2005).

Dessa forma, a utilização de determinadas substancias, definidas hoje como drogas, tem sua

base ancestral em inúmeras culturas, porém apenas a sociedade ocidental criou um combate

incisivo ideológico ao uso delas (Vargas, 1998).

Quanto a história de estudo sobre essas substâncias é relatado por Carneiro (2005),

como a partir dos últimos 150 anos iniciou-se uma jornada (maior do que havia antes) de

pesquisa cientifica a respeito das plantas e substancias psicoativas. Uma das primeiras
classificações feitas sobre isso foi de Ludwig Lewin que classificou essas substancias em uma

categoria referidas como fantásticas. Essa classificação depois passará a ser conhecida como

“alucinógenos”, posteriormente “psicodélicos” e até a diferenciação de “enteógenos”. Entre as

características químicas e fisiológicas observadas são toxicidade baixa e dose muito pequena

necessária para o efeito. Outra característica observada é a de impacto psíquico, nivel a qual

essas produzem efeito significativo. Essa forte ação psíquica é o que fez essas plantas serem

tomadas como sacras para algumas culturas.

Desse modo, as pesquisas sobre essas substâncias enfocaram seus usos tradicionais

como o contemporâneo, onde essas práticas vão ganhando novos significados. Os estudos

acerca dessas substancias tem um viés de atenção de diversas áreas do conhecimento,

possuindo um longo registro bibliográfico. Após um início onde houveram pesquisas com a

mescalina realizadas por Arthur Heffter, em 1897, e Ernst Spath, em 1919, com enfoque mais

psicofarmacológico. Na década de 30, surgem trabalhos com viés antropológicos com o

peyote (cujo um dos princípios ativos é a mescalina) feitos por Rouhier e La Barre . Logo

após aparecem as pesquisas com o LSD, substancia descoberta em laboratório e que chegou a

ser comercializada farmacologicamente, descoberta em 1943 por Albert Hoffman, amplamente

pesquisado depois por Aldous Huxley, Gordon Wasson, Richard Evans-Schultes e uma
explosão política e social nos anos 60 com estudos realizados por Timothy Leary, Richard

Alpert, Ralph Metzner. Nos anos 70 e 80, após o início das políticas proibicionistas, vem trabalhos, como

os de Escohotado e Jonathan Ott, com visões críticas sobre as funções culturais, sociais e

econômicas das drogas e como foi regulamentado durante a história (Carneiro, 2005).

Porém, o que se observa na parte final do século passado, é um apagamento quase

total dos estudos oficiais sobre essas substancias, que denotavam potenciais promissores de

uso. No lugar disso, surge uma imensa perseguição sobre essas substancias, igualando-as a

qualquer outras em uma relação de drogas proibidas, classificadas como sem potencial para

uso terapêutico, gerando um empecilho para o seguimento das pesquisas. Uma crítica a como

as políticas de guerra as drogas são conduzidas reside em como isso se realizou, coibindo a

possibilidade de liberdade de consciência (Carneiro, 2005).

Assim, o trabalho de Escohotado nos informa acerca das lógicas de controle e regulação dos usos dos

fármacos e plantas. Ali se expõe como um dos pilares desse movimento proibicionista reside

em uma ‘inquisição farmacrática’, em uma guerra travada em além dos níveis de saúde, mas

também ideológico, político, militar, comercial, industrial, financeiro e comercial (Carneiro,

2005).
Nesse sentido, é preciso buscar a precisão dos termos ao se referir a essas

substancias/drogas, seja alucinógenos, psicodélicos ou enteógenos. A expressão alucinógeno

vem dos termos utilizados entre as décadas de 30 e 50 e se configurou como a forma cientifica

de se referir. Apesar do uso mais vigente, essa expressão denota um preconceito, pois

direciona a existência de alucinações, como fato mais definidor da experiencia, que é si muito

mais ampla. O termo alucinógenos, que inclusive ainda descreve essa sub área de tematica no

Decs, se mostra não condizente pois não descreve de fato as experiencias e nem estão

presentes em muitas das situações vivídas (Carneiro, 2005; Rodrigues, 2016).

