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Joseph B.

Fabry

A Busca do
Significado
Logoterapia e Vida
Prefácio de Viktor Frankl

23 edlção'
editoro
JOSEPH B. FABRY

Viktor FrankL |090terapia e vida

CIP-Brasíl. Catalogação~na›Publicação
Câmara Brasileira do Livro, SP

Fabry, Joseph B., 1930-


F 122b A busca do signifícado /Joseph B. Fabry ;
tradução equípe da ECE ,' revísão Luíz Augusto
Mesquíta. - - São Paulo : ECE, 1984.
A BUSCA DO
Bíbliografía. SIGNIFICADO
ISBN 8585009404

1. Frankl, Viktor Emíl, 1905 2. Logoterapia


I. TI'tulo.

84~0635 17. CDD-616.891 W


18. -616.8914
Iñdices para catálogo sistemátíco
1. Logoterapia :Medícina 616.891 (17.)
616.8914 (18.)

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ÉÃ

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Título original
A JUDITH,
THE PURSUIT OF MEANING
que me ensmou o sentido de ser um marido,'

À WENDY, CLAIRE E RlCHARD,


que me mostraram o sentido da paternidade;
Traduzido pe|a equipe da ECE - editora de cultura espíritual
À MAX,
que demonstrou o sentido de ser amigo.

Revisão

Luiz Aungto Mesquita

Direltos para a língua portuguesa adquíridos pe|a

SOG
EDITORA CULTURA ESPlRlTUAL

que se reserva a propriedade desta tradução


Impresso no Brasil
INDICE

Prefácío 11

Agradecimentos 14

Introdução 15
1- A Descoberta Pessoal 25
2~ A Dimensão Humana 39
3- Qual o Sentido da Vida? 57
4- 0 Valor dos Valores 79
5- Nossa Consciéncía Intuitíva 91
6- A Essência da Humanídade 107
7- A Desintegração de Nossas Tradições 123
8- O Desafio da Liberdade 141
9- Aplicações da Logoterapia 161
10~ A Realídade da Religião 183

Referências 207

Biblíografia 211
PREFÁCIO

Apraz-me, realmente, que o Dr. Fabry tenha tido a oportunídade


de revisar detalhadamente seu Iívro sobre Iogoterapia, dando a
novos Ieitores uma introdução a esta escola de pensamento, e aos
Ieitores já familiarizados com a logoterapía, uma exposição do
presente estado de pesquisas neste campo.

Ao atualizar o seu livro, o Dr. Fabry valeu-se das contribuições


inovadoras e criativas que os logoterapeutas, de todas as partes
do mundo, têm dado desde a primeira publicação deste Iivro em
1968, No cargo de diretor executivo do |nstítuto de Logoterapia
em Berkeley, Califórnia, e como editor do The /nternatíana/ Forum
for Logotherapy, ele tem mantido estreito contato com outros
Iogoterapeutas e com a crescente Iiteratura sobre logoterapia, tanto
em inglês como em alemão. Além disto, tem estado em contfnuo
contato comígo durante minhas conferências nos Estados Unídos,
A_. . ,_ ._

(numa das quais nos conhecemos pela primeira vez em 1963), e em


suas visitas freqüentes a Viena.

Desde 1968, ma¡s três dos meus Iivros foram publicados em inglês:
The Will to Meaníng.' Foundations and Applications of Logotherapy,
The Unconscíous God: Psychotherapy and Theology, e The Unheard
Cry for Meaning.' Psychotherapy and Humanism. Na presente versão
de "A Busca do Significado”, o Dr. Fabry |evou em consideração
esses livros, bem como muitos artigos jornalfsticos recentes.

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Mais notáve|, contudo, é a sua tentatíva de analisar as mudanças Há dez anos manífestei a esperança de que o Dr. Fabry sería
pelas quais o mundo todo tem passado durante esse tempo. recompensado pelo impacto e influência que seu Iivro teria na vida
EIe supõe que as rebeliões dos anos sessenta evoluíram durante a de seus Ieitores. Hoje sei que minha esperança foi concretizada. Meu
dec'ada de setenta para uma Ybusca mais orientada com o objetivo .desejo para a versão revisada é que, o qus foí dito por um sábio
de descobrir significados, e que a Iogoterapia talvez possa atender a respeito da medícina americana, possa se tornar verdade: que a
muito bem a esta necessidade. fama não venha apenas para aqueles que concebem uma idéia, mas
para os que a popularõzam - que ajudam as pessoas a entendê~|a.
0 desenvolvimento de sua própria versão das sessões de Iogoterapia
em grupo, foi uma das contribuições maís significativas do Dr. Viktor E. Frankl
Fabry. Nessas sessões, ele não só aplica a logoterap¡a, como a
amplia e desenvolve; e, embora seja mérito seu, ele não nega a fonte
na qual se baseou. Sua contribuição peculiar, contudo, é tornar a
Iogoterapia acessível ao públíco em geraL Logo, melhor do que
ninguém, eIe está qualificado para fornecer aos seus Ieitores uma apre~
sentação popular da matéria denomínada |ogoterap¡a, habilitando~
os a apIicá-Ia em suas vidas. Mesmo os representantes profissionais
de atividades assistenciais, quer sejam conselheiros, padres ou
terapeutas, podem beneficiar-se do entrelaçamento fecundo que
ele efetuou. Muitos americanos me confidenciaram que algumas
das idéias e conceitos que encontraram peIa primeira vez em
meus escritos, ficaram ínteiramente claros somente quando os
leram novamente nas formulações do Dr. Fabry.

No meu prefácio original escrevi que o Dr. Fabry fixou para si mes-
mo um objetivo trip|o: popularizar a Iogoterapia sem vulgarizá-Ia;
simplificar suas teorias sem torna'-Ias simplístas; e “amer¡canizar"
sua prática enfocando aqueles aspectos que transmitam aos Ieitores o
clima cultural da América de hoje. Pelas reações dos Ieitores, agora
sei que ele foí bem sucedido não somente nos Estados Unidos, mvias
também através das traduções deste livro na Alemanha, Áustría,
Suíça, ltáI¡a, Grécía, Japão e nos palses de Ifngua hispano~americana.
Com seu estilo jovial e espirituoso, e sua habilidade para ilustrar
as minhas teorias com exemplos pitorescos, ele tem conseguido
auxiliar seus Ieitores a superarem a frustração e a descobrirem a
atitude que podem assumir em situações de du'vida, desespero e de
sensação de vazio.

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AGRADECIMENTOS
lNTRODUÇÃO

Agradeço ao Dr. Viktor Frankl que se tornou um amigo e um


exemp|o, por sua contfnua e grande ajuda, ao revísar e atualizar
esta ediçâo. Agradeço à sua esposa EIeonore, que datilografou
a volumosa correspondência de seu marido, possibílitando, com
isso, que nosso diálogo permanecesse aberto a uma dístâncía de
seis mil milhas.

Estou iguaimente grato à minha esposa Judith, pela sua colaboração


humana, editorial, e como secretária, e a Hyman Roudman, por
suas sugestões editoriais. Durante os últimos dez anos tenho ajudado as pessoas a “ap|icarem
a logoterapia em suas vidas", junto a grupos de universita'rios,
escolas, centros de desenvolvimento, igrejas, organizaçoe"s de assis-
tência social e no lnstituto de Logoterap¡a. O fenômeno mais notáve|
nesses grupos foi o do que em Logoterapia é chamado "vazio
existencial", um vazio interior que existia entre seus membros,
especialmente naqueles que atravessavam períodos de transição -
os iovens decidindo sobre uma carreira, pessoas insatisfeitas com
seu trabalho e desejosas de mudar de ocupação, funcionários
públicos próximos à aposentador¡a, pessoas de ambos os sexos que
planejavam casar~se ou divorciar~se, que haviam enviuvado ou se
divorciado, casais, especialmente as esposas - cujos filhos haviam
abandonado o Iar paterno, indívíduos que sofriam de alguma enfer-
midade ou enfrentavam a veIhice ou a morte. Muitos se sentiam
solita'rios, vazios, frustrados, enganados e infelizes. Os valores que
nortearam gerações anteriores para dar um sentido às suas vidas,
já não eram dignos de confiança, e valores próprios interiores
de significado ainda não se haviam desenvolvido. Situadns entre
a rejeição dos vanres tradicionaís e sua incapacidade para descobrir
o sentido individual de sua existêncía, em seu interior abrira~se
um vácuo.

A Iogoterapia é “a terapía através do significado", orientando as


pessoas para o auto~conhecimento - como são e como poderiam
ser - e encontrar seu Iugar na' totalidade da vida. A auto~va|orização

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a porta pela qual desejamos passar em nossa busca. 0 ignorado
não é fruto de nossa fé no que desejaríamos fosse verdade; base¡a-se
e reprimido anseio por um sentido pode ser a causa da sensa-
na rea|idade da vida, no conhecimento da existência da injustiça,
Ção de vazio, mas longe de constitu¡r-se no sintoma de uma
do sofrimento e da certeza da morte. A Iogoterapia é uma terapia
doença, e', antes de tudo, uma prova de sua humanidade: un¡-
exístencial baseada em experiências rea¡s. Ajuda-nos a observar a camente o ser humano busca sentido, duvida e se sente frus-
nós mesmos através de outra perspectiva, a conhecer tanto nossas
trado quando não pode encontrá~lo. Resignar-se ao vazio e à
límitações como nossos potenciais, nossos erros e v¡'so"es, a perceber
frustração apenas írá agravar esses estados. O medo de que este
como encaramos as nossas experiências totais, como nos reIaciona-
vazío interíor seja o primeiro passo em direção à neurose, po-
mos com os demais, de que forma superamos nossos desaponta~
derá aumentar as possibilidades de que ísto realmente aconte-
mentos, como realizamos nossas aspirações e cumprimos nossas
ça. A solução para o problema do vazio existencial não res¡-
tarefas. Esta percepção é baseada no conhecimento intuitivo de
de em submeter-se a uma introspecção temerosa, ou em eva-
que a vída tem sentido, por mais obscuro que em certas ocasiões
dír-se Iançando-se a uma busca de “divertimentos", poder, di-
ísto possa parecer. Cada um de nós é motivado por aquilo que Frankl
nheiro, drogas ou satísfações ilusórias. Este vazio só se pode
chama “o anseio por um sentido", ainda que esteja reprimido dentro preencher com sentido.
de certos Iimites, somos Iivres para descobrir o singificado de nossa
própría existência. A fé no sentido, o anseio de sentido do homem A Iogoterapía vê o sentído em doís níve¡s. Primeíro, como o
e sua liberdade para encontrá-Io, são os princfpios fundamentais da sentido últímo da existência, uma ordem universal onde cada
Iogoterapia. A maioria das pessoas não precisa ser persuadida de um de nós tem um |ugar. Esta ordem pode ser percebida tanto
que o sentido existe e de que anseiam por ele. Somente é necessário do ponto de vista religioso como secular, dependendo de nossa visão
tomá-Ias conscientes do que, nas profundezas de seu inconsciente, do mundo. A busca de sentido suscita a pergunta: “Que Iugar ocupo
sabem ser verdade.
na totalidade da existênc¡a? " Mas a busca de sentido e' também a
busca da própría identidade, de um propósito, um destino, uma
Contudo, a Iogoterapía opera também noutro nI'veI, e é isso que missão e, por isso mesmo, propõe as seguintes perguntas complemen-
a distingue da maioria dos outros tratamentos: ela estimula as
tares: "Quem sou eu? " "Oua¡s osmeus objetivos?" “Para onde estou
forças do espírito humano. Dirige nossa atenção para a reserva
indo?“ “O que devo fazer?" A existência do sentído u'ltimo
de recursos humanos específicos dentro de nós, à qual podemos
é algo que não se pode provar, exceto na experíéncía de vída que
recorrer para manter ou restaurar nossa saúde menta|. O espírito
não se repete. Uma pessoa pode viver como se existíssem o sentido,
humano tem sido sempre o ponto focal das religiões, mas a Iogo-
a ordem, o propósito, o destino e a missão, ou pode viver como se
terapia demonstra que seus recursos se encontram ao alcance de
tudo fosse arbítrário e ver quais as aíternativas mais satisfato'rias.
todos os seres humanos, independentemente de que suas convícções
Mas o sentido da existência tampouco se pode demonstrar em virtude
sejam religiosas, humanistas ou atelstas.
de um esforço constante em alcançá-Io e retê-Io, o que seria tão
impossível como alcançar e reter o horizonte. A prova reside na
Como descobrir o sentido
satisfação que acompanha a busca.

Este Iivro não pode dizer aos seus Ieitores como descobrir o sentido O segundo nível é o reconhecimento de que existem sentidos
de cada situação particular em que se encontram Somente eles o que podem e necessariamente devem ser descobertos, se se deseja
podem fazer. A Iogoterapía abre as portas, mas cabe a nôs escolher

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flexibilidade - paciência, porque freqüentemente o sentido de uma
preencher o vazio existenciaL Assim como* é impossfvel para nós situação revelar-se-a' mais adiante, e flexibilidade porque o que é signi-
descobrir a verdade, e somente somos capazes de descobrir uma ficativo a respeito de determinada situação, não deve ser congelado
multiplicidade de conceitos verdadeiros, também não podemos numa fórmu|a que perca sua validade ao ser aplicada a circunstâncias
descobrir o sentido, senão sómente uma multiplicidade de experiên- posteriores, já que a vida continua. E preferÍveI empreender a busca
cias significativas. A Iogoterapia postula uma concepção audaz: cada do significado a partir dos extremosz traçar metas a Iongo prazo e ir
pessoa é um indivfduo único e singular que atravessa uma série de passo a passo nessa direção. No entanto, este método nem sempre é
situaçoes~ ¡rrepetfveis, que oferecem em cada caso um sentida possfvel (quando não vemos metas a Iongo prazo e temos que depen~
específico que deve ser reconhecido e realizado. Na maioria das der de nossas respostas imedíatas aos chamados do momento, na es-
situações "o sentido do momento" não é nada de extraordinárioz perança de que nossas metas se revelem mais tarde), ou nem sequer
Ievantar de manhã, tomar café, guiar com cuidado, realizar nosso desejáveis (quando as metas a Iongo prazo se tornam rÍgidas; as pes-
trabalho. No entanto, existem momentos mais sutis: ajudar um amigo, soas que realizaram suas metas de infãncia e permaneceram nelas sem
escutar com atenção outra pessoa ou a§umu'r um compromisso. prosseguir em sua busca, estão espiritualmente monas).
Em algumas ocasioes" o momento exige do índívíduo decisões
conflítantes: desfrutar uma noite tranqüíla em casa ou visitar um Cinco situaçoe"s de sentido
amigo, levar a famllia a um passeio pelo campo ou consertar a grade
do~jardim. Finalmente existem momentos em que é preciso tomar de- A ajuda de maior vanr prático que um conselheiro pode oferecer ao
cisões vita¡s: casar, ter um fiIho, escolher uma profissão, aposentar~se. seu paciente, consiste em Ievá-|o a circunstâncias que Ihe revelem
sentido. Há pelo menos cinco circunstâncias dessa ordem.
Mas Frankl previne que não podemos inventar significados arbitraria-
mente; podemos apenas descobrir o sentido inerente a cada sítuação. A primeira consiste de situações nas quais descobrímos a verdade
Freqüentemente vemonos obrígados a basear nossas decisões numa sobre nós mesmos. Este descobrimento pode ser provocado por uma
informação insuficiente, e não poderemos esperar conhecer todos experiência pessoal ou por algo que vimos, ouvimos, Iemos, imagina-
os fatos que configuram uma situaça"o. Deveremos confiar não sô mos ou sonhamos; mas a descoberta deve ser nossa. Deveremos dizer
no nosso conhecimento consciente e em nossa intuição inconscíente, a nós mesmos: "De fato, é assim que sou. E assim que sinto, penso e
mas também na voz de nossa consciênc¡a, por mais frágíl e falível reajo; estas são minhas virtudes, estes são meus defeitos. Isto é o que
que esta possa ser. O capítulo V expõe o conceito Iogoterapêutico da me agrada em mim, e isto, o que gostaria de mudar." Desde a infância,
consciência. A oonsciência permite à pessoa, sob certas circunstãncias, todos nós somos impelidos a usar máscaras com a fínalidade de agra-
opôr~se às soluções, costumes e leis tradicíonais; às influências do dar, ocultar nossas fraquezas reais ou imaginárias, para proteger-nos
meio, a seus impulsos, a seus instintos e ainda às suas Iimitações fls¡- contra a rejeic_a”'o. Freqüentemente chegamos a aceitar essas máscaras
cas. De acordo com Frankl, o indivíduo nem sempre será capaz de como nosso autêntico ser. Se conseguirmos, por um momento, oIhar
Iiberar-se destas Iímitações, contudo, sempre poderá tomar uma através das máscaras, a visão de nosso verdadeiro rosto revelar-nos-á
atitude em relação a elas. um sentido. Isto pode acontecer durante uma meditação, na leitura
das obras dos grandes pensadores, nas vivências diante de uma obra de
A busca do sentido é uma intermínável tentativa de descobrir o arte,diante das belezas da natureza,através de nossas atívidades criativas
significado da vida, apesar do caos aparente. Não se o encontra ou por meio de nosso sincero relacionamento com outros índivíduos
de ímediato, senão passo a passo. A busca requer paciêncía e
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A segunda é aquela na quaI tomamos consciência de que existem situa-
çoe"s nas quais podemos escolher, por maís Iimitadas que sejam estas substituíveis - no trabalho ou num relacionamento - a vida

escolhas. 0 desespero origina-se no sentimento de que nos encontra- parece não possuir significado. Podemos sentimos substitufveis
mos oercados. Mas a Iogoterapia sustenta que temos escolhas sob quaI- como trabalhadores, eleítores, consumidores e até mesmo como

quer círcunsta'ncia. Escolhas sobre situações que podemos modificar cõnjuge ou pai; mas existem áreas onde somos u'nicos. Duas destas
ou escolhas sobre uma mudança de atitude em relação a situações áreas compreendem as relações pessoais e as atividades artfsticas.
que não podemos modificar. Podemos estar cercados, mas nem por Somente nós podemos nos relacionar com um filho, um cônjuge
isto privados de alternativas. Podemos escolher a resignação, aban- ou um amigo na forma peculiar que o fazemos; somente nós
donarmo~nos à auto-piedade, revoltar-nos contra uma situação inalte~ podemos escrever um poema, pintar um quadro e fazer uma collage,
rável ou, apesar do desespero em que nos encontramos, perguntar a exatamente como o criamos. Nesses casos somos insubstituíveís.
nós mesmos o que poderá ser feito ainda. “As círcunstãncias não me
determinam uma pessoa", diz Frank|, mas é a própria p'essoa quem As duas u'|t¡mas_ círcunstãncias em que se pode descobrir sentido
determina se irá submeter-se a elas ou se as desafiará." (MS, p. 206)* são menos agradáve¡s. Requerem responsabilidade (Capftulo VIIH
e auto~transcendência (Capl'tu|o X). Todo o ser humano deseja
0 Iogoterapeuta alerta-nos para a descoberta do sentído mediante descobrír a verdade sobre si mesmo, eleger e sentir-se único.
uma mudança de atitude no que se refere ao sofrimento inevitável Mas, a Iiberdade de escolher, não Ieva a uma existéncía significativa,
(que por si só carece de sentido). Pode ajudar-nos a encontrar a menos que se viva com responsabilidade. Responsabílídade pres-
opções, porém,somos nós quem devemos encontrar a saída. E ainda supõe uma exigência à qual devemos responder e que requer a
quando todas as vias de escape estejam bloqueadas, o sofrimento transcendência do nosso egocentrismo. Podemos conceber essas
pode revelar um sentido, mesmo que se manifeste posteríormente. exigências como provenientes de Deus (se somos inclínados à
“0 sentido do sofrimento e' o que nos transforma." Desenvolvimen- religião) ou da própria vida (se a nossa visão do mundo for secular);
to, maturidade e compreensão, freqüentemente são o resultado, a porém, o resultado é 0 mesmo. As perguntas "Quem sou eu?"
Iongo prazo, do sofrimento. Outro aspecto da possibilidade de e “Ouais são meus objetivos? " deverão ser formuladas de outro
descobrir sentido mediante a escolha de uma atitude está vínculado modo se desejamos obter respostas significativas: "Quem devo ser.7
ao passado. Não podemos alterar o que já vivemos, trocar nosso pas- "Qua¡s são meus potencia¡s? " e "Que devo fazer, não apenas para
sado, suprimír os traumas experimentados na infância, desfazer os er- adaptar-me à vida, mas para melhorá-Ia? "
ros cometidos ou modificar nosso antigo meio ambiente. A opção
consiste em deixar-se arrastar pelo passado ou aprender a Iição Normalmente, a resposta a estas perguntas vêm de um conjunto de
extraída da experiência. Podemos usar os traumas da infância como valores estabelecidos no passado através das gerações. Estes valores,
desculpas para as nossas faltas atuais ou como obstáculos a superar. definidos por Frankl como "sentido universa|" sob círcunstãncias
normais (UG, pp. 119-120) nos proporcíonam excelente orientação
A terceira circunstância capaz de revelar sentido é aquela na qual na busca do significado. Não obstante, como se mostra no capítulo
experimentamos nossa unicidade. Quando sentimos que somos VII, em certos casos 0 indivÍduo é obrigado a complementar e inclu~
sive substituir valores gerais por uma resposta pessoal ao sentido espe-
* As refaréncias sobra os livros de Frankl eszão idemificadas pelos mulos entre cffico que o momento exige. Isto é especialmente verdadeiro quando,
parénteses Veja a explicaçao' das abreviaturas na pag'ina 207. como sucede na atualidade, os valores tradicionais sofrem súbitas e
grandes mudanças. Por exemp|o: precisam ser revisadas idéias tais
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W __.1
humanos que somos, dentro de uma sociedade humana. Para que
como a da guerra como uma atividade nobre num mundo que nos conservemos sadios, a tensão doentia do corpo e da mente
enfrente a realidade das armas nucleares; as vantagens de uma deve ser evítada. Mas a tensão saudável do espfrito fonalece nossa
famflia numerosa num mundo ameaçado por uma explosão demográ- energía espirítuaL A tensão mais saudável que existe é a que se dá
fíca; os benefícios de uma produção ílimitada num mundo que entre o que somos e o que aspiramos a ser'. Usando afrase predileta
enfrenta a poluiçãoe a exploração de recursos não renováveis e, de FrankI: “A tensão que existe entre ser e sentido" (PE, p. 10).
finalmente, numa sociedade tecnologicamente auto~sufíciente é ne-
cessário redefinir o valor do trabalho perante as atividades geradas A luta pela busca de sentido não é fáci|. A vida não é obrigada a nos
pelo |azer. Essas mudanças sem prescedente requerem que elejamos proporcionar prazeres; deve oferecer-nos sentido. A saúde mental não
com um sentido de responsabilidade. é a recompensa para os que exigem felicídade, mas para os que confe
rem signíficado à sua existência. Para estes u'|timos, a felicidade chega
Mas nem sequer as decisões responsáveis poderão preencher o vazio como um produto resultante de sua busca de sentido. “A felicidade
exístencial, se se as realíza exclusivamente em benefício próprio. deve acontecer," diz FrankL "não deve ser perseguida" (UG, p. 85).
O sentido origína-se de compromissos que transcendem os interesses
pessoais. Tem seu fundamento, como assinala Frankl,numa "trans~ A Iogoterapia mantém e restaura a saúde mental, porque oferece
cendência do eu em busca de causas a servir ou pessoas a quem ao homem uma ímagem realista de si mesmo e do mundo que se
amar" (UC, p. 35). conhece. Utilíza as enormes reservas de saúde armazenadas em
nossa dimensão espiritual - nossa capacídade de criar e de amar,
Os relígíosos, na concepção tradicionaL encontram sentido quando nossas aspirações, nosso desejo de ser u'te¡s, nossos ideais e nosso
agem por amor a Deus. Aqueles que não são religíosos, podem anseio por sentido. A logofilosofia enfatiza o que há de positivo em
descobrir sentido, agindo pelo bem de outro ser humano ou por nós: nossas qualidades, nossas conquistas e nossas experiências mais
uma causa. A maioria das pessoas desejam ser livres, únicas e auto~ signifícativas. Mas também aconselha que reconheçamos nossos
suficientes. Porém, acima de tudo, desejam ser u'teis, saber para defeitos para que possamos nos aperfeiçoar, que meditemos sobre
quem ou para quê vivem, trabalham, sofrem e morrem. nossos fracassos para que aprendamos com eles e para e|evarmo-nos
acima de nossos abismos, sabendo que existem cumes e que podem
Somos mais sadios do que pensamos ser atingidos.

Muitas terapias colocam a responsabilidade pelos males de seus A Iogofílosofia é, por si mesma, terapêutica - curadora e pneventiva
pacientes, na maneira pela quaI foram críados. A Iogoterapía A maneira pela qual ela se traduz em terapia será discutida no
é "educação para a responsabih'dade." As ínfluências externas têm capítulo |X. As técnicas desenvolvidas são: o diálogo socrático, a
sua importância, mas não são totalmente determinantes. Dentro intenção paradoxal e a desreflexão. O terapeuta as utiliza para
de certos limites, podemos Opínar sobre quem somos ou sobre efetuar mudanças de atitudes e abrir caminhos para uma busca na
quem gostarfamos de vir a ser. Jamais nos devemos deixar re- qual a maior responsabilidade recai sobre o paciente, embora o
duzir a vftimas ¡ndefesas. Conseqüentemente, a Iogoterapia -- ao terapeuta também participe ativamente. A logoterapia fornece as
contrário das terapías que visam o equilíbrio a fim de ajustarem ferramentas que ajudam o indivíduo na busca do significado, man-
seus pacientes à sociedade - não pretende |evá~los a uma vida tendo, entretanto, um mínimo de dependência do psicoterapeuta.
ísenta de tensões. A tensão é parte de nossa vida como seres
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1. A DESCOBERTA PESSOAL

Enquanto um homem alimemar um sonho, ele nEo perde o signilicado da vida


Haward Thurman

Aos vínte e oito anos de idade e depois de ter vivído com segurança
no meio da classe médía em Viena, encontrei-me num campo de
vagabundos na Bélgica. Os outros companheíros eram na maioria
profissionais - burocratas, advogados, negociantes e um ou doís
profelssores. Éramos vagabundos somente porque havfamos entrado
na Bélgíca sem visto Iega|, após termos sido privados, pelos nazístas,
de nossos direitos como seres humanos em nossa Austria de origem.
Foi no ano de 1938.

Dormíamos em alojamentos, em grupos de quarenta pessoas. Estam-


padas ao longo das paredes, acima dos catres de aço, havia citações
que refletiam a sabedoría do passado: “A honestídade é a melhor
polÍtica." "Seja bom e você será recompensado." "Traba|hando com
o suor do seu rosto, você colherá riquezas." Um refugiado de
sessenta anos de idade, que havia sído juiz durante a metade de
sua vida, tomou uma dose excessíva de soporfferos, sob um cartaz
que diziaz "Faça justiça que a justiça lhe será feíta." Foi af, nas
paredes de um alojamento de vagabundos que me deparei face a
face com o critério duplo do significado da vida - primeiro como
ela deve ser vivída na presença da m_íséria, da insegurança e do
aparente absurdo, e segundo como ela nos é apresentada pelos
legisladores que escrevem os códigos moraís - o significado da
vida como nós a vivemos, em confronto com o significado da
vida como a humanidade acha que devemos viver.

