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Viktor E. Frankl
O psiquiatra contemporâneo cada vez mais defronta-se com pacientes cuja queixa é um
sentimento vago, indefinido, uma sensação de que as suas vidas são completa mente fúteis,
algo assim como uma experiência caótica em contraposição àquelas experiências produtoras
de prazer, investigadas e descritas tão magnificamente por Abraham Maslow. Estes pacientes
falam também de uma sensação de vazio, um vazio interno, estado que passei a descrever e
denominar "vazio existencial".
Para expor brevemente as causas do vazio existencial, lançarei mão de dois fatos:
Primeiramente, o homem, diferentemente do animal, não tem a sua conduta dirigida por
drives e instintos; em segundo lugar, diferentemente do homem de outrora, não é mais
orientado elas mesmas tradições e valores. Sem saber o que precisa ou deve fazer, deixa de
saber até mesmo o que basicamente deseja fazer. O perigo disto é que o indivíduo desejará
fazer simplesmente o que as outras pessoas fazem, e neste caso o faz por conformismo, ou
simplesmente fará o que as outras pessoas desejam que ele faça, neste caso o faz por
totalitarismo.
Uma afirmação similar foi feita posteriormente pelo Dr. Vymetal, psiquiatra da Olornouc
University. Segundo o que disse, num encontro de psiquiatras realizado atrás da Cortina de
Ferro, não podemos mais nos contentar com a psicoterapia baseada unicamente nos conceitos
pavlovianos. "Sou um velho adepto de Pavlov" disse ele, "mas declaro: persistindo em
conceitos tais como reflexos condicionados e/ou incondicionados não mais serviremos para
dar apoio a estes pacientes que se queixam atualmente ·da falta de sentido da vida".
Naturalmente que o vazio existencial não é a única origem e causa do totalitarismo e/ou
conformismo; é mais provável que seja um componente dentro da etiologia, dentro da
patogênese. Além do mais, há uma terceira consequência do vazio existencial; mais
especificamente, o neuroticismo. Há um novo tipo de neurose, uma nova síndrome, que
denominei neurose noogênica. Nesse caso, a neurose deriva-se da frustração existencial, do
desespero diante da aparente falta e significado da vida. Não se deve buscar a origem desta
neurose no passado, nos conflitos entre o ego e o superego etc., e sim nos problema
espirituais e existenciais, e, finalmente, no não menos importante vazio existencial - a
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In: MILLON, Theodore. Teorias de psicopatologia e personalidade. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, p. 153-8, 1979.
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sensação de falta de sentido da vida que domina um grande número de pessoas nos dia de
hoje.
Como uma espécie de primeiro apoio em tais casos, parece-me necessário mostrar ao jovem
que o desespero deles a respeito de uma aparente falta de sentido da vida não é motivo de
vergonha, mas pelo contrário, motivo de orgulho. É uma descoberta humana, porque é um
privilégio do homem não admitir a priori que a vida tenha significado, mas anates de tudo,
ousar questionar esse significado. É também privilégio do homem o fato de não se limitar
apenas a buscar o significado; vai mais além, questionando e desafiando o sentido da vida. Isto
é válido para os jovens que têm coragem de agir desta maneira. Entretanto, é preciso que
esperem pacientemente até que, cedo ou tarde, o significado se tome claro para ele, em lugar
de recorrer diretamente ao suicídio devido a este desespero existencial. Em primeiro lugar,
deve reconhecer que a coragem de questionar o sentido da vida é antes de tudo, a
manifestação da honestidade e sinceridade intelectual. Portanto, é algo pelo qual se deve ter
orgulho. Por outro lado, devem buscar primeiramente a objetividade; ganham perspectiva
observando tal problema ameaçador a certa distância. Isto em si mesmo é benéfico quanto ao
aspecto da saúde mental. Além disto, devem observar outro aspecto positivo, o fato de que o
questionamento é motivo de orgulho para eles.