O termo psicodélico, bastante utilizado dentro das pesquisas dessas substâncias e nos

movimentos políticos e culturais, é escolhido entre outras opções justamente por atingir a

esp ecificid ad e d esejad a em d escrev er o p ro cesso , co n ten d o u m teo r laico e p o lítico . O

p siq u iatra H u m p h ry O sm o n d em 1957 realizan d o tro cas d e cartas co m A ld o u s H u x ley p ro p ô s

o term o p sico d élico (q u e d eriv a d a ju n ção d as p alav ras g reg as p sy ch é, m en te, alm a e d elo u n ,

revelar, tornar visível) nos Anais da Academia de Ciências de Nova York ressaltando:

Tentei achar um nome apropriado para os agentes em discussão: um nome

que incluísse os conceitos de enriquecimento da mente e alargamento da visão.

Algumas das possibilidades foram: psicofórico, transformador da mente; psico-


hórmico, excitante da mente; e psicoplástico, moldador da mente. Psicozínico,

ferm en tad o r d a m en te, co m efeito é ap ro p riad o . P sico réx ica, ex p lo so r d o esp írito ,

ap esar d e d ifícil, é m em o ráv el. P sico lítico , lib ertad o r d a m en te, é satisfató rio . M as

m in h a esco lh a recai so b re p sico d élico , m an ifestad o r d a m en te, p o is o term o é claro ,

eu fô n ico e n ão co n tam in ad o p o r o u tras asso ciaçõ es (R o d rig u es, 2016 ap u d O sm o n d ,

1957, pp. 17-18, tradução de Sandro Rodrigues).

Assim, segundo sua etimologia, psicodélico é aquilo que manifesta a mente, e apesar de ser

considerado não contaminado na época temhoje outras conexões (Carneiro, 2005; Rodrigues, 2016).

A expressão enteógeno, (do grego em - dentro, teo - d eu s, gen – origem) que significa

conectar com a origem do deus interior, foi proposta por Gordon Wasson em 1978 visando

dizer sobre plantas utilizadas como ferramentas sagradas de conexão e êxtase . Assim se torna

apropriado quando veiculado em contextos conectados as suas raízes culturais aonde se

identifica componentes ‘religiosos’, como podemos perceber com a lente de nossa sociedade .

Tendo em vista esse viés da especificidade, acaba não sendo útil pra descrever experiências do

uso laico e contemporâneo. Ainda assim surgem inúmeras outras formas de definir algumas

diferenciações específicas e formas de observar o processo como termos psicoativo,

empatógeno ou psiconautas. Psicoativo caracteriza aquilo que ativa a mente, empatógeno


como gerador de empatia e psiconautas sobre exploradores do conhecimento da mente

(Carneiro, 2005).

Assim se faz extremamente necessário delinear o cenário e a história dos atores

componentes dessa trama. O contexto geral aonde se percebe a cisão entre pesquisas

promissoras e proibição e perseguição, pode ser representado pela década de 60, periodo

efervescente com mudança profundas advindas do pós guerra e corrente guerra fria. Esse

período tem como um dos marcos os movimentos contraculturais, que demandavam por

liberdade de expressão de si e do corpo. Essa reivindicação buscava uma liberdade

consciencial, não desejando a gestão do Estado sobre o que se faz se si mesmo, um manifesto

pela autonomia e fuga do controle dos corpos. Dessa forma, foi observado como possivel um

direito à autonomia da consciência, em uma procura de conhecer melhor a si mesmo . A

resp o sta o cid en tal a isso tem sid o m u ito n eg ativ a e tem seu s em b asam en to s q u e b u scarem o s

m ais a fu n d o p ara co m p reen d er essa situ ação (C arn eiro ; 2005).

Dessa forma é preciso olhar mais a fundo esse complexo fator que muda de um aceno

para uso social e terapêutico dos psicodélicos para uma situação de drogas . Acredito que a

análise do componente histórico social pode ser de fundamental importância para compreender
esse processo. Esse aceno buscava se inserir na arena pública como opções de tratamento de

saúde, o que foi vetado (Carneiro, 2005).