25
Já me havia defrontado antes com este dilema. Como estudante Criei~me numa cidade onde a religião se reduzia a culpar os iudeus
de direito na Universidade de Viena, percebi que as milhares de por todos os males, pela morte de Jesus e até pelo desemprego.
Ieis que regulavam nossas vidas baseavam-se, em príncfp¡o, em
Sempre me surpreendi com a amarga ironia de que os judeus, que
brílhantes respostas às necessídades humanas, mas assim que eram
foram os primeiros a terem suficiente imaginação para substituir o
codificadas ofereciam palavras em vez de compaixão. Como aprendiz
sacrifício humano pelo de cordeiros, tornaramase eles mesmos os
de advogado eu tínha que entrar à força nos apartamentos das
pessoas que estavam atrasadas em seus pagamentos e confiscar bodes expiato'rios.
quaísquer vanres que pudesse encontrar. Uma certa manhã tive
uma experiência que provavelmente me fez desistir da carreira Lembro-me do meu sentimento de rebeldia no campo de vagabundos.
de advogado. Mínha vftima, um senhor idoso vestído com uma Ionga Por que ísto tinha que acontecer comigo? Será que eu merecía este
camisa de dormir, atirou-se aos meus pés e ímplorou a mim, um sofrimento por estar expiando alguma culpa da qual não tínha
jovem de vinte e três anos, representante da Iei e da ordem, que consciência? Não haveria regras ou justíça? Era tudo meramente um
não Ihe retirasse o reIo'g¡o, seu últímo patrimônio de famflia. O azar, uma fantasia, o caos? Lembro-me do meu intenso deseio
oficial da corte, que se encontrava comigo, insistiu em qué a Iei - aliás da mínha exigência - por uma resposta. A resposta foí um
não me permitia outra alternativa que a de retirar o relo'gio. grande s¡|e'ncio. Enquanto o mal e a injustiça triunfavam, alguns
dos meus amigos encontravam conforto na religião que pouco havia
Outras experiências também me convenceram da facilídadecom sígníficado para eles em tempos mais felizes. Recordo-me ainda de
que as religíões cafam nas mãos dos legisladores. As primeiras con- um comentário feito por um colega que anos mais tarde encontrei
cepções proféticas sobre os anseíos espirituais do homem tínham em Nova York.' “Se eu não tivesse achado que havia algum sentido
sido codíficadas em hábitos e rítuais. Encontrei exemplos entre por trás de tudo aquílo, teria me suicidado."
vizinhos cristãos e judeus amigos. Eles observavam as Ieis relígiosas
nos seus mÍnimos detalhes. Uma senhora muito bondosa, pertencen- Eu queria acreditar em algum significado; em algum plano traçado
te a uma famílía de judeus ortodoxos, proprietária de um hotel para por um arquiteto grandioso e justo. Mas era muito diHciL Meu pai
turistas nas montanhas da Áustria, foi até a cidade no fim da tarde fora enviado a um campo de concentração logo após ter sido subme~
de uma sexta~feira. Ao voltar, encontrou o carteiro, que para tido a uma cirurgia e morreu em um vagão de gado. Minha mãe, a
evitar subír até o hotel, entregou~|he o pacote de correspondência pessoa mais bondosa que se possa imaginar, que jamais prejudícou
destinado aos hóspedes. Ao começar a escalar a colina, ela viu no alguém intencionalmente, estava ao Iado dele e morreu com o
céu a primeira estrela anuncíando o Shabat. Como as Ieis do coração destroçado. Rebelei-me. Reneguei. Eu ainda era o mesmo
Talmud profbem que se carreguem pacotes no Shabat, ela depbsítou advogado defendendo argumentos Io'g¡cos. Onde estava o significado
a correspondência dos seus oítenta hóspedes à beíra do camínho e de tudo?
voltou para casa. Mínha juventude interpretou mal essas estórias ,
considerando a religião ridícula e absurda. Somente anos depois No fim da década de quarenta, minha carreira de advogado desvanecia
percebi que são as Ie¡s, os costumes e os rituais que fazem com se no passado. Fui forçado a viver a vida, e não estudá-Ia jurídicamen-
que os homens rI'd¡culariz\am, menosprezem e até mesmo odeiem te. Tendo aprendido uma nova Iinguagem, recuperei meu antigo inte~
os praticantes de outras relígíões. O verdadeiro signifícado de
resse em escrever e publicar. Gradativamente foi-me sendo revelado
nossas crenças jamais é rídícu|o. As verdadeiras crenças unem os que Deus não era simp|esmente um legislador, mas também um autor
homens: ns esforços desesperados para preserva'-Ias é que os separam. e editor criativo. Provavelmente seu mélodo de críação era diferente

26 27
wWI
do utílizado pelos seres humanos que planejam uma estória e depois estamos sozinhos, que não somos vftimas de um mero acasq que a
a escrevem de acordo com uma idéia preestabelecída. Sería possível maneira com que nos conduzimos é importante e que ocupamos
que o mundo fosse criado através de uma sucessão de edições em um Iugar no esquema das coisas." Foi confoname seguir essa
vez de ser escrito de acordo com um plano - isto e', conforme uma experiência e passar muitas noites ao lado de pessoas dedicadas à
visão retrospectiva e não previdente? O homem não foi criado como busca de uma fé pessoaL Deus era visto de muitas formas: como a
uma novela cuildadosamente planejada; começou a existir depois de perfeição, como a última finalidade do homem, como o àmago do
infínitas experímentações que também produziram o bacílo da universo, uma força em evolução, um pai, ou como aquele que
tuberculose, o cisne e a gírafa. Para os padrões humanos, este método partilha, com o homem, da criação. Na ocasião não me dei
criativo parece Iento e dispendioso, mas para a força criadora que conta, mas essa experiência foi uma terapia de grupo, um grande
não conhece Iímitações de tempo, talvez tenha sido a melhor processo de cura.
maneíra. Quem sabe se a vida também foi criada por contfnuas
experiências, e no's, as criaturas, seguimos os mesmos padrões de A cura não se processava através de novas respostas, mas através de
criação - incapazes de ver adíante e portanto, nos vemos forçados novas perguntas. A questão “por que tinha que acomecer comígo? "
a encontrar nosso rumo baseando-nos em experiências anteríores. Af permanecia sem resposta; e persistir em uma resposta nos levava à
estava a possibílidade de um plano no meio do caos aparente, o angústia e, pior aínda, ao fatalismo. E pela convicção de saber da
sígnifícado no meio do absurdo. existência do azar e da injustiça, tornavam~se inúteís todos os esforços
e não havía motivo para Iutar por alguma coisa. Porém, quando a
Ouando chegou o momento de emigran eu sentia-me inseguro e era pergunta era formulada de forma diferente, a mesma situação que
como se andasse apalpando no escuro; se um psiquiatra tou outra parecia carecer de sentído tornava-se um desafio: "Supondo~se que
pessoa qualquer) tivesse me dito que esta dolorosa hesitação continha no mundo existam o azar e a injustiça, que posso eu - e algumas
algum elemento de bom, eu teria reagído contra este argumento. vezes somente eu - fazer na situação em que me encomro?"
Contudo, como me foi revelado mais tarde, essa busca sofrída fez
do jovem de então um homem, O escritor austrfaco Stefan Zwe¡g, Novamente as dúvidas me assaltavam. Não estaría símplesmente
que sofreu tanto no exílio que acabou por cometer suicídio na racionalizando, enganando-me para ver um sentido onde não havía
América do Su|, teve o discernimento de afirmar que o exílio nada além de um imenso vazio? Então, e novameme por acaso, li o
pode ser um bem àquele que conseguir sobreviver a ele. lsto pode Iivro de Viktor Frankl, Man's Search for Meaning e mais tarde
referir~se a qualquer tipo de sofrimento. Do sofrimento pode surgir encontrei o autor em São Francisco. Mais uma vez tive a satisfação
o significado. de ter minhas dúvidas pessoais jus't¡ficadas por um "profissíonal" -
neste caso um psiquiatra e professor da minha própria alma marer,
Por casualídade, num domingo de manhã entrei na Igreja Unítária a Universidade de Viena. Nos Iivros e folhetos que me envíou encon-
de Berkeley e ouvi o pastor, que' trajando a indumentária sacerdotal, trÀei uma sábia visão do mundo que nos fazia responsáveis por desco~
pregava do púlpito seu sermão: "Nínguém jamais conhecerára verda- brir nosso próprio significado da vida como um pré-requísito para a
deira natureza de Deus; todos os conceitos sobre Ele são conceitos saúde mentaL
humanos; todos nós devemos formular conceitos que confírmem
nossas próprías experiências de vida. Mas fundamentalmente a fé Acompanhei Frankl em suas excursões pela Califórnia, assistindo suas
de cada criatura deve possuir a profunda convicção de que~ não conferências, vísite¡-o em Víena e observei as reaçoes" das pessoas

28 29

l_
às suas mensagens. Comoveu-me verifícar quantas pessoas sentiam-se Este livro expõe as idéias de Frankl sobre o sõgnificado, onde
solitárias, confusas, frustradas e vazias, como eu me senti por os antigos princípios de valores e tradições estão se degenerando
ocasíão da minha expulsão, e como elas procuravam com desespero e nos vemos forçados a procurar nossos próprios princlpios. Como
escapar do vazio de suas vidas. Se o hitlerismo causou um colapso conseqüência, devemos realizar nossas próprias descobenas baseando
de valores e tradições, 0 mesmo colapso ocorria agora em muitos nos nas ¡dé¡as que aqui nos são apresentadas. 0 que obtive da
Iugares e sob muitos nomes, até mesmo sob a e'gide do progresso logoterapia foi o reconhecimento de que a principal razão da vida
e da riqueza. Sempre que o homem experímenta a expulsão de um do homem é a busca de um semido, e não a busca da felicidade,
e que, se esperamos que a vida nos seja primordialmente uma fonte
paraíso ou de uma segurança estabelecida, sejam eles quais forem,
de prazeres, estamos nos expondo a frustrações, pois a vida nas
não Ihe resta outra alternativa que atirar~se novamente à busca de
ímpõe obrigações, e o prazer e a felicidade são bens que reoebemos
um sentido e uma ordem'.
somente quando assumimos nossos compromissos. Também aprendi,
graças à logoterap¡a, que, quando nos defrontamos com situações
A Iogoterapia, o método de Frankl para a cura de doenças mentais,
diffceis e nada parece fazer sentido, rejeitar a relígião não resolverá
também contém uma filosofia que pode ajudar as pessoas a manterem
os problemas. Nos tempos de desespero e du'vida, devemos procurar
sua sanidade. William S. Sahakian, professor de filosofia na Univer-
uma "re|¡gião", no sentido amplo da palavra, que seia mais s.gn'i-
sidade de Suffolk, disse certa vez: “Frank| colocou o homem em
ficatíva para a nossa situação particular. Pode ser a religião dentro
seu lugar no plano das coisas, tornando-o um ser humano em vez
da quaI nos criamos, uma outra religião, ou mesrno algo que estaja
de reduzi-Io, como o faz o reducionismo, ao nível do animaL
fora das religiões existentes.
Restabeleceu 0 cosmos, a ordem e o sentido em nosso pensamento,
e expulsou o caos, a desordem e o absurdo. Finalmente está A logoterapia ensinou~me que a busca é pessoal (embora nossa ser
contribuindo para restaurar a saúde mental do homem quando coloca empreendida em grupos) e que todo homem deve empenhar~se ne|a,
sentido no lugar do absurdo, otimismo no lugar do pessimismo e do não obstante não esteja seguro se está percorrendo a trilha certa e
cinismo, razão no lugar da irracionalidade.“ 1 qual o verdadeiro obietivo que deseja alcançar. Empreendemos
esta busca na mais extrema incerteza. Finalmente aprendi com
Neste livro tenciono relacionar essa filosofia ao âmbito cultural a Iogoterapia que devemos enfrentar a vida passo a passo e que
americano. A Busca do Significado pode ser Iido intelectual ou não devemos esperar por planos grandiosos, mas pelos desafios do
existencialmente. Podemos Iê-Io pelas informaçoe~s que contém, ou momento. O importante é acreditar que este plano existe.
pelo impacto que provoca em nossa própría vida. Perguntamos:
"Dentr0 do contexto geral, que conhecimentos posso adquirir.7 " ou As Origens da Logoterapia
"O que pode significar para mim pessoalmente? Que relação tem
Viktor Frankl nasceu em Viena em 1905. Desde crianca pressentiu
com o meu trabalho, com a minha experiência com outras pessoas,
que a vida tinha um significado profundo, que ia além do seu
com o sofrimento pelos quais tenho passado, com as decisões
conforto materiaL Sua mais amiga lembrança foí de acordar uma
que devo tomar, com a minha busca por valores e sentido, com a
certa manhã com uma intensa sensação de paz e seguranca. Quando
forma como procuro a felicidade, com o que espero da vida e de abriu os olhos, viu seu pai de pé ao Iado da cama, observandoro
como enfrento os fracassos? " calmamente. Também se lembra de que, quando menino, acordou

30 31
i,._
uma noíte atemorizado com a idéia de que ele, assím como todas Encontrou muitas oportunidades de escutar seus pacientes. Depois de
as pessoas, iria morrer um día. Na escola os professores surpreendíam~ haver colado grau em 1930, trabalhou na clfnica neuropsiquiátrica
se com as suas perguntas que denotavam grande precocídade. da Universidade de Viena onde Freud e Julius von Wagner-Jauregg,
Ouando tinha quatorze anos, seu professor de ciências explicou
o único detentor do Prêmio Nobel em psiquiatria, proferiam suas
que a vida, em última análise, não passava de um processo de conferências e onde Manfred Sakel desenvolveu seu tratamento de
combustão. O rapaz abismou a classe quando se Ievantou de um
choque com base na insulina. Além do seu trabalho, Frankl fundou
salto e gritou: "$e isto é verdade, então quaI é o significado da
um centro de aconselhamento para jovens. Aqui se delinearam as
vida? " (PE, p. 20). Quando um de seus colegas da escola secundária
formulações fundamentais da Iogoterapiaz que a realidade tem um
se suicidou e junto ao seu corpo foi encontrado um Iivro com
significado (/ogos) e que a vida jamais deixa de ter sentido para
escritos niilistas, Frankl percebeu a estreita conexão entre os con-
alguém; que o significado é muito especffico e muda de pessoa
ceitos filosóficos e a vida reaL Este incidente confirmou sua oposição
para pessoa, e para cada pessoa de momento para momento; que
ao niílismo, a certeza de que o absurdo era a origem do desespero
cada pessoa é um ser único e que todas as vidas contém uma série
e da crueldade. As atrocidades cometidas nos campos de concen-
de objetivos que devem ser descobertos e aos quais se deve responden
tração não eram ínventadas nos gabinetes dos nazístas, mas eram
que as reSpostas a esses objetivos proporcionam o significado; e
¡nspiradas nas obras dos filósofos niilístas.
que a felicidade, a satísfação, a paz de esplrito e a auto-realização
Antes de terminar a escola secundária, Frankl inicíou uma corres~ são meros produtos dessa busca pelo signíficado.
pondêncía cientÍfica com Sigmund Freud, o que o Ievou a escrever
um artígo que mais tarde foí publicado por uma revista de Freud Muitos pacientes que freqüentavam o centro de aconselhamento
intítulada lnternational Journal of Psychoanalys¡s. Como estudante estavam desesperados porque não conseguiam encontrar emprego
de medicina, Frankl tornou-se membro do cfrculo I'ntimo de Alfred naqueles anos de depressão econo'mica. Frankl descobriu que, se lhes
Adler, o fundador da psícologia ¡ndivídual, mas gradativamente arranjasse tarefas, tais como organizar e participar de reuniões
foi~se afastando dos pensamentos ortodoxos de Adler, o que juvenís, mesmo não sendo remunerados, aliviava seu desespero.
ocasionou sua expulsão da Socíedade Adleriana de Viena. Desespero, concluiu Frank|, era o sofrimento atrás do qual 0
sofredor não enxergava nenhum sígnificado. Mas o sígnificado poda
O jovem estudante estava cada día mais insatisfeito com a estreíteza
ser encontrado em um campo mais amplo que o sofredor pode
da orientação psiquiátríca que o rodeava. Embora reconhecesse
perceber, e é o trabalho do terapeuta ampliar o horizonte de seu
que Freud havia descoberto novas perspectivas para o comporta-
pacíente e mostrar-lhe as inúmeras possibilídades de signifícado
mento humano, Frankl sentiu que, dentro do cfrculo víenense de
que a vida pode oferecer. Muitos dos que freqüentavam o centro
psicanálise, as ídéias de Freud, como outras grandes ídéías, começa~
juvenil pensando em suicídio só viam o sentído de suas vidas em
vam a crístalizar~se em conceitos r|'g¡dos. Havia a necessidade de
uma única direção: o desempregado em encontrar um trabalho,
compreender o ser humano em sua totalidade, e Frankl iniciou
o soltelro em conseguir uma esposa, o estéríl em ter um filho. E
seus estudos em psiquiatria, nos quais introduziu o sígnificado
havia os que não viam sentido em nada, que símplesmenta Se sentiam
dos valores no pensamento psiquiátríco. "Nesta época", Iembrou-se
vazios e não suportavam o vazio de suas vidas. lnvestigar este
ele mais tarde, "Deixe¡ de Iado tudo o que havia aprendido dos
fenômeno do vazio interior - "o vácuo existencial" como ele o
meus grandes professores e comecei a ouvir o que meus pacientes
denominou - converteu-se para Frankl no sentido de sua vida,
tinham para me dizer - tentando aprender com eIes." 2
durante esses anos de depressão em uma Àustria politicamente

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33
j
ínstável que se agarrava aos sonhos de uma antiga monarquia gloriosa. Esta foi a mensagem de Frankl, a que ele expressou em suas obras
Ajudou seus pacientes a encontrar perspectivas; a elevarem-se acima e que o ajudou a sobreviver. E uma mensagem válida para o
de seus ínteresses Iimitados e egoístas; a descobrir sentido em homem em qualquer sítuação. Se pensarmos em nós mesmos como
suas atividades, remuneradas ou não, e em seus relacíonamentos com restos inúteis de um naufrágio à mercé de um mar bravio, é mais
os outros. Acíma de tudo, o sentido podia ser encontrado se aceítas- provável que desistamos e nos afoguemos. Mas se nos virmos como
sem o inevitável e o convertessem em um desaf¡o. A história está re- seres humanos, embora destruídos, descobriremos altemativas, por
pleta de exemplos que apóiam esta tesez um gago pode desistir menores que sejam, que nos poderão salvar. A expulsão de Frankl
ou tornar-se um Demo'stenes; uma cega surda-muda pode entregar- tomou a forma sinistra de dois anos e meio em campos de concen-
se ao desespero ou tornar~se uma Helen Keller; um inválido pela tração alemâes. 0 manuscrito do |ivro que deveria anunciar a
poIiomieIite pode aposentar-se ou tornar-se presidente dos Estados mensagem da Iogoterapia (que mais tarde foí publicado com o nome
de The Doctor and the Soul) foi perdido e teve que ser reescrito
Unídos.
depois que suas experiências nos campos confirmaram suas teorias.
0 manuscrito havia desaparecido, sua famÍlia exterminada, e a
A Prova do Holocausto própria vida de Frankl parecia destruída. Mas suas teorias postulavam
que a vida jamais deíxa de ter um sentído. “Os campos de concen-
tração serviram como uma provação para testar a validade da
O parafso de Frankl também terminou em expulsão; só que os
|ogoterapia", disse ele aos estudantes da Universidade lntemacional
anjos com espadas flamejantes vestiam-se com camisas de cor dos Estados Unidos em São Diego, onde ele leciona durante os trés
marrom e o distintivo da suástica nas braçadeiras. Na introdução meses de inverno. "A Iição que se tira de Auschwítz é que o homem
de seu livro Homo Patiens, ainda não traduzido, eIe cita Friedrich é um ser em busca de um significado. Se exíste alguma coísa
Nietzsche: “O sofrimento em si não era o problema, mas não que o possa preservar, mesmo nas mais extremas situacões, é a
havia resposta ao seu grito de protesto, 'por que o sofrimento 7." consciência de que a vida tem um sentido, não obstante nem sempre
Nos campos de extermínio a pergunta “por que isto aconteceu imediato. A mensagem de Auschwitz e': a exístêncía humana depende
comigo?" tinha que conduzir ao desespero e frustração, pois ao da autotranscendência, a sobrevivêncía depende de um sentido.
E eu creio que isto é verdadeiro não apenas para a sobrevívência
nÍveI humano não havia nenhuma resposta. Mas se as vÍtimas
dos indivíduos como para a sobrevivência da humanídade." 3
fossem capazes de ver o holocausto como aIgo pelo qual eram
obrigadas a passar, embora imerecidamente, se fossem capazes de
dizer a si mesmas: "Está bem, aconteceu; e agora, que posso fazer? “, É verdade que nos campos de concentração a sobrevivência dependia
pelo menos haveria uma certa esperança para seguir adiante. A também dos caprichos dos guardas da SS. Mas, de uma maneira geral,
esperança era a sobrevivência, porém não a sobrevivência para o seu aqueles detentos que viam um sentido em potenciaL mesmo em
próprio bem apenas. Era sobreviver para cumprir uma míssão para situações desesperadoras, tinham uma chance maior de sobreviver.
Frankl venceu o desespero que causou a morte de muitos reclusos
a quaI a vida lhe seria preservadaz reunír-se com a esposa, proteger
ao perguntar~sez "Será que 0 sentido da minha vida realmente
um fi|h0, terminar um |¡vro, ou simplesmente fugir e combater o
depende da publicação de um manuscrito, mesmo que ele contenha
nazismo. O sobreviver contínha u'ma incumbência atrás da qua|,
o trabalho que executei durante a minha vida até hoje? ” Voltou-se
ainda que ¡nconscientemente, repousava a crença de que alguma espe'- para outros significados em potencial que ainda se abríam para
cie de ordem prevalecia e que se poderia aIcançá-la se se estivesse e|e. Organizou uma rede de informações que o notíficava se alguém
disposto a enfrentar o caos. estava com intencões suicidas. Embora exigissem que trabalhasse

34 35
" WW
arduamente durante dezoito horas por dia e seu peso tenha chegado Frankl retornou a Viena. cidade angustiada pela destruição da
a 44 quílos, nem por isso deixou de exercer sua profíssão como guerra e que estava infestada de nazistas austríacos. Permanecer
conselheiro. Em um dos quatro campos nos quais esteve prísioneiro, al e ajudar, decidiu e|e, era seu principal dever. Não foi fácil
ele até reuniu à sua volta um grupo de detentos que, como e|e, tomar esta decisão diante do que havia sucedido a ele easua
eram entusiastas do aIpinismo. Encontravam-se a cada duas semanas
famflia (todos tinham sido monos, exceto uma irmã). Mas ele
e cada um deies devía relatar alguma de suas proezas nos Alpes.
aferrou~se à sua convicção de que cada indivfduo deve ser julgado
Absorvidos em escutar, absorvídos em suas próprias memórias e
de acordo com seus méritos, que condenar indiscñminadamente um
em seu desejo de rever novamente as montanhas, conseguiam
grupo de pessoas como se fossem um Iote de sapatos defeituosos é
esquecer por alguns momentos sua desesperanca.
desumanizá-Ia5 como se fossem obietos, quer seiam iudeus ou
O confinamento de Frankl nos campos de extermínio convenceu~o nazistas. Ele estava convencido de que todo homem tem o poder e a
mais do que nunca de que cada pessoa é um ser u'nico que pode liberdade de elevar-se acima do seu próprio eu e tornar~se um ser
reter uma u'|t¡ma reserva de liberdade para tomar uma posição, humano melhor. Mas ele mesmo se surpreendeu com um dramático
no mI'nímo interíor, mesmo sob as mais adversas circunstâncias. exemplo que chamou sua atenção depois da guerra.
Esta parecia uma experiência dolorosa e drástica que invalidava a
afírmação de Freud no sentido de que se um grupo heterogêneo “De¡xe-me citar o caso do Dr. J.," recorda Frankl em seu |ivr0
de indivfduos fosse submetido à fome, cedo ou tarde suas dí- Man's Search for Meaning (pp. 207›208). "E|e foi o u'nico homem
ferenças acabariam por desaparecer. De fato, ainda que nos cam- que jamais encontreí em toda a minha vida que eu ousaria chamar
pos de concentração a|guns chegassem a taI degradação que de um ser mefistofélico, uma figura satânica. Naquela época era
mais parecíam animais empenhados numa Iuta pela sobrevívên- geralmente denominado 'o exterminador de Steinhof', nome do
c¡a, outros praticamente alcançaram a santidade pela abnega~ maíor hospital psiquiátrico de Viena. Ouando os nazistas iniciaram
Ção com que se dedicaram a ajudar seus companheiros de ¡n- seu programa de eutanásia ele assumiu o controle do trabalho
fortu'm'0. "A fome", Frankl relembra, “revelava seus verdadei~ com tanto fanatismo que não permitiu que um u'nico doente
ros egos. Citando o tftulo de um best seller: 'Calorias não contam Ill
. escapasse das câmaras de gás.” Depois da guerra, ankl soube que
(UC, p. 48). o Dr. J. havia escapado. Anos depois encontrou um antígo diplomata
austríaco que havia sido prisioneiro na Sibéria e na prisão da
Suas experiências nos campos confirmaram a crença de Frankl Ljubljanka, em Moscou, que “subitamente perguntou~me se por
em uma dimensão na qual nós não apenas somos, mas a cada acaso havia conhecido o Dr. J. Após minha resposta afirmatíva,
momento devemos decidir o que seremos. As Iições aprendidas continuou: 'eu o conheci em Liublianka. Lá ele faleceu de câncer
em Auschwítz resumem~se na sua convícção de que quando somos aos quarenta anos.\Contudo, antes de morrer, mostrou-se o maíor
despojados de tudo o que temos - famflia, amigos, ínfluêncía, status amigo que se possa imaginar; trouxe consolo a todos. Viveu acima
e bens - nínguém nos pode tirar a liberdade de tomar a decisão dos mais altos conceitos morais concebfveis. Foi o melhor amigo
do que nos devemos tornar, porque esta liberdade não é algo que que tive durante meus Iongos anos como prisioneiro.' "Estee-
possufmos, mas algo que somos. A esta dimensão de liberdade pisódio mostrou a Frankl que, mesmo nas mais dramàticas c¡r-
devemos recorrer em nossos momentos de desespero existencial, cunstâncias, tería cometido um trágíco erro se tivesse concluído
e para isto deve o Iogoterapeuta dírígir a atenção de seu pacíente. que o satânico Dr. J. jamais se tornaria um sar humano melhor.