Podemos conceber o princípio do prazer como a luta pelo prazer. Há, como foi mencionado
anteriormente, a luta pela superioridade, e também o conceito introduzido por mim, a luta
pelo sentido da vida, através do qual me refiro exatamente à qualidade intrínseca no ser
humano, a autotranscedência Segundo o meu ponto de vista, o ser humano esta sempre
procurando relacionar-se no mundo. Rejeito a ideia de que o homem, na verdade, busca
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Uma vez que o homem tenha uma razão para ser feliz, ou quando tenha encontrado um
sentido para a sua existência, ou quando estabelece uma relação afetiva com o outro, isso o
torna feliz. A felicidade é uma consequência a felicidade acontece, e deve-se deixar que ela
ocorra. O que ocorre quando o homem luta diretamente pela felicidade? Como está ilustrado
na Fig. I, quanto mais o indivíduo se volta para a felicidade ou quanto mais se envolve em uma
busca direta da felicidade, é quando precisamente ele perde de vista a razão para ser feliz, e
consequentemente, a felicidade desaparecerá, já 'que para ele não há mais outra razão senão
a de ser feliz. Não se sente mais motivado a ser feliz. Não mais se preocupa com a busca do
sentido da vida, ou a busca do outro; vê a felicidade como um objetivo imediato a ser
alcançado. Isto pode ser observado nas neuroses sexuais. Afirmo com toda a segurança, após
alguns anos de prática, que se remontarmos à origem de mais de 95 por cento dos casos de
impotência ou rigidez, é provável que nos defrontaremos com pacientes homens buscando
diretamente demonstrar a sua potência (buscando a autoafirmação de sua virilidade), e
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O prazer é uma com sequência natural, e não o objetivo básico das motivações humanas; é a
consequência natural que traduz o encontro com o sentido da vida, a consequência natural de
um encontro de amor com outro ser humano; Todas as vezes que se busca diretamente atingir
o prazer, este objetivo deixa de existir, uma vez que isto implica o homem primariamente
preocupado com uma razão para ser feliz, em lugar de ser feliz. Um ser humano preocupado
com outros seres humanos, com significados, transcende a si próprio deixando de ser um
sistema fechado que simplesmente busca garantir a seu cérebro ou a sua psique um estado
constante de prazer, ou homeostase ou qualquer outro conceito que tem a sua origem no
campo dos conceitos monadologísticos que consideram o homem um sistema fechado. Em
outras palavras, o que se observa é que a felicidade é algo difícil de ser alcançado à medida
que é percebida ou se constitui no objetivo único; por outro lado, surge como uma
consequência natural do encontro do sentido da vida, da relação com o outro, da vivência da
autotranscendência, inerente ao ser humano.
A frustração decorrente da busca imediata por aquilo que é uma consequência natural, em
contraposição á luta — objetivo primário do ser humano motivado pela autotranscendência,
implica questões que merecem uma ampla discussão. Refiro-me ao slogan da
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do ter ingerido alimento. Os ratos aprenderam a ativar a alavanca por meio da qual o circuito
era fechado, e pressionavam esta alavanca acima de 15.000 vezes ao dia, todas as vezes
experimentando o orgasmo ou o prazer da nutrição. Após o aprendizado dessa experiência
subjetiva, passavam a desprezar os padrões sexuais originais, e o alimento real que lhes eram
oferecidos. O mesmo ocorre com aqueles que tomam LSD. Passam a ignorar os significados
objetivos esperados por eles (os seus significados particulares devem ser descobertos) porque
se restringem meramente e atribuir significado — significados profundamente subjetivos —
deixando de levar em conta seus significados e escolhas reais, autênticos, preocupando-se
apenas com os significados subjetivos.
Numa era como a nossa, a era do vazio existencial, o homem deve estar equipado com a
capacidade de descobrir significados, descobrir por conta própria o que representa para ele
cada situação em particular, tudo isto somando-se para formar um cordão único chamado vida
humana. Não é dever ou tarefa única da educação satisfazer-se e transmitir tradições, valores
e conhecimentos; é seu dever também dar relevância especial ao desenvolvimento e
refinamento daquela capacidade de descobrir, farejar o significado implícito de uma situação
em articular. Esta capacidade é chamada consciência. Uma época na qual os Dez
Mandamentos estão perdendo aparentemente a sua validade incondicional para tantas
pessoas, todos os homens devem adquirir a capacidade de escutar os dez mil mandamentos
envolvidos nas dez mil situações de sua vida, que passam por sua consciência. Em outras
palavras, a educação deve aguçar e estimular a capacidade do homem ouvir a voz de sua
consciência. Somente quando o homem adquire esta capacidade está apto a enfrentar aquelas
duas consequências do vazio existencial — conformismo e totalitarismo. Somente o homem
com uma consciência atenta e aguçada é capaz de desistir ao totalitarismo e ao conformismo.
Esta atração pela doutrina reducionista é muito mais observada nos Estados Unidos do que em
qualquer outra parte do mundo. Na University of Vienna, descobri, por exemplo, que 40 por
cento dos estudantes alemães, suíços e austríacos que assistiam às minhas conferências,
confessaram que haviam sentido este desespero existencial provocado por uma aparente falta
de sentido em suas próprias vidas. Comparando com uma amostra similar de estudantes
americanos frequentadores de minhas conferências, 81 por cento revelaram ter passado por
uma experiência de tal natureza. Segundo o meu ponto de vista, a alta incidência do desespero
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Deixe-me dar um exemplo. Definir o amor como uma sublimação do sexo, é reduzir o
fenômeno humano a um fenômeno subumano, o instinto sexual. Na verdade, não é e nunca
pode ser uma mera sublimação do sexo, simplesmente porque a sublimação pressupõe uma
capacidade de amar. Em suma, uma pessoa é capaz de integrar a sua sexualidade no conjunto
total de sua personalidade, somente para a segurança de outra pessoa a quem ama. Em outras
palavras, o ego é capaz de integrar o id somente na medida em que tem um impulso amoroso
em relação ao outro. Portanto, se a sublimação do sexo só é possível tendo como base a
capacidade de amar, o amor nunca pode ser visto como produto da sublimação.
