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COMPORTAMENTAL
São Paulo
2019
LUCIANA FRANÇA CESCON
São Paulo
2019
Fica autorizada a reprodução e divulgação deste trabalho, desde que citada a fonte.
72 f. + CD-ROM
BANCA EXAMINADORA
Parecer:
Prof.
Parecer:
Prof.
São Paulo, de de
EPÍGRAFE
À minha família e aos meus amigos queridos, felizmente tantos, que não
caberia nomear todos aqui.
À Karen Scavacini, Elis Cornejo e Izabela Guedes pela parceria tão rica
no Instituto Vita Alere e pelo privilégio da convivência afetiva.
Ao CETCC, pelo aprendizado que hoje me faz uma terapeuta melhor,
especialmente às minhas orientadoras Renata Trigueirinho Alarcon, Eliana Melcher,
à minha supervisora Maria de Lourdes Gurian e aos colegas da turma EM172.
RESUMO
The purpose of this study was to understand the possibilities of applying Cognitive
Behavioral Therapy in suicide mourning. Data from the Ministry of Health indicate
that there are an average of twelve thousand notified suicides per year in Brazil,
while studies on the impact of suicide refer to an average of six to twelve people
affected by each self-inflicted death. These results indicate the importance of
devoting more attention to bereaved survivors, who will often need psychotherapy as
support during the bereavement process. Considering that in Brazil there is little
specific literature on the subject, we sought to investigate the understanding of the
approach to suicidal behavior, as well as a review about the techniques of CBT for
grief and Post Traumatic Stress Disorder (PTSD), integrating all these concepts
when necessary for the most appropriate treatment in the mourning for suicide.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08
2 OBJETIVO.............................................................................................................. 43
3 METODOLOGIA ..................................................................................................... 44
4 RESULTADOS ....................................................................................................... 45
5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 61
1. INTRODUÇÃO
Mas, quando morre alguém de quem gostamos ... então posso dizer que
sentimos o que isso significa e que dói muito, muito, muito. É como um fogo
de artifício que se apaga de repente e tudo fica negro. Sinto-me só, doente,
com dor no coração, e cada movimento me custa esforços colossais".
Uma das condições sociais que podem tornar o luto complicado surge
quando o enlutado não encontra suporte social, como acontece frequentemente nos
casos de suicídio.
Quando alguém morre dessa maneira, em particular se as circunstâncias
são um tanto ambíguas e ninguém quer falar se foi suicídio ou acidente, há
tendência da família e dos amigos silenciarem as questões acerca da morte.
Essa conspiração do silêncio causa grande dano à pessoa sobrevivente,
que tem a necessidade de se comunicar com outras pessoas para resolver
seu próprio luto (WORDEN, 2013, p. 93).
2000). Para Scavacini (2018, p. 12), “não existe ‘o suicídio’, e sim ‘os suicídios’, cada
um com sua especificidade e história”.
De acordo com Bertolote (2012) e Botega (2015), faz mais sentido
falarmos em comportamento suicida, conceito que abrange a ideação suicida, o
planejamento suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio consumado. Porém, por se
tratar de um fenômeno complexo, para Jamison (2010, p. 39) estes conceitos não se
dividem tão facilmente na prática:
A linha entre pensamentos e ações suicidas não é tão clara quanto pode
parecer. Um impulso potencialmente mortal pode ser interrompido antes de
ser posto em prática, ou uma tentativa com intenção branda, mas com
perigo de morte pode ser executada, na esperança de que seja descoberta
com garantia de sobrevivência. Com frequência, as pessoas querem ao
mesmo tempo viver e morrer; o ato suicida é saturado de ambivalência.
Muitas pessoas morrem porque consideram que a vida não merece ser
vivida. Outros paradoxalmente se matam pelas ideias ou ilusões que lhes
dão prazer de viver. Para Camus, o suicídio é um gesto preparado como
uma grande obra, no silêncio do coração, é uma confissão a si mesmo de
que a vida não vale a pena, é uma tragédia.