36 37

P
--».____
Para Frankl os anos de após-guerra foram os mais criativos. Em 2. A DIMENSÃO HUMANA
quatorze anos publicou quat0r2e Iivros. Tornou-se o chefe do
departamento de neurologia no Hospital Policlínico de Viena e
professor de psiquiatria na Universidade de Viena. Como fundador
da Iogoterap¡a, recebeu do presidente austrfaco a Medalha de
Honra em Artes e_C¡ências, e, do prefeito da cidade de Viena, o
Prêmío em Ciências Naturais. Proferíu cerca de cinqüenta palestras
durante suas viagens pelos Estados Unídos, em centenas de escolas
e universidades. Foi convidado como professor vísitante pelas uní- 0 homem 6 um animal que Iaz promessai a si melmo. Fmd'rid| uma
versidades de Harvard, Southern Methodíst, Stanford e Duquesne,
recebendo honrarias da Universidade Loyola (Ch¡cago), Faculdade
Edgecliff (C¡nc¡nnati) e da Faculdade Rockford (ll|inoís). Na Uní- A Iogoterapia é a terapia através do significado. O dicíonârio
versidade |nternaciona| dos Estados Unídos em São Diego, Califo'rnia, traduz a palavra grega logos como o "princÍp¡o controlador do
ele trabalha parte do ano como emínente professor em Iogoterapia. universo" ou, na terminologia teológica, "a palavra (ou vontade)
de Deus". Frankl traduz logos como "significado”. Se a sua traducão
Atualmente seus vinte e três Iivros já foram traduzídos para dezessete for aceita, então significado é o princípio controlador do universo;
¡diomas. Seis deles são encontrados em ¡ng|ês, mas não existe é o centro da vida em direção ao qual todos nos din'gimos, consciente
ou inconscientemente. Para Frankl, nossa básica motivação para
nenhum Iivro, em qualquer Ifngua, que resuma as idéias de Frankl
viver não é encontrar satisfações, poder, ou riquezas materiais,
numa línguagem não-técn¡ca. Muitas de suas obras em alemão são
mas encontrar um significado. O prazer, ¡mportante componente
de caráter médico ou filosófico e ele é um desses acadêmicos que
da felicidade, é meramente um subproduto advindo do signíficado.
acreditam que uma ciência simplificada é uma ciência falsificada.
O poder e os bens materiais contribuem para o nosso bemestan
mas são simp|esmente meíos utilizados para atingir um fim, quando
Este Iivro é uma tentativa para estabelecer pontes que simplifiquem usados de forma significatíva. 0 significado não é nem o subproduto
mas não desvirtualizem Não foi escríto como um manual para nem os meios. É o fim em si mesmo.
terapeutas, nem como um livro "faça você mesmo" para pacientes.
Foi escrito para milhares de pessoas sadias que acham que estão A Iogoterapia é mais do que uma terap¡a. E a |ogofi|osofia, a con-
doentes porque se sentem vazías; para aqueles que estão buscando cepção sobre nós mesmos e sobre o Iugar que ocupamos na vida que
um signifícado em atividades desenfreadas, dínheiro, poder, ve|o- nos ajudará a dar-|he sentido, não obstante as tragédias pelas quais
cidade, excitações, sexo, a'|cool, drogas, ou na procura da felicidade passamos. Muitas pessoas que tinham aprendido algo sobre a logo
como um fim em s¡. Todos nós fomos expulsos de nossos parafsos filosofia surpreenderam-se por tê-Ia usado ¡ndiscriminadamente sem
e vivemos confinados em nossos campos de concentraçãa Ajudar saberem nada sobre a |ogoterapia. Recememente Frankl recebeu
uma carta de uma senhora que dizia1 "Acredito na logoterapia pois
as criaturas a suportar tem sido a tarefa dos profetas, padres,
aplique¡«a em mim mesma e obtive ótímos resultados, mesmo
filósofos e educadores. Agoraa eles se uníram os psico'|ogos,
tendo lido um único Iivro." A Iogoterapia introduz dentro de
psiquíatras e outros “profíssiona¡s afíns". A logoterapia fornece uma princípios sagrados muito da sabedoria do passado, do sentido
resposta atual ao antigo problema de como viver após a expulsão e co- universal e dos achados da moderna psicologia. Pode ser o alicerce
mo encontrar sígnificado du rante e depois das provações do sofrimenta da autoterapia assim como uma conselheira.

38 39
A Iogoterapia também pode ser uma forma de educação. Ela mas a escolha de tarefas vitais, e que o prazer maís profundo
encontra-se na realízação destas tarefas. Somos vistos como seres

-:7;v<,1'r? w-l|
fortalece a certeza de que temos escolhas, de que somos seres u'nicos,
livres - nem sempre capazes de nos Iibertar de nossas limitações,

«_-
de que temos o poder de desafiarnossaslimitações superando-as,
ou mudando nossas atitudes quando eIas não podem ser dominadas. mas suficientemente Iivres para tomar uma posição, mesmo contra
A Iogoeducação ensina~nos a tornarmo~nos índependentes (mesmo estas Iimitações. Somos Iivres para escolher nossas atividades, expe-

-^:Yr:*_-“9
dos terapeutas) e a assumir a responsabílidade de nossas decisões. riências e atitudes; mas para que estas escolhas sejam significativas

t- .-= ma-
Contraria as tendêncías predominantes que nos reduzem a um não podem ser feitas arbitrariamente, porém dentro de um critérío
simples anímal que pode ser _tre¡nado, ou a uma máquina que pode de responsabilidade.
ser manípulada. Reforça nossa ínclinação natural rumo à auto~
transcendência. A Iogoterapia afirma que cada pessoa é um ser u'nico, vívendo através
de infinitos momentos u'nicos e insubstitufveis, cada um deles
A logoterapia pode ser também um logossacerdócío, nos casos em oferecendo um significado em potenciaL Se reconhecennos estes
que somos obrigados a trazer alívio a alguém numa situação crftica, potenciais e formos capazes de corresponder a eles, nossa vída terá
tanto como um profissional em relação ao paciente, ou um leigo um sentido e a conduziremos de forma responsáveL
em relação a um amígo.
Estas afirmativas serão discutidas e elucidadas nos capftulos poste~
riores. Mas a básica suposição é que o ser humano é um ente

- ¡_›n-xmv:n-.
A Iogoterapia utilizada na terapía pode ser curadora ou preventiva,
fundamental ou suplementar. Pode curar neuroses originadas no constitul'do de corpo, mente e espfrito. Freud acrescentou uma
nov'a dimensão ao descobrir que a doença se origína não apenas do
espíríto humano e fortalecer os músculos espírítuais. Pode ser
aplicada díretamente, ou combinada com outras formas de psicote~ corpo mas também da mente, contribuindo para que o homem

rapia e farmacología. compreenda melhor a si mesmo e aos males que o afetam. Frankl
acrescentou uma outra dimensão - o espírita Como veremos, o
Princípios Básicos da Logoterapia espfrito supre os recursos através dos quais a saúde pode ser
restaurada e mantida. E evidente que a descoberta do espírito

Como todas as terapias, a Iogoterapía baseía-se em certas suposíções não é um conceito novo, pois sempre tem sido mencionado nas
sobre a natureza humana e em nosso lugar no uníverso. Seu essencial religiões. A inovação é que a Iogoterapia insere o espírito dentro

pressuposto é que, além de nossas dimensões ffsicas e psicolo'gicas, do contexto da medicina, como uma fonte de sau'de. Antes de

possuímos uma dímensão espíritual específicamente humana, e Freud, diz Frankl, a medicina desprezava a mente humana, como

todas as três devem ser levadas em consideração se desejarmos hoje ainda o faz em relação ao espírito.

compreender o homem em sua totalidade. Nossa dimensão humana


permite-nos transcender a nós mesmos e fazer dos significados e Para que se compreenda a logoterapia é importante saber o que

valores uma parte fundamental de nossa existência. A vída tem significa o espírito humano, pOÍS eIe exíste em todos os homens

sentído sob todas as circunstâncías, mesmo dentro das situações maís independentemente de suas crenças. Para afastar as conotaçoe"s

míseráveis; possufmos uma consciêncía profundamente arraigada religiosas, Frankl também se refere ao espfrito humano como uma

que pode ajudar-nos a descobrir os sentidos especfficos de' nossas dimensão "noe't¡ca", termo este que foi tirado da palavra grega
-

vídas. Nossa maior motivação para viver não é a procura do prazer, noõs ou mente. Mas Frankl usa este termo para incIuí~|o em todas

40 41
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as atívídades especifícamente humanas. A dímensão noética engloba Somos prisioneiros da dímensão do corpo; somos conduzidos pela
os atributos taís como: nosso anseio por um sentido, nosso objetivo, dímensão da mente; mas na dímensão do espírito somos Iivm
ídéias, ideais, criatividade, imaginação, fé, o amor que vai além Nós não apenas existimos mas podemos exercer ínfluéncia sobre a

_ <_1:_:,
do sentido ffsico, a _consc¡ência que ultrapassa o super-ego, a nossa existência. Podemos não só decidir sobre que espécie de
autotranscendência, comprometimentos, responsabilídade, senso de pessoas somos, mas que espécie de pessoa poderemos vir a seu
humor e o lívre-arbftrio. A dímensão humana é o desabafo médico Dentro da dímensão noética somos nós que fazemos a escolha.
do Iogoterapeuta. Os pacientes são conscientízados de que possuem Somente os neuróticos interpretam mal suas existéncias, diz Frankl
dentro de si grandes reservas de sau'de. O espÍrito pode ser obstrufdo aos seus alunos, quando afirmam: "E assim que sou obrigado a ser."

:_ .4-._, ›_7.*_ v_
por enfermidades físicas ou psfquicas, as quais poderão ser tratadas As pessoas saudáveis assumem outra atitude dizendoz "Eu sempre
pelos métodos da medicina tradicional antes da aplicação da posso mudar."

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Iogoterap¡a.
0 Homem Tridimensional
Embora seja fácíl distinguir nossos aspectos ffsicos dos instintívos e
espiritua¡s, muitas pessoas encontram díficuldades em separar os A Iogoterapia não vê o homem como um "composto" constitufdo
dois últímos. Agímos ínstíntívamente porque somos levados a res- de corpo, mente e espírito, como se fossem partes isoladas de
ponder a uma "necessidade". A motívação para esses atos são a um todo. 0 homem é visto como uma unidade, e. para enfatizar
satisfação, o poder e o prestfgio. Atuamos pela auto-rea|ização. esta unidade, Frankl fala sobre as "dimen$ões da exisíência humana".

.
Somos nós que comandamos nossos atos cspirítuais; tomamos as Assim como temos altura, largura e peso que são inseparáveis,
decisões, assumímos a responsabilidade e aceitamos os compromissos. também nosso corpo, mente e espfrito formam trés dimensoes'

V._4 ›_,.
Possuímos o livre-arbl'trío. A motívação para os nossos atos espiri~ inseparáveis. Se ignorarmos a dímensão noética, não veremos a
tuaís é o significado. Agímos pela autotranscendêncía, pelo bem imagem de um ser humano completo, mas a projeção de uma sombra
de alguém, ou por algo que está acima de nós mesmos. bidimensionaL Olhe para um cfrcu|o, diz ele, em um plano bídimen-
sionaL Não se pode afirmar se é a projeção de uma esfera, de um
Frankl exemplifica a dímensão do espírito com uma comparaçãoz ciIindro ou de um cone. Para conhecer~se o verdadeiro caráter de um
um avião comporta-se como um carro enquanto corre pela pista; corpo geome'trico, devemos observá~lo através da sua realidade tridi-
sua verdadeira natureza somente se torna aparente quando está mensional de corpo, mente e espíríto. Negligenciar o espírito (como

.›v~'wm'.~:-À._4-:~_.
voando no espaço tridimensionaL Símilarmente, o ser humano é a medicina ainda o faz) é estar diante de uma sombra, de uma
um animal. Mas somos muíto mais do que um animal, pois possuímos caricatura, um autômato regido por seus reflexos, uma vítima
outra dimensão. Unícamente quando nos elevamos à dímensão do indefesa de suas reações e instintos, um mero produto de seus im-
espírito tornamo-nos um ser completo. Para Frankl, a dímensão pulsos, de sua hereditariedade e do seu me¡o.
humana é a dímensão da liberdadez “Não a Iiberdade proveniente
das condições" (PE, p. 75), quer sejam elas bíológícas, psicológicas Quando um médico examina um paciente sem levar em coma sua
'r7.

ou sociolog'ícas (PE, p. 60); nem a Iiberdade de alguma coisa, mas dímensão noética, .e|e pode ver um esquizofrênico que sofre de
a Iiberdade para alguma coísa, “a Iiberdade de tomar uma atitude con- alucinações e ouve vozes. A conclusão é verdadeira, porém o
cernente às condições" (PE, p. 75). E somente nos tornaremos seres paciente é muito mais do que isto. Numa conferência que proferiu
humanos completos quando atingimos esta dímensão de Iiberdade. na Universidade de Colúmbia, Frankl declarou: "Se eu proietar um

42 43
indivfduo como Fêdor Dostoíevski ou Bernadette Soubirous no existencialistas, parte do princlpio do sum de Descartes. o "eu sou".
plano psiquíátrico, Dostoievski para mim não passa de um epiléptíco Para Frankl o sum não é um ser bíologícamente determinado como
e Bernadette nada mais é do que uma histérica com alucinações Darwin entend¡a, ou um ser socíologicamente determinado como
visionárias. O que eles são além disto não posso ver no plano Marx acreditava, ou um ser psicologicamente determinado como

:"
psiquiátrico. As realizações artfsticas e as disputas religiosas estão Freud pensou. Para Frank|, os seres humanos, embora determinados
fora do nfvel pvsíquíátrico.” 1 Toda a patologia, afirmou ele aos por todos esses três fatores. retêem uma importante área de Iiberdade

'_v.-›:'."'«-
estudantes, requer, antes de mais nada, um diagnóstico, um "o|har onde não são absolutamente determinados, mas são lívnes para tomar
através de", ísto é, um olhar através do pathos para o logos que uma atítude. Em seu Iivro Logus und Exístenz ele dá alguns

r
se sítua mais adíante, um olhar para o significado que está por exemplos contemporâneos que demonstram até onde pode chegar
detrás do sofrimento. o determinismo. O racismo, por exemplo, utiliza a biologia para
› P convencer o povo de que ele é predeterminado. Hitler disse aos
Ignorar a dimensão espirítual é reducionismo, o que Frankl considera alemães que eles eram determinados pela sua biologia, por seu

Vrzvmtntm
a origem do nosso mal~estar, da sensação de vazio e de que a vida “sangue", e que nada poderia ser feito sobre isso. Se você fosse

"':'
está desprovída de signíficado. Em seu Iivro Homo Patiens ele um judeu deveria ser julgado não em função de suas contribuiçoes"
escreveu, jál em 19501 ”Se considerarmos o homem como uma sociais ôu intelectuais, mas em função de sua biologia. No marxismo,
simples máquina controlada por seus reflexos condicíonados, então só o meio ambiente é levado em consideração. 0 indivfduo é
a antropologia está degradada a um anexo da zoologia, e a ontologia julgado de acordo com um critério de classe, ou seja, se é capítalista
do homem torna-se a doutrina de certos animais cuja habilidade ou proletário. E nos Estados Unidos a tendência atual é iulgar o
de caminhar sobre as patas traseiras foi para o cérebro." homem como o resultado de sua dínâmica inconsciente. E nesse
país as idéias de Freud correm o perigo de transformarem~se em

-q~
O perigo de semelhante reducionismo nunca foi tão grande como dogmas, como Hitler tornou-se um dogma na Alemanha e Marx
agora. As ciências bíológicas descobriram que estamos verdadeíra- nos países comunistas. O racista está convencido de que somente
mente “programados" por nossa estrutura genética e determínados a herança biológica nos determína; o marxista está igualmente
por nossas funções gIanduIares, nossas reações qufmicas e cargas convencido de que nosso comportamento é determinado pelo

1"_.mr7.?-,'V:_'
elétricas. As ciências sociais estão dizendo~nos que somos um meio e pela classe social; e a popularização e as ídéias errôneas de
produto das forças sociais e econômicas que nos movímentam como Freud têm convencido muitos amerícanos de que somos deter-
peões num jogo de xadrez. Já a psicologia nos informa que somos minados pelos impulsos er instintos e portanto podemos ser
manipulados por impulsos e instíntos e que o nosso comportamento manipulados por “forças ocultas". Isto levou muitos pacientes
é determínado por díversos processos de condicionamento. Frankl a um fata|ismo dífÍcil de ser superado. Uma jovem, por exem-
não concorda com a afírmação de Freud, que o homem não vive
.
p|o, justificava a Frankl sua tendência de dar-se por vencída
mas “e' vivido" por seus instintos. Este fatalismo, baseado no pen- facilmente e seu desejo de suicidar~sez "Não tenho outra saI'-
samento cientffico, é o responsável por alguns dos becos sem saída da, doutor, pois, de acordo com Alfred Adler, sou a típi<
_ _r, _.

em que nos encontramos atualmente. ca filha u'nica.” Com ísto ela queria dizer que ninguém po-
deria ajudá-la, nem ela mesma tinha condições de ajudar~se
Como um filósofo existencialista, Frankl explora a existência do a si mesma, poís estava condenada a certas caracterlstícas
ponto de vista de sua experiêncía pessoaL Como todos os filósofos inalteráveis.

44 45
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Frankl não nega que as forças biológicas, sociais e psicológicas Frankl “abandonar seu comportamamo amerion não obstmte o
exercem grande influência sobre nós,' mas, como declarou em que lhes haja ocorrido na vida." Um preto gigamwco mais lardl
uma entrevista com Huston Smith, professor de filosofia em Msz comentouz “E|e nem ao menos mencionou o nome dc Dm
"o homem é determinado, porém jamais pandeterminado". Frankl Disse que do que eu necessito para mudar está dentro de mim,
sustenta que, ainda que sob as mais restritas círcunstâncias, pos- e talvez tenha razão, porque afinal passou por tudo ¡sto e deve
sufmos uma área Ina qual podemos determinar nossas ações, nossas saber o que está dizendo." Outro prisioneiro declarouz "Sempn
experiências, ou no mfnimo nossas atitudes, e esta liberdade de au- nos tratam como criminosos incorrigíveis ou psicopaus, unto
todeterminação repousa em nosso domfnio noético. dentro como fora da prísão; então desistimos de temar modifrca'r-
nos porque não adiantaria nada.“ Disse um terceiroz "Os psícblogos
A Liberdade de Mudar sempre indagam sobre a nossa infância e sobre que males nos
aconteceram no passado - sempre o passado - é como uma
A Iiberdade oferece ao homem a oportunidade de mudar, de pedra de moinho em volta de nosso pescoço. Mas ele (Frank|)
renunciar ao seu eu e inclusive de enfrentá~|o. Seu eu noético, falou-nos sobre o que ainda podemos fazer, mesmo apn'sionados."
destinado a amar outros seres e a aperfeiçoar outros sentidos, lE então acrescentou: "A maíoria de nós não quer mais ouvir o que
consegue encarar seu organismo físico e psicológico num confronto os psicólogos falam; só vim porque soube que ele também foi
que pode provocar mudanças de atitude. A Iogoterapía realça "o po- prisioneiro." 2
der desafiante do espírito humano” (PE, p. 99) que lhe permi-
te opor-se às forças do meio e do instinto e eIevá-Io acíma de to Este episódio não prova que os conceitos de Frankl seiam verda›
do o condicionamento a que o destino possa submetê-Io. deiros; simplesmente demonstram que suas idéias são convenientes
para o homem de hoje, seja ele economncamente desprovido,
Que o poder desafiante do espfrito e' mais do que uma frase psícologicamente deformado ou socialmente renegado. Para os
tornou~se evídente para mim quando acompanheí Frankl à peniten- reclusos de San Quentin, as idéias de Frankl foram uma novidade,
ciária de San Quentin, na Califórnia, onde ele falou aos prísioneiros. pois, apesar de suas evidentes desvantagens, eles sentiram que
O comparecimento deíxou muito a desejar. Apenas cinqüenta dos ainda tinham o poder de influenciar seus destinos, mesmo que
três mil presos reuniram-se na capela e não era, de forma alguma, precariamente, para recomeçar com um novo ãnimo, desprendendo~
uma platéia entusiasmada. Alguns se retiraram durante a apresenta~ se de muitos dos aspectos que consíderavam como pedras de
ção e outros pareciam indiferentes e hostis. Mas animaram-se moinho em volta de seus pescoços. O apelo foi muito forte porque
quando Frankl começou a relatar suas experiências nos campos esta "transmutação milagrosa" era possível fora das concepções
de concentração e ficaram atentos quando ouvíram falar sobre o religiosas, que muitos julgavam absurdas na melhor das hipóteses.
desespero de uma vida na prisão. Eram os criminosos mais violentos quando 'não meros instrumemos do tão odiado sistema estabelecido.
da Califo'rnia, muitos deles reincidentes, porém seus rostos se Uma exaltação espirituaL ou, como p'oder-se-¡a chamar, uma eleva~
comovéram de emoção quando Frankl lhes disse que nunca é ção noética podia realizar-se à margem da religião tradicionaL
tarde demais, nem mesmo na hora da morte, para mudar suas
atitudes, não apenas diante de sua sina, mas também com res- Os efeitos da visita também se manifestaram através de uma
peito a si mesmos - não eram uns "nascidos para perder" irremLL carta que Frankl recebeu de um recluso, o editor do iornal do
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diavelmente condenados ao maI. “Depende de sua vontade" disselhes presfdio, o San Ouemin News. Ele havia escrito uma reportagem

46 47
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sobre a visita de Frankl que posteriormente obteve o prímeiro
sob uma montanha de sintomas psicofísicos. lnvoca o desafíante
lugar em um concurso nacional de imprensa penaI. A carta dizia,
em parte: "Surg¡ram algumas crfticas ao meu artigo que eram poder do espfrito humano, para que se rebele contra a força apa-
qualquer coisa ass¡m: 'A teoria é ótima, mas a vida não demonstra rememente todopoderosa do corpo e da mente. Este é o segundo
ser desta forma.' Estou planejando escrever um editorial extraÍdo credo psicoterapêutico de Franklz a convicçâo de que não só a
parte noética do homem se conserva sadia, ainda que as áreas
de nossa situação no momento, e espero poder provar que realmente
a vida funciona desta forma. Penso apresentar um caso autêntico psicoffsicas círcundantes estejam enfermas, como o eu noética
tem o poder de alçar~se acima das aflições do eu psicoflsico .
tirado da prisão de onde, a partir dos abismos do desespero e da
futilidade. um homem foi capaz de edificar uma experiência Talvez seja incapaz de alterar seu estado, mas sempre podcri
modificar sua atítude com respeito à sua dimensão psícoffsica
sígnificativa de vida. Por outro lado, tampouco meus companheiros
de infortúnio podiam conceber que um homem, sob taís circunstân~ doente, talvez incuráveL
cias, pudesse suportar uma transmutação que transformaria o
Em uma de suas breves visitas aos Estadoa Unidos, Frankl encontrou
desespero em triunfo. Tentarei demonstrar-lhes que ísto não só
é possível como neoessár¡o.” uma senhora que, em conseqüência de um distúrbio glandular
irremediável, pesava mais de 130 quilos. Sentía-se envergonhada de
O Noo"s Não Pode Adoecer seu aspecto físico, tinha dificuldade em arranjar emprego e seu
casamento fracassara. Submeteu~se a um tratamento psiquíátn'co,
O conceito da dimensão noética ajuda o homem a conhecer-se e mas não obteve resultados. Frankl não tinha tempo para aplicar
a melhorar-se, e ajuda o terapeuta a conhecer e melhorar sua saúde uma terapia, mas passou uma hora conversando com ela. Para
mentaL O terapeuta deve tentar atingir esta dimensão humana em sua surpresa, Frankl não deu atenção ao seu problema (ele já
seus pacientes, porque nela reside a essência de sua humanidade, percebera que era incuráve|), porém acentuou dois pontosz em pri~
e, de acordo com a Iogoterapía, a doença pode originar-se em meiro lugar que seu transtorno ffsico estava fora do seu controle,
nosso noo"s, mas ao contrário do corpo e da mente, o noo"s, e em segundo lugar que e|a deveria aceitá-lo como irreversfvel e
nosso espfrito, jamais adoece. É a isto que Frankl chama seu dirigir sua atenção para outras coisas que ainda poderia realizar,
primeiro credo psiquiátricoz a convicção de.que o ser noético mesmo com sua obesidade anormaL Embora em nenhum momento
existe, mesmo atrás da cortína dos sintomas de um quadro psicótico. tenha mencíonado a palavra "noético", conseguiu fazê~la perceber
Se não fora por ísvto, salienta e|e, não farja sentido o médico tentar que, detrás de todas as camadas de gordura e das depressões
"reparar” o organismo psicoffsica Se se Iimita a examinar o organis- provocadas pela sua condição física, seu verdadeiro eu continuava
mo do paciente e ignora o ser noético que existe por trás deste, torna- a exist¡r, e que e|a tinha possibilidades de levar uma vida plena,
se um médico m'ecânico e tacítamente admite que o homem não pas- apesar de sua deficiênc¡a. “Não somos obrigados a tolerar todos os
sa de uma máquina. O falecido psicanalísta Franz Alexander alertou disparates que nos ocorrem", disselhe Frank¡, e acentuou qua
os médicos contra o perígo de desenvolver uma ”menta|idade de en- e|a já havia tido um bom começ0, pois outras pessoas em seu lugar
canador", tratando os doentes como se fossem torneiras quebradas. poderiam ter recorrido ao alcoolismo ou tentado o suícn'd¡o.
Encorajou-a a aceitar sua enfermidade como um desafio e reconhecer
Na Iogoterap¡a, para que o médico possa ajudar seu paciente, ele que a vida oferecia outros valores além da satisfação de possuir uma
recorre ao seu centro noético, mesmo que este se encontre soterrado figura esbelta, e talvez converter-se em um exemplo a ser seguido
por outras mulheres obesas que, como ela, estavam submetidas a
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uma situação física contra a qual nada podiam fazer. 3 Um ano mais artfstícas, nossa relig¡a"o, nossas crenças e intuíções. Ouvimos o
tarde, quando Frankl passou por essa mesma cidade, esta senhora sussurrar de nosso inconsciente dizendonos que tarefas devemos
veio agradecer-Ihe: "A única conversa que tivemos fez~me mais bem executar, e, com isto, orientando-nos para os significados de nossas
do que todos os anos de tratamento", dísse~|he ela. Sentia-se mais vidas.
calma, mais esperançosa e havia se “reintegrado à raça humana.“
E pela primeira vez em muitos anos tinha conseguido perder Para Freud, o inconsciente é o reduto no qual os desejos sexuais
14 quílos. Mais ta'rde, ao comentar o incidente com os médicos do e a agressividade podem ser reprimidos, causando neuroses; Frankl
hospital que lhe haviam apresentado o caso, Frankl explicou que, vê uma outra parte do inconsciente na qual nossa busca por um signifi~
não obstante seu transtorno físico continuasse sendo incurável, cado pode estar reprimida, causando uma sensação de vazio interior. de
o alívio existencial havia trazido uma melhora até nessa área. absurdo, de "vácuo existencial". Poder-se-¡a dizer, talvez com um
certo excesso de simplificação, que o nosso inconsciente instintivo
O Inconsciente Noético contém muito do que está errado em nbs (e que não queremos
enfrentar) e que nosso inconsciente espiritual contém muito do
Com muíta freqüêncía a função do inconsciente suscita dúvídas com que está certo em nós (e que temos ¡gnorado). A dktinção feita
respeito à Iogoterapia. Há uma suspeíta de que esta dedica pouca ou por Frankl entre o instintivo e o espirituaL somada à dcs'tinção feita
nenhuma atenção ao inconscíente e que desconsidera uma das maio- por Freud entre o consciente e o inconsciente, pode ser esquematiza-
res contribuições de Freud no campo do conhecímento humano. Na da da seguinte maneira:
realidade o que ocorre é exatamente o oposto. Tanto a Iogofilosofia
como a Iogoterapia baseiam-se fortemente no conceíto do inconscien-
te humano e que não so' aceitam as idéias de Freud como as ampliam.
Consciente
Freud foi um gigante, mas, como comenta Frankl em seu Iivro
The Doctor and the Soul (p. 3), até mesmo "um anão, de pé
sobre os ombros de um gígante, pode enxergar mais Ionge que
o próprio gigante". Sobre os ombros de Freud, Frankl vê no
inconscíente não so' as zonas psíquicas e instíntivas como também
a noética. Sobre os ombros de Carl Jung ele vé no inconsciente
noético não algo meramente coletívo ou arquetfpíco, mas algo
pessoal e existenciaL Frankl vê a área noética do inconsciente Naturalmente, estes conceitos teóricos não devem ser visualizados
como aquela área na qual o homem deíxa de ser governado por no sentido físico, como divisoe"s horizontais e verticais. A diferença
um id para converter-se em um eu, uma pessoa que anseia por fundamental é que o limite entre o consciente e o inconsciente
ser amada e compreendida e não manipulada como se fosse um é fluido - a psicanálise base¡a-se na hipótese de que o consciente
objeto ou uma coísa para ser usada. pode ser reprimido dentro do inconsciente, e que o inconsciente pode
tornar-se consciente durante a psicoterapia. Porém a Iinha que separa
É nessa zona noética do nosso inconsciente que tomamos as a psique do noós é estáveL "A Iinha entre o espiritual e o instin~
grandes decisões existencía¡s. Daí extraímos nossas ínspírações tivo", declara Frankl em seu Iivro The Uncouscíous God (p. 26),

50 51
“não pode ser repentinamente desprendida." A distínção importante é uma corrida de ratos, uma roda de moinho à qual estamos atadoa
que se deve estabelecer consiste em determinarmos não se algo é cons- e que existe um profundo vazio em nosso ¡nter¡or. Este vazio
cíente ou inconsciente, ou melhor, se se origina nos impulsos e existe entre ricos e pobres, jovens e velhos, vitoriosos e fracassados.
¡nduz o homem, ou se emerge do seu centro e Ihe permíte tomar Como puderam demonstrar os Iogoterapeutas,os dimores de grandes
suas próprías decisões. Nossa era científica fez da razão conscíente firmas tentam preencher este vazio com excesso de trabalho e os
nosso rei e soberaÀno. Na primeira metade deste século o rei precisou estudantes, com drogas. O vazio existencíal escondese por trás
enfrentar a revolução do inconsciente - nossos impulsos reprimidos - de febricitantes tentatívas de saciar este vazio com sexo, álcooL
e agora, na segunda metade do século, a revolução do negligenciado desacato à autoridade, carros velozes, comitês, televisão, superalimen-
espfríto humano. tação e até mesmo com certas respeitáveis atívidades como polftica,
psicanálise e religíão. O sentimento de vazio eslá especialmente
A expansão do ¡nconsc¡ente, além do ¡nstíntivo e do noético, espalhado em Iarga escala entre a juventude. Ouarenta por cento
traz importantes conseqüêncías para o diagno'stico, cura e prevenção dos alunos austrfacos de Frankl, e oitenta e um por cento de
de doenças. Assim como a psicanálise admite que os impulsos e ins- seus alunos americanos confessaram sentir este vazio, e cifras
tintos que foram reprimidos e causaram neuroses devem tornar-se similares foram registradas em outras universidades. O vazio exis-
conscíentes para que se obtenha a cura, também a Iogoterapia admite tencial mostrou-se bastante evidente em um levantamento feito
que nosso anseio por um sentido, quando reprimido, tem causado entre cem alunos de Harvard, todos eles provenientes de famÍlias
a sensação de falta de motivação ou frustração existencial, deve abastadas: uma quarta parte desses aIunos duvídava de que suas
tomar-se conscíente a fim de que a vída tenha um signíficado. vidas tivessem algum sentido, e as revistas psiquiátricas da
Os métodos que a Iogoterapia utiliza para atingir seus objetivos Checoslováquia informaram que esle mesmo íenômeno ocorria
serão discutidos no capítulo |X. em todos os países comunistas.