Assim é necessário analisar quais fatores podem ter influenciado impedimento de algo

que se demonstrava tão bom a princípio. Essa questão vem à tona justamente nesse momento

em que se disputa o local público de utilização como tratamento de saúde, em uma época de

disputas de verdades ideológicas, é preciso verificar se o uso de substancias alteradoras da

consciência representavam os interesses múltiplos do poder hegemônico na situação . Assim,

me objetivo a pesquisar em que nível possa existir uma relação entre a proibição dos

psicodélicos com a estabilização de outras formas de gestão da saúde, principalmente a

psíquica, através da psiquiatria e suas medicações correlatas. É importante salientar que, na

época que de fato se realizou a proibição, o uso de algumas substancias já estava um tanto

disseminado tendo vista inclusive o surgimento dos primeiros resultados de pesquisa

apresentados (Carneiro, 2005).

A ssim se faz n ecessário o lh ar p ara a h isto ricid ad e d o s fato res co m o ch av e im p o rtan te

para entender o que de fato foi o crescimento da autoridade medica nas sociedades europeias .

Logo é importante olhar qual modelo fora utilizado pela instituição médica e também até que
ponto pode ser transformado, visto a sua utilização em contextos que não os europeus, que não

tiveram contato com essa medicina (Foucault, 1976).

A m ed icin a en q u an to in stru m en to d e g estão /co n tro le so cial e co letiv o , seg u n d o

Foucault (1979/2023), se desenvolveu dessa forma tendo o corpo como primeiro objeto, em

seu sentido de potência produtiva, referencial de relevância para época capitalista do século

XVIII. O controle das pessoas não começa pela ideologia ou pela consciência, mas pelo corpo .

F o i aí em q u e se d ep o sito u a so cied ad e cap italista. N esse sen tid o , F o u cau lt (1979/2023 p .

144) delineia que “o corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia

biopolítica”. Porém não se trata de um corpo proletariado que se aborda nesse momento, visto

este vir à tona mais à frente no século posterior. Ainda assim é preciso buscar mais

destrinchadamente as conexões da medicina e o social, assim força de Estado e o aparecimento

do próprio Estado.

O E stad o m o d ern o su rg iu n a A lem an h a n o sécu lo X V III em u m a situ ação q u e n ão

existia ‘potência política ou desenvolvimento econômico’. Em meio a esse cenário, se

fortalece uma ação médica realmente voltada para melhorar a saúde da população . Com essa

relevância obtido, tanto o médico como a medicina, serão os primeiros objetos a serem

normalizados. Ou seja, antes que isso seja feito com os pacientes, o próprio profissional é
submetido a essa aplicação. Assim, há a submissão da medicina a uma organização acima . O

estabelecimento dessa hierarquia possibilita a alocação do médico como um gerenciador da

saúde (Foucault, 1979/2023).

Nesse sentido acontecem a estabilização de um conhecimento médico social, a

padronização dos profissionais médicos, estar subordinado a um poder que administra e

centraliza, e passar a ser o braço do Estado, fatores que consagram para formar o que se

caracteriza como uma medicina de Estado (Foucault, 1979/2023).

A medicina, e por consequência todo um modelo biomédico, desde o século XVIII,

apresentou um desenvolvimento exponencial das suas áreas de influências. Esse crescimento

de influência e poder gerou certamente inúmeros avanços para toda sociedade. Porém, convém

questionar: de que forma ocorreu esse desenvolvimento? e se esse modelo apresenta falhas ou

crises, é possivel ser corrigido? Esse modelo cabe para todas as sociedades, mesmo as sem

origem ou influencias euro-americanas? (Foucault, 1976)

Dessa forma, percebemos como o saber médico tem imposição normatizadora sobre os

sujeitos, independente de suas condições de saúde, se posicionando em um local de autoridade

