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A ANOMIA E O MANICÔMIO

Leonardo Leite de Andrade

Resumo: Este trabalho possui o objetivo de estudar os fatores da exclusão social, de


como a sociedade reage a sujeitos que se comportam fora das regras do convívio social
estabelecido para demonstrar que, a loucura mais do que um problema psicológico é um
problema social. Além disso, estudar-se-á como as instituições de internamentos de
pacientes com doenças mentais podem absorver estas pessoas marginalizadas,
funcionando como lugares de segregação social.

O trabalho aborda a anomia de um indivíduo na sociedade e de como os manicômios


absorvem estes indivíduos marginalizados.

Palavras-Chave: anomia; loucura; manicômio.

Resumen:

Palabras-clave:
Introdução

Em um mundo de culturas distintas, é natural que os indivíduos ajam de


maneiras diferentes. Porém estas diferenças, por vezes, nos causam estranhamento,
principalmente, por não estarmos habituados a elas. Em uma sociedade onde existem
normas e regras de convívio, há práticas discursivas que padronizam os
comportamentos e aqueles que não a seguem o código, o regimo de semiótico
hegemônico, costumam ser taxados de loucos, motivo suficiente para isolá-los da
sociedade e serem internados em instituições, como os manicômios1.

Num momento em que se falam em aceitar as diferenças, será que agimos como
falamos? Será que os manicômios não camuflam a exclusão de um indivíduo sob a
argumentação de oferecer ajuda psiquiátrica? As pessoas internadas em manicômios são
necessariamente loucas? Os manicômios funcionam como locais de exclusão social?

Talvez as diferenças entre as diversas pessoas que estão internadas em


manicômios para as que estão do lado de fora destas instituições, são que os primeiros
possuem comportamentos, os quais não são aceitos pela sociedade. Enquanto os que
estão do lado de fora possuem comportamentos que se enquadram nos padrões do
convívio social. Esta, por sua vez, exclui os diferentes isolando-as do convívio coletivo.

Baseado nesses pensamentos desenvolvi meus estudos a fim de tentar obter


respostas aos questionamentos acima mencionados, assim espero contribuir para que as
pessoas entendam que os sujeitos não compreendidos, não devem ser suprimidos da
sociedade, mas sim ajudados a coexistirem conosco.

3. - Definição de loucura

Muitos sãos os termos para se designar a “loucura”, como por exemplo,


alienação, esquizofrenia, doentes mentais, distúrbios mentais, neuroses, psicoses, etc.
1
Michel Foucault (1926-1984), filósofo frânces, se preocupa em demasiado num determinado momento
sobre estas práticas, e sobre essa racionalidade, sobre esse movimento aonde aonde discursos de saber,
isto é, saberes denominados científicos, atuam como práticas discursivas, constituindo assim um modo de
subjetivação do sujeito. Foucault, como em muitas de suas entrevistas, nos diz que o que lhe interessara
era justamente esse fazer científico, que colocava a loucura num jogo de verdade definido por um saber, e
que ao mesmo tempo lhe conferia um poder, que acaba por trancar o ‘louco’, analisado a partir da
racionalidade, do razoável, nas instituições. (cf. FOUCAULT, 1999).
Não existe um rigor na utilização destes termos, por isso tratá-los-ei como sinônimos,
apesar de saber que, em um estudo mais aprofundado, as palavras possuirão diferenças
significativas.

As definições também são diversas, dependendo da área em que se procura


encontra-se um tipo de definição diferente. Preferi os termos que diferenciam os
“normais” dos “anormais” do ramo da sociologia, mas também pesquisei algumas
definições da psiquiatria.

Como por exemplo, esta: loucura são perturbações dos processos mentais, onde
ocupam o primeiro plano, representações delirantes e ilusões (patológica) dos sentidos.
Doença mental em sentido estrito. (Em medida legal) estado em que, pela psicose,
faltam consciência e responsabilidade das próprias ações e suas conseqüências.
(DORSCH, 2001, p.338)

Já Foucault dizia que “o louco desvenda a verdade elementar do homem: esta o


reduz a seus desejos primitivos, a seus mecanismos simples, às determinações mais
prementes de seu corpo. A loucura é uma espécie de infância cronológica e social,
psicológica e orgânica, do homem” (apud, Flavio Carvalho Ferraz).

