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Disciplina: Filosofia e Ética na Administração.

Professor: Guilherme Dornelas Camara

Nome: Gabriel Gheno Gonçalves

(In)sanidade social e Liberdade

Este tópico não se trata de uma glamourização da loucura ou cobiça por uma
desordem coletiva, mas sim uma reflexão a respeito da noção de sanidade social, assim
como seus possíveis males e examiná-la é fundamental para a construção de uma visão
de mundo coerente e abrangente. Portanto, tratamos aqui o conceito de loucura não
necessariamente como um problema psicológico, mas como uma forma de ruptura de
paradigmas sociais.

Como base dessa reflexão, utilizo o filme “Um estranho no ninho”¹ com Jack
Nicholson, que trata da história de um homem que cometeu um crime e para evitar ser
preso se finge de louco e é encaminhado para um sanatório, dessa forma acaba tendo
que conviver com outros loucos. O filme demonstra como o isolamento social desses
indivíduos que são tidos como dementes acaba gerando um senso de comunidade entre
eles e o personagem central da trama, mesmo sendo o único considerado saudável
mentalmente naquele ambiente acaba desenvolvendo laços com seus colegas de
internamento e percebe características naturais neles como, por exemplo: insegurança,
depressão, ou desestímulo com a vida, traços muito comuns em uma sociedade e que
não necessariamente desencadeiam surto mental, mas no contexto do filme é a razão por
eles estarem ali, ao mesmo tempo que o sistema do sanatório além de ser controlador e
agrave seus distúrbios mentais, apenas enjaula aqueles indivíduos que não se adequam a
vida em sociedade. O protagonista é o responsável por trazer de volta a vontade deles se
libertarem dessas amarras e a obra demonstra que no fundo todos eles estão à procura de
uma felicidade, mas em sociedade não conseguem se enquadrar e que a fonte do
problema daquele hospício pode não ser interna, mas sim externa. A busca pela
liberdade pode ser evidenciada através de uma loucura, de atos que vão contra o que é
estabelecido como normal ou padrão.

Uma ideia que contrapõe tal linha de raciocínio é o Existencialismo². Através


dessa corrente filosófica, Satre pondera sobre o ser humano não buscar uma liberdade,
mas que o simples fato de ter consciência de seus atos e a capacidade de realizar
escolhas o torna uma criatura livre por natureza e que por ter livre arbítrio de suas ações
acaba sofrendo angústia pela consequência disso. Que a relação do para-si (que trata do
indivíduo consigo mesmo) ao em-si (indivíduo com o meio externo) causa uma pressão
em manter uma manutenção da vida social, mesmo que o indíviduo possa ter a escolha
de se rebelar contra as normas culturais presentes. Embora a corrente do existencialismo
denote que o homem por si só já é livre e que ir contra valores e preceitos morais é uma
possibilidade presente em nossa existência, a efetivação da liberdade em si pode ser tida
como ilusória, pois até que ponto as forças culturais impostas em nosso contexto nos
permite escolher? Seria considerado livre um indivíduo que é perseguido por
simplesmente não seguir o status quo?

Por outro lado, Michel Foucault em seu texto “A ética do cuidado de si como
prática de liberdade”³ enuncia muito bem a questão das relações de poder e os “jogos
da verdade” como um exercício de si sobre si mesmo e também como um processo de
liberação evidenciando que a natureza-essência humana se encontra aprisionada por
mecanismos de repressão, portanto, basta romper com essa inibição para que o
indivíduo se reconcilie consigo mesmo. Dessa forma, durante a entrevista Foucault se
depara com o aspecto da loucura e sua exclusão social: ele analisa em que momento
surgiu um modelo de “sanidade” e como a medicina trabalhou com isso. Cita que
grandes fenômenos de histeria foram encontrados em meios que havia um máximo de
coerção e que obrigava os indivíduos a se constituírem como loucos. Que há esquemas
que o indivíduo encontra em sua cultura e são lhe impostos por sua comunidade, seu
grupo social.

Um exemplo de rompimento de um indivíduo com os estigmas sociais de sua


época é o caso do pintor Leonardo Da Vinci, que foi responsável por ideias muito a
frente de seu tempo, pois sua criatividade e inventividade foram fundamentais em
campos científicos, matemáticos, artísticos, dentre outros. Entretanto, em vida muitos o
consideravam como louco, pois naquele contexto histórico era surreal a ideia de um
humano realizar um voo, além disso, o fato dele estudar anatomia humana dissecando
cadáveres não era aceito como algo normal.

A loucura em si esteve e ainda se encontra presente em diversas lideranças


políticas, ideológicas ou religiosas que acabam contagiando e sendo disseminadas pela
sociedade em diferentes contextos históricos seja, por exemplo, em eventos como o
holocausto ou como pregações ideológicas antiéticas que apenas evidenciam como a
sociedade pode ser doentia e depravada, ao mesmo tempo em que tudo que foge do
considerado “normal” e tradicional costuma sofrer perseguição. Em paralelo a isso,
gera-se uma alusão ao hedonismo, outra vertente filosófica que tem por finalidade
evidenciar uma busca da felicidade humana, que no caso em questão se foca na busca
pelo prazer, mais precisamente o pensamento epicurista e não da escola cirenaica (esta
última que trata a felicidade como uma soma dos prazeres e não diferencia o grau e a
dependência deles e mesmo que sua realização resulte de atos não exemplares, eles
devem ser buscados).

De acordo com Epicuro4: “a felicidade é propiciada pelos prazeres que


produzem a sensação de bem-estar, a serenidade da alma e uma vida controlada,
diferente da escola cirenaica ele não considerava o prazer desenfreado como fonte de
felicidade e caso o resultado disso gerasse consequências negativas o prazer se convertia
em dores e desequilíbrios. A busca do prazer deveria ser uma forma de evolução não
apenas física, mas principalmente de espírito e, portanto deveria ser regrado e
equilibrado.” Comparado a isso, a loucura como forma de busca incessante pelo
desconhecido, evitando qualquer tipo de zona de conforto e sim como um processo de
encontrar a própria essência não necessariamente é prejudicial, pelo contrário, pode ser
um método de formação de autoconhecimento e transcendência.

Referências Bibliográficas:

¹ Filme: Um Estranho no Ninho, FORMAN, Milos. 1973.

² Texto: A Concepção da Liberdade em Satre, SILVA, Aline. 2013.

³ Texto: A Ética do Cuidado de Si Como Prática da Liberdade, FOCAULT, Michel, 2004.


4
Texto: O Hedonismo de Epicuro e o Hedonismo da Escola Cirenaica, SOUZA, Pereira Melo, 2013

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