Quanto à consciência, merece igualmente uma análise sob o ponto de vista do criticismo. Da
mesma forma que o amor foi reduzido ao id (sexualidade), a consciência é frequentemente
reduzida ou mesmo identificada ao superego. Entretanto, há uma diferença essencial. A
consciência nunca pode ser idêntica ou reduzida ao superego, simplesmente porque não é
atributo da consciência verdadeira, em última instância, contradizer e opor precisamente
aquelas convenções, ideais e tradições que são canalizadas e transmitidas através do
superego. Consequentemente, se o superego encontra algumas vezes oposição por parte da
consciência, esta não pode ser identificada a ele.
Para algumas pessoas que supõem que não há nada assim como a consciência, torna-se
aceitável a sua explicação em termos de condicionamentos observáveis nos animais. Reduzem
a consciência a um processo de condicionamento pois partem do pressuposto de que o
homem pode ser explicado através da psicologia animal e do comportamento animal. Com
relação a isto, recordo-me de uma piada vienense sobre dois vizinhos que estavam brigando
porque um acusava o gato que pertencia ao outro de ter comido um quilo de manteiga. O
outro vizinho negava que o seu gato tivesse comido a manteiga, e resolveram ir à presença do
rabino, pedindo-lhe um julgamento salomônico.
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O rabino ponderou e disse, "Você concorda que o gato tenha comido um quilo de manteiga?"
Eles lhe trouxeram a balança, e o rabino pôs o gato sobre ela, e, acreditem se quiser, marcou o
peso de exatamente um quilo.
Havia uma convicção a priori por parte do rabino de que se há alguma coisa que pese um
quilo, esta coisa deve ser a manteiga. Consequentemente procurava em vão pelo gato. O
mesmo é válido para aqueles que se dedicam ao estudo comparativo entre o comportamento
animal e o comportamento humano; os behavioristas sustentam que se há algo no homem,
deve ser explicado por meio do comportamento animal — reflexos, condicionamento — e para
tal, têm seus métodos próprios, os processos de condicionamento; entretanto, onde está o
homem? O apriorismo que se contrapõe ao empirismo é defendido por cientistas
reducionistas; é refutado por aqueles que consideram o homem como uma unidade integrada,
que experiencia a consciência não como um processo de condicionamento, mas como algo
que lhe é inerente, próprio de sua natureza humana - a menos que eles destruam a sua
natureza humana, contrariando o seu próprio self.
Por que nos defrontamos cada vez mais com cientistas que têm uma orientação reducionista?
Isto se deve ao fato de estarmos vivendo uma época de especialistas. A meu ver, o especialista
é um homem que não vê mais a floresta da verdade em favor das arvores os fatos. Em outras
palavras, ele está preocupa o com fatos isolados e dados fornecidos por uma ciência
compartimentalizada e incapaz de chegar a um conceito integrado do homem.
Entretanto, não vamos inverter o curso da história; a sociedade de hoje não pode prescindir do
especialista. A investigação científica moderna é profundamente caracterizada por aquilo que
se chama trabalho de equipe, ou seja, pelo esforço de cooperação entre as equipes de
especialistas. A meu ver, a ameaça ou o perigo principal não se encontra no fato de que os
cientistas estão se especializando cada vez mais. A perda e a consequente falta de
universalidade não contribuem necessariamente para o surgimento do reducionismo. O que
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Por sua vez, a afirmativa de que "o homem não é nada mais do que um computador", é
supergeneralizada. Como neurologista, posso dar testemunho da legitimidade da utilização do
modelo de um computador como uma analogia para explicar o modo de funcionamento do
sistema nervoso central. Entretanto, o erro está contido na frase "nada mais que", de forma
alguma verdadeira, uma vez que o homem é infinitamente mais complexo do que um
computador.
de atuação. O grupo era doutrinado a interpretar seu idealismo e altruísmo como deficiências.
E muito pior do que isto, os voluntários "estavam constantemente checando-se mutuamente,
tentando descobrir "qual o motivo oculto" de cada um", segundo o que me foi revelado por
um aluno que estudou em Viena no ano passado, em meu hospital. Trata-se de um exemplo
de algo que pode ser considerado uma hiper-interpretação. A busca de revelações é válida,
mas deve parar tão logo se defronte com aquilo é autêntico, genuinamente humano, no
homem. Se tal não ocorre, a única coisa que resta a fazer é desmascarar o próprio "motivo
oculto" do psicólogo "desmascarador", principalmente, sua necessidade inconsciente de
subestimar a grandeza do homem.