A antipsiquiatria nega a validade de uma abordagem médica ou psicopatológica


dos distúrbios mentais e procuram sua origem em explicações de natureza política ou
sociológica.

Pela sociologia encontram-se dois termos muito correntes: a anomia e o desvio


social. O primeiro utilizado por Durkheim em A divisão do trabalho social e em O
suicídio, que pode ser definido, segundo JOHNSON (1997, p.27), como,
essencialmente, falta de carência de normas sociais, de regras destinadas a manter
dentro dos limites apropriados o comportamento do indivíduo, que assim cai num
estado de desenfreamento. Uma característica objetiva do sistema cultural, isto é, os
valores, normas, as regras em cuja estrutura o indivíduo se acha inserido, e não as
reações. Estabelece também uma relação de causação cumulativa entre estado objetivo
de anomia e estado dos indivíduos que a experimentam, notando que o estado de falta
de regras ou anomia é reforçado pela indisciplina das paixões, consequentemente a uma
falência anterior das regras que deveriam mantê-las sob controle.
Enquanto, desvio social pode-se ser definido, segundo JOHNSON (1997, p.208),
como ato, comportamento ou expressão, inclusive verbal, do membro reconhecido da
coletividade, que a maioria dos membros dessa coletividade avaliam como um
afastamento ou uma violação, mais ou menos grave, no plano prático ou no ideológico,
de determinadas normas, expectativas ou crenças, julgadas legítimas, e às quais de fato
o grupo adere; a essa violação a coletividade tende a reagir com intensidade
proporcional ao seu sentimento de ofensa.

E enfim, segundo FRAYZE-PEREIRA (1994, p.20), as definições de loucura


são, explícita ou implicitamente, sempre relacionais. Isto é, designa-se louco o
indivíduo cuja maneira de ser é relativa a uma outra maneira de ser. E esta não é uma
maneira de ser qualquer, mas a maneira normal de ser. Sendo assim, será sempre em
relação a uma ordem de “normalidade”, “racionalidade” ou “saúde” que a loucura é
concebida nos quadros da “anormalidade”, “irracionalidade” ou “doença”

4. - A sociedade e as instituições

O comportamento humano está sempre em constante mudança, pois os seres


humanos se comportam conforme seus costumes, estes estão sempre em processo de
transformação, devido a inúmeros fatores, como a tecnologia, religião, política, etc.

O ponto de vista reflete nosso jeito de ver a realidade, isto está ligado ao modo
de como pensamos, e a maneira de como pensamos relaciona-se com nossas praxes.

Então, nossos pontos de vista variam com o passar do tempo, uma vez que,
nossos costumes também variam. Sendo assim, muitos conceitos foram mudados ao
longo dos anos. O conceito de loucura não foi diferente, e o modo de como a sociedade
os marginalizava, também.

Em suma, a política de internamento é ligada a evolução das representações


coletivas da loucura. Por isso se faz necessária a apresentação dessas representações ao
longo da história.
4.1 – Antiguidade

Na Grécia a loucura era tratada como uma doença de espírito. A doença era algo
momentâneo curava-se de um dia para o outro. Nessa época são construídos lugares
distantes da civilização, onde a pessoa poderia passar alguns dias em repouso, para
recuperar-se da doença sem nenhum tratamento. Tem-se assim, a primeira relação de
que um lugar poderia curar alguém.

4.2 - Idade Média

A forte religiosidade deste período e as epidemias que a assolaram são fatos


marcantes para a percepção da loucura e a maneira de como ocorre a marginalização
dos indivíduos.

As epidemias como a peste fizeram com que fosse criado o hábito de isolar os
indivíduos. A lepra é vista como um castigo de Deus. “O pecador que abandona o
leproso à sua porta está, com esse gesto, abrindo-lhe as portas da salvação”
(FOUCAULT, 1972, p.6)

Para segregar os leprosos foram construídas instituições que serviam como


depósito de pessoas, esses lugares ficaram conhecidos como leprosários, tinham apenas
a função de manter enclausuradas as pessoas marginalizadas. Não havia preocupação
em tratá-las. Até mesmo porque muitos achavam que as pessoas se curariam por
milagres, a assistência espiritual era o remédio mais indicado em casos de doenças e de
outros infortúnios.