(F o u cau lt, 1976). C o m o cam in h ar d as situ açõ es este v irá a se caracterizar co m o u m p o d er

que se investe emadministrar os corpos e realizar uma gestão calculista da vida. Cria se assimumprojeto
adestrador de corpo humano, direcionado para seu aperfeiçoamento de aptidões, ampliados em

suas forças, crescendo de forma devidamente disciplinada, como um corpo que se torna uma

máquina (Vargas, 1998). Assim a autoridade e poderio da medicina geram munição para uma

colonização biomédica. Logo os estruturantes de inserção na sociedade, com relevância para

ditar normas e verdades sobre a saúde do corpo, impulsionam a existência de processos

medicalizadores (Conrad, 2007).

Dessa forma, a expansão da esfera de gestão médica aumentou o nivel de controle

médico-social sobre a vida humana. Assim é possivel ver como esse controle biomédico viria

a suceder outras maneiras de gestão da sociedade. Esse poder do controle social da medicina

viria de uma capacidade de ter lugar para determinar e reajustar o que são alguns

comportamentos, sujeitos, situações, classificando e/ou diagnosticando . Desse jeito se

demonstra um caráter controlador do saber médico sobre as formas de cura, sendo seu

julgamento um delimitador se algo presta ou não como cuidado de saúde. Com isso, se

percebe como a medicina através do seu viés de controle social pode expandir seus horizontes

d e ação , co n seg u in d o ab arcar situ açõ es e d itar v erd ad es so b re isto (C o n rad , 2007; V arg as,

1998).
Assim se faz necessário observar a que se destina essa mítica de onipotência do saber

m éd ico ? A m issão h eró ica d a m ed icin a em p ro teg er e cu id ar d a v id a, cu ste o q u e cu star, se

d em o n stra em u m co n tro le ex cessiv o , lev an d o a v id a a p erd er su a n atu ralid ad e d e cu rso . O

efeito h istó rico d essas tecn o lo g ias d e sab er/p o d er d a m ed icin a é o d e u m a so cied ad e

n o rm alizad o ra, q u e cria m o d elo s id eais d e su jeito s (V arg as, 1998). D essa fo rm a é p reciso

verificar a existência de uma dissonância entre o poder cientifico da medicina e os seus efeitos

positivos (Foucault, 1976). Assim, é importante olhar para uma influência excessiva em

tornar médicas algumas situações, em uma sobremedicalização . Logo a medicalização pode

ser considerada como algo que não seja de cara um problema médico, mas que precisa ser

definido como um (Conrad, 2007).

Pois então, a partir de quando o corpo passa a se inserir como valoroso em um

mercado de consumo da saúde, começam a surgir inúmeras situações que autosabotam os

modelos de saúde e medicina contemporâneos (Foucault, 1976). Um fator que se observa é o

quanto que a entrada do corpo e da saúde em uma lógica consumista e mercadológica não

aumentou de fato o nível de saúde das pessoas. Logo se verifica como médicos e a indústria

farmacêutica tratam de forma crescente seus pacientes visando a lógica do consumo e

potencial de mercado (Conrad, 2007).


Assim é importante observar dentro desse processo de controle da saúde, por maior

que a responsabilizações e apontamentos recaiam sobre a classe dos médicos, que as reais

vantagens financeiras ficam com as indústrias farmacêuticas . Nesse caminho as empresas

desse ramo são mantidas por um subsidio coletivo das condições de saúde e doença. Os

sujeitos que consomem as medicações não concebem essa dimensão, porém outros

profissionais envolvidos podem estar bem cientes disso. Nesse sentido, é cada vez mais

factível para os médicos são apenas a ponte entre as medicações e os sujeitos, como meros

‘distribuidores de medicamentos’ (Foucault, 1976).

Mas ainda assim é necessário ressaltar o quanto que essas afirmações sobre o saber

médico não são uma condenação sobre si, mas uma contextualização de que a medicina

compõe um sistema histórico, econômico e de poder. Portanto é preciso visibilizar os elos

entre a medicina, a sociedade, o poder e a economia no intuito de verificar se de fato é

possivel replicar o modelo em outras situações (Foucault, 1976).