Contudo, o vazio existencial não é uma doença. A frustração de


Significado - Uma Resposta Existencial
nosso desejo por um sentido não nos conduz necessariamente a
uma neurose, assim como a repressão de nossos desejos por prazeres
Para o |ogoterapeuta, a dimensão humana é a chave para a busca
não nos conduz necessariamente a uma enfermidade. Pelo contrário,
do homem por um significado e o inconsciente espirituaL sua
a repressão do desejo sexual pode converter-se em uma conquista
maior fonte nesta busca. Ao contrárío do tempo de Freud, nosso
humana, se obedecer à realização de valores mais elevados, como
problema mais cruciante já não é a repressão de nossos desejos
o amor e respeito entre um homem e uma mulher, ou o amor
naturais por prazer, especialmente os sexuaís. Em nossa sociedade
e o respeito de um sacerdote por Deus. Frankl discorda da afirma~
sexualmente |¡berada, afluente, cientificamente orientada, céptica e
ção de Freud quando este declara que duvidar do sentido da vída
fatalista, sofremos peIa repressão de um outro desejo natural -
é um sintoma de enfermidade. Pelo contrário, um questionamento
encontrar significado. A repressão deste desejo causa-nos a sensação
desta ordem pode suscitar nossa busca por um signifícado, e a
de que a vída não tem propo'sitos, desafios ou obrigações; que
Iogoterapia serve-se deste anseio de viver uma existência significa-
nossos atos são irrelevantes, que a vida nos oprime, que não somos
tiva para preservar e restabelecer a saúde mentaL
mais importantes que um inseto sob um rolo compressor. Sentim0-
nos irremediavelmente capturados pelas circunstâncias que estão As pessoas mostram~se aliviadas quando lhes asseguram que seu
acima do nosso contro|e; sentimo-nos derrotados pela vida; e esta sentimento de um vazio ¡nteri0r não é de forma alguma um

52 53
sintoma de distúrbio mental, mas sim um desafio para preencher Para os príncípios da' logoterapia, é fundamental que, sob círcuns-
este vazío - um desafio ao qua| unícamente o ser humano pode tâncias normais, o homem tem condições de por si mesmo,
responder. Atualmente, quando um nu'mero cada vez maior de resolver seus problemas de consciência e conflitos de valores, e
críaturas se converte em hipocondrfacos psícolo'gicos, sem_pre remon- que a função do logoterapeuta consiste simplesmente em ajudar o
tando a seus traumas de ¡nfânc¡a, rejeições e outras desculpas paciente a enxergá-los, e de que ele não é uma vftima índefesa
psícológicas que justifiquem seus fracassos e conflitos, sentem~se de sua educaça"o, do seu meio e de seus ¡mpu|sos interiores, e
reconfortadas com a mensagem de que seu sentímento de vazio que é capaz de resistir às suas ínfluências como qualquer pessoa
não é umv sintoma de enfermidade, mas uma prova de sua huma- sadia o faz. Entretanto, é possível que os conflitos de valores ou a
nidade. Somente o homem pode experimentar a ausêncía de "frustraçâo existencial" possam subiugar o indivíduo e condquo
sentido, pois unicamente ele é consciente deste sentido. à neurose.

Um Novo Tipo de Neurose Em nossa época de súbitas mudanças, um número cada vez maior
de pessoas torna-se confusa entre os valores "antigos" e "mo-
Existe, contudo, um perigo. Dentro desse vazio existencial a doença dernos": a ¡déia defendida pela igreja de que se deve ter muitos
pode instalar-se. Duvidar do sentido da vida pode levar ao desespero, filhos, contra a necessidade de se prevenir uma explosão demográ-
à depressão e a um novo tipo de neurose ao qua| Frankl ¡mprímiu fica potencialmente catastro'fica; a virtude da virgindade contra
o novo termo - neurose “noo"gena". Trata-se de neuroses que não a aprovação da igualdade de direitos; trabalhar como empregado
se originam na psíque do paciente e não são provocadas por contra ser ¡ndependente; a dedícação a um emprego bem~remunerado
aIgumas das causas tradicionais assinaladas por Freud, tais comoz mas inexpressivo, contra a coragem de seguir sua própria vocação
sexualidade reprimída, traumas da infância, conflitos surgidos entre e dedícar-se à arte; o valor de criar raízes dentro de uma comunidade,
diferentes ¡mpu|sos, ou entre íd, ego e superego. As neuroses ou optar por uma carreira Iucrativa, mas que nos obrigue a mudar
noõgenas originam-se na dimensão noética do homem, e podem constantemente de cidade. E significativo o fato de que nos u'|timos
ser geradas por problemas mora¡s, conflitos de consciência, ou pela anos os conflitos das pessoas, de um modo geral, estejam relaciona-
busca ¡nsatisfeita do valor supremo do homem - o sentido último dos com a segurança de um emprego, melhores salários e bens mate~
da existência. Um grupo de psicólogos da Universidade de Harvard ríais, em oposição a valores tão antiquados como assumir o encar
e do Centro Bradley de Columbus, Geórgia, elaborou provas para go dos negócios da famí|ia; destacar-se em alguma arte ou oflcio.
distínguir entre estas neuroses e outras formas mais convencionais ou apegar-se a um individualismo rigoroso. Os psiquiatras vêm
de neuroses. As provas de Geo'rgia, aplícadas a uns 1.200 pacientes, observando que até a angústia das chamadas depressões endógenas
verificam de maneira cónsistente a tese de Frankl de que realmente modificou-se nestes u'|timos anos. Na geração passada, a maioria dos
nos defrontamos com uma nova síndro'me. 4 Nestes casos, o pacientes sentia-se culpada diante de sua consciência, diante de seus
método ortodoxo da psicanálise, que consiste em voltar ao passado pais, diante da comunidade, ou diante de Deus. Como Frankl
em busca de causas ocultas na mente, seria de pouca utilidade. As assinala em seu Iivro Psychotherapy and Exístencialísm, atualmente
neuroses noog"enas respondem a um tratamento que projeta a os pacientes endogenamente deprimidos preocupam~se mais com
consciência do paciente desde o momento presente como o futur0, sua sau'de, sua habilidade em ganhar dinheiro, ou manter~se em
nos compromissos a cumpr¡r, nas relações a estabelecer e nos dia com seus pagamentos. Manifestam forte ansiedade em relação
sentidos a desvendar. aos seus empregos ou à velhice. Frankl comemou certa vez,

54 55
sarcasticamente, que hoje em dia os pacientes deprimidos estão 3. OUAL 0 SENTIDO DA VIDA7
menos preocupados com o Dia do Juízo do que com o dia do
pagamento.

A Iogoterapia foi desenvolvida com a finalidade de compreender,


diagnosticar e possibilitar a cura das neuroses noo"genas. Porém,
igualmente importañtes são os conceitos que contribuíram para a
críação da logoterapia, ajudando-nos a formar uma nova imagem
do homem - não apenas do homem neuro'tico, mas simplesmente áAl Someme uma vida conugnda aos dcmoia 6 dngn'| do m vim Alhon Ehuuu

do homem, com suas |utas, suas ambições, seus fracassos, seus


triunfos e a sua busca de um signifícado, à qual consagra toda
âFm
a sua vida. ã
Os três principios dha logoterapia podem ser postos à pmva, e foram
considerados aceitáveis por pessoas independentemente de sua
crenças - como jesuítas, judeus ortodoxos, ateístas e agnóstkm
São estes os três princípiosz

Sob quaisquer condições a vida tem um semido.


Temos o "anseio por um sentido" e tornamo-nos felizeg
somente quando sentimos que estamos preenchendo ate
sentido.

w~
Temos a liberdade, dentro de cenas limitações óbvias,de
preencher o sentido de nossas vidas.

MJÍF
ñenwr
0 Sentido Maior

Como se refere na Introdução, o sentido pode ser consideraao sob


dois aspectosz o sentido maior pressupõe uma ordem na qual

T
nós, como indivíduos, fazemos parte, mesmo que de forma infini-

~m
tesimaL A ordem pode ser denominada Deus, vida, natureza,
ou um termo que se está tornando amplamente utilizado - o
ecossistema. A ordem de Deus (a vontade ou a palavra de Deus,
_<.,.1
. -e n=:,._

que é a tradução tradicional de /ogos) nem sempre é clara para


no's, morta¡s. A ordem da vida. "o que a vida representa", foi
”.': zmmm

interpretada de formas diferentes pelos filósofos. A ordem da


.natureza está mais claramente definida pelas ciências, especialmente
no campo das ciências físicas. 0 ecossistema amplia nossa concepção

56 57
da ordem no campo da ética: vemos que a víolação das Ieis naturais A defínição de religião, no seu sentido mais amp|o, é precisamente
trazem conseqüêncías que vão além do âmbito puramente físico, por aquela formulada por Albert Einstein, quando ele dissez "Ouando
isso nos abstemos de interromper 0 fluxo da vida e de envenenar nos- encontramos a resposta para a questâo do semido da vida, signífica
sas reservas naturais, porque isto seria prejudicíal para nós e para os que somos religiosos." A convicção de que exíste algo superior à
outros, agora e no futuro. Somos moralistas não porque nos exístência humana foi expressada de diversas fonnas, desde a obser~
disseram para ser, mas porque sofremos as conseqüências de nossa vação de Nietzsche de que o homem deve superar-se a si mesmo e
imoralidade. Na área do ecossistema a "vontade de Deus" tornou~se esforçar-se para chegar ao super-homem, até a insisténcia de Tillich
pelo menos parcialmente visfvel e demonstráveL Vemos que o e Barth de que o homem não é a base do seu ser.
"pecado" - ír contra a ordem - carrega consigo a própria pum'ção.
Que exístem Ieis que estão acíma das leis humanas, e que enfrenta- Frankl convenceu-se, através de suas experiéncias clfnicas, de que a
mos certas circunstâncías diante das quais só podemos recuar se existência humana está sempre direcionada para um semido, não
corrermos o rísco. Reconhecemos que a vida obedece a um fluxo importa quão díminuta seja sua consciência deste sentido. Em um
ao qual podemos acompanhar, Iutar contra ou ignorar. Agora de seus ensaíos em alemão, Frankl escreveuz "Exíste algo como o
sabemos a que Einsteín se referia quando disse que não podería pressentimento de um significado, e esta precogníção é também o
imaginar Deus jogando dados com o Universo. fundamento do que a logoterapía chama de 'anseio por um semido'.
Quer desejemos quer não, acreditamos neste sentido enquanto houver
Esta ordem grandiosa, acredito eu, é o que Frankl entende por um sopro de ar dentro de no's. Até mesmo uma pessoa prestes a
logas, o sentido maior. Jamais devemos esperar “encontrá-Ia" em cometer suicídio crê num significado - que, se não encontra uma
sua totalidade, mas devemos persegu¡-Ia com todo o nosso esforço. razão para viver, encontra uma razão para morrer -, pois se rea|-
Não podemos, contudo, “ínventá-la" arbitraríamente. A vida, díz mente não acreditasse em nenhum sentido, não teria condições de
Frank|, não pode ser comparada ao teste de Rorschach, uma mover um dedo para dar cabo à sua vida." 1
seqüência de manchas sem significado, onde devemos Ier nossos
sígnificad05. Para e|e, a vida parece-se mais com um quebra-cabeças As observações de Frankl foram comprovadas por Elísabeth Ku'bler-
de figuras ocultas, um desses quebra-cabeças que nos mostram Ross de que os agnósticos, em seu Ieito de morte, manifestaram uma
linhas que se assemelham a nuvens, árvores, casas e pessoas, e a serenidade e tranqüilidade estranhas que não se podía explicar em
Iegenda nos pede que encontremos a bícícleta. Temos que mover a função de suas crenças agnósticas, mas se podía atribuir à sua con-
figura em todos os sentidos, e, depois de muíta paciêncía e obser- fiança em um sentido maior - uma confiança que u|trapassava o
vação, talvez, encontremos a bícícleta escondída na confusão dos marco da racionalização de seu ateísmo.
traços. Porém, na vida, nunca encontramos a ”bíc¡cleta" do signí-
ficado na confusão dos acontecímentos. Poderemos ter um vís- 0 Sentido do Momento
Iumbre deste, nos fugazes momentos do apogeu de uma' expe-
riência, mas mesmo assim a resposta nos escapa, pois a vida Talvez seja decepcionante Ier sobre uma filosofia que coloca o
Se apresenta sempre como o maior e mais complexo dos significado em seu centro e comínua a dizer que jamais o encon-
enigmas. A busca do sentído maior requer uma procura cons- traremos em sua totalidade, mas deveremos ir ao seu encalço
tante, na qual faz muita diferença o que decidimos fazer e o que como se fora um fogo-fátuo. Felizmente existe um significado
recusamos. que podemos e devemos encontrar, a fim de levarmos uma vida

58 59
significatíva. E o que se poderia denominar “o sentido do momento". requerem tremendas decisões; as demandas parecem amagadom
Somos vistos como indivíduos u'n›icos, que, desde o nascimento até e todos os nossos recursos espirituais são ex›g'¡dos para responder
a morte, atravessam ~ na vida uma série de situações únicas. Cada a eles. Cada um destes milhares de momentos que constituem
situaçâo, cada momento írreversível oterece um especffico sentido nossa vida contém um significado especffico para nós, e que
em potenciaL Responder à oferta de sentido que cada um destes serve unicamente para nós. E nosso dever encontrar o significado
momentos nos apresema é Ievar uma vida expressiva. único de cada momento. E uma tarefa aterradora e gloriosa, porém
temos doís aliados que nos auxiliam a realizáJaz nossa conscné°ncia
O sentido do momento dífere de momento a momento e de pessoa e nossos vanres. Ambos serão discutidos nos capítulos posten'ores.
a pessoa. Digamos, por exemplo, que, neste preciso momento,
estamos unidos em uma única e idêntica situação: eu falo a vo- A Exigente Qualidade do Sentido
cê através do meu Iivro e você “escuta" o que eu digo; mesmo assim
os sentidos deste momento são diferentes. Para mim e' explicar a Tanto o sentido maior como o sentido do momento impõemnos
logoterapia. Para você, se o sentido do momento é de fato Ier exígências. A Iogoterapia nos vé como se sernpre estivésemoa
este livro, os significados podem variar. Para um leitor representará procurando atingír metas fora do nosso alcanoe. Frankl afirma que
uma curíosidade intelectual com a finalidade de aprender alguma a natureza humana possui a tendência de buscar algo que está além
coisa. Para outro, o sentido poderá ser a esperança de que o Iivro de si mesma... um propósito a satisfazer ou um outro ser humana
o ajudará a resolv'er um problema particulan Para um terceiro poderá para amar (PE, p. 90). Este chamado para encontrar um sentido
ser o desejo de encontrar um meio de ajudar uma pessoa que eIe ama. na autotranscendência tem sido, desde longa data, o apelo das
Para um quarto, poderá ser uma ambição profissional: encontrar algo relígiões, freqüentememe Iigado a dogmas e credos. O "descrente"
que ele possa utilízar em seu trabalho como conselheiro, professor (na específica aproximação da verdade) era condenado ao infemo
ou assistente sociaL Para um quinto Ieitor, o sentido do momento do caos. Porém a psiquiatr¡a, como um ramo da_medicina, não
poderá ser a necessidade de executar uma tarefa escolar. Para um pode restringir ao âmbito das religioe"s seus métodos de cura, e
sexto, poderá ser o momento de Ier para um cego. Para um muito menos ao sectário. Frankl acenlua que o psiquiatra é obrigado
sétimo, será apena& um livro que o ajudará a adormecer. Seja qual a tratar todos os seus pacientes igualmente, afora o que diz respeito
for o sentído do momento para você, agora, não quer dizer que à sua e't¡ca profissionaL Se a saúde depende de um significado,
ele necessariamente permanecerá o mesmo no futuro. Muitos Ieitores então os pacientes não-re|igiosos têm muito mais direito de esperar
me disseram que, quando releram meu Iivro, diversas passagens que aj_uda do que os religiosos; o terapeuta religíoso não tem o direito de
eles haviam assinalado tornaram-se írrelevantes e outras, que não lhes conduzir o paciente ateu a um caminho relígioso a fim de que ele
havia chamado a atenção, passaram a ser consideradas importantes. encontre um sentido, assim como o terapeuta ateu não tem o
direito de desencorajar seu paciente religioso em encontrar o signi-
Quándo você Iargar este Iivro, enfrentará novas situações com novos fícado dentro de sua crença particulan Deve ser permitido ao paciente
sentidos em potencia|: assistír a uma aula, preparar o jantar, ir a descobrir o significado da vida a partir do seu próprio pomo de
um encontro ou deitanse para dormir. A maior parte dos sentidos referênc¡a, seja ele um religioso ortodoxo ou |ibera|ista, um huma-
do momento é banal e a maior parte das decisões é tomada no nista ou ateísta. O que importa é que ele se torne consciente de que
incon'sc¡ente. Cada decisão traz consequ"ências, e algumas de Iongo é livre para encontrar o significado, ter a responsabilidade de faze-'
alcance, embora nem sempre as percebamos. Alguns momentos Io, e de que ninguém mais o fará por ele. A busca dos sígnificados

60 61
únicos de nossas vidas converte~nos em personalidades únícas serão discutidos no próximo capÍtulo, estão mudando conforme
- um ser escolhido - não porque pertencemos a determinada nosso conhecimento sobre o mundo que se expande rap›d'amente. 0
seíta ou religião, mas porque somos seres humanos. mundo no qual morreremos não é o mesmo no qual nascemos. A
geração de nossos pa¡s, nascida na época das charretes, viveu o
Em relação ao que foi dito, Frankl cita uma famosa passagem de bastante para morrer na era do jato. Nossa própria geração, nascida
HiIIeI, um contemporâneo de Jesus: “Se eu não o fizer, quem o fará ? na idade do Modelo T, morrerá na idade do satélite ou além de|a.'
Se eu não o fizer agora, quando o farei? E se eu o fizer somente nossas crianças já não conseguem imagínar como era a vida na
para mim, o que sou eu? " (WH, p. 55) Ele vê nestas três perguntas época pré-freudiana, assim como nós não podemos imaginar como
foi a vida antes de Newton. Mesmo nossos métodos de adquirír
a essência da logoterapia. Diz a primeira parte: "sou insubstituÍve|".
novos conhecimentos sofreram uma mudança radicaL Na idade
Diz a segunda: “nenhum momento se repete”. E díz a terceiraz “se o
da ciência estamos propensos a aceitar verdades não pela fé, mas
que eu faço só a mím beneficia, não estou sendo fiel à minha
pelo escrutfnia Já não estamos tão inclinados a aceítar o que o
natureza humana".
Bispo Pike denominou “verdades pré-fabricadas", que nos chegam
através dos |ivros sagrados e dos sábios do passado. Estamos
Dois miI anos depo¡s, a mesma idéía foi expressada por Shlomo
procurando verdades que podem ser comprovadas em repetidas
Bardin, diretor do Instituto Brandeis na Califórnia, que nos chama
experiências. Estamos apenas começando a compreender o que
de "admin¡stradores da vida." Somos responsáveis por conduzir
isto faz às relígiões que se baseiam em experiéncias pesoais não
da melhor forma possfvel aquilo que nos foi confiado, em desen~ repetidas. O impacto do pensamento cientlfico nos faz desprezar
volver nossos potenciaís, em viver da melhor maneira nossa vida e os fenômenos que não podem ser avaliados, porque são objetos de
usá~la como uma grande oportunidade. 0 poeta aiemão Friedrich julgamento e fé. A primeira vista, esta idéia parece destruir a religíãq
Hebbel assim se exprimez "A vida não é qualquer coisa; é a u'n¡ca mas a longo prazo a religião será fortalecida, pois está sendo alicerça-
oportunidade para alguma coisa." 2 da por fundamentos aceitáveis não só nos obscuros santuáños
como nos iluminados laboratórios.
Para Frankl, nosso anseio por um significado - embora inconsciente
e geralmente explícado satisfatoriamente por ideologias relacionadas Atualmente, os inspirados pesquisadores da antiguidade, os profetas.
com fenômenos psícofísicos - é a nossa motivação primár¡a. Em os sábios e os artistas estão unidos pelos cíentistas para fornecer res~
um seminário, um aluno desafiou os conceitos de Frankl de que o postas contemporâneas a indagações ancestrais. A Iogoterapia está
nosso anseio por um significado é mais fundamental do que nosso baseada na afirmação de que, mesmo nesta era de dúvidas e descmn~
anseío por prazer, quando argumentou que o recém-nascido tem Ças, devemos encontrar um princÍpio sólido para compreender
mais desejo pelo prazer do que pelo significada Este argumento, nossa existênc¡a, adquirír a coragem de decidir sobre nossas ações
replicou Frankl, é tão válido como dizer que o choro é basicamente e perceber que este princípio só será válido quando as verdades
mais humano do que a fa|a, pois as crianças mostram uma capacídade antigas estiverem de acordo com os atuais pontos de vista das
muito maíor em chorar, antes de começarem a falan Concluiu que ciências físicas, da filosofia existencial e da psiquiatr¡a.
algo pode ser basícamente humano e mesmo assim manifestar-se
somente em estádios posteríores do desenvolvimento. O Enfoque Pragmático

Os anseios pelo sígnífícado com freqüência surgíram de vanres A busca do significado começa no rotineiro dia-a-d¡a, respondendo
religiosos e seculares do passado. Nossos valores, contudo, que às situações do momento pela aceitação das simples tarefas da vida.

62 63
WY
Frankl íIustrou-me este ponto, na prímeira vez que o entrevisteí
com as dificuldades que estão adiante; concentrese no momento
no Hospítal Políclfnico de Víena: ”O significado da situação para
imediato - encoqtrar o próximo cabo firme e o ponto de apoio
você é fazer~me perguntas; para mim é respondê|a5; para a minha seguinte onde colocar o pé. Preocupar~se com as dificuldades
enfermeira é manter os visitantes afastados e atender o telefone reAmotas, adverte, somente traria como conseqüência uma angústia
para que possamos conversar sem sermos perturbados. Dentro de
paralisante.

.'."Ê'L'¡-.
uma hora, o significado do momento, para mím, poderá ser o de
atender um paciente, para você, o de dar uma volta pela cidade e Atw'idades Significativas

ãÍÉJh
o de minha enfermeira, de marcar consultas."