A pessoa que se mata não quer necessariamente morrer, pois nem sabe o
que seria isso. Ela se mata porque deseja outra forma de vida, fantasiada,
na terra ou em outro mundo; essa outra forma de vida, porém, está em sua
mente. Nela, a pessoa encontra amor ou proteção. Vinga-se dos inimigos,
pune-se por seus pecados ou reencontra pessoas queridas (CASSORLA,
2018, p. 29).
A pessoa quase sempre olha para o suicídio como uma opção no vácuo da
solução. Em outras palavras, a pessoa suicida acredita verdadeiramente
que todas as outras razões para resolver o problema têm sido tentadas e
falhadas. Como estas opções são removidas da lista de possibilidades,
novas opções tornam-se mais e mais extremas, particularmente se há uma
ideia de grande dor emocional associada com o problema (MELEIROS E
BAHLS, 2004, p. 31).
Quantas vezes faz-se com que o sujeito permaneça vivo, mas sem lhes dar
qualquer condição de entender por que ele está buscando a morte, por que
ele está desejando essa morte. Ele simplesmente continua suportando
aquela condição por achar que é um pecado, por não querer causar um
transtorno ainda maior para sua família, acaba suportando essa condição
miserável de vida que lhe é imposta, sem sequer questioná-la, muitas vezes
por não compreendê-la, ou não saber ou acreditar que é possível mudá-la.
Junte-se a isso a medicalização da vida e teremos um bom retrato do que
vem acontecendo. Mantém-se, a qualquer custo, as pessoas vivas e para
que possam suportar aquela existência degradante à qual estão submetidas
cotidianamente, é oferecida como solução a utilização de psicofármacos,
que em absoluto transformam a realidade adoecedora em que vivemos,
mas que, ao atuar em nossa química orgânica, dá-nos uma percepção
distinta dessa realidade, que permanece a mesma, aquela, que até então
nos fazia desejar a morte. Não se trata aqui de uma apologia contra a
utilização de medicamentos, esses, quando corretamente administrados,
cumprem um papel importante em nossa sociedade, contudo, esse uso
“ideologizante” do medicamento apenas encobre os sintomas que se
manifestam nos indivíduos, sem tocar em suas profundas raízes sociais.
Atua-se nas pessoas individualmente, quando se trata de um problema
social.
“Todos os lutos são traumáticos, mas alguns são mais traumáticos do que
os outros” (PARKES, 2009, p. 159).
Aqueles que ficam para trás na esteira do suicídio são deixados para lidar
com a culpa e a raiva, para separar as boas lembranças das ruins, e para
tentar compreender um ato inexplicável. Na maioria, eles são deixados para
sentir a falta de um pai ou filho cuja vida esteve entrelaçada com a deles
desde o início, prantear um cônjuge cujo amor e confiança partilharam, ou
lamentar a perda de um confidente com quem passaram longos dias e
noites de amizade (JAMISON, 2010, p. 263).
No meu luto, eu também queria ser igual a todo mundo. Queria que minha
família e meus amigos me consolassem, e não me questionassem sobre os
motivos de Harry ter se matado. Eu queria sofrer a ausência do meu marido,
não analisar seus motivos para morrer. Eu queria celebrar sua bondade e
amizade ao longo de 21 anos de casamento, não ficar com raiva dele por
me abandonar no auge de nossa vida.
O suicídio de uma pessoa querida nos transforma de maneira irreversível.
Nosso mundo fica em pedaços, e nunca mais seremos os mesmos. A
maioria de nós se adapta, aprendendo finalmente a transitar num terreno
em cuja segurança deixamos de confiar. Aceitamos, gradualmente, que
nossas perguntas não serão respondidas. Tentamos evitar nos torturar por
não ter conseguido prever a catástrofe iminente nem impedir que nossos
entes queridos tirassem a própria vida (FINE, 2018, pp. 19-20).