Necessário avaliar o quanto do cuidado médico vem a se exceder, medicalizando sendo

invasivo e demasiadamente controlador das práticas de vida das pessoas. Essa prática pode, na

realidade, se caracterizar um descuidado por desconsiderar outros fatores de saúde para os

sujeitos, sendo apenas a que contempla sua visão biologicista a que detém a verdade. Desse
jeito se demonstra um caráter controlador do saber médico sobre as formas de cura, sendo seu julgamento um

delimitador se algo presta ou não como cuidado de saúde (Vargas, 1998).

Assim o aumento do poder de gerenciamento da vida, adquirido pela instituição

médica, se caracteriza como um dos fatores mais influentes nas transformações do ocidente no

final do século passado (Conrad, 2007).Nesse sentido, se torna relevante demonstrar o quanto

a medicina e suas práticas estabelecem influência sobre a questão das drogas, sendo justamente

os crivos enunciados pelo saber biomédico que legitimarão a visão sobre a validade do uso das

substancias. Esse discurso médico garante legitimidade à guerra as drogas como forma de

cuidar e proteger os cidadãos de terem acesso a esses males (Vargas, 1998).

Quanto ao assunto das drogas se constata haver umjulgamento moralista sobre quemas utiliza, sendo

essa questão atravessada por diversos fatores políticos, jurídicos, médicos, econômicos e

sociais. Assim se percebe o objetivo em que as sociedades contemporâneas tem em combater

às drogas, gerando uma guerra de imensidão nunca antes observada na história (Vargas,

1998).

Assim, se observa um binarismo sobre a percepção da utilização de substancias, onde

se faz a classificação de medicações alopáticas como positivas e das drogas como somente

negativas, demonizadas (Vargas, 1998). O preconceito sobre essas substâncias gerou, pelo
menos um impedimento, de conseguir compreender suas possibilidades terapêuticas . Conforme

descrito de forma bem profunda por Leary (1960), que foi o primeiro manual de instrução

sobre como utilizar essas substancias, se escapa o potencial da percepção integral dessas

substancias, cujo foco não está nelas, mas onde o principal está em quem e como utiliza-las, o

processo set-setting. Assim, é preciso salientar o quanto que não apenas substancia que define

o caminho da experiencia, mas como outros cuidados contribuem para a modulação do

vivenciado. Criar um ambiente confiável, ter uma pessoa experiente como guia na situação são

fatores primordiais na criação deste lugar (Rodrigues, 2016).

Assim é preciso buscar uma percepção não dualísticas sobre o uso das substancias que

não sejam tão opostas, ou algo imensamente prazeroso ou extremamente danoso . Assim, a

produção conhecimento cientifico sobre as propriedades dos psicodélicos, além de impedida

pelas restrições legais, torna-se também demonizada devido a ilicitude moral sobre essas

substancias, que foram criadas pelo proibicionismo (Rodrigues, 2016).

Im p o rtan te n ão p ato lo g izar as ex p erien cias p sico d élicas co m b ase em co n stru to s q u e

diagnosticam e estigmatizam. É preciso se despir dos construtos biomédicos para poder, de

alguma forma, se inserir em uma epistemologia que converse com o universo dessas

substancias que manifestam e expandem a consciência (Leary, 1960; Rodrigues, 2016).


Dessa forma, se mostra necessário ressaltar como as propriedades de manifestação da

mente, por vezes caótica, dos psicodélicos foram mal vistas pela mentalidade militarizada

presente na época do início da guerra fria. Essas mudanças e modulações da mente, sem um

viés controlador mas oposto a isso, são classificadas como ameaçadoras à ordem desejada pelo

sistema vigente. Assim deixar que a mente manifeste seus conteúdos de forma irrestrita pode

de fato permitir que venham muitos conteúdos complexos à tona, difíceis de serem alocados

somente em bons ou ruins, podendo haver situações paradoxais que questionam algumas

divisões criadas (Rodrigues, 2016).