Embora Frankl seja contra a "prescrição" de s¡g'nificados, ele ajuda

_ A.-.-*v;¡k_'
Este enfoque pragmático do problema do significado foi discutido seus pacientes a enxergarem três áreas onde eles podem encontrar

._
.
em um seminário para cientistas que eu presídí na a'rea de São significados: atívídades criativas ltrabalho, “hobbies", ou devoção

.›..__
Francisco. Um qufmico ressaltou que o pensamento de Frankl
a uma tarefa), experiências (contato com obras de arte. com a
baseava-se na ciêncía. “Ele confirma a hipótese de que a vida tem
natureza, ou com outras pessoas) e atitudes (quando, em uma
um significado; e encoraja o paciente a pegar uma lanterna e dar

._-_ _›-,~,y
situação de desespero, recorremos à liberdade interior, esta liberdade
um passo no escuro; ele verá apenas um Iimitado cfrculo de qu
que jamais aIguém n05 poderá tirar )- a liberdade de enfrentar uma
à sua volta. Então Frankl'sugere que eIe segure a lanterna mais situação diante de um acontecimento imutável).
alto e comece a caminhar passo a passo, conforme o ambíente que
o rodeia se vá tomando mais visfveL Desta maneira, eventualmente
Atua|mente, são poucos os empregos que permitem ao trabalhador
ele poderá encontrar seu caminho." desenvolver atividades significativas; eles não o desafiam como um
ser humano, mas apenas lhes proporcionam uma oportunidade de
Esta é a tarefa do Iogoterapeutaz ílumínar, deixar o significado funcionar (e nem sempre eficazmente) como parte de uma máquina.
resplandecer. Mas, por trás dos simples sentidos do momento, Traba|hos gratificantes ainda existem - para os pesquisadores,
repousam tarefas de maior vu|t0. Durante nossa entrevísta em Víena, médicos, executivos que dirigem a política de sua empresa, professo
por exemp!o, além das conseqüências ímediatas de uma situação, res e artístas, por exemplo. Não obstante, os que desempenham
outras conseqüências maiores emergiamz para Frankl, era dissemínar trabalhos rotineiros, como operários, balconistas, representantes
a mensagem da Iogoterapia_; para mim, era reunir materíal para ov
de venda, operadores de computador, etc., também podem encontrar
meu l'¡vro; para a enfermeira, ajudar o médíco. Se olharmos mais adian~ sentido em suas funções. Um dia um paciente queixou-se a Frankl:
te veremos tarefas de âmbito uníversalz como a de falar sobre as “Para o senhor, que é um psiquiatra, é fáci| encontrar sentido
necessidades e cura das doenças de nossa época, ser um repórter no que faz. E para mim que sou um carpinteíroP " Frankl respondeu
autêntíco, ser uma enfermeira conscienciosa. Precísamos começar que o carpinteiro que executa sua tarefa até o limite de sua
dando o primeiró passoz não se pode ser um bom médico se não capacidade pode encontrar tanto sentido em seu trabalho como
estivermos cuidadosamente concentrados no paciente que está em um médico que realiza sua profissão da melhor maneira possíve|,
nossas mãos, naquele precíso momento. Frank|, que é um alpinista e que também os esforços de uma balconista podem ser tão signi-
entusiasta, compara a descoberta paulatína do mundo dos sentidos ficativoscomo os de um artista. 0 que importa não é o tipo de
com a regra básica do ato de escalar uma montanhaz no mais íngreme trabalho, mas a sua motí_vação. O artista cuja u'nica ambição é
precipfcio, não se preocupe com 0 abismo que está abaíxo, nem ganhar dinheiro com obras que estão abaixo do seu talento

64 65
-«- 1
encontrará menos sentido em seu trabalho do que o vendedor que Entretanto, os conflitos de trabalho não estão restmos ao nlvel dos
consegue vender um artigo necessário por um preço justo. “O que executívos. Mesmo os empregos mais símples podem ocasionav um
importa", disse Frankl ao carpinteiro, “na"o é o tamanho do raio conflito entre os valores materiais e humanos. Um trabalho que
de nossas atividades, mas de que forma preenchemos seu cfrculo." 3 tenha sido um íncentivo em-nossa juventude poderá deixar de sé~lo
com o passar dos anos. Devemos então decidir se encontramos
Apesar de nossas melhores intenções, algumas vezes torna-se diffcil novas maneiras de preencher o círculo de nossa atual situação.
encontrarmos sentido na tarefa que realizamos. Mas, felizmente, ou 'abandonamos este emprego por outro que nos brinde com
com a diminuição das horas de trabalho, teremos maiores oportunida- maiores estÍmqus. Nos grupos de terapía é comum virem à tona
des de achar atividades significativas durante os momentos de |azer,' os choques de valores. Disse um mecãnico de trinta e cinco anosz
pode~se, por exemplo, destinar este tempo a cursos educativos para “Detesto aquele rapaz de dezoito anos que decidiu que eu deveria
adultos, trabalho voluntário em hospita¡s, melhoramentos da comuni- tornar-me um mecânico; não que eu me considere um fracassado.
dade_ ou vizinhança, propaganda a favor de algum partido político ou
poís ganhei muito dinheiro, e, se tivesse me casado e tido ülhos,
tarefas artfsticas. Contudo é preciso que se tenha certeza de que
provavelmente continuaria nessa profissão para o bem de minha
estas atividades cumprem o propósito de preencher o vazio existen-
famfl¡a. Mas senti que tinha inclinação para ser professor e resolvi
cial que se sente, e não representem simplesmente um meio de fuga.
Iargar meu emprego e voltar para a esco|a.“ Um bioqufmico casado
e pai de três filhos, com a ídade de quarenta e dois anos, renunciou
Mudar de emprego nem sempre é a solução. Pode acontecer que,
à profissão de catedrátíco e ingressou em um seminárídpara
além de não resolver os problemas, gere conflitos noog"enos tanto
converter~se em ministro. Mais tarde insistiu para que lhe designassem
no trabalhador como nos membros de sua famí|ia. Em alguns v
› uma igreja num bairro pobre. \Um compositor renunciou ao seu
casos os conflitos desta natureza são provocados pelo sistema
emprego em Hollywood, onde ganhava 50 mil dblares por ano,
que algumas empresas adotaram, recentemente, de promover seus
para viver na área de Big Sur em companhia da mulher e quatro
executivos à medida que os transferem de um lugar a outro no
filhos, dedícando-se a escrever canções folclóricas que versavam
país e mesmo fora de|e. Um gerente de vendas de uma companhia
sobre temas que ele considerava ¡mportantes: conservação do meio
de automo'veis, que era periodicamente transferído para zonas
diferentes, sofreu um coIapso nervoso cuja origem noógena se ambiente e paz. E negava~se a fazer uso comercial destas compos¡'çoes,'
manifestava num sonho que lhe ocorria com freqüênc¡a, no qual "Se desejam escutar minhas canções", costumava dizer este trovador
ele se via a si mesmo como um automóvel que era trocado a cada do sécqu vínte às pessoas, “devem convidar-me para a sala de
ano por um novo modelo. A esposa de um engenheíro caiu em suas casas ou às suas igrejas." Um c|e'rigo, que sentia que suas
depressão quando seu marido foi nomeado supervisor em uma verdadeiras conviçções haviam deixado de ajustar-se às exigências
pequena cidade onde ela não conhecia ninguém, justamente na de sua seita religiosa e às dos patriarcas de sua igre¡a, aceitou uma
época em que seus filhos haviam abandonado a casa para estudar posição de menor hierarquia em uma seita mais IiberaL Todos
ou casar-se. A filha de sete anos do gerente de uma companhia estes exemplos, tirados da contemporânea Califórnia, parecem
petrolffera começou a gaguejar depois que seu pai foi elevado de ilustrar o fato de que, se bem que nem sempre pode o homem
posto três vezes consecutivas em dois anos, e obrigado a mudar~se eleger os sentidos de sua vida, pode, contudo, eleger aqueles compro~
de cidade em cada ocasia"o. missos que lhe proporcionem sentido.

66 67

%,
0 Sentido da Experiência Pessoal país, um escritor que carecia de idioma próprio. Conheci uma ¡0'vcm
que não se importou com o que eu tinha (ou não tinha) e soubc
A segunda área, de acordo com a logoterap¡a, onde o homem pode intuir o que eu era - o que chegaria a ser se alguém deposiusse fá
encontrar sentido é a de valores taís como a beleza, a verdade e o em mim. E claro que ela jamais me disse issoz demonstrowo
amor. Se estamos ouvindo avexecução de nossa sinfonia predileta, casando-se comigo.
e alguém nos pergunta se a vida tem sentid0, não há dúvida
quanto à resposta. O mesmo acontece ao amante da natureza 0 Sentido das Atitudes
quando se encontra sobre o pico de uma montanha, a um religioso
durante um sermão memorável, a um intelectual Iendo uma obra Encontrar sentido em atividades e experiências é algo fácil do
inspiradora, a um artista
diante de uma obra-pr¡ma, ou a um compreender. Diffcil é entender a afirmação de Frankl de que o
cientista no momento de uma descoberta. sentido também pode ser encontrado em au'tudes, quando noa
deparamos com 0 sofrimento inevitáveL lsto não significa que deve~
Esses são auges de experiência5. "Um momento", afirma Frank|, mos buscar deliberadamente o sofrimento com a fínalidade de
"pode inundar retroativamente uma vida inteira de significado." 4 encontrar sentido - isto seria atirar-se a um masoquismo absurda
Ele recorda os “ca|afrios espirituais" que experimentou ao Ier a Esta possibilídade de descobrir sentido por intermédio das atitudes
obra de Freud, Além do prinCIp'¡o do prazer. Esta foi uma experiência adquire importância quando o homem se defronta com o que
do descobrimento da verdade. Recorda também o que significou Frankl denomina ”a trfade trágica" (PE, p. 56) - o sofrimento
para ele contemplar subitamente o pôr~do-so| através dos fios inevitáve|, a culpa irremissível e a morte. Quando a pessoa se
eletrificados do campo de concentração - uma experiência de encontra em uma situação dolorosa que é incapaz de modifican
beleza. Mas a maior experiência possível é a do amor maduro - pode encontrar sentido se a enfrenta com valor e dignidade servindo
conhecer um ser humano em toda a sua unicidade de exemplo para os outros seres, "uma vez que transforma seu
sofrimento em uma conquísta suprema do espímo humano."
Amar significa que alguém se dirige a um índívíduo, escolhendo-o (PE, p. 83).
entre quatro bilhões de habitantes da Terra, aproxima-se dele e
diz: “Tu, e ninguém mais além de ti." E a logoterapia em sua A morte de Jesus e Sócrates foram motivo de inspiração por mile-'
expressão máxima: o amante não vê tão somente o “tu" atual nios, e testemunham o sentido que pode revelar-se na morte que
do ser amado como o ser no qual poderá converter~se; os potenciais se padece pela causa do amor e da verdade. Até mesmo homem
dos quaís ele nem tem consciênc¡a. No amor o eu não é oríentado e mulheres comuns podem tomar-se heróis se puderem ver sentido
pelo id, mas é ele mesmo quem escolhe o tu (UG, p. 37). No amor, em suas ações, como sucedeu com os ingleses ao resistirem aos
nós “vemos no companheiro uma outra pessoa... em sua unicidade " ataques durante a Segunda Guerra Mundial, e com os berlinenses
(UG, p. 81), e não só dizemos "sim" ao que ele é no momento, que suportaram prívações durante a ponte aérea. Eles sabíam.
mas vemos o futuro potencial que podemos ajudar a desenvolver. embora inconscientemente, que havia um sentido por trás de toda
aquele sofrimento, e tornaram-se um exemplo para o mundo todo.
Quando chegueí a Nova York era um refugiado sem dinheiro e sem
emprego, nos fins da depressão; um ex-advogado com o conhecimen- Conta-se o caso de Tristan Bernard, o escritor frances', que em
to de leis que já não estavam em vigor inclusive em seu próprio companhia de sua mulher foi enviado pelos nazistas ao campo de

68 69

-__*,
concentração de Drancy. Enquanto marchavam em fila ao lado em círcunstâncias similares. Não é a carga que nos venoe, parece
de judeus desesperados, disse Bernard à sua esposaz "Até agora dizer-nos a Iogoterapia, mas a forma com que a carregamos.
estivemos vivendo no terror; a partir deste momento estaremos
vivendo na esperança." Assím, a partir da mais profunda situação Como a Logoterapia Enfrenta o Problema do Sofrimento
de desespero, eIe ínverteu tótalmente uma perspectiva porque
modificou sua atitude. Seu exemplo ajudou seus companheiros de “Não existe situação que não possa ser enobrecida por um ato,
infortúnio a aceitar seu destino com nova coragem. ou pelo sofrimento." Com estas palavras, o poeta germánico Goethe
antecipou por mais de um século a idéía básica da Iogoterap¡a.
Em todos os pafses encontramos estórias de heróis que descobriram A Iogoterapia não pode impedir um sofrimento inevitável; mas
o sentido de morrer por uma causa na qual acreditavam Um rapaz pode evítar que a pessoa se desespere. Pela definição de Frankl,
contou-me como seu pai havia morrído. “Lá estava ele, deitado o desespero é causado pelo sofrimento no qual o sofredor não
numa modesta enfermaria; nunca havíamos pensado muito sobre consegue encontrar nenhum sentido. O sofrimento em si não
eIe e sempre o consideramos um esquisitãa Mas, quando fómos tem qualquer significado, mas nós podemos assumír atitudes signi
vísitá-Io, foi ele quem nos encorajou. Deu~nos a nós, crianças, ficativas diante de situaçoe"s que carecem de sentido.
um presente inestimáv'e|: mostrou~nos como morrer com dignidade.
Tivemos que reavaliar nossas opiniões a seu respeito. Graças a ele, A Sra. K estava desesperada porque começou a perder a visão.
a morte perdeu seu aspecto apavorante.” Com a ajuda de uma senhora que havia nascido cega, ela aprendeu
Braile e tornou-se tão interessada no método, que voluntariamente
Não existe nascimento sem as dores do parto, nem no sentido literal, transcreveu livros para o Brai|e. Seu trabalho colocou~a em contato
nem no sentido figurado. A histôria de grandes artistas contém com outros cegos, e eles organizaram grupos de discussão de
inumeráveis episódios de dor, desde a “agon¡a e e'xtase", de Iivros para cegos. Na época em que perdeu totalmente a visão,
Michelânge|o, até o total esgotamento físico ao qual sucumbiu sua vida estava tão ocupada que não teve tempo para preocupar~se.
Ha"ndel apôs dar à luz seu Messias. E também improvável que
os momentos de felicidade em uma relação amorosa fossem possfveis Este exemplo ilustra o mais esperançoso aspecto do encontro do
sem as "dores de parto" derivadas da angústia e da d_u'vida. Contudo, significado através de uma mudança nas atitudesz é precisamente
o artista autêntico jamais renunciaria à sua criação, nem o amante na área do desespero que o paciente pode ser ajudado. A efícácia
ao seu amor, mesmo se soubessem que o preço que teriam que dos Alcoólicos Anônimos baseia-se na idéia de servir de exemplo e
pagar seria o sofrimento. Nem a mae” renunciaria a seu filho por ajudar aos demais pela própria expen'e'nc¡a. A melhor ajuda que
saber que teria que padecer o que é provavelmente o “sofrimento" uma mulher que se acha em uma situação de desespero por ter
mais universal sobre a terra. Pelo contrário, a mãe submete-se de sído abandonada pelo marido pode encontrar,é a que vem de outra
bom grado à dor, em troca do gozo da dar à luz a um filho. mulher que lhe dizz "Eu sei como você se sente porque passei
Mas imaginemos qual seria sua angústia se soubesse de antemão por ísso há cinco anos. Estava tão deprimida que pensei em
que seu filho seria um retardado íncuráveL Não obstante, se suicfdio. Mas voltando para trás agora, vejo quantas coisas boas
tivesse que enfrentar este fato inevitável, seguramente transfor- aconteceram durante meu período de sofriment0. Percebi que podia
maria seu sofrimento em heroÍsmo, consagraria todo o seu amor ser ¡ndependente, desenvolvi habilidades que jamais sonhara possuir e
a este fi|ho, e com sua atitude serviria de exemplo a outros pais fiz novas amizades. Espere para ver."

70 71
contrário, sendo um velho pecador, não podia aspirar ao privilégio
E necessário ter pacíência para enxergar o signifícado que existe
por detrás do sofrimento. Mas a paciência nem sempre é possÍveL de ser destínado ao mesmo Iugar. Durante a conversa que se
para aqueles, por exemplo, que estão diante da morte. Um homem, segu¡u, Frankl sugeriu que este podia ter sido exatamente o sentido

que estava internado na ala de câncer no Stanford University de sua sobrevivênciat oferecer-|he a oportunidade de purificar~se

HospitaL e a quem haviam dito que so' tinha três meses de vida, de seus pecados durante os anos de sofrimento que lhe haviam
disse: “Se vocês pensam que vou ficar sentado aqui durante causado a perda de seus entes queridos com a finalidade de que

três meses esperando para morrer, estão muito enganados." Todos e|e, ainda que não fosse inocente como seus fílhos, se fizesse mere~
os dias, enquanto teve forças, ele conversava com os outros pa- cedor de reunir~se a eles no céu. Não estava escrito nos Salmos que
cientes portadores do mesmo mal, faIando-|hes sobre seus sen- Deus preserva todas as nossas Iágrimas? Pela primeíra vez o rabíno
timentos a respeíto do destino que pam'|havam. Um dos médicos enxergou a possíbilidade de encontrar sentido dentro de seus prcr
que os atendia comentou: “N¡nguém pode fazer isto tão bem prios termos religíosos. Abandonou a sessão de Iogoterapia com
como uma pessoa que eles sabem que também está morrendo. a renovada esperança de que, apesar de tudo. seu sofrimento
Nem mesmo o médico. O que sabe o med'¡co sobre a mone? poderia não ter sido em vão.
Não é ele que a está enfrentando." O sentido que os pacientes
podem descobrir no sofrimento inevitável deverá ser do ponto A forma com que a logoterapia pode resolver o problema do
de vista deles, e não do me'd¡co. 0 indívíduo não-religíoso pode sofrimento inevítável também foi ilustrado no caso totalmente
descobrir sentido de formas varíadas - por amor a um filho, a diferente de Sóror Micae|a, religíosa pertencente à rígida ordem
um amigo, à pátr¡a, a uma descoberta ciêntÍfica ou para inspirar católíca das Carmelitas. Sofria graves depressoe~s e havia pensadc
outros indivíduos. em suicidar-se. Seu sofrimento devia~se principalmente a um sen-
timento de culpa baseado na crença de que, como boa cristã,
A pessoa religíosa também pode encontrar sentido no sofrimento, sua fé deveria ser suficientemente forte para vencer sua enfermidade.
de diversas maneiras, e seria incorrer em excesso de simplifiCação Frankl diagnosticou seu padecimento como o que se denomína,
dizer que eIa o descobre no am'or a Deus. Também neste caso em psiquiatria, uma depressão "endo'gena". Prescreveu-lhe certas
deve o médico permitír que o paciente descubra sentido dentro drogas do tipo que utiliza a farmacopsiquiatria para casos seme
lhantes. Contudo, ao falar com a paciente, salientou o fato de
dos seus próprios termos. Foi o que aconteceu com um rabino
ortodoxo que perdeu sua mulher e seis filhos no campo de con- que sua depressão obedecia a uma causa primordialmeme orgânica;
centração de Auschwitz. EIe tornara a casar-se e estava profunda- portanto, ela não era responsável por seu estado. 0 fato de sofrer
mente desesperado porque sua segunda esposa era estéril e não de depressão não podia ser atribuído a nenhuma falta de sua parte.
deia dar-Ihe um fiIho que recitasse as tradicionais orações judias Não obstante, a forma com que reagisse à sua enfermídade poderia
depois de sua morte. Frank|, tentando reavivar as esperanças do constituír uma conquista intelectual e espirituaL Depois de algumas
paciente, perguntou-Ihe se não esperava encontrar seus filhos no sessões de terapia, a paciente sentiu~se tranqüila e com novo
céu, assim como índicavam suas convicções religíosas. A pergunta ânimo. Comentou: "Estou em paz comigo mesma e agradecida.
ocaqsionou-Ihe um ataque de choro, e de repente aflorou a verdadeira Aceitei minha cruz." Mais tarde mostrou a Frankl uma anota~
razão do seu desespero2 seus filhos haviam morrido como mártires Ção de seu diário que ele conserva como um testemunho a
inocentes para a glória de Deus e, por conseguinte, seguramente maís do poder desafiante do espíríto humano. Em parte, diz o
seriam julgados dignos do maís elevado lugar no céu. E|e, ao seguintez

72 73
Sou vftima de forças desconhecidas contra as quais minha vontade é ram seu apoio à atitude positiva de Frankl sobre o fato inevitável
impotente uma vrtima totalmente indefesa. A trmeza é minha do sofrimento humano. Edith Weisskopf-Joelson, da Universidade
colnstante companheira; tudo o que faço me abate e paa como chumbo da Geórg¡a, assinalou que o sistema de valores de Frankl "pode
sobre minha alma. Onde estão meus ideaís? Desvaneceram-se - como ajudar a contrariar certas tendências de nossa civilização atual,
todas as coísas belas e boas pelas quais costumava lutar. Somente onde se dão poucas oportun|'dades, ao enfermo incurável, de sentir-
um tédio profundo invade meu coraça'o. Vivo como se tivesse sido se orgulhoso de seu sofrimento inevitáveL e para que a sua dor
Iançada em um vaz¡o, e em certos momentos nem mesmo a dor me seja consíderada maís enobrecedora do que degradante." 5
é permitida. No meio desta angústia invoco a Deus, o paí de todas
as coisas, mas Ele guarda siléncio. Desejo apenas uma coisaz morrer.
E possfvel que para compreender o sentido do sofrimento não
.Se não tivesse a firme convicção de que não sou dona de minha vida,
baste entendê~|o racíonalmente e seja preciso experimentá~|o. A frase
há muito tempo Ihe havia dado um f¡m; mas, de repente, graças a esta
preferída de Frankl provém de Yehuda Bacon, que em sua iuventude
convicção, a amargura dos meus sofrimentos sofre uma transmutaçãa
conseguiu sobreviver ao campo de extermfnio de Auschwítz, e
Pois quem supõe que sua vida deve ser uma sucessão cominua de
êxitos e satisfações é um tolo que, díante de uma obra em constmça'o, vive atualmente em Israel dedícando~se à arte. Ouando foi h'bertado,
sacode a cabeça desconcertado e não pode compreender por que se sua maíor ambição era contar a todos os que havia suoedido, a fim
tem que cavar a tanta profundidade quando se começa a construir de que ísto não se repetisse novamente e o mundo se tomasse um
uma catedraL Deus constrói um temp|o na alma de cada homem e, Iugar melhor para se viver. Porém Iogo descobriu que as pessoas não
no meu caso, apenas começou a cavar suas fundaçoe's. É meu devel queríam escutar nem desejavam saber nada sobre o assunto. Com-
entregar-me às Suas escavações. (WM, p. 132). preendeu que, no que se refería ao melhoramento da humanidade,
seu sofrimento havia sido inu'ti|. Felizmente pôde encontrar sentido
em outro campo. “O sofrimento pode ter sentido", escreveu, "se
Ao acentuar o sentído potencial do sofrimento, Frankl representa
te modifica e te melhora" (WM, p. 79).
nos Estados Unidos uma corrente contrária à tendência atual de
uma sociedade tão centrada no êxito e na felicidade, que seus Nossa Resposta ao Significado
membros são capazes de chegar ao extremo de ocultar seu sofrimento
como se se tratasse de algo vergonhoso. E é natural que o sofrimento, Alguns teatros usam uma tela transparente para conseguir efeítos
como fonte potencial de realização, seja rechaçado por uma nação especia¡s. Se uma paisagem ou o ¡nter¡or de uma sala forem
que diante da pergunta “Como está você? " responde automatíca« projetados na tela, esta serve de fundo para a cena que se representa
mente com um sorríso e com um "estou bem" apesar de tud0. à sua frente. Porém, se se acende uma qu por detrás desta, ela se
A primeira vez que proferíu uma conferência para uma sociedade torna transparente deixando à mostra o cenário que se encontra
cientffica norte-americana, e falou do sentído que pode manifestar~ na parte posteri0r. A tela dá-nos uma boa imagem para compreender
se às pessoas que enfrentam o sofrímento e a morte com dignidade, como vemos o significado na vida, Existencialistas franceses, como
Frankl sentiu o repúdio que sua idéia provocou no audito'rio. Con' Sartre e Camus, crêem que o homem é capaz de criar signifícados
clufda a conferência, um dos maís destacados psiquiatras da escola e projeta'-|os sobre a tela em branco da vida. "A vida não tem
de Hornev disse-lhe: “Doutor Frankl, não se surpreenda com esta sentido", parecem dizer, "mas nós necessitamos de sentido. Portanto,
oposiçãoz eles o invejam porque o senhor sofreu e eles não." O precisamos criar nossos próprios sentidos." Usam frases taís como:
mesmo sucedeu maís tarde quando se apresentou para dar confe- "O homem inventa-se a si mesmo" ou "o homem proieta seus
rências em Harvard. Mas, desde então, alguns psiquiatras manifesta- vanres". A logoterapia concebe o significado como algo oculto por

74 4.
75
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detrás de uma tela, e nós devemos acender a |uz para poder O mesmo acontece quando o homem julga uma situação. Os
enxergá-Io. Temos que buscar o sentido; não podemos fabr¡ca'-|o indivfduos diferem na interpretação do semido inereme a uma
arbítrariamente ou “desejá-lo” de maneira a podermos dizer: dada situação. Não obstante, nem todas as inXerpretações possuem
"Basta desta vida sem sentido.| A partir de agora eu terei um sentido.” a mesma valídade. Para Frankl, descobrir o verdadeiro sentido
Nem podemos querer o amlor de forma tão generalizada; ele surge de uma situação é como responder a um destes questionários
como resposta a alguém ou alguma coisa que “acendeu a |uz". cujas perguntas vém seguidas de várias altemau'vas posslveis. Podese
optar por qualquer das respostas propostas, mas apenas uma delas
Uma outra maneira de entender o conceito do significado é ver
e' a correta; analogamente, uma mesma situação admite várias
o sentido u'Itimo como um supertransmissor, um'logos'no centro
intemretações, mas só uma delas é a adequada.
do universo envíando mensagens significativas a todo instante e em
todas as direções. Possuímos pequenos receptores em nossa cons-
Em seu artigo “QuaI é o significado do sentido?", surgido em
ciência, ainda prímitivos e inseguros, tentando sintonizar com esta
~um nu'mero de inverno de 1966 do Journal of Existencial¡s'm,
radiofusão, tentando captar seus sinais.
Frankl narra o seguinte episódio que ilustra o anteríorz uma noite,
Frankl usa uma imagem diferente para explicar como vemos através durante as perguntas e respostas que se seguiram a uma conferénc¡a,
de nossa perspectiva subjetiva, para perceber a realidade objetíva o coordenador da mesma, que ajudava a selecionar as perguntas
atrás de|a. O homem vê o mundo, diz e|e, não como se o olhasse recebidas, eliminou uma delas qualificando-a de "perfeíto absurdo".
através de um caleídosco'pio, mas com a ajuda de um telesco'pio. Ele havia Iido a pergunta asimz “Dr. FrankL como o senhor
No caleidoscópio o homem só vê o que foi colocado em seu defíne 600 em sua teoria? " A pergunta em questão havia sido
interior por outros seres humanos, e a imagem visual dependerá escrita em letra de ímprensa e Frankl, ao examiná~la pessoalmente,
da forma em que o fizer girar. Mas quando um homem olha através entendeu que dizia: "Dr. annkL como o senhor define Deus
de um telesco'pio, consegue ver além de sua perspectíva subjetiva - em sua teoria? " * Frankl considerou este incidente como ato falso
o que ele contempla através do instrumento é, sem du'v¡da, um porque o coordenador, um teo'logo, havia lido “500" onde Frankl,
mundo objetivo. E é este, exatamente, o sentido da ”perspectiva": um neurologísta, havia lido "Deus". Obvíamente, a interpretação
perspicere significa “olhar através de". Ainda que todos no's correta era a que havia entendido a pergunta no sentido em que
percebamos a mesma realidade a partir de uma perspectiva diferente esta tinha sído formulada, A este respeito Fran_kl ofereceu~nos uma
e SUbjetiva, o que enxergamos é uma mesma realidade objetíva definiçã0: "O sentido é o que tem significado."
Frankl expôs esta ídéía dúrante os cursos de verão da_ Universidade
de Harvard em 1961. Pela janela da sala de aulas onde mínistrava Mas significado por que ou por quem? Quem indaga as perguntas
seu seminário, apontou a capela de Harvard e disse a seus alunos: da vida? A sociedadeP Os |egís|adores7 Os convencionalismos e
"Esta capela aí fora é vista por vocês a partir de uma perspectiva as tradições? Deus? A própría vída? Aestas perguntas poder-se-iam
diferente, de acordo com o |ugar em que estão sentados. Se dar inúmeras respostas diferentes. A pessoa religíosa dirá que é
dois de vocês me assegurarem que vêem a capela exatamente Deus quem formula as perguntas. A pessoa nãcrrelígiosa dirá que
da mesma maneira, tería que dizer~lhes que um dos dois está quem faz as perguntas é a vida, a realidade ou o mundo. Em
imaginando coisas. Porém, embora a nossa perspectiva seja diferente ü
"D r. Frankl, how do you daíinn GOD in your thooryP " 0 nôlogo huvh Hdo
em cada caso, e sumamente subjetiva, ninguém negará que a capela
em |ugar da "GOD". (N. do TJ
de Harvard é uma e idêntica realidade objetíva." 6

76 77

hy
1 todo o caso, algo fora e acima de nós é quem está interrogando. 4. O VALOR DOS VALORES
í
i Na verdade, pouco importa o nome que damos ao interrogador;
Ê assim como tampouco importa saber quem havía entregue esse
pedaço de papeL O importante é compreender que uma pergunta
formulada exige uma resposta. A tarefa do Iogoterapeuta é fazer
com que os pacientes se sintam Iivres para respOnder da melhor
maneíra que consigam Jamais deve o Iogoterapeuta encontrar a
resposta para o paciente; esta responsabilidade cabe unicamente
ao paciente, embora o terapeuta possa ajuda'-lo a descobrir suas
Se os homens nem sempre podem connguir quo l hmom tinha unndo'. W podlm
próprias respostas. aluav da tal forma que suas próprial vidas o lanhnm Albnn Cunun