Junto a isto, o afastamento das pessoas próximas, por não saberem lidar
como lidar com o enlutado que perdeu alguém por suicídio, pode ser um
complicador do processo de luto (SILVA, 2015; PARKES, 1998). Por isso, falaremos
sobre a importância da posvenção.
27
- Padre Lício de Araújo Vale no livro “E foram deixados para trás” (2018).
SILVA (2009) pontua que embora o luto por suicídio possa implicar a
necessidade de acolhimento especializado é importante observar que nem todos os
enlutados necessitarão de apoio profissional, destacando a importância de que o
próprio enlutado possa identificar sua demanda por ajuda.
Considerando-se que a morte por suicídio é traumática e frequentemente
inesperada, podendo ainda ser violenta e muitas vezes testemunhada pelo enlutado,
como tratamos anteriormente, observa-se em relação aos sobreviventes que muitas
vezes há o desencadeamento do Transtorno de Estresse pós-traumático (TEPT)
associado ao processo de luto (BOTEGA, 2015). Portanto, passaremos para uma
breve conceitualização deste quadro.
32
4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou ergonha).
5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas.
6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros.
7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (p. ex., incapacidade de
vivenciar sentimentos de felicidade, satisfação ou amor).
E. Alterações marcantes na excitação e na reatividade associadas ao evento traumático,
começando ou piorando após o evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos
seguintes aspectos:
1. Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação)
geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e
objetos.
2. Comportamento imprudente ou autodestrutivo.
3. Hipervigilância.
4. Resposta de sobressalto exagerada.
5. Problemas de concentração.
6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou sono
agitado).
F. A perturbação (Critérios B, C, D e E) dura mais de um mês.
G. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social,
profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
H. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex.,
medicamento, álcool) ou a outra condição médica.
Pode ainda ser determinado um subtipo do TEPT com sintomas
dissociativos: neste caso, além dos sintomas mencionados anteriormente, o indivíduo
apresenta ainda sintomas persistentes ou recorrentes de:
1. Despersonalização: Experiências persistentes ou recorrentes de sentir-se separado
e como se fosse um observador externo dos processos mentais ou do corpo (p. ex.,
sensação de estar em um sonho; sensação de irrealidade de si mesmo ou do corpo ou
como se estivesse em câmera lenta); e
2. Desrealização: Experiências persistentes ou recorrentes de irrealidade do ambiente
ao redor (p. ex., o mundo ao redor do indivíduo é sentido como irreal, onírico, distante ou
distorcido).
2. OBJETIVOS
3. METODOLOGIA
4. RESULTADOS
[...] quando as pessoas são suicidas, seu pensamento fica paralisado, suas
opções parecem escassas ou não existentes, seu estado de espírito é
angustiante e a falta de esperança permeia todo o seu domínio mental. O
futuro não pode ser separado do presente, e o presente é doloroso, acima
de tudo.
[O TEPT] pode ser, muitas vezes, incapacitante, gera grande sofrimento aos
pacientes por ele acometido e às pessoas de sua convivência. Os sintomas
são graves e intensos e levam ao comprometimento das funções
ocupacionais e sociais dessas pessoas (VENTURA E OUTROS, 2011, p.
362).
estresse, inventários de saúde geral etc., que possam servir de fator de reavalição
pós-teste ao final do tratamento. Uso de RPDs (Registros de Pensamentos
Disfuncionais), visando a conexão entre lembrança traumáticas diretas e indiretas
com a variação das emoções.
Sessões Intermediárias: Abordagens das Crenças que o paciente possuía e possui
após o ocorrido (quantificando de 0 a 10 os sentimentos e de 0% a 100% o nível de
crença no relatado); abordagem da culpa e da raiva inerentes ao TEPT
(quantificando de 0 a 10 os sentimentos e de 0% a 100% o nível de crença no
relatado), como “por que fui sair justo naquela hora”; “sinto muito ódio dele”.
abordagem da (s) memória (s) traumática (s); elaboração do “Mapa de Memória
Traumática”. Ainda nas sessões intermediárias, os autores sugerem a aplicação de
escalas de estresse e ansiedade; ensino de técnicas de respiração e relaxamento,
dessensibilização sistemática (pareando memórias de diferentes valências).