Durante a Idade Média uma nova função sobrepujou as atribuições


benemerentes daquelas instituições, pois elas foram postas a serviço da segregação de
contingentes populacionais tidos como perigosos ao convívio comunitário: os
mendigos, os vadios, os imigrantes, os loucos, os portadores de doenças repulsivas ou
de outras moléstias cujo caráter transmissível já era identificado. Com o crescimento do
número de doentes cada cidade construiu, em seus arredores, postos de isolamento para
segregação de leprosos. A atividade de controle público exercida por estes
estabelecimentos anunciou uma forma inaudita de enfrentamentos das doenças
transmissíveis: a separação social dos doentes e sua retenção em instituições. Esse
procedimento logo se fez comum, quando o apogeu das cidades, a partir da Renascença,
contribuiu para difusão de novas epidemias.

4.3 – Renascença

Neste período mantêm-se a visão da Idade Média, algumas das propriedades da


Igreja que foram confiscadas na Renascença, como os monastérios transformaram–se
em locais de exclusão social.

As casas de internamento não tinham uma política do que acolhiam, nessas casas
podiam se encontrar pobres, desempregados, correcionários, vagabundos e insanos.
Passadas as epidemias, as casas ganharam o caráter de assistência social.

Outra prática comum no Renascimento, era de confinar os loucos em um navio


que os levasse de uma cidade para outra, elas ficaram conhecidas como naus dos loucos.
Foram muitas as cidades da Europa que viram essas naves de loucos atracarem em seus
portos. Muitas cidades eram vistas como exílios rituais, e eram visitadas por estas
embarcações, seus tripulantes e, principalmente, as pessoas que a embarcavam
acreditavam que a loucura era apenas algo momentâneo, que poderia ser curado por
milagre, por isso visitavam terras consideradas sagradas, havia peregrinações por esses
locais e eles eram “perdidos” ali.

4.4 - Século XVIII até hoje

Vários relatos da época atentaram para o fato de que os hospitais, por mais que
se pretendesse utilizá-los como instrumento para contenção e supressão de fatores
perturbadores da ordem pública, haviam se convertido em fonte de muitas desordens e
efeitos patológicos, com graves conseqüências para vida urbana.

Os hospitais sofreram diversas transformações, ocorridas no século XVIII, isto resultou,


principalmente, de uma crença que essas instituições pudessem vir a exercer uma ação
terapêutica efetiva e potencialmente eficaz sobre os doentes internados, caso
superassem sua condição insalubre. Desde a antiguidade, as instituições de atenção às
doenças e o implemento da medicina haviam se desenvolvido de forma autônoma e
independente, com poucas ocasiões de aproximação mais estreita.

A partir do início da Idade Contemporânea, no entanto, as séries médica e


hospitalar convergiram para uma associação praticamente integral, o que refletiu no fato
de a figura do médico ter sido alçada à posição de maior destaque técnico e
administrativo do estabelecimento sanitário.

Esses processos resultaram em reformas, tanto dos hospitais quanto nos


conhecimentos médicos configurando a instituição como ela é hoje em dia.

Apesar de todas estas transformações a exclusão e o isolamento asilar deram-se


nos hospitais, os quais se prestaram ao controle e ao disciplinamento da vida urbana.
Nesse sentido, puderam-se perceber em seu funcionamento diversos pontos similares
aos observadores nos estabelecimentos penais do mesmo período.

5. - A sociologia e as políticas de isolamento

Um tema pouco aprofundado na sociologia são os estudos de como a etnologia


se aplica a psiquiatria, e esta por sua vez, aplica-se bastante mal a fenômenos
verificados em contextos sociais diferentes do nosso. Impor um ponto de vista
psiquiátrico sobre o polimorfismo das manifestações humanas é freqüente e, por muitas
vezes, violenta. Porém se levarmos em conta a maneira pela qual a loucura é vivida,
sentida e pensada, em contextos sociais diferentes do nosso, somos obrigados a admitir
que o vínculo entre a loucura e a patologia não é universal.

O que podemos aprender com o ponto de vista da etnopsiquiatria é que devemos


alargar nossa compreensão do homem e do mundo humano através da criação de um
único campo, onde os outros e nós mesmos nos tornamos inteligíveis por nossas
singularidades, ou melhor, pelas diferenças que existem entre eles e nós. Para que se
entenda que diversidade não é necessariamente doença.
O desvio social é a referência a uma coletividade determinada e ao seu sistema
de direito, pois não existem desvios em si mesmos, mas apenas definições sociais
daquilo que é um ato correto ou um ato fora das normas. Se a norma de duas
coletividades a que o sujeito pertence conflitarem entre si, o mesmo ato pode ser visto
como anti-social em relação às normas de uma, mas totalmente conforme às normas da
outra.