A distinção entre sentido e val0r foi desenvolvida p0r FrankL


gradualmente. Em suas primeiras obras utílizava os dois termos
¡ndistintamente, e em geral como sino'nimos; mas quando os
aplicava separadamente, o valor tinha um sentido mais amp|o.
No entanto, nos u'|timos anos a distinção ficou estabelecída com
bastante prec¡são: reserva a palavra "sentido" para referir~se a
"aqui|o que é signifícativo” para o indivíduo em cada situação parti-
cular de sua vida. O sentido é u'nico e pessoaL Ninguém pode apro
priar-se de um sentido que estava destinado a outra pessoa, nem al-
guém que foi incapaz de captar 0 sentído de uma situação pode voltar
atrás e tentar recuperá~|o. A vida e sua série ininterrupta de sentidos
estão em constante movimenta Esta é a base do princípio da
logoterapia que enuncia que cada pessoa é u'níca: víve sua própria
vida, possui Oportunidades e potencialidades u'nicas, mas também
impedimentos u'nicos, estabelece relações u'nicas com os demais e
aceita suas tarefas u'nicas, defronta-se com seus sofrimentos u'nicos
experimenta seus sentimentos u'nicos de culpa e morre sua própría
morte. Para o indivíduo, a busca de sentido é sumamente pessoal
e distinta. Porém as situações humanas se repetem, e um grande
número de indívfduos responde a elas da mesma maneira Ainda
que cada pessoa deva procurar descobrir o sentído pessoal e u'nico
que lhe pertence, pode aprender com aqueles que passaram por
situações similares às suas. Em muitas das situações típicas da vida,
portanto, os sentidos u'nicos válidos por um Iongo perÍodo de
tempo para muitos indivíduos foram suficientememe similares

79
78
para que se criassem sentidos universais. De acordo com a definição
de Frank|, são estes sentidos universais que conhecemos com o nome se tívesse posto em prática o antigo provérbio que aconselha: "Ama
de "valores". o teu próximo." 0 senhor de idade poderia ter aceitado sua respon›
sabilídade e falado com o pai do jovem, se tivesse atuado conforme
A Ajuda dos Valores Uníversais sua fé na antiga virtu_de da honestidade. 0 filho que resístia em
acariciar sua mãe deveria ter recordado o_ mandamento que dizz

A diferença entre os “sentidos u'nicos” e os "valores universais" "Honra teu pai e tua mãe." Se é certo que estes princfpuos, regras
ficou ilustrada com um caso apresentado em uma discussão de e mandamentos foram formulados pensando-se na humanídade em
grupo em torno da |ogoterapia. Uma das participantes, uma senhora geral, em circunstâncias partículares os indivfduos podem bene-
muito ativa em sua igreja, apresentou-se na sessão, consternada, ficiar-se com eles. Frankl explicou sua funçãoz podem ajudar-nos

porque uma conhecida sua, uma mulher de cinqüenta e poucos a tomar decísões quando nos defrontamos com as sítuações coti~
anos, havia cometido suicfdío no dia anterior. O que a perturbava dianas. Se um homem sente um su'b¡to deseio pela esposa de seu
era ter visto a mulher um pouco antes de sua morte. Esta encontrava- vizinho, no mesmo instante acende›se um“sinal luminoso de adver~
se deprimida e comentara que sua filha havia abandonado o lar para a- tência: “Não cobiçarás...”, sinal prevemivo que, além do mais,
ceitar um emprego em Denver. “Se eu tivesse mostrado oerto se encomra reforçado pela lei do Estado, do poder da igreja e
interesse", reprovava-se agora a jovem de nosso grupo, "se a das pressões da sociedade. Em alguns casos os valores universaís
tivesse convidado à festa da igreja à qual me díríg¡a, provavelmente podem poupar ao índivlduo o esforço de tomar uma decisãoz
teria impedido seu suicíd¡o. Essa era a tarefa que o momento me simplesmente escolhe uma forma de conduta que a mulhões de
ex¡g¡a, mas eu fui incapaz de reconhecer o sentído da situaça"o." pessoas pareceu a mais adequada em circunstâncias seme|hantes.
Na discussão que se seguiu ao seu relato, a|guns dos presentes Tais decisões são as que poderfamos chamar de decísoe"s baseadas na
recordaram incidentes semelhantes em suas vídas. Um senhor de coluna do "conselheiro sentímental" - as baseadas não em casos
idade relatou que, anos atrás, surpreendera o filho de seu vizinho individua¡s, mas na sabedoria acumulada do passado: o paí sempre
roubando uma |oja, e guardara silêncío porque não quis ver-se tem razão, a honestidade é a melhor forma de proceder, seia
envolvido no assunto; posteriormente o rapaz foi condenado à amável com as pessoas, cuide de seus próprios assunxos, observe
prisão por assalto à mão armada, e o membro do nosso grupo as regras de etiqueta e respeite os bons costumes, conseNe-se
jamais se perdoou por haver deixado escapar a oportUnidade de vírgem até o matrimônio, não deseje a mulher do pro'ximo.

falar com o pai do jovem ou com ele mesmo. Outro participante, Ocasionalmente uma nova máxima de sabedoria consegue infíltrar~

um homem de quarenta e tantos anos, queixou-se amargamente: se neste tipo de colunas, a sabedoria do século XX que aínda não
"Quando eu era jovem, evitava abraçar e beijar a minha mãe; agora foi totalmente aprovada: se vocé é mulher, não se sinla obrígada

gostaria de fazê-|o, mas eIa está morta." a suportar todos os capríchos de seu marido, e, se sua conduta dífere
muito da normal, consulte um psiquiatra.

Em todos estes casos, o sentido único de uma situação não foi


Conflitos de Valores
captado a tempo e perdeu~se irrevogavelmente. No entanto, em cada
caso este sentído poderia haver sido descoberto com a ajuda de
Aínda que estes conselhos de caráter gera| estejam baseados em
alguns dos valo'res, essas regras de conduta provadas peío tempo.
valores, submeter uma decisão pessoal a regras universais pode
A jovem poderia ter sido mais atenta com sua amiga mais velha,
acarretar graves conseqüências e provocar um conflíto entre doís
80
81
conjuntos_de valores coincidentes ou contradito'rios. Se bem que Como mostrado em C, a sobreposição acomece someme quando permanecomos
para alguns estes conflitos possam representar o estfmulo de um
no plano psícofísico. Ouando nos elevamos à dlmensão do esphito hummo.
obstáculo a vencer, também pode conduzir a uma neurose.
os valores não coincidem, pois são classnficados em nívcis superíores ou
inferiores. Isto significa que os valores não coincidem quando consideramm
Como Frankl expressou-'se graficamente, os sentidos - pelo fato
o ser humano na sua totalidade tridimensionaL Também significa que Ievnr
de serem únícos para cada pessoa e para cada situação - não
em conta estes valores nos poupa o trabalho de fazel escolhas emre us sentidos.
podem coíncidir; são pontos de uma Iinha que carecem de dimensã0.
mas mesmo assim ainda precisamos escolher: temos que dar priorídades aos
(Veja ilustração abaixo)
nossos valores.

(llustraça"o adaptada do livro de Viktor FrankL The Will to Mesning lNew


York: New Library, 1970L pp. 56, 57.)

Os pontos não podem coincídir. Os vanres, contudo, são áreas


Cada ponto representa um único sentido. de signíficação integradas por sentidos universalmente aceitos,
compreendem muitos pontos de decísões indivíduais e podem
A Ietra A ilustra a seqüência de sentidos específícos pelos quais uma pessoa coincídir. Estes podem oríginar o conflito do pacifista religioso
passa, momento após momento. Os sentidos não podem coincidir e causam que vacíla entre o valor de sua formação religiosa pacifista e o
conf|itos.
valor do patriotismo - o amor por seu pafs e uma socíedade
que dignifica taís sentimentos. Ocasíona também 0 conflito do
Na Ietra B. cada círcu10 representa os sentidos universais (va|or›es) baseados
jovem cujo paí deseja que se encarregue dos negócios da família,
nas experiêncías de muitas pessoas. Os valores podem ajudar-nos a tomar
enquanto ele sente vocação pela arte. Conflitos podem ocorrer
decisões significativas, mas podem sobrepor-se, contraríando-se uns aos outros,
e portanto causando conflítos e até neuroses. com o gerente indeciso entre o valor de sua carreira e o bem-
estar de sua famf|ia; com o polftico colocado entre a lealdade
ao seu partido e sua honestidade; com uma esposa enlre os va-
Iores de seu marido e os de sua mãe; com a criança entre os
valores opostos de seus pa¡s, e assím por diante. Algumas vezes
os conflitos de valores vêem à tona quando a importância de
algum propósito ou compromisso em particular desaparece ou
passa a um segundo plano. Uma mulher, que se havia casado
com seu marido quando ambos eram estudantes, e com seu estímulo
o ajudara a concluir seus estudos, uma vez que este obleve seu
¡l_ diploma, descobriu que na realidade possulam valores diferentes
e incompatfve¡s. Enquanto para ela o principal interesse consistia
$ em educar seus filhos pequenos, para ele era prosseguir em suas
\pesqui5a5, algo que permanecera oculto durante todo o tempo em

83
que haviam comparti|hado a ilusão de que ele se formasse. Uma os conflitos não podem ser evilados. Assum como a busca do senudq
mulher que devotou anos treinando para atingir uma posição de des- são fenômenos especificamente humanos e como lais devem ser
taque na firma em que trabalhava ficou deprimida quando atingiu sua aceitos como parte da existéncía humana. E evidente que ninguém
meta. Um senhor que não via a hora de aposentar-se para “poder pode víver sem conflitos de valores. uma vez que tudo em nessa
pescar" passou a achar a vida ínsuportável depois de estar alguns vida gera conflitosz nossa criação, nossas relações com pais e
meses aposentado. Geralmente, após atingir nossas metas de valores, amigos, nossa educação, nossa re|ig¡ão, nossa sociedade, nosso tra~
defrontamo-nos com a tarefa de encontrar nossos significados balho, nosso casamento e até a própria terapia. Margamt Llley,
pessoa¡s. Se não os buscarmos, o vazio, a frustração - até mesmo o pediatra da Nova Ze|a'ndia, em seu livro The lnfanr World declara
desespero - podem surgir. categoricamentez “Não existe algo parecido a uma criança compler
tamente isenta de traumas." Apenas sob circunslâncias espectais
Frankl não se cansa de repetir que os conflítos noéticos ou espirituais os conflitos de va|0res geram neuroses - neuroses noógenas que
não constituem uma doença. Cita o caso de um diplomata americano não são provocadas por impulsos coníll'tantes, mas por valores
que foi ao seu consultório depois de ter passado cinco anos fazendo conflitames e, como consequ"ênc¡a, tém sua origem não na psique
psicoterapía em Nova York. O paciente não estava satisfeito com do paciente, porém em seu'noo"s'. Para estes casos a logoxerapia aiuda
sua carreira e Ihe parecia muíto dífícil praticar a política externa os pacientes a tornarem-se conscíentes de scus conflitos a fim de
que os Estados Unidos estavam adotando nessa época. Seu analísta que possam tomar suas próprias decisões.
recomendara-lhe que se reconcíliasse com seu pa¡, alegando que
tanto o governo de seu pafs como os seus superíores representavam O caso seguinte é um exemplo de neurOSe noogúena e ilustra o
para ele imagens paternas; como conseqüênc¡a, sua insatisfação método que a logoterapia aplica na cura de transtomos semelhantes,
com seu trabalho e a polftica exteríor norte«americana obedeciam ao Uma jovem senhora consultou um Iogoterapeuta p0rque sofria de
o'dio inconsciente que sentia por seu pa¡. O paciente havia aceitado uma grave neurose e de uma depressão reativa. 2 Como se des-
a interpretação de seu psicanalista até que, como Frankl o expressa, cobriu mais 1arde, sua enfermidade oríginava-se cm um conflíto
"finalmente chegou a ser incapaz de ver o bosque da realídade entre os valores de sua religião e seus votos conjugaís. Fiel à
por causa das árvores de sfmbolos e imagens". Depois de duas educação que recebera, a educação de seus filhos era para ela o
entrevistas com o logoterapeuta, ficou claro que o desejo por um assumo de maíor imponãncia (seu marido, ateu, opunha-se). O can-
sentído do paciente havia sido frustrado pela sua carreíra. Ansiava flito em si era humano, mas o seu resultado provocara uma neurosc.
por outro tipo de trabalho. Não havia razão alguma que o impedisse O médico aplicou primeíramente um tratamento à base de drogas com
de mudar de ocupação, e, tão logo o fez, desapareceram seus sinto- o objetivo de procurar um alívio imediato para os efeitos psicofí-
mas neuro't¡cos. “Duvido muito", comentou Frank|, “que este sicos derivados do conflito moral noético da paciente. Em seguida
homem tivesse realmente sofrido uma neurose. Ele não precisava iniciou uma terapia voltada para as causas de sua neurose. Nesla
de psicoterapia nem de logoterapia, pois nem todos os conflitos fase era imposslve| tratar da neurose sem discutir as questões
de per-sí - e é 0 que podemos deduzír deste caso - são necessa- de sentido e valor. A paciente manifestou que poderia levar uma
riamente neuróticos." 1 vida agradável e tranqúila se conseguisse se adaptar aos valores dc
seu marido e da sociedade dentro da qual este se desenvolvía.
Em virtude de os conflitos não constituírem enfermidades, a Seu problema consistia agora em decidir se devia e podia adaptar
logoterapia não faz nenhum esforço em evitá-Ios. Na realídade se a estes valores à custa de renunciar aos seus. E era isto justamente

84 85

LFQÍ,
projeções é que coincidem em um plano bidimensionaL (Ver
que para ela lhe parecia impossfvel realizar. Adaptar-se à filosofia ílustração.) Frankl chegou à conclusão de que os conflitos de
de seu marído, disse, signífícaría “sacrificar seu próprio eu". valores são o resultado de ignorar-se toda uma dimensão, aquela
Declarou expressamente: "Renunciar às minhas convicções religiosas na qual existe uma hierarquia; uma ordem de valores. De acordo
equívalería a uma capitulação da minha pessoa." Esta observação com esta hierarquia, os valores pertencem a uma ordem superior
foi decísiva. Se não a tivesse feito, o logoterapeuta não teria podído ou inferíor_ Isto significa que temos que decídir, dentro desta
sugerír nenhuma línha de conduta: não tería persuadido sua paciente hierarquia, quaís os valores que consideramos mais imponantes.
a adaptar~se à fílosofia de seu marído, e tampouco teria respaldado Durante a terapía o paciente pode ser orientado sobre como
sua insistência em defender a sua. Mas agora que ela mesma havia tomar decisões dentro da sua hierarquia de valores.
expressado o compromisso exístencial do seu “eu" com seus valores
religíosos, o médíco explicou-íhe que sua neurose era o resultado de Muítos dos problemas ocasionados pe|os conf|itos de valores podem
sua intenção de reprimir suas aspírações religiosas e que, como ser resolvídos sem a ajuda do terapeuta. O próprío Frankl deparou-
conseqüência, jamaís se curaría se cedesse e trafsse a sí mesma. se dramaticamente com um destes conflitos, quando chegou ao
A paciente compreendeu que não era obrigada a sacríficar seus campo de concentração com sua primeira esposa. No momento
princl'píos religiosos em detrimento dos do marido, porém reconhe- em que tiveram que separar-se, ele, com toda a ênfase e de modo
ceu que, justamente para conserva'-los, devía evitar toda a provo- que ela pudesse compreender o sentido de suas palavras, disselha
cação por parte do marido e, ao mesmo tempo, facilitar 0 caminho “Mantenha-se viva a qualquer preço. Não se detenha diante de nada
para que ele se tornasse maís tolerante e compreensívo a respeíto a fim de que possa sobreviver." Era uma linda mulher e não seria
das suas convícções. 0 logoterapeuta ajudou~a a recobrar a confiança diflcil que um oficial da SS viesse a se interessar por ela. Ainda que
em si mesma, o que, por sua vez, contribuiu para que ela fina|- essa fosse a u'nica oportunidade que teria de salvar sua vida, era
mente conseguisse persuadír seu marido a concordar com uma possfvel que se sentisse inibida ao Iembrar do marido e dos votos
educação religíosa para os filhos. Com o passar do tempo, as conjugais que a ligavam a ele. Sua formação havia sido estritamente
convicções desta senhora ganharam fírmeza e profundidade, sem religiosa, e Frankl sabia que o vaIOr da fidelidade matrímonial estava
chegar à intolerâncía. Foi capaz de enfrentar com segurança as profundamente enralzado ne|a. Aproximava-se um conflito entre
opiniões do marído e ao que ela considerava a superficíalidade valores, ambos fundamentados nas regras de conduta mais antigas
da sociedade dentro da qual vivíam. da civilização ocidenta|: os dez mandamentos. Um era o manda-
mento que proibia o adultérío; o outro, o que proibia matar. Então
A Hierarquia dos Valores Frankl sentiu que, se não Iiberasse a esposa das obrigaçoe~s morais
que a uniam a ele, eIe mesmo estaria compartilhando da respon-
Durante os anos em que Frankl se dedícou ao aperfeiçoamento de sabilidade de sua morte. Ele podería ter contribuído indiretameme
sua teoria dos valores, chegou a questionar a hipótese de que os para a sua morte, como se expressou mais tarde, “se, Ievado pelo
conflítos de valores são ínevítáveis. Em seu lívro What is Meant by meu egoísmo de marido, houvesse colocado o mandamento que
Learníng expõe a teoria de que os valores parecem coíncidír ou proibia o adultério acima daquele que proibia matar". Porém, expl¡-
chocar-se entre s¡, somente se os considerarmos como cfrculos em cou, um teólogo teria evitado o dilema ao assegurar que 0 manda-
um plano bídímensionaL É possível que os valores exístam maís mento que profbe o adultérío não e' supremo. Conforme observou
como esferas independentes em um plano tridímensíonal sem que Frankl: “Os mandamentos foram enumerados de um a dez, porém
se toquem, choquem ou coincidam entre s¡, e unícamente suas
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86
Ass¡m, pois, em todos os casos a decisão corresponde ao indivfduo.
esta ordem numérica não implica uma hierarquia de valores. Cada Se bem que os valores gerais o ajudem a fundamentar suas decisões.
indivfduo deve descobrir a hierarquia dos mandamentos conforme deve decidir sobre a hierarquia dos valores conflitantes - ou
a situação específíca em que se encontre. O que fiz em Auschwitz aparentemente con_f|itantes - e opor-se a determinado valor,se
não foí senão responder a uma situação u'n¡ca. Descobri o sentido considera que a situação assim o requer. Para a logoterapia é
de uma situação única, e descobri também que esse sentido estava importante comprkeender que a hierarquia dos valores, assim como
em contradição com um valor reconhecido universalmente. Mas 0 sentido, não pode ser inventada arbitrariamente. Deve ser daco
sentí claramente que a exigência do momento era conceder minha berta mediante um esforço pessoaL Não podemos impor nossa
"abso|v¡ção" à minha esposa - uma exigência que, certamlente, ordem de valores; devemos encontrar a realidade de nossas vidas.
não teria sido válida nem antes nem depois dessa situação e_m Se a realidade foi ali colocada por Deus ou pela vida é uma questão
particular. Pois espero que uma despedida em Auschwitz seja uma que devemos decidír. O que é realmente imponame é que a hierar-
situação que jamais volte a repetir-se.” 3 quia de valores existe, e depende de nós encontrá-la.

O homem defronta-se constantemente com conflitos de valor. A vida Estabelecer arbitrariamente esta hierarquia é perigoso. Nem sequer
é uma série contínua de decisões baseadas necessariamente em aqueles valores supremos universalmente aceitos devem ser colo-
conceitos de valor, de decisões entre valores aparentemente confli~ cados sobre um pedestal e adorados desmedidamente em relação
tantes e decisões a respeito de sentido em situações específicas. A aos demais. lsto sería ídolatria, e Frankl insiste em que toda a
maioria das decisões refere-se a conflitos prosaicos e cotídianos. idolatria traz consigo seu próprio castigo ao mesmo tempo que
Em uma manhã de domingo vou à ¡greja, vou pescar, ípasso o dia conduz ao desespero. Pela mesma razão, todo o desespero tem sua
com a família ou durmo? Que devo fazer com este dinheiro origem, em última análise, na idolatria de um valor que está acima
que recebi inesperadamente - tiro umas férias, conserto o telhado de qualquer outro. A esse respeito, cita seu mestre Rudolf Allers,
da casa, economizo-o ou destino~o a obras de caridade? que dizia que a idolatria destrói o adorador de um ídolo exatamente
na área na qual pecou contra a hierarquia de valores. Na Aíemanha
A propósíto dos conflitos de valores cotidianos Frankl deu o segu¡n- de Hitler, por exemp|o, os valores de “sangue e terra" foram
te exemplo: ”Em certa manhã - devo dedicar-me à minha famílía elevados à categoria de um ídolo, e todos os demais ficaram subor-
ou visitar no hospital um dos meus pacientes? Na verdade o dinados a estes. Como resultado, a Alemanha perdeu precisamente
conflito desaparece no momento que compreendo que _o valor da isto - sangue e terra. O sangue de sua geração jovem e grandes partes
minha vida profissional, a serviço da humanidade, pertence a uma de seu território.
ordem mais alta do que o fato de sentar~me e conversar tran-
qüilamente com'minha esposa e minha filha. Mas suponhamos que
minha esposa necessita de mim porque está doente. 'À primeira vista
a escolha consistiría em decidír-me entre um doente e outro. Existe,
contudo, uma diferença, porque em um dos casos sou insubstituíveL
ao passo que no outro não o sou. No caso do meu paciente no
hospitaL posso mandar um membro da minha equipe atende-^|o."
As perguntas tais como "quem é insubstitufvel? e quem é o u'níco
nesta situação? " são decisivas para resolver conflitos de valor." 4
89
88
5. NOSSA CONSClENCIA INTUITIVA

A consciéncia é parte do homem tanto quanlo uma perna ou um braço. Thomas Jefíerson

Se ninguém pode nos "dar" os sentidos e não os podemos fabrícar,


mas temos que descobri-|os como respostas às exigências da vida.
de que maneira poderemos encontrá-Ios? No capftulo anterior
discut¡u-se a ajuda que podemos obter dos valores, porém mesmo
assím precisamos decidir quais são prioríta'r¡os. E como fazé-|o?
Devo admitir que a princÍpio, quando ouvi as respostas de FrankL
achei-as desapontadoras. Contudo, após testá~|as durante quinze
anos em minhas próprias experiências e nas daqueles que partilhavam
de grupos, cheguei à conclusâo de que são tão razoáveis que
qualquer ser humano pode alcanÇá-Ias.

Até onde nosso conhecimento a respeito do sentido u'|tímo põde


chegar, não progredimos nas respostas que estes cinco mil anos de
história escrita nos tem oferecido. Frankl disse, um dia, que as
únícas respostas que obtivemos foi a de Job (que no's não sabemos),
e a de Sócrates (que tudo que sabemos é que não sabemos nada).
O sentido u'ltimo permanece na suposíção básica de que só pode
ser testado na vída diária: podemos viver como se o sentido
último existísse, e então tentarmos viver como se tudo é um caos
e acaso e mover~nos na direção de uma realização.

Para encontrar os sentidos do momento, contudo, podemos obter


ajuda. Não podemos confiar no instinto como podiam os homens
primitivos; o raciocfnio também não nos serve. Mas possuímos,
escondido em nosso ínconsciente noético, um instrumento para a

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descoberta do sentido. De acordo com Frank|, apenas a nossa termos de um superego porque isto equivaleria a supor que o homem
consciência nos permite encontrar o sentido para cada situação é um ser moral somente porque deseja reconciliar~se com a imagem
específica. paterna ou tranqüilizar seu superego descontente. Enquamo a condu~
ta humana for determinada pelo medo da puníça"o, esperanças de
A Redescoberta da Consciéncia recompÀensa, ou pelo desejo de satisfazer o superego. sua genulna
consciência não foi absolutamente ouvida (UC, pp. 55~56). Ele
Proclamar nossa consciência como o guia idôneo de nossa conduta, considera uma ”pseudomoralidade" quando agimos moralmente
assim como o faz a logoterap¡a, não representa nenhuma novidade. apenas porque queremos viver em paz com nossa superego. A
Para expressá-lo na terminologia do século XX, é a resposta mais verdadeira moralidade começa quando tomamos a decisão de atuar
antiga do homem a uma das suas mais antigas perguntas. A cons- pelo bem de alguém ou de alguma causa, e não somente para
ciência converteu-se em vítima do pensamento reducionista. Como o nosso próprio bem - seja para ter uma consciéncia tranqüila
não pôde ser verificada nas dimensões físicas e fisiológicas do ou livrar-se da censura de um superego insatisfeito.
homem, sistematicamente negou-se-lhe seu caráter de autêntico e|e-
mento da estrutura humana: o cientista tende a interpretar nossa O Rabíno e o Gato
consciência como o simples resu|tado de processos condicionantes,
ou a considerá~|as em termos de um “superego". De acordo com Se os conceitos de Frank| estão definidos com maior precisão é
esta interpretação, o homem atua "moralmente" porque foi treinado porque eIe sempre foi um homem de rigorosa metodologia. Ern
de determinada maneira ou para sujeitar-se à sua imagem paterna. sua análise da experiência humana, aplica o método fenomenológico
Desta forma, o fenômeno noético que chamamos de consciência de Husserl e de Scheler, método que é também o fundamento
- e para a Iogoterapia "noético" significa especificamente humano - da fílosofia existencial de Heidegger. Frank| define o método
foi degradado a um nível subumano. Frank| rejeita tais interpreta- fenomenológico como aquele que descreve a forma na qual realmente
ções qualificando~as de explicações reducionistas e define o redu- experímentamos o mundo e a nós mesmos, sem tentar ajustar os
cionismo como um “subuman¡smo". Frank| define a consciência fenômenos de nossas experiências a padroe~s de ínterpretação precon-
como a capacidade intuitiva de descobr¡r, de “farejar" a gestalt cebidos - como fazemos ao despojar os fenõmenos humanos do
u'n¡ca ínerente a cada situação, para aprender "qua| o s¡qn_ifl'cado" seu verdadeíro caráter reduzindo~os a um nível subumano. Um
de uma situação específica. exemplo de padrão de interpretação preconcebido é a afirmação
a priorí de que os valores são simplesmente mecanismos de defesa
Frank| ilustra sua tese de que a consciêncía é um fenômeno e formações reativas,de que a consciência reduz~se ao superego, e
especificamente humano com a seguinte esto'ria: uma teoria tipica- o amo,r ao sexo. Mas, se de antemão exclufmos o humana da
mente reducionista cpnsidera a consciência como o resultado de dimensão humana, jamais conseguiremos explicar 0 homem e
processos condicionantes. Um cachorro que suja o tapete e se somente descreveremos o animal, talvez o computadon
esconde embaixo da poltrona com o rabo entre as pernas está agindo
de acordo coml um processo condI'cionante. Esta atitude, longe de Frank| adora a sabedoría do humor judaico e satiriza o comporta-
ser um ato de consciên'c¡a, é uma expressão de ansiedade antecipada, mento reducionista com a seguinte estóriaz dois homens procuram
do medo de ser castigado. A conscíência do homem não pode ser um rabino para solicitar seu julgamemo. O primeiro afírma que
reduzida a semelhante nfve|. Tampouco devemos consídera'-Ia em o gato do outro comeu sua mameiga. O segundo nega. O rabino