Experimentos de exposição a situações ansiogênicas juntamente com o THS
(Treinamento de Habilidades Sociais).
Sessões Finais: Aliança com suporte social e prevenção de recaída.
Monson, Resick e Rizvi (2016) afirmam que formas predominantes de
tratamento para o TEPT são:
- Treinamento com inoculação de estresse: o objetivo é oferecer aos pacientes uma
sensação de domínio ao ensinar habilidades de enfrentamento.
- Técnicas de exposição: requerem que o paciente confronte ao vivo as situações
temidas, imaginem-se em uma situação que gere medo ou relembrem o evento
traumático por um longo período.
- Intervenções cognitivas: por meio do uso de diários ou tarefas de casa, os
pacientes são ensinados a identificar e questionar seus pensamentos irrealistas ou
exagerados acerca deles próprios, do mundo e de seu futuro, considerando as
probabilidades e com argumentos baseados em evidências.
- DRMO (Dessensibilização e reprogramação por movimento dos olhos) ou EMDR
(Eye Movement Desensitization and Reprocessing): técnica desenvolvida por
Shapiro, que afirmou que os movimentos laterais dos olhos facilitam o
processamento cognitivo do trauma.
Passaremos para técnicas de manejo de luto na teoria cognitivo-
comportamental.
51
Silva, Rangé e Nardi (2011, p. 735) referem que o protocolo padrão para
o luto “tem características generalistas, portanto, funcionando bem para o luto
normal e diversos quadros de luto complicado. Apesar disso, para alguns tipos
específicos de luto, tais como o luto não autorizado, podem ser necessárias
adaptações, sendo recomendado protocolo diferenciado”. O tratamento do luto por
suicídio na abordagem, portanto, vai exigir uma adaptação para as especificidades
mencionadas anteriormente.
Para Jordan (2001), dar sentido ao suicídio de seu ente querido é uma
grande tarefa de recuperação para os sobreviventes. Em comparação com outras
formas de luto, os sobreviventes do suicídio normalmente gastam muito mais
energia tentando compreender as razões da morte, as motivações do falecido e a
atribuição apropriada de responsabilidade pelo suicídio.
Como foi abordado na introdução, emoções difíceis em relação à morte
traumática podem ser inibidas ou suprimidas em pessoas enlutadas pelo
suicídio ou ocultas como consequência da estigmatização e menor nível de apoio
de outras pessoas. O terapeuta cognitivo-comportamental poderá utilizar
intervenções específicas para estas questões. Por exemplo, um dos destaques da
Terapia Cognitivo-Comportamental são as tarefas de casa, ou seja, atividades “que
fazem a ligação entre as sessões e mantêm a terapia focada nas questões chave”
(WRIGHT, BASCO E THASE, 2008, p. 64). Registros de pensamento e o
preenchimento de escalas e questionários são muito utilizados durante o tratamento.
Ser convidado a escrever abertamente em um ambiente seguro sobre emoções e
pensamentos em torno do suicídio pode ter resultado em uma redução de aspectos
negativos específicos deste processo de luto. Estudos descobriram que intervenções
de escrita são eficazes na redução do sofrimento de indivíduos enlutados (LINDE ET
AL, 2017).
Zwielewski e Sant’Anna (2016) fizeram o estudo de caso de uma paciente
em processo de luto por um filho, usando como base teórica a psicologia cognitivo-
comportamental. O protocolo original apresentado por Silva (2009) tem duração de
12 sessões, com espaço de sete dias entre as sessões. Porém foi adaptado na sua
aplicação, devido à necessidade de estabilizar o humor da paciente, visto que ela se
encontrava em profundo sofrimento e sem pessoas com as quais pudesse
56
compartilhar sua dor. O novo modelo do protocolo, proposto neste artigo para o
tratamento de R., teve duração de 12 sessões, com dois encontros semanais até a
quarta semana, usando como base teórica a teoria cognitivo-comportamental.