Nesse sentido, um movimento que acontece em um cenário binário posto como bom

ou mal, remedio ou veneno, medicação ou droga, mocinho ou bandido, gera, através também

de influências midiáticas sobre a verdade, uma incorporação dessa perspectiva controladora

onde as pessoas se travestem da lei e buscam perseguir os usuários de substancias ilícitas . O

direito de controlar e punir os que fogem a regra se faz mais presente do que o direito de gerir

o próprio corpo (Rodrigues, 2016).

Metodologia
Embuído dessas concepções pretendo pesquisar as relações da proibição/legalização

dos psicodélicos com uma estabilização/crise da psiquiatria, buscando entender se existem

conexões que possam de mostrar similares entre o acontecido na década de 60 e o visionado

pelo movimento de renascimento psicodélico. Busco entender em que níveis se estabeleceriam

os interesses e desinteresses de olhar para essas práticas em cada um dos determinados

contextos. Através de revisão bibliográfica extensa sobre a temática e suas áreas de influência,

desde suas produções anteriores a sua proibição de pesquisa até os estudos realizados neste

momento de crescimento das pesquisas na área. Para compreensão do campo da gestão em

saúde coletiva, utilizarei os referenciais foucaultianos para retratar a dinâmica de controle dos

corpos e daí discorre sobreem medida que isso aparece nas situações analisadas.

Justificativa

Nesse sentido, em meio a disputa de perspectivas acerca da verdade sobre o mesmo

objeto, onde de um lado reside uma percepção negativada das drogas e de outro um

possibilitador de entendimento e formas de usos, é importante ir além do que demonstram e

dizem os documentos, entendendo suas limitações. Com essa direção de transpor o dito é

necessário observar o que está silenciado e resiste à margem, esperando o momento para

ressurgir (Lowenkron, 2020).


Com isso busco, conforme argumenta Weber (2003), não necessariamente uma

conexão objetiva entre os objetos, proibição dos psicodélicos e estabilização da psiquiatria

através das medicações, mas em conceitos que possam se unir junto a estes dois processos .

Nessa direção, busco com meu estudo traçar novas fronteiras e conexões entre os

construtos estudados, elucidando agenciamentos possivelmente ainda velados, como fator em

crescimento social no campo da saúde coletiva (Hart, 1988).

Essa temática é pouco explorada devido inúmeros motivos de perseguições políticas,

ideológicas e religiosas em debate sobre a perspectiva acerca das drogas, contracultura e

espiritualidades emergentes (Beserra, 2021). Assim sendo, é preciso trabalhar em como a

perspectiva sobre os termos pode mudar a correlação e ótica entre eles (Geertz, 1989).

Assim considero relevante pesquisar essa temática, por em algum nível representar

uma ótica nova de perspectiva (Knauth, 2014). Apesar de demonstrarmos que esse campo de

pesquisa não é recente, podemos coloca-la assim devido seu hiato de produção. Isso se dá

justamente devido seu apagamento por razões inúmeras que buscaremos explicitar nesse estudo, como as

possibilidades de sinalizar diferentes maneiras contra hegemônicas de se pensar a saúde, tanto

no corpo quanto na mente. A história de pesquisa dessas substancias e significados históricos


dos seus usos demonstram justamente uma luta por forma outra de se pensar a saúde e a vida,

um modelo que em diversos pontos se diferencie dos moldes que recebemos. Espero com essa

pesquisa contribuir para o avanço de perspectivas de saúde que de fato elevem o nível de

saúde das pessoas (Carneiro 2005; Rodrigues; 2016).

Referências

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psicodélicos: por uma perspectiva latino-americana. Revista Platô: política e drogas,
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documentos: diálogos etnográficos na trilha dos papéis policiais. IN: Ferreira, L;
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RODRIGUES, S. E. . Modulações de sentidos na experiência psicodélica:


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drogas. In: Duarte, Luiz; Leal, Ondina. (Orgs.). Doença, sofrimento, perturbação:
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WEBER, M.. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. In Weber


(Col. Grandes Cientistas Sociais). São Paulo: Ática, 2003 [1904]. pp. 79-127.

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