92 93
pergunta ao primeíro qual a quantidade de manteiga que o gato A consc¡é'ncía é parte da real›dade' humanu A autânttu comclhh
comeu. "Um quilo", responde. 0 rabino pesa 0 gato e descobre não é o que nos ditam nossos pavs', a reltg'¡¡o ou a medade'. Esnt
que este pesa um quilo. "Já encontramos a manteiga", conclui o influéncias são rea›s', mas no Íntimo ainda conservmm paqm
rabino, “mas onde está o gato? " O rabino negou a realidade do voz que desempenha um papel decisnv'o em nessa vida Depmdendo
gato a favor da suposição preconcebida de que, se existia um quilo, do que escutamos e de como agimos conforme o que escuwnm.
este deveria corresponder à manteiga. Do mesmo modo, entre os teremos uma vida significativa ou vazia, sentir-nmmos hlim e
terapeutas do comportamento, os reducionistas afirmam,a príar¡, que satisfeitos ou adquiriremos tensões, conflitos, frustmçbs e doencll
o comportamento humano pode ser explicado, e totalmente explica- mentaís.
do, pelos nossos tão chamados mecanismos inatos de liberação.
”Estes behavioristas", conclui Frankl, “encontram os mecanismos Nosso Dever de Escutar
de Iiberação - mas onde está o ser humano? " 1
O redescobrimento de uma autêntica consciéncia humana mz
O método fenomenológico descreve a realidade tal como a expe- consigo uma série de conseqüências de ordem prátich Uma 4
rimentamos e percebemos ~ uma realidade que nâo tenha sido nosso dever de escutar. Necessitamos responder a este dever de
reduzida a supostos a pr¡0r¡. A consciência, o núcleo da dimensão escutar nossa consciência, se desejamos viver uma existénch srgn'›-'
noética, é parte da realidade assim como o são o corpo e a psique ficatíva Comportamo-nos como seres humnnos quando atuamos
do homem. de acordo com as nossas decisões e não perque somos conduzidos
a isso ou tememos ser castigados. Errbora saja uma vendade que
Para compreender a visão |ogoterapêutíca devemos Iembrar~nos os mandamentos e as Ieis nos ameaçam com pum'ções, quem se

de que a cíência, em suas origens, dedícou-se a ínvestigar exclusi- Iimíta a viver de acordo com clas, de um modo auronúticq terá
vamente a dímensão física do homem e só mais tarde prestou atenção renunciado à sua pessoa e ao seu próprio cu. Os Dez Mandamentos
figuram entre as maiores normas de conduta com que contamos.
à sua dimensão psicológica. O espírito não tinha lugar em uma
mas a sua simples observância não é sufíciente. Como adverte
realidade tão restrítamente circunscrita. A cíência parece esquecer
FrankL temos que encontrar por nosso próprio esforço os sentidos
o fato de que estes conceitos teóricos são simples meíos de que
u°nicos, não de dez, senão de um número infinilo de situacões
se vale o homem para pensar sua existência e que este, considerado
individuais às quaís nos enfrentamos, nesta época em que os Dez
em sua existência concreta, não é um corpo nem uma psique,
Mandamentos parecem estar perdendo sua validade incondicíonal
nem mesmo um noo"s, mas uma unidade indivisfveL Para Frankl, (WM, p. 64-65).
este conceito de um homem indivisíve|, diante do crescente plura~
lismo do pensamento científíco, é a tese mais importante da nossa 0casíona|mente, e de modo crescente, nossa consciência aconselhê
época. Escolheu-a como tema do discurso que pronunciou em nos a contradizer um valor respeitado (como no caso de Frankl
1965 frente à elite de intelectuais reunída para celebrar o sexto despedindo~se de sua mulher no campo de Auschwitz). Muitos
centenário da Universidade de Viena, quando foi o único orador compreendem que, se não fora por nossa consciência a orientar
pertencente ao campo da medicina designado para dissertar sobre nossa conduta, somente disporfamos de regras que, devido ao seu
um tema de caráter cientffica O título de seu discurso nessa ocasião caráter geral e sua tendência a tornar~se obsoletas, nem sempna são
fo¡: "O pIuralísmo das ciências e a unidade do homem". eficazes. As simples regras tendem a escravizar-nos, a menos que

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as aceitemos Iivremente. Mas nossa Iiberdade deve ser exercida com para o bem do Estado, saquear as Iojas dos judeus ou cometer
responsabilidade e nunca de maneira arbitrár¡a. Temos a obrigação assassinatos em massa? Frankl responde que não acredita que
de prestar atenção à nossa voz interior capaz de captar as víbrações Hitler tenha obedecido alguma vez à voz de sua consciência
dos sentidos e de toda uma hierarquia de valores que de outro modo Uma autêntica consciência, afirma, jamais teria erdenado a um
seriam inacessfveis para no's. Os símbolos mudam significativamentez homem fazer o que fez Hitler. “Estou convencido de que Hitler
nos tempos bfb||'co›s, o homem comportava~se moralmente pelo nunca se tería transformado no que foí, a menos que tivesse repri-
temor que Ihe inspirava um olho no ce'u, e, nos dias de hoje, mido a voz de sua consciêncía” (WM, p. 66).
porque decidiu responder ao que escuta seu ouvido interno. O
olho no céu era uma ameaça inevitável que provinha do exterior; A Alemanha de Hitler é também um exemplo do que pode ocorrer
atualmente compete a no's decidir se prestamos atenção à nossa quando a consciência se converte no simples resultado do adoutri~
voz interior ou a sílenciamos. Somos livres para trabalhar a favor ou namento de uma ditadura. A tragédia na Alemanha assenta-se no
contra nossas inclinações espirituais. Embora o homem possa ser ame~ fato de que 0 povo confundiu a ideologia do estado com a sua
drontado, hipnotizado, submetido a Iavagem cerebra|, ou sob ameaça consciência pessoaL Se tivessem prestado atenção às suas consciên~
de expô~|o à vergonha, obrigá-Io a honrar seu pai e mãe, a atitude cías indivíduais teríam estado em posição de decidir se desejavam
autenticamente humana é a livre escolha. acatar os ditames de sua consciência ou atuar conforme as exígéncias
de sua sociedade. E, com efeito, houve alguns que decidíram
Sem dúvida corremos um risco quando seguímos nossa consciência
obedecer à voz de sua consciência, plenamente conscientes do
Frankl tem o cuidado de mostrar que nossa consciência, pelo fato
perigo que esta atitude representava nos tempos do Terceiro Reích
de ser genuinamente humana, possui também esta qualidade tipica-
O rabíno Harold Schulweis, de Los Angeles, faz alguns anos fundou
mente humana, que é a propensão ao erro. Ela não só pode guíar~nos
o lnstituto de Atos Justos, destinado a localizar cidadãos alemães
como pode extraviar›nos. Mesmo ass¡m, jamais saberemos, nem
que arriscaram suas vidas para ajudar e ocultar judeus e outras
sequer em nosso |eito de morte, se o sentido ao qual nos consagra-
vftimas do regime nazista. O instituto conseguiu ídentificar váríos
mos era o verdadeiro. Mas, por mais que nossa consciência se engane,
destes “justos"; uns aínda vivem, outros foram martírizados pelos
devemos obedecê-Ia. A possibílidade de errar não nos Iibera do dever
naz¡s. 0 próprio Frankl sabe de alguns que, seguindo as ordens de
de tentar (WM, p. 65). A idéia de que devemos enfrentar o risco
sua consciência, se uniram ao movímento de resistência e foram
de nossos erros, foi também defendida categoricamente por Gordon
recolhidos em campos de concentração onde vieram a perecer.
W. Allport, professor de psicología da Universídade de Harvard:
Durante suas excursões para proferir palestras nos Estados Unidos,
"Podemos não estar totalmente seguros, e ao mesmo tempo agirmos
freqüentemente perguntam a Frankl por que e|e resolveu voltar a
com confíança e entusiasmo." 2
Viena apesar de suas experiências nos campos de concentração.
A Consciência na Alemanha de Hitler Como resposta e|e cita o caso daquela baronesa católica que, expon~
do-se a um grave perigo, escondeu um primo de Frankl durante a
Maior do que o risco de uma consciência faIÍveI é o risco de uma guerra. Ou daquele advogado socialísta que, embora conhecesse
consciência reprimída. Sob drásticas circunstâncias isto pode fazer Frankl ligeíramente, o provia de batatas e tomates em 1942, quando
de qualquer um de no's um Eichmann ou um Hitler. Frankl é os alimentos estavam racionados e qualquer contato com judeus
freqüentemente interrogado acerca da consciência dos alemães nos era perigoso. E claro que estas pessoas eram casos excepcíonais, mas
tempos do socíalismo nacional: eIa aconselhava-os a trair seus pais ígualmente o eram os assassínos e Iadrões. Frankl rejeita o conceito

96 97
de culpa coletiva. Porém, se alguma "culpa" poderia ser imputada míarofamdeWenabzmamaaMoeMam
à maior¡a, assinala, sería o "cr¡me" de haverem permanecído pas.-'vos, e o sennd'0 unnersas'“ oam a mna m- rmi e m 3 m"
ie haver_em escutado e não obedecído à voz de suas conscíe'ncías. mmTa de termos wn m'tb!aézm.'amm'
Em certas ocasioe"s menciona casos como o de uma conhecida
inmitm e oossrvelrrm_'te m' Tm mg aamz o fm ag Qg
atríz vienense a quem Josef Goebbels, mínistro de Hitler, obngou' somos obngados' a baear ncsa daaña
a aceitar o papel principal em um ñlme de propaganda a favor m'dema" insuñcmza Coàorrob m ancunm 2 Amnm
dos nazístas. Muitas pesoas expressaram posteñonnente a opiníao' se m esperadc paa reumfr raca as W..° mcm m
d'e que ela devia ter-se recusado a isto, e correr o n°sco de ser
m'ndanmtar su aacrsao" de erm 3 nagu-'.. Poucz m
enviada a um campo de concentração em vez de contribuir para o podenam' decsd'ír. soore" uma mñsãa mx a.< 2r fíhm
prestfgío e popularidade da causa de Hítler. Em pn'nc¡'pio, Frankl
se tivesem qm esoaz para obmr mca n nW~' i
concorda com este ponto de vista; não obstante, ele sente que um
respeita
herofsmo tão extremo só pode ser exígido por aqueles que, atr*ves.='
de sua conduta, demonstraram que preferiram ser levados a um
Exmem'. aspectm posxm” demm da ncarm'› Pdo izzo a rãc
campo de concentração a colaborar com o regime. E acracenta
podem estar _semrus de que mas M"' ms mzzb cu-
que os próprios sobreviventes dos campos tendem a ser maís
retamente em deerrríwa ám' mzà merm 2 a m
tolerantes _que ós dema¡s, porque compreendem plenamente a
mencx."'a de outra pessoa W a agir de WT cerzz Cxtu
ímportância de tal decisâo.
podem emzmoeü a senzíóo de wa mlacü mn m.' ..z-gza~.“ fb

Frankl conclui que prefere viver em um mundo que desaña o que nos.' Em aamde nao›' rm dae m›jr a .r_ m;,» de
homem a escolher sua própria exístência, ísto é, um mundo no hdlífemncaJ mas, de xokràmá Aócav ..~*s-'a..a azm ae Ínzíñm
qual possam coexistir fenõmenos tão opostos como um Hitler e equwa'a='-n'a a çreterm qne .odcs' ru' am razãa o ag é Jn
um santoÇ Prefere este mundo a outro onde não há nada aiem' absum'o. “Exst2' um u'mco' senbdo' parz uma azr'..»frvada r'._;a::an',
de um conformismo e um totalitarísmo absolutos e todos são ob_n'- mas ningxeh pode sabet se foi você que o atm' e rãn mtn
gados pelo Estado ou por deterrnínado partido a comportar-se da pessoa Ser toõewxe nao° sçWxTaca que dac W._.”ha› aa
mesma maneira. convrcooes_"doswuns-sçuñca"uasmo“saam
manos com o mesmo direito de semm fü 8 sua W'"
O Risco da lncerteza
tWM, p. 66).

A voz da consciência nos fala, mas somos livres para ígnora-'la. Conmdo, se exsta' um gm que nas pm m m uma
Esta é a nossa altemativaz escutamo~la'e obedecemos na medídade a nossa cam"'a está nm mm ao rm cenu é um
nossas possibílidades, ou renuncíamos à nossa Iiberdade e consíde~
questao' que contima a mrgu'. Em m-1;as dos m çxpos de
ramo-nos conduzídos por fonças que escapam ao nosso controla
drscu'ssoes°, home omdeum'cxm”"m...
A consciência não nos determina, simplesmente nos guia, embora
jusn'f¡ca~se' wspenam de urm que afm sua amo
algumas vezes possa nos corromper. Esta é outra conseqüência do sentimento de lenndoo a hcsts'. an
da redescoberta de uma conscíência sumamente pessoalz somos
o apana do todo pam mnnàãa na ahemacab e sammm. qm
obn'gados a escolher em meio à mais radícal incerteza Temos que
ofazindinaosenmpaaawdaíermàparaamam

98
4_ 4.

A Presença dos Conflitos simplesmente descansar antes de uma apresemação em público é


mais importante para a missão de sua vida do que atender a
Se a nossa conscíência pode opor-se ao governo, à sociedade, aos compromissos sociais. (O estilo europeu de vida social permite
nossos impulsos interiores, nossos pais, cônjuges, à nossa formação maior privacidade.) Mas por outro lado ele é extremamente tolerame
quando se trata da consciência dos demais Durante minha estada
._n ._ ,.4 _.

e ao nosso passado, então os conflítos sâo inevítáveis. Cada


momento nos submete a uma decisão, cada decisão origina conflitos em Viena, após 27 anos de ausência, reservou-me uma noite para
e cada conflito gerã tensões. Para Frankl a tensão e' inerente à proporcionar~me a oportunidade de fazer-|he perguntas específím
v 'LW. ~MHMÍ.J"

condição humana: a tensão que existe entre 0 que um homem é e A data marcada coincidia com a apresentação de uma peça no
___

que sua consciência Ihe indica que devería ser, a que existe, em teatro Burgtheater, que eu desejava assistir (e ele sabia como eu
suma, entre sua realidade e seus ídeais. Reduzir este tipo de tensão sentia falta dos teatros de Viena nos Estados UnidosL Envengonhava-
equivaleria a despojá~|o de sua humanidade. A tensão pode despertar me cancelar nossa entrevista em favor do teatro, mas quando
. _.~._._.'_

a consciência do homem. Uma conscíência má pode ser uma benção Ihe comuniquei ele imediatamente concordou e, parodiando sua
se conduz o indivíduo a uma autocrítica mais rígorosa, a uma própria terminología, disse-me: ”Esta é a única vez que esta obra
_. _.

melhor compreensão de si mesmo e a uma auto-superação. será representada durante sua permanência na cidade. Trata-se de
uma oportunídade única e para você este é o sentido da situação.
Não é necessário convíver muito tempo com Frankl para perceber- Podemos conversar amanhã."
se que a todo ínstante está escutando atentamente à voz de sua
consciência, algumas vezes com resultados surpreendentes. Depois A Interpretação Logoterapêutica dos Sonhos
de uma conferência em Palo Alto, Califo'rnía, disseram-Ihe que um
prísioneiro de San Quentin Ieu seu Iivro Man's Search 'far Meaning,
e que esta Ieitura havia transformado radicalmente sua vísão da vida. Os conflitos de conscíêncía podem ocasionar sérias conseqüências
e, em alguns casos, dar origem a neuroses noogenas. Assim como
wvnrMLW,A-w~

O diretor de San Ouentin ficou sabendo que Frankl se encontrava


- ..

o psicanalista procura conscientizar seus pacientes sobre seus impu|-


na região e perguntou se não Ihe seria possível viSitar o prisioneiro.
sos reprimidos, também o logoterapeuta tema aiudar os pacientes
Para consternacão de todos aqueles que haviam programado a
organização de sua viagem pela Califórnia, Frankl modificou comple- a tomarem consciência dos seus conflitos espirituais reprimidos e dos

tamente todo o esquema do dia seguinte para poder íncluir San seus conflitos de consciência.
Quentin em seu ¡t¡nera'r¡o. Noutra ocasião, uma companhia cine-
matográfica de HoIIywood ofereceu~se para comprar-|he os direitos Como os impulsos reprimidos, a reprimida voz da consciência
para produzir um filme baseado em um de seus livros. Antes reveIa-se algumas vezes através dos sonhos. O psicanalista analisa os
de tomar uma decísão ínsistiu em assistír a algumas das produções sonhos em busca de manifestações do ínconsciente instintivo; o
anteríores da companhia e, ao descobrír que continham excessos Iogoterapeuta, em busca de indfcios reveladores do ínconsciente
de violência e sensacionalismo, recusou a oferta. Algumas vezes espirituaL Portanto, em princfpío, a Iogoterapia também utiliza o
ele pode ser rude de acordo com sua conscíência. Em suas confe- método da livre associação para interpretar os sonhos. Frankl
rências através dos Estados Unidos, quase sempre recusa convites costuma expressar a relação existente entre estas duas escolas
para jantar, e até mesmo breves conversas durante um cafezínho, do seguinte modo: “Cam¡nhamos juntos, mas lutamos em batalhas
pais, conforme seu ponto de vista, preparar uma conferência ou diferentes."

100 101
sucedido, não lhe trazia nenhuma satishção inmion E. na rulidodm
A consciência pode utilizar os sonhos como um meio de alertar-nos
ele não tinha saudades dessa mulher, com quem pmnis tivara reliçõvs
sobre os perigos que não podemos prevenir durante o estado de |'nt¡mas. Espontaneamente, declarou que o disco gigamhco ngn'›hca'v¡
vigflia, ou para confrontarmo-nos com a autocrftlba que não nos a preocupação que tinha em cscolher (para compreender o simbohsmo
atrevemos a encarar conscientemente. Em seu Iw'ro The Unconscious do sonh0, precísamcs esclarecer que, em aiem§o, a palavra uuhkn ó
God, Frankl oferece-nos um exemplo de cada caso: usada tanto para "escolher" como' para "d¡scar"). Ponanro, qunl era
a escolha do pacieme7 Ele não se cstava relerindo a um númcto para
Uma mulher sonhou que, junto com sua roupa suja. Ievou ã Iavanderia discar, mas a uma vocacão para escolher - espcxihtamcnxa escolhev
um gato sujo. Ouando foi buscar a roupa Iimpa, o gato estava morto. entre manter um trabalho lucrativo. pore'm, insamfnlo°rio.canponda
Surgiu então a seguinte associação Iivre: disse ela amar os "gatos" sucessos popu|ares, ou dedicar-se à música religiosa. Subtumeme o
acima de tudo; mas disse também que amava sua filha - sua única filha - significado essencial do sonho tomou-sc evidenteL o pacienue emm Iu-
- "ac¡ma de tudo". DaI' podemos inferir que “gato" significa "filha". tando em vão para ser novameme "ligado" e expressava scu deseib de
Mas por que o gato "sujo"? Isto tornou~se cIaro quando a paciente encontrar o caminho de volta á sun verdadeira vocação artíma a
reconheceu que Ihe preocupavam os rumores que recentemente círculavam religiosa (UG, p. 41- 42).
em torno da vida amorosa de sua filha - sua “roupa suja" também
estava sendo Iavada em pu'b|íco. Esta era a raza"o, conforme admítiu a
Frankl comentaz "Este sonho, assim como o anterior, não represanta
paciente, porque ela vívia vígiando e hostilizando constantemente sua
uma advertência, mas expressa uma autoreprovaçãa Em ambos os
filha. O sonho expressava a adverténcía que sua conscíêncía Ihe faz¡a,
para que deixasse de atormentar a jovem com exigêncías exageradas casos, contudo, o sonho é uma manifestação da consciéncia - no
de "I¡mpeza" moral, ou ela poderia perdê-Ia (UG, p. 41). segundo caso, não só a consciéncia moral, mas também a consciéncia
artfstica; contudo, os dois são a expressão de uma consciéncia
espiritua|."
Sobre esta ínterpreta,cão, Frankl faz o seguinte comentário: “Não
vejo nenhum motivo pelo quaI ela devesse abrir mão de uma Uma Voz que Surge do lnconsciente
interpretação tão honesta e aberta sobre qualquer coisa que se _Ihe
apresentasse no sonho, em deferência à ídéia preconcebída, atrás da Como foi mencionado, nossa consciência intuitiva pode tornar
qual seus conceitos infanto-sexua¡s deviam estar ocultos." accessíveis, os sígnifícados que não nos são revelados pela nossa
compreensão racional. Uma ilustração da maneira como Frankl vé
Outro exemplo que ele cita no Iivro The Unconscious God é o o trabalho da conscíência encontra-se no Iivro Psycharherapy and
sonho sobre uma autocrftica reprímída.
EXIs'tenCIa'/ísm :

0 paciente havia sonhado que se encontrava em outra cídade e desejava


telefonar para uma certa mulher. Mas o disco do telefone era gigantesco Um pouco antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra
- continha mais de cem números - e ele nunca conseguia completar a Mundial, fui chamado pelo Consulado Americano em Viena para recebar
ligação. Assím que despertou, percebeu que o número que estava meu visto de imigração. Meus velhos pais espevavam que eu abandonasse
díscando não era o da mulher, mas o de uma gravadora para a qual a Áustria assim que o visto me fosse concedida Não obstat1t9, no
ele estava trabalhando atualmente, com ótíma remuneração, com'pondo ú|timo momento vacileiz atormentavame pcrguntandcrme se devua nban
música popular. Mediante a interpretação do sonho, revelou~se que dona'-|os. Sabia muito bem que a qualquer dia poden'am ser cnwados a
o paciente havia passado um verão muito feliz naquela cídade, compondo
um campo de concentração. Não seria meu dever permanecer ao lado
música relígiosa, ao passo que o seu trabalho atuaI, embora bem

103
102
deles? Enquanto meditava sobre esta pergunta, descobri que o meu Um Instrumento do Progresso Humano
era um destes dílemas que despertam em nós o desejo de receber um
sinal dn céu. Foi quando repareí em um pedaço de mármore que Em última análíse, esta interpretação da consciéncia como meío
estava colocado sobre a mesa lá de casa. Ouando imerroguei meu pai
pessoal e intuitivo de que dispomos para penetrar no mundo das
a respeíto, respondeu-me que o havia encontrado entre os escombros
potencialidades únicas de sent¡'do, convenea no instrumemo do
da maior sinagogan de Viena, íncendiada pelos Nacional~socia|ístas. Meu
progresso humano. A conscíência enfrenta a autoridade, as Iexs',
pai havia recolhido este pedaço de mármore e o Ievara para casa porque
a sociedade e todas as influéncias externas e descobre algo novo
era um fragmemo das tábuas onde haviam sído ínscritos os Dez
Mandamentos. 0 fragmento mostrava uma Ietra hebraica gravada e por detrás das antigas verdades. Exíste uma enorme dístãncia entre
d0urada. Meu pai explicowme que esta Ietra era a abreviatura de um uma sociedade que aceitava o caníbalismo como prática morat
dos mandamentos. Ansiosamente perguntei-Ihe.' “De qual deles? " Respon~ (provavelmente com sígnificado religioso) e outra onde a juventude,
deu-me: “Honra teu pai e tua mãe para que teus dias se prolonguem expondo-se ao ostracismo social, recusa-se a matar inclusive seus
sobre a terra." Foi assim que decídi permanecer ao lado deles e deixeí inimigos em uma guerra. Podemos imaginar o que deve ter dito um
que o visto vencesse. pai de uma tribo primitiva ao filho que pela primeira vez recusouse
a comer a carne de outros seres humanos: "Não peque contra Deus.
Ao aceitar este pedaço de mármore como um sínal do céu, já sabía Ele não teria criado os homens de carne, se não tivesse desejado que
muíto antes, no Íntimo de meu ser, que tínha decidído ficar. Na nós os comêssemos." Mesmo assim o filho negou-se. FrankL ao
verdade nada mais fiz_ do que projetar esta decisão sobre a fígura do
comentar este íncídente hipotético, observaz
fragmento. É claro que teria sido igualmente uma projeção se tivesse
vísto no mármore o símbolo CaCO3 - embora eu a chamasse de Em uma sociedade que aceitava o canibalismo um'versalmeme, só uma
projeção de um vazio existencial (PE, p. 34~35). pessoa com uma consciência excepcionalmente refínada padeña uma
atrevido a contradizer o meio dentro do qual havia crcscido. A panjr
Se a decisão que tomou foi a mais acertada Frankl nunca saberá. do momento que sua consciéncia se opôs ao canibalísmo, essa pessoa
Podemos argumentar que foi um gesto inútil ou que contribuiu para passou a ser um revolucionár¡o. Possivelmente o malaram, mas com sua
fazer dele o ser humano que é hoje. O caráter intuítívo da consciência atitude conseguiu despertar a consciéncia dos demais. É assim que o
aponta sempre para além da razão, até uma dímensão onde _a progresso humano acontece e. em particular, como se iniciam as ravolucões
realidade se modífíca em virtude do próprio fato de nossa tomada e se baseiam as religiões.3
de consciência.

Sob um certo aspecto, Frankl compara a conscíência com o amor: Evidentemente o progresso é desesperadamente lento quando o me-
permíte-nos visualizar as potencialidades da pessoa amada que não dímos em relação à vida de um indivlduo. Requer muito tempo
foram ainda atualizadas. Estas potencialidades são u'n¡cas, e tudo para que as pessoas atuem conforme o que julgam correto. A maioria
0 que é u'nico escapa à compreensão da razão pura~somente daqueles que assinaram a Declaração de lndependência, documento
que estabelecia a Iiberdade como um dos direitos inalienáveis do he-
poderemos apreende'-las mediante a íntuição. De _modo símilar a
mem, possuía escravos. Os moinhos da consciéncia, poderíamos
conscíência reveIa-nos os sentidos potenciais de uma situação que dizer, moem a um ritmo extremameme Iento, e com freqüência
não foram ainda atualizados, e desta maneira converte em realidade é impossível determl'nar, por muito tempo, se o que produzem
aquilo que, do contrár¡o, tería permanecido como uma possibílidade é trigo ou joio. Vivemos na época da ”objeção conscienciosa" -
não realizada. contra a guerra, excesso de poder governamentaL taxas, sexo e

104 105
discriminação. Se estes movimentos são promovidos por consciêncías 6. A ESSENCIA DA HUMANIDADE
autênticas só o tempo nos dirá. No momento atual, nenhuma
das pessoas envolvidas pode saber se é um revolucionário Iegítimo
ou simplesmente um rebelde que desafia a sociedade. Não obstante,
elas devem obedecer a suas conscíências na medida de 5uas pos-
sibilidades, afinar o 0_uv¡do para escutar sua voz interior e procurar
ser tolerante em relação às atitudes dos outros, que afinal de contas
não estão fazendo mais do que obedecer à voz de suas consciências.
lsto não é fácil de conseguír em nossa era cíentffica, quando o
A infatigável busca de uma perfeicão lnatinglvnl... i o quc, cm IÍ mnmo. dl müdo
progresso humano se mede por dados que podem ser computados, às nossas vidas. Looan anll Smnh
calculados, processados e analisados por computadores. Contudo,
as respostas que obtemos dos computadores só nos podem dizer
Para a Iogoterapia, a busca de semído é mais do que um direito
como se comporta o homem normalmente, mas nunca como
inalienável do homem - é a própria esséncía de sua humanidade.
deve comportar-se o indivíduo em situações específicas. Nossa vida
Se a reprime, em seu interior abre-se o abismo ínfemal do vazio
não está regulada em cada cruzamento por uma qu vermelha que
existenciaL Mas, se se consagra a esta busca, verá sua vida plena
nos ordene parar, ou por uma qu uerde que nos ordene avançar.
de sentido e dos beneffcíos derívados de uma existéncia significatívaz
Vivemos na época em que predomina a brílhante luz amarela
a felicidade, a segurança, a estabílidade mental e os obietivos
que deixa as decisões nas mãos de cada um de no's.
vítais tão em moda atualmente como a autorealização e as experién~
cias culminantes. Porém, o homem não poderá alcançar nenhum
desses objetívos a menos que se proponha conscíentemente a
obtê-Ios, e só poderá desfruta'-Ios como resultados indiretosde
sua busca de sentido.