Durante o processo foi detectado risco de suicídio, e houve, por este motivo, o
acréscimo de duas sessões para avaliar os fatores relacionados ao risco de suicídio,
totalizando 14 sessões. Além da adaptação do número de sessões e periodicidade,
foram também incluídos procedimentos como a identificação das distorções
cognitivas, psicoeducação sobre o efeito das distorções de pensamento no
emocional e o questionamento dos pensamentos disfuncionais da paciente. Foram
aplicados o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Inventário de Depressão de
Beck (BDI) e o Inventário de Desesperança de Beck (BHS). Entre as técnicas
utilizadas, os autores referem o uso de um calendário de atividades para
organização da paciente, a escolha de uma pessoa de confiança para fornecer
suporte nos momentos difíceis e a elaboração de rituais de despedida (como
escrever uma carta ou fazer uma reunião de família no dia do aniversário do filho).
Entre as técnicas recomendadas para o paciente com comportamento
suicida, Wenzel, Brown e Beck (2010) propõem a construção do kit de esperança
(ou caixa de primeiros socorros emocional):
cartas, fotos e desenhos feitos por cada um de seus integrantes para a pessoa
falecida (WORDEN, 2013).
Worden (2013) também cita, entre outras técnicas para o trabalho com
enlutados:
• Uso de símbolos: pedir para que o enlutado traga fotos da pessoa falecida,
por exemplo, cria um senso de proximidade com a pessoa morta e ajuda o terapeuta
ater mais clareza sobre quem o enlutado perdeu. Outros objetos pessoais do ente
falecido, como cartas, áudio ou roupas, também podem ser usados.
• Escrita: escrever uma carta para expressar algo ou se despedir da pessoa
falecida ou um diário para registrar a experiência de luto são recursos interessantes.
• Desenho: pode ser um recurso útil, especialmente com crianças enlutadas.
• Imagens dirigidas: A técnica de visualizar, com o apoio do terapeuta, o ente
querido em uma cadeira vazia e expressar o que precisa ser dito pode ser uma
técnica muito significativa para expressar sentimentos que não puderam ser ditos
antes do falecimento ou sentimentos que surgem durante o processo de luto.
Ainda de acordo com Worden (2013), a reestruturação cognitiva pode ser
indicada nos processos de luto em decorrência de possíveis pensamentos
encobertos e da fala interna que constantemente se estabelece diante de um
evento tão traumático. Ao ajudar o cliente a identificar esses pensamentos e fazer o
teste de realidade acerca de sua validade ou supergeneralização, o
terapeuta pode ajudar a diminuir os sentimentos disfóricos acionados por crenças
disfuncionais como: “Nunca mais me sentirei feliz”.
tendem a ver a vítima ou como totalmente boa ou como totalmente má, cuja ilusão
precisa ser desafiada (WORDEN, 2013, p. 133). Neste caso, o autor sugere que o
terapeuta explore fantasias de futuro do sobrevivente enlutado acerca de como a
morte o afetará no futuro. Se houver dados de realidade nestes questionamentos,
Worden (2013) sugere que sejam explorados também os meios de lidar com essa
realidade, abordando questões que os sobreviventes têm, tais como: ‘Quando eu
tiver filhos, como vou poder contar a eles que o tio deles se matou?’
Worden (2013) aponta ainda a importância de se trabalhar sentimentos de
raiva e abandono, bem como incentivar que o sobrevivente enlutado use a frase
‘morreu por suicídio’ no lugar de ‘cometeu suicídio’, a qual conota um estigma mais
criminalizado, pois só se comete “crime ou pecado”. Também neste sentido, uma
matéria recente do Huffington Post (https://www.huffpostbrasil.com/entry/mental-
health-language-committed-suicide_l_5aeb53ffe4b0ab5c3d6344ab) defende que “o
termo ‘cometeu suicídio’ é prejudicial porque para muitas pessoas, se não a maioria,
evoca associações com ‘cometeu um crime’ ou ‘cometeu um pecado’ e faz pensar
em algo moralmente repreensível ou ilegal”, de acordo com Jacek Debiec.
