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Capítulo Dois

PODE UM
HOMEM SER
JUSTO DIANTE
DE DEUS?

É neste ponto que encontramos o maior de todos os


obstáculos imagináveis à salvação humana: Como um Juiz ab-
solutamente justo e reto pode de alguma forma justificar (declarar
justo) um criminoso absolutamente culpado e condenado? Como
qualquer ser humano pode escapar da condenação do inferno?
O próprio Deus nos diz que aquele “que justifica o perverso e
o que condena o justo abomináveis são para o senhor, tanto
um como o outro”.32 Suponha que um pai chegue em casa e
encontre sua família assassinada. Depois de uma persegui-
ção agonizante, ele consegue capturar o assassino. Quando o
criminoso finalmente se apresenta diante do juiz, ele é inques-
tionavelmente considerado culpado pelo crime. Mas quando
chega a hora da sentença, o juiz faz a seguinte declaração: “Este
32  Provérbios 17.15
32 – JUSTIFICAÇÃO E Regeneração

homem cometeu um crime terrível, mas eu sou um juiz profun-


damente amoroso e escolho declará-lo inocente. Na verdade,
eu o declaro justo diante da lei”! Tal juiz seria corretamente
considerado um criminoso tão grande quanto o assassino! Ele
“justificou o perverso” e “é abominável para o senhor”.
Mas se isso pode ser considerado verdadeiro mesmo à luz
da justiça humana, quanto mais verdadeiro não é quando trata-
mos da justiça de Deus? Como os filhos perversos e culpados
de Adão podem algum dia ter a esperança de se encontrarem
diante de Deus, o justo Juiz do universo? Como Deus poderia
de alguma forma “justificar o ímpio” sem ele próprio se tornar
abominável? “O que disser ao perverso: Tu és justo; pelo povo
será maldito e detestado pelas nações.”33 Como Deus pode
dizer a pecadores como nós, “Tu és justo”, sem violar o seu pró-
prio caráter? Como Deus pode de alguma forma salvar-nos dele
próprio e de sua própria retidão e justiça?
Esse dilema criou misérias indizíveis para cada alma sensí-
vel à culpa. Foi um problema terrível para o patriarca Jó. “Como
pode o homem ser justo para com Deus? Se quiser contender
com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder.”34 “Que
é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para
ser justo? Eis que Deus não confia nem nos seus santos; nem os
céus são puros aos seus olhos, quanto menos o homem, que é
abominável e corrupto, que bebe a iniquidade como a água!”35
“Como, pois, seria justo o homem perante Deus, e como seria
puro aquele que nasce de mulher? Eis que até a lua não tem bri-

33  Provérbios 24.24


34  Jó 9.2-3
35  Jó 15.14-16
Pode um homem ser justo diante de Deus? – 33

lho, e as estrelas não são puras aos olhos dele. Quanto menos
o homem, que é gusano, e o filho do homem, que é verme!”36
Ninguém sente a força desse dilema moral mais que o
pecador arrependido. Ele sabe que merece ir para o inferno.
Na esfera dos governos humanos, com alguma frequência, os
criminosos se entregam às autoridades para que a justiça seja
feita, ao invés de continuar vivendo com um senso insuportá-
vel de culpa! Pecadores arrependidos sabem que merecem ser
punidos, e que não seria justo que não o fossem. Eles sabem
que Deus não pode simplesmente “varrer os seus pecados para
debaixo do tapete” e simplesmente esquecê-los. Dessa forma, o
clamor de seus corações é: “Como pode um Deus justo algum
dia sorrir para mim? Como este fardo de culpa pode ser remo-
vido? Como Deus pode pronunciar uma bênção sobre mim?
Como um homem como eu pode ser justo diante de Deus”!