A dinâmica da desordem mental se inscreve num sistema em que colaboram, ao


mesmo tempo, o desviante e a sociedade. Sendo assim, não é só o começo que faz parte
do sistema, mas também seu fim. A cura é reconhecida com a ajuda de critérios que
podem mudar de uma cultura para outra, a participação na produtividade da sociedade
global é um desses critérios. (BASTIDE, 1967, p.147)

Então, os motivos da exclusão da sociedade pode se dar por dois motivos:


utilidade social e segurança dos cidadãos. Os loucos são marginalizados pela sociedade
ou porque queriam se defender ou porque queriam se livrar deles.

6. - Metodologia

O estudo se realizará a partir da leitura de uma bibliografia que aborde os


aspectos de exclusão da sociedade, seus mecanismos, e motivos. Uma bibliografia que
também aborde a história das casas de internamento, suas políticas para a internação e
os internos.

Um questionário será utilizado para observar os pontos de vista da população e


dos médicos psiquiatras que trabalham em sanatórios sobre a loucura, a tolerância ao
diferente.

Deverá haver um estudo para definir o que perguntar e de onde e como as amostras
serão recolhidas, a fim de validar a pesquisa.
7. - Conclusão

Em um lugar onde há um sistema de regras e normas de conduta, cria-se uma


padronização de nossas ações, o que traz consigo a diferença. Isto que deveria ser um
raciocínio lógico parece não ser muito bem compreendido pela sociedade, uma vez que,
a rejeita e ou a esconde. Aqueles que não seguem as padronizações de conduta são
isolados do convívio social, fato que também acontece quando o indivíduo é alvo de
preconceitos. Por estes motivos muitas destas pessoas são consideradas loucas, quando
na verdade na a são, porém, são internadas em instituições psiquiátricas.

Poucas foram as tentativas de integrar, ou reintegrar, o indivíduo isolado pela


sociedade, seja isto feito pelos mais diversos motivos, o excluído é desumanizado,
sendo afastado não só por preconceitos, motivos de utilidade social ou por colocar em
risco a segurança de outros cidadãos, mas também como uma medida higienista. Onde
essas atitudes deploráveis são camufladas em instituições como os manicômios, que o
governo chama de Serviços Residenciais Terapêuticos em Doenças Mentais, sabemos
que essas instituições estão longe de possibilitarem aos pacientes a inserção social, a
qual se destinam, mas como disse na apresentação não discutirei este aspecto. O fato é
que a legislação vigente destes órgãos governamentais possibilita que a exclusão social
dos indivíduos que a sociedade não aceita seja feita nestes locais.

A sociedade sempre excluiu aqueles que nela não se enquadravam, os motivos


desta exclusão variaram através dos séculos, assim como o modo de tratá-los e isola-los.
Baseando-me nos estudos que foram feitos para a confecção desta obra concluo que,
atualmente, a prática de afastar tais pessoas, sejam elas consideradas loucas ou não,
ainda persiste. E os lugares de isolamento social resistem ao tempo apesar das mudanças
de seus nomes e os manicômios configuram-se como um destes locais.

8. - Bibliografia

ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Metáforas da desordem: o contexto social da


doença mental. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

BASTIDE, Roger. A sociologia das doenças mentais. São Paulo: Editora Nacional:
Editora da Universidade de São Paulo, 1967.
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Cidadelas da ordem a doença mental na
República. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

DORSCH, Friedrich; STAPF, Hartmut H. K. Dicionário de Psicologia Dorsch. Rio de


Janeiro: Vozes, 2001.

FRAYZE-PEREIRA, João. O que é loucura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.

FOUCAULT, Michel. História da loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.

GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo, Ed. Perspectiva,


1999. 6ª edição.

JOHNSON, Allan G. Dicionario de sociologia: guia prático da linguagem


sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997

PESSOTTI, Isaias. A loucura e as épocas. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de


Janeiro: Zahar Editores, 1974.

WING, J. K. Reflexões sobre a loucura. Rio de Janeiro: Zahar , 1979.

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