Basso e Wainer (2011) reforçam que é fundamental que o terapeuta
respeite e adapte-se ao funcionamento do paciente enlutado e demonstre empatia,
evitando confrontar de forma direta as crenças do paciente para desenvolver o
processo terapêutico satisfatoriamente. É importante que já no início da terapia o
terapeuta consiga oferecer suporte e acolhimento, criando um vínculo empático no
processo. O terapeuta deve facilitar a expressão dos sentimentos associados à
perda do ente querido, observando todas as implicações que ela traz ao
paciente, considerando ainda as crenças que o paciente enlutado tenha acerca da
morte e seus pensamentos disfuncionais.
5. DISCUSSÃO
compreender que o ente querido não deve ser lembrado apenas por sua morte, mas
sim com tudo o que sua vida propiciou, pelos momentos vividos e pelas memórias
que ficaram.
- Compreender o suicídio como resultado de várias causas interrelacionadas
que produziram uma dor insuportável para seu ente querido falecido: o
suicídio não é simplesmente uma escolha. O modelo cognitivo do suicídio traz a
possibilidade de explicar didaticamente ao sobrevivente enlutado toda a
multicausalidade por trás do evento.
- Viver da melhor forma que for possível, com alegria e tristeza, livre de
estigma ou julgamento. Como apresentado na introdução do trabalho, a TCC conta
com uma variedade de técnicas que podem ser aplicadas no manejo do luto. O
treino de habilidades sociais, a ativação comportamental, o questionamento
socrático, a autocompaixão, o mindfullness e as técnicas de relaxamento são
exemplos de importantes recursos utilizados na TCC que podem fazer diferença
para a reestruturação cognitiva e o cuidado do sobrevivente enlutado.
Recentemente, Videira (2018) apresentou um estudo que comprovou a eficácia da
Terapia Focada na Compaixão em grupo no cuidado para pacientes com TEPT. Um
projeto piloto a partir de um retiro de mindfullness voltado para pessoas enlutadas foi
publicado em 2019 (SCOCCO ET AL, 2019). Os autores sugerem que “o processo
de não julgamento constitui a essência de aceitar a experiência da pessoa.
Consequentemente, esse tipo de intervenção pode ser especialmente eficaz para os
sobreviventes de suicídio que são menos propensos a aceitar experiências, como a
perda de uma pessoa amada” (tradução nossa). Novas formas de intervenção
surgem para auxiliar as pessoas a lidarem com seu sofrimento.
- Respeitar a própria privacidade, bem como a do falecido. A assertividade é
uma habilidade essencial para que o sobrevivente enlutado possa falar sobre seu
ente querido quando e da forma que desejar, ao mesmo tempo em que consegue
colocar limites em falas e comportamentos de outros que julgue inadequados ou
prejudiciais ao seu processo de luto. Conseguir diferenciar atitudes passivas ou
agressivas daquelas que são essenciais para o bem-estar, com assertividade, pode
ser compreendido como uma habilidade essencial para o enlutado.
- Encontrar e contar com o apoio de parentes, amigos, colegas e
sobreviventes, bem como de profissionais que têm conhecimento e
discernimento acerca da dinâmica do processo de luto, dos fatores de risco
63
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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72
ANEXO
Eu, Luciana França Cescon, afirmo que o presente trabalho e suas devidas
partes são de minha autoria e que fui devidamente informado da responsabilidade
autoral sobre seu conteúdo.
Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de
Conclusão de Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob
o título “Especificidades do manejo do luto por suicídio na terapia cognitivo-
comportamental”, isentando, mediante o presente termo, o Centro de Estudos em
Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC), meu orientador e coorientador de
quaisquer ônus consequentes de ações atentatórias à "Propriedade Intelectual",
por mim praticadas, assumindo, assim, as responsabilidades civis e criminais
decorrentes das ações realizadas para a confecção da monografia.
São Paulo, de de .