IMPUTAÇÃO
Só existe uma única resposta para esse dilema. Alguém pre-
cisa pagar pelos pecados dos pecadores. A justiça precisa ser
satisfeita. Ou ela será satisfeita pelos sofrimentos do próprio
pecador eternamente no inferno, ou ela terá de ser satisfeita por
alguma outra pessoa no lugar do pecador.
Maravilha das maravilhas! Esse “Alguém” veio! O Senhor
Jesus Cristo “carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o ma-
deiro, os nossos pecados”.37 “Certamente, ele tomou sobre si as
nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o
reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi
36  Jó 25.4-6
37  1 Pedro 2.24
34 – JUSTIFICAÇÃO E Regeneração

traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas ini-


quidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas
suas pisaduras fomos sarados.”38
Como essa grande transação acontece? Para compreen-
dê-la, precisamos considerar a pequena palavra “imputar”. Ela
também é traduzida como “reconhecer”, “contar”, “considerar”.
Podemos começar a entender o que ela significa ao atentar para
uma passagem da carta de Paulo a Filemon a respeito do retorno
de seu escravo Onésimo: “Se, portanto, me consideras compa-
nheiro, recebe-o, como se fosse a mim mesmo. E, se algum dano
te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta”.39
Aqui, Paulo instrui Filemon a “lançar em sua conta” [literal-
mente, “imputar”] qualquer débito que Onésimo pudesse estar
devendo a Filemon. Essa não era realmente uma dívida de Paulo,
mas Paulo, por sua própria vontade, tomou para si aquele débito, e
ele foi lançado em sua conta!
Agora, essa mesma palavra e suas variações são usadas
para se referir a pecado. Por exemplo, a Bíblia diz que “o peca-
do não é imputado (“lançado em nossa conta”), não havendo
lei”.40 Novamente, em Romanos 4, Paulo diz: “Mas, ao que não
trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe
é atribuída como justiça. E é assim também que Davi declara
ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui (“impu-
ta”) justiça, independentemente de obras: Bem-aventurados
aqueles cujas iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são
cobertos; bem-aventurado o homem a quem o Senhor jamais

38  Isaías 53.4-5


39  Filemon 17-18
40  Romanos 5.13
Pode um homem ser justo diante de Deus? – 35

imputará pecado”.41 Que transação gloriosa! Nossos pecados


não são imputados a nós, porque foram imputados a Cristo,
e, aceitando-os como se fossem seu próprio débito, ele os pagou
completamente!
Podemos ver essa mesma realidade no conceito de “car-
regar os pecados” do Antigo Testamento. No grandioso Dia da
Expiação, dois bodes eram sacrificados — um derramava seu
sangue para expiar os pecados,42 enquanto o outro bode (vivo)
carregava esses pecados embora para um lugar solitário43: “Arão
fará chegar o bode sobre o qual cair a sorte para o senhor e o
oferecerá por oferta pelo pecado. Mas o bode sobre que cair a
sorte para bode emissário será apresentado vivo perante o se-
nhor, para fazer expiação por meio dele e enviá-lo ao deserto
como bode emissário”.44 Aqui Deus utiliza dois bodes para nos
ensinar uma verdade a respeito da obra expiatória do Senhor
Jesus Cristo. Por um lado, ele morre por nossos pecados, e por
outro — como resultado daquela morte —, ele eficazmente leva
nossos pecados embora da presença de Deus.
Perceba a realidade gloriosa da imputação presente aqui!
“Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode vivo e sobre
ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, todas as
suas transgressões e todos os seus pecados; e os porá sobre a ca-
beça do bode e enviá-lo-á ao deserto, pela mão de um homem à
disposição para isso. Assim, aquele bode levará sobre si todas as
iniquidades deles para terra solitária; e o homem soltará o bode

41  Romanos 4.5-8


42  Levítico 16.16
43  Levítico 16.22
44  Levítico 16.9-10
36 – JUSTIFICAÇÃO E Regeneração

no deserto.”45 A pergunta que cada um de nós deveria fazer a si


mesmo é a seguinte: “Será que eu já pus as mãos da fé sobre o
Senhor Jesus Cristo e dei-lhe todos os meus pecados para que
ele os levasse a uma terra solitária?

Nem todo o sangue de animais


Mortos sobre o judaico altar
Pode dar à consciência culpada paz,
Ou todas suas manchas lavar.

Mas Cristo, o Cordeiro celestial,


Leva todos os nossos pecados embora,
Um sacrifício de nome mais nobre
E sangue mais rico que eles.

Minha fé poria sua mão


Sobre aquela tua cabeça querida,
Enquanto como um penintente estou,
E lá confesso meu pecado.
Isaac Watts

Um substituto morreu em nosso lugar! “Todos nós an-


dávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo
caminho, mas o senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós
todos.”46 É dessa forma que um Deus justo pode justificar cri-
minosos de uma vida toda em seu tribunal celestial. Ele abre
nossas contas e vê que o débito já foi imputado a seu Filho
45  Levítico 16.21-22
46  Isaías 53.6
Pode um homem ser justo diante de Deus? – 37

amado. Mais do que isso, ele vê que o nosso débito foi real-
mente pago por completo por ele. Aleluia! Deus, em seu grande
amor,47 desenvolveu uma forma de nos salvar dele mesmo e de
sua própria justiça! Ele o fez ao entregar seu único Filho para
morrer em nosso lugar.

O CORAÇÃO DO EVANGELHO
Essas realidades estão no próprio coração do evangelho. Elas
são expostas pelo apóstolo Paulo em Romanos 3.21-26, uma
passagem um tanto complexa que se torna clara à medida que
compreendemos o significado da imputação discutida acima:

Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemu-


nhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a
fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem;
porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da
glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua
graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem
Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante
a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tole-
rância, deixado impunes os pecados anteriormente cometi-
dos;  tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo
presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele
que tem fé em Jesus.

Aqui, Paulo declara que Cristo morreu para pagar o nosso


débito de pecado a fim de que Deus pudesse “justificar” pecado-
res e ao mesmo tempo permanecer “justo”. Ao longo do Antigo
47  João 3.16; 1 João 4.9-10
38 – JUSTIFICAÇÃO E Regeneração

Testamento, os pecados foram meramente “deixados impunes”,


o pagamento de sua culpa sendo postergado ano após ano, até
que viesse o Cordeiro cuja morte os levaria verdadeiramente
embora.48 Durante todo esse tempo, parece que Deus estava
sendo injusto, visto que ele justificou homens (como Abraão
e Davi) sem que a justiça fosse realmente satisfeita. Portanto,
era necessário que Cristo morresse “publicamente”, manifes-
tando abertamente a justiça de Deus para que todos a vissem,
satisfazendo-a completamente na cruz pelos pecados cometi-
dos. Nesse sentido, Cristo morreu não somente para justificar
homens, mas para justificar Deus! Sua morte na cruz vindicou
e manifestou a justiça absoluta de Deus ao justificar seu povo.
Como uma “propiciação” (i.e., um sacrifício que remove a ira)
pelos nossos pecados, Cristo tira de sobre nós a ira judicial de
Deus. Somos “justificados gratuitamente” (a justificação é ab-
solutamente de graça para nós), “mediante a redenção que há
em Cristo Jesus” (a justificação custou muito caro para Deus).
Somos justificados ao receber a “graça para a justificação”,49
“justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo”.50
Você ainda está carregando o fardo de sua culpa e seus
pecados? Você ainda está sob a ira de Deus? “Eis o Cordeiro de
Deus que tira o pecado do mundo!”51 “Haverá uma fonte para
remover pecado e impureza”.52 “O sangue de Jesus, seu Filho,
nos purifica de todo o pecado”.53 Não importa quão terríveis

48  Hebreus 9.15


49  Romanos 5.17
50  Romanos 3.22
51  João 1.29
52  Zacarias 13.1
53  1 João 1.7
Pode um homem ser justo diante de Deus? – 39

sejam os seus pecados, eles não são nada comparados ao va-


lor infinito do sangue de Cristo!54 “Onde abundou o pecado,
superabundou a graça”.55 Venha a ele! Ele o convida e também
ordena que venha; você não precisa temer estar sendo presun-
çoso ao vir: “Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba
de graça a água da vida”.56 Venha a ele! Tome a água da vida!
Lance seus pecados sobre ele e confie nele como quem levará
seus pecados. “Crê no Senhor Jesus e serás salvo”.57

54  1 Pedro 1.18-19; Atos 20.28


55  Romanos 5.20
56  Apocalipse 22.17; Mateus 11.28
57  Atos 16.31

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