As Contradiçoe"s lnerentes à Busca da Felicidade

As conseqüêncías antes mencionadas da busca de sentido do homem


deduzem-se do princfpio Iogoterapêutico básico de que o ser humano
não é um sistema fechado, senão que transcende a si mesmo e aspira
a um mundo de indivíduos semelhantes a ele com os quais possa rela-
cionar-se, e de significados por encontran Estes índivfduos e sígnifica~
dos proporcionam-Ihe uma razão para ser feliz (PE, p. 41). Se, ao con-
trário, persegue a felicidade, esta converte-se no objeto de sua motiva~
ção e, o que é pior, no objeto de sua atenção. E na medida que isto
ocorre perde a oportunidade de ser fe|iz. 0 que deve ser Ievado em
conta é a busca do sentido. A busca da felicidade equivale a uma con›
tradiçãoz quanto mais a perseguimos menos a alcançamos. (UG, p. 85)

106 107

;
\

d
Em seu artigo "A|ém da auto-expressão e da auto-realízação", ¡am explorar minha região favorita da montanha. Caminhávamos
Frankl ilustra com fenômenos o aspecto contraproducente da busca sílenciosamente em fila indiana em busca de espécimes raros. A
intencional da felicidade. Não conseguimos conciliar o sono se cada momento o naturaHsta detinha-se diante de uma flor, reunba
nos propusermos deliberadamente a fazê-Io. Um esforço concentrado o grupo ao seu redor e iniciava uma longa dissenação sobre o tema.
em dormir só provoçará tensão e ¡nsônía. Não desfrutará de boa Ou, com 0 dedo indícador sobre os Iábios, aproximava-se na ponta
saúde quem se preocupar excessivamente com ela - este indivfduo dos pés de uma árvore e apontava um pássaro pousado sobre um
de antemão ter-se-á convertido em um hipocondríaco. O prestígio galho. E verdade que neste dia aprendi muíto sobre os pássaros e
será negado àqueles que mais se esforçam por obtê-lo - só conse- as rores, mas não pude reviver aquele se_ntimento de gozo supremo
guirão que os desprezem e os julguem como meros ínteresseiros em que me havia invadido nas excursoe"s que realizei no passado,
adquirir status. Não serão recompensados com uma consciência pelo simples prazer de experimemar a beleza da natureza. Neste
tranqüila aqueles que agem com a finalídade de tranqüilizar sua caso, um pássaro na mão valia menos que dois camando Iivremenle
consciêncía, pois isto é uma hipocrisia. Uma consciência em paz entre os arbustos.
é apenas o resultado de uma maneira correta de ag¡r.
Desde Aristóteles até Jefferson a felicidade tem sido considerada
Nos casos de neuroses sexuais, por exemplo, Frankl prova que a como a meta principa| da vida, e a sua busca a missão primordial
felicidade escapa àqueles que diretamente a procuram. Se a intenção da existência humana. Não obstante, alguns filósofos como lmmanuel
do homem é demonstrar sua potência sexual e a da mulher sua Kant e Max Scheler advertiam que o prazer não é um fim em si, mas
capacidade em atingir 0 orgasmo, eles podem falhar. Ambos con- um efeito e, como ta|, derivad0. Freud fez do princfpio do prazer
centram-se em si mesmos em vez de se concentrarem em seus do homem uma força determinante da motívação humana. Mas
companheiros. De acordo com Frankl, é esta busca de felicidade Frankl adere ao ponto de vista de Kam e Scheler, e acrescenta que
sexua|, esta intenção delíberada de experimentar prazer o que con- o prazer se estabelece automatícamente quando encomramos um
dena este tipo de relações ao fracasso. O mesmo se aplica à felicídade sentido ou atingimos um va|0r. Os sentimentos de felicidade e de
em geraL O que as pessoas realmente querem, diz Frank|, não e' a prazer, assim como as experiências culminames, são sempre os
felicidade em s¡, mas os motivos que as fazem felizes. Nas neuroses, 'mesmos; o que difere consideravelmente são os motivos. Para
a busca destes motivos é desviada para uma busca direta da esclarecer melhor esta afirmação cita a frase de Abraham Maslowz
felicidade, um anseio pelo prazer. Poder~se-ia dizer que nosso “Em um mundo real não pode existír o rubor sem que exista algo
propósíto de sermos felizes des|oca os motivos que nos poderiam de que ruborizar~se." 1 Somente em determinado contexto é possível
fazer felizes e, desta forma, a busca intencional da felícidade ruborízar~se, diz Maslow; analogamente, acrescenta FrankL somente
torna~se contraproducente (WM, p. 33 ff.). em determinado contexto é possível a felicidadez o de um motivo
para ser feliL Uma pessoa não pode estabelecer uma relação com a
Experimentei este fato contraproducente da busca intencíonal da felicídade em s¡, mas com atos e pessoas que Ihe proporcionem
felicidade quando, durante minha primeíra viagem aos Alpes, depois felicidade.
de 27 anos, tentei reviver a felicidade que costumava experimentar
em minha juventude ao escalar as montanhas cheías de flores Alguns estudantes de Iogoterapía algumas vezes refutam a idéia de
silvestres e ouvir o canto dos pássaros. Nesta ocasião incorpore¡-me que a felicidade deva chegar somente como resposta a uma tarefa.
a um grupo de excursionistas que, guiados por um naturalista, A felicidade vem e vai como lhe apraz e com freqüência aparece

108 109
JY
Frank| suspeita que a popularidade de que gozam as drogas psico
nos mnmentos mais inesperados - quando caminhamos solitários
délicas, na atualidade, se deve possivelmente ao fato de que os
em meío a uma tempestade, quando observamos as ondas arreben-
tamm~se contra os rochedos, quando deitamos sobre a rera ao lado indivíduos, ao não encomrarem motivos para a sua feIicidade

da pessoa _amada. Estes críticos passam por címa da tese da Iogo~ no mundo objetivo que os rode¡a, tentam substituí-|os com causas
que eles mesmos podem fabricar. Ele ilustra este ponto de vista
terapía de que o sentído e a feIicidadé não têm que surgír necessar¡a-
mente de produtós derívados de alguma atividade ou "tarefa" com uma anedota. Um médico recomenda a um paciente que sofre
de perda de audição que deixe de tomar uísque. Dois meses mais
no sentido estríto, mas que também podem ser o resultado de uma
experíência, seja estétíca, intelectual ou emocíonaL Uma das três tarde está completamente curado, mas na visita seguime vollou

categorias de valores, co'nforme a classificação de Frank|, compreen- surdo como antes. Tínha recomeçado a beber. "Veja o senhor“, diz
de "valores de experíências" que se realizam sempre que desfrutamos ao médico, ”no princípio bebia e não podia ouvir. Larguei a

da natureza ou da cultura, e sempre que experimentamos a beleza, bebida e voltei a ouvir. Mas, francamente doutor, o que eu escutei
a verdade e a bondade do mundo. não era tão agradável quanto o ufsque." Não havendo um sentido
que teria sido o motivo para a sua feIicidade, ele tentou encontràr
Motivos e Causas da Felicidade la diretamente, através de um produto químico que resulta num
sentido passageiro. (WM, pp. 36~37)
Em Berkeley, onde existe um grande interesse em buscar a feIicidade
através das drogas, das “p¡'|u|as da feIicidade" e do álcool, pergun- Auto~Rea|ização
taram a Frank| sua opinião a respeito do prazer e das experíências
culminantes provocadas por estes meíos artifíciais. Díz e|e: “A¡nda Se bem que a auto-rea|ização - outro conceito que, assim como as
que o álcool e as drogas jamais possam ser "mot¡vos“ para a feIi- experíências mais excitantes, se tornou popular graças à literatura
cidade, podem ser sua causa. O motivo ímplíca uma relação psicoIo-' psicológica moderna - seja em princfpio deseja've|, é também um
gica, a causa é estritamente fisiológíca. Quando choro, por exemplo, o'b¡etívo que o indivíduo pode alcançar somente na medida em
que realiza o sentido concreto de uma situação especffica de
porque perdi um amígo, tenho um motivo para fazê-Io. Mas,
quando choro enquanto corto uma cebo|a, a cebola não é o mot¡v.0, sua vida. Se busca a auto~realização por si mesma, fracassará no seu
mas a causa. Também a feIicidade pode ser provocada por uma intento. Apoiando este a'rgumento, um dos seus prediletos, Frank|
cita dois homens que nasceram com um intervalo de 2.500 anosz
causa - por píIulas e inclusíve por uma corrente elétríca. Seí de
um é o poeta grego andarq que, em um dos primeiros exemplos
uma experíência realizada com ratos nos quais se colocaram
de orientação existencial, exortava o homem a "converter-se naquilo
eletrodos em determinado ponto do cérebro; cada vez que um dos
que é", e o outro e' o filósofo existencialista Karl Jaspers, que com-
ratos empurrava uma alavanca, aparentemente experimentava um
plementa o proposto por Píndaro com a seguinte observação: “O
prazer equivalente ao sexual ou ao prazer resultante de ingerir
homem chegou a ser o que é em virtude da causa que tornou sua." 3
um alimento. Ao cabo de certo tempo os ratos acionavam a
alavanca milhares de vezes por dia, e se mostravam indíferentes ao
Frank| dá um passo adiante e indaga quando nos sentímos mais
verdadeiro alimento e às suas verdadeiras companh_eiras. É desta
envolvidos com a auto-rea|ização. Sua resposta é: quando vemos
maneira que se comportam as pessoas que usam as causas em Iugar
frustrada a nossa busca por um sentido. Ao ser presenteado na
dos motivos para experimentar prazer. As causas podem ser químicas,
Austrália com um bumerangue, Frank| considerou-o como um
porém, os motivos devem ser forçosamente humanos." 2

111
110
pode ser anulado, e trará consigo conseqüências imprevislvei5. Em
símbolo da exístêncía humana: a função do bumerangue não é
cada sítuação de sua vida a pessoa enfrenta a gmve responsabilidade
regressar ao ponto de partida, mas sim matar a presa. EIe só
de seIecionar as possibilidades que decidir converter em realidade.
regressa ao caçador quando este erra o a|v0. Analogamente, o
Também neste caso somente conta com sua própria conscíéncia para
homem regressa a sí mesmo e converte sua prôpria pessoa e sua
guiar~se, por mais humana que seja e, como taL propensa ao erra
auto-realização em objetos de sua ref|exão, apenas quando fracassa
em sua míssão e frustra sua vontade de um sentido na vida (PE, p. 9).
As Tensoe~s do Homem Sadio

Charlotte Bühler disse que aqueles que falam de auto~rea|ização


A necessidade de fazer escolhas de sentid0, de valores e prioridades
na realidade referem-se à atualização de suas potencialidades. 4
Vista dessa maneira, a missão da vida do homem consistiri_a em conduzem a tensões; mas estas tensoe"s são saudáve¡s. Somos sempre
atualízar o maior número possfvel de suas potencialidades. Mas aconselhados a evitar tensões ffsicas ou psfquícas, mas a logoterapía

quem atualizar suas potencialidades indiscriminadamente, é provável encara as tensões de espfríto como muito benéficas. Elas são o
que, além de não sent¡r-se realizado como pessoa, tampouco se resultado do esforço do homem em desprender-se do que é no
sínta feliz. Para isso sería preciso que valorizasse suas potencialidades presente e projetar~se até onde sua visão Ihe indica que poderá
e as selecionasse com um propôsito definido em mente. A “busca" chegar a ser no futuro. Para Frankl, ser humano é estar aprisionado
de um sentido implica a eleíção de um rumo a seguir. A este respeito pela tensão entre o que somos e o que devemos ser, termos cons-
Frankl cita o caso de Sócrates, que confessou ser um criminoso ciência de que não necessítamos permanecer da maneira que somos,
em potenciaL Se tívesse atualizado esta potencialidade, o grande mas que sempre podemos nos transformar (PE, p. 37 ff.)
defensor da Iei e da justiça ter-se-ia convertido em um criminoso

.
comum. O que Frankl afírma é algo que podemos confírmar Frankl opõe-se às teorias atualmente em moda, que sustentam que
facilmente nas experiências cotídíanas: sabemos que existem muitas a preocupação primária do homem é conservar seu equilfbño
formas de ser feliz (amar alguém ou dominá-|o), muitas formas interior e, com tal propo's¡to, reduzir suas tensões. Ele cita Charlotte
de atualizar nossa capacídade criatíva (compor uma sínfonia ou Bühler, que chama a atenção para o fato de que, desde as primeíras
formulações de Freud sobre os princfpios do prazer, até a atual
inventar bombas atômicas), muitas formas de auto-rea|ízação (rea-
Iizar nosso eu artístíco ou nosso eu prático, nossa tendência à versão do princípio homeostático é de que a meta de todas as
atividades humanas têm sido a restauração do equilíbrio (PE,p. 37).
crueldade ou nossa inclinação à compaixão). Assim, po¡s, à pergunta
Ela duvida da suposição de Freud (baseada nos conhecímentos
"que sou capaz de fazer?” devemos acrescentar uma segunda:
ffsícos da época) de que a u'nica tendência prímáría da vida é o
"o que estou destinado a fazer7 " Em todos os casos a Iiberdade
re|axamento das tensões. Frankl sustenta que a realidade é então
de eleição do homem deve ser regulada pela sua responsabilidade, e
reduzida a um símples meio para atingir um fim, isto é, satisfazer
isto torna-se mais diffcil ainda, pois raramente dispõe de uma segun-
nossos impulsos, e todas as coisas e pessoas têm como propôsito
da oportunidade. Como insiste Frankl em seu livro Psychoterapy
u'nico servir de meios para um fim, ou seja, encontrar uma necessi-
and Existentialism, cada momento de sua vida oferece ao homem
w mc ~_m mqsu-a

dade e alcançar um estado de equilíbrio (WM, p. 31 ff.).


várias possibilidades de escolher, e não é'suficíente que as atualízez
,-.4

deve decidir-se por alguma delas, e incorporá-Ia à sua realidade


Baseados nestas ínformações, os pais, por exemp|o, ao educarem
e "condenar as restantes ao não-ser". As decisões são irrevoga've¡s:
uma vez atualízada, o que antes era uma possibílidade já não seus fílhos, esmeram-se em evitar-Ihes conflitos; os professores,

112 113
em lugar de estímular seus alunos a alcançar ideaís ou objetívos, Os Precursores e os Pacíficadores
Iimitam-se a ajudá~|os a adaptarem-se, e as pessoas que freqüentam
igrejas (ou consultam psicana|istas) buscam encontrar paz de espírito; Em Psychatherapy and Exístentla'/ism Frankl ilustra o que foi
elas estabelecem Iaços de amizade para satisfazer a uma necessidade, dito com uma interpretação logoterapéutica do livro Exodo,
e realizam boas obrtas para se Iívrar dos remorsos da consciência. onde se narra a maneira como Deus conduziu a tribo de lsrael
Todos os atos são executados com a finalidade de manter o equill- através do deserto até a Terra Prometída. Deus, diz a belia,
brio interior. Como conseqüéncia, tudo e' desvalorizado e degradado flutuava à frente dos hebreus em forma de uma nuvem: guí&
ao nfvel de um simples meio para obter um fim: alcançar um estado va-os, era seu precurso_r. Estes nômades do deserto jamais teriam
ísento de tensões. 0 esforço por manter o equilíbrio também se chegado â terra prometida se essa nuvem, ao invés de ter per-
manifesta naqueles pacientes do sexo masculino que sofrem de manecido sempre adiante, tivesse pairado sobre eles. Teria per-
neuroses sexua¡s. Falam, por exemp|o, de “masturbar-se sobre dido então seu caráter de guia e ter-se-ia convertido em uma
uma mulher". Estes indivíduos utílizam suas companheiras com névoa.
o único propósito de aIiviar sua tensão sexuaL Uma pessoa sadia
jamais verá aos demals como simples meios para a|cançar um f¡m. Poderfamos ir aínda mais longe e afirmar que o progresso humano
Tal atitude é um exemplo do que Martin Buber descrevia como se fundamenta na vísão de um deus no hOrizonte do homem
uma relação “eu-¡sto", onde os outros, em lugar de serem consi- Um estudante de antropologia da Universidade da CaIifómia for-
derados como pessoas com as quais devemos nos relacionar, são mulou a teoria de que o homem primitívo jamais se teria atrevido a
vistos como objetos que podem ser utilízados. domesticar e montar sobre um cavalo se não tivesse tido antes a
visão da velocidade que atríbufa ao seu deus da caça. Já que o
Que o sentido e os valores existem em nosso interíor e a única animal mais veloz que havia visto era o cavalo selvagem, ímaginou
coisa que necessitamos é realizar o “nosso eu ímemo", é uma seu deus sobre o lombo deste. Somente depois que se familíarizou
opinião popular, mas perigosa. É popular porque exime o homem do com a idéia de uma imagem semelhante pôde conceber a possíbili-
esforço de aspírar por valores e buscá-los fora de sí mesmo. E dade de ver-se a si mesmo montado sobre um cava|o. E uma vez
-per¡gosa pela mesma razão: ao evitar o homem o esforço por esta que o homem concebe uma meta não tarda em encontrar o valor
busca, tal crença gera téd¡o, apatia e perda de sentido. Se em lugar suficiente para aspírar a atingí-la. Deus é sempre o seu exemplo, a
de aspírar a algo fora de si mesmas as pessoas se contentam com certas força suprema que o íncita a realizar proezas que em pn'nc!pio
condíções objetívas - tais como “auto-realizac_ão" e "experiências não passavam de sonhos temerários. Dotou a Deus com as que-
culminantes" -, terminarão sendo vftímas do vazio existencíal ou, lidades que sempre almejou possuir: voar pelos ares, destruir seus
como o denomina Frank|, de uma "experiêncía abisma|". Para inimigos, vencer a doença e a morte. Conseqüentemente imaginou
resgatar o indívíduo deste abísmo, a logoterapia recomenda não a seu deus alado, poderoso e eterno. E foi assim que, imitando
ausência de tensões, mas, pelo contrário, uma dose saudável de seu etemo guia e modelo, conseguiu realizar muitos dos seus
tensão, por exemp|o, a tensão exístente entre a demanda por um sonhosz atualmente voa a uma velocidade maior do que Mercúrio
sentido e o esforço para reSponder a esta demanda. Por esta e está a ponto de igualar-se ao poder destrutívo de Jeová. Venceu
razão o Sentído deve estar sempre na vanguarda do Ser. "O muitas enfermidades e começa a falar da velhice como um mal
sentido do sentido", acentua Frankl, "é marcar o passo do ser” do qual não está longe de Iibenar›se. Contudo, até o momento,
(PE, p. 12). alguns atributos do seu modelo mantêm~se aínda fora de seu

114 115
alcance, e é possfvel que jamais consiga ating¡-Ios: conhecer a ser honesto7. "O objelivo dos pacificadores não ó conuíbuir para
verdade, ser justo e sábio, distinguir entre o bem e o mal e conhecer que as pessoas se1'a'm melhores, sábias ou justas, mas que seiam
o sentido da existência. “norma¡s“. Um estudante de logoterapia oomentou a ironia que
poderia ser a linguagem se apIícáasemos este crilérioz visto desta ma-
Este caráter exemplar de Deus, sua condição de protótipo, conver- neira, a maioria dos atuais responsáveís pelas guerras seriam classifíca~
teu~se para o homem em uma meta. Dirigentes religiosos, poetas, dos como “pacif¡cadores", porque não pensam nos efeítos da guerra
exp|oradores, filósofos, professores e pais - todos eles têm desejado sobre os seres humanos e seus valores; pensam em termos de logíst1'ca,
ser, e com freqüência têm sido precursores. Não obstante, recente- na eficácía da destruição, no custo de cada inimigo morto e, num
mente surgiu uma geração que persegue objetivos diferentes. Sua esforço por “ajustar«se à realidade dos fatos”, chegam inclusive a
meta não é a dos precursores, mas a dos “pacíficadores", embora adotar os mesmos procedimentos dos quais se valem seus adversários.
não no sentido que a Bíblia utilíza o termo quando se refere
aos “pac¡ficadores" que seriam chamados “filhos de Deus". Frankl Quando os Estados Unidos se estabelecemm como uma grande
comenta que, enquanto os precursores ínstigam o homem a nação, foram considerados por IOdO o mundo ocidentai como um
desafios, os pacificadores pregam a paz espiritual e tentam evitar-|he II'der. O novo pafs foí um exemplo de democrac¡a, individualismo,
quanuer confrontação. Moisés foi um precursor. Nunca pretendeu líberdade e responsabilidade pessoaL O otimismo, o idealismo e o
que as coisas fossem fáceis para o seu povo. Quando transmitíu espfrito de íniciativa que surgiram como resu|tantes, duraram mais
aos israelitas os Dez Mandamentos, além de defrontá-Ios com de um século. Na atualidade, contudo, é evidente que os Estadcs
ideais elevados, mostrou-lhes como estavam Ionge de alcançá-Ios. Unidos se converteram em um paÍs pacificador. Os ideais de
democracia petrificaram-se em uma adoração ao statu quo. A
Os pacificadores, como
Frankl os retrata, adotam uma atitude Declaração de lndependência é um documento venerado que deixou
oposta. Interessados principalmente em seu equilíbrío ¡nterior, eles de ser um exemplo vivo. A liberdade ¡ndívidua| emaranhowse na
não defrontam o homem com ideais desconfortáveis, mas com rede da burocracia. A responsabilidade de tomar decisões foi lrans«
fatos. Em vez de exortá-lo a ampliar sua perspectiva, |he asseguram ferida do indivÍduo para o anonimato dos comités, associações e
que tudo está bem como está. São aqueles que tentam persuadir agências governamentais. A mudança que sofreu como país de
seu próximo de que os vanres e os sentidos residem dentro de precursores (interessados nos valorcs) a pacificadores (ínteressados
si mesmos, e que não necessitam despender nenhum esforço para nos fatos) talvez seja a causa da apatia e do vazio que se difundem
aIcança'-Ios. Os pacíficadores de hoje em día pensam em função de entre o povo. Os norte-amerícanos ressentem a perda dos valores e
normas e não de idea¡s, confiam nas estatísticas e nos votos de ideais defendidos pelos seus antepassados nos tempos que foram
opinião em Iugar de confiar nas esperanças e nos sonhos. Falam os precursores da Iiberdade e da revolução. Naquela época os Estados
das pessoas que fazem parte da “média" e não do indivíduo Unidos eram um país revolucionário dentro de um mundo conser~
único, se bem que na prática a pessoa da “méd¡a" não pode vador. Nos dlas de hoie são um país cunservador dentro de um
encontrar sentido, poís não existe nada parecido a um sentido de mundo revolucionár¡o. Mas para uma sociedade alicercada no
“termo med'io". Os pacifícadores oferecem fatos que confortam statu quo não existem desafios, porque sua única aspiração é manter
a maioria. “Por que preocupar-se com ideais? Por que ser diferente 0 equilfbr¡o. Suas metas não são os ideais e os valores. mas o
dos outros? Se grande parte dos maridos traem suas mulheres, por prazer e o poder. Na realidade, aquelas antigas virtudes puritanas de
que devo ser fiel à minha? Se a maioría mente, por que devo independência, responsabilidade, criatívidade, ambição fundamentada

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tensões e opressões, surgiu gente capaz de encontrar senddo em
no próprio esforço e honestidade estão sendo trocadas por um
superar suas díficuldades - desde os ísraelítas que vagaram pelo
novo conjunto de objetivos, entre os quais se encontram a grandeza,
deserto até o povo frances“ sob a ocupação alemã durante a Segunda
o bem-estar material, o statu que, a segurança socía|, uma persona-
Guerra MundiaL O tédio e o vazio prevaleoeram em épocas de
Iidade equilibrada e a preocupação em manter uma boa imagem.
abundância e segurança material - entre os cidadãos do Império
Romano no apogeu de seu poder, entre os aristocratas da corte de
Contudo, há evidências de que a juventude americana anseia para
Luiz XVI e atualmente entre as classes privilegiadas da socaed'ade
que seu pafs volte a ser novamente um precursor. Este anseio
norte-americana de consumo. A este respeito o sociólogo Lewis
expressou-se durante o govemo de Kennedy que exortou o povo
Mumford exoressou-se severamente: “A economia em expansão dos
a responder ao seu dever como indivfduos. “Não pergunte o
Estados Unidos, apesar de sua asfixiante abundância de bens produ-
que o seu pafs pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer
zidos por máquinas, trouxe como resultado uma vida depr¡'mente-
pelo seu paÍs", declarava eIe. E pouco provável que o Presidente
mente reduzida, uma vida restringída em sua maíor pane ao auto
Kennedy tenha conhecido o primeiro Iivro de Frank|, The Doctor
móvel ou aos aparatos de televisão; uma vida tão vazia de expenê'n-
and the Sou/, onde já se podia Ier uma idéia semelhantez "O homem
cias diretas e vítaís que facilmente poder-se~ia viver no interior de
não deve indagar-se o que pode esperar da vida, senão compreender
uma cápsula espacial viajando a partir de nenhum Iugar para chegar
que a vida espera algo de|e" (DS, p. XI). Que o chamado de
a Iugar nenhum a uma velocidade supersônica." 5 Trinra anos
Kennedy encontrou um soIo fértil ficou plenamente demonstrado
atrás, o logoterapeuta vienense Paul Polak advertiu-nos contra a
pelo entusiasmo com o qual a juventude se prestou a colaborar
crença otimista de que as neuroses desapareceriam tão logo o homem
com o Corpo da Paz. Para que os Estados Unidos voItem a ser
resolvesse seus problemas econômícos. Polak predisse que somente
novamente um pafs precursor, é necessário que o ”poder do
então os problemas existenciais aflorariam à superfície da consciéncia.
espírito humano" seja utilizado por milhares de pessoas que se
disponham a dominar a inclinação pelo estado de statu quo, que
Ao que parece, é isto o que está ocorrendo nas sociedades de con-
conge|ou os antigos vanres em todos os partidos políticos.
sumo do ocidente. Algumas das tensões mais antígas da humanidade,
as derivadas da Iuta por conseguir abrigos, alímemo e proteção
0 Sentido na Sociedade Opulenta
contra as forças da natureza, reduziram~se drasticamente; outras são
neutralízadas, dissimuladas e alíviadas mediante processos de adap-
Se tentarmos decífrar o enigma da razão pela qual nossa abundante
tação e pelo excesso de comodidades que a vida moderna oferece.
sociedade está envolvida pelo vago sentimento de falta de ma
Sob a influência dos pacíficadores o homem faz o possível para
tivaça"o, ficaremos tentados a negar que um dos mais persistentes
escapar das suas tensões. No entanto, as pessoas não conseguem ser
ideaís da humanidade - a utopia - é a máxima expressão da Opu-
mais felizes do que antes. O estranho é que, se somos liberados de
lência e de uma vida carente de tensões. Frankl sustenta que uma
nossas tensões, observa Frankl, nós mesmos as criamos, seja para o
completa satisfação das necessidades e instíntos do homem, longe
bem como para o maL Em sua opinião, os esportes constituem a
de conduzir automaticamente à felicidade, somente traria como
forma mais popular de criar tensões saudáveis: a função do esporte,
resultado a frustração e um profundo vazio ínterior. Os peregrinos,
pelo menos a do tipo mais ativo, é a de permitír ao indivlduo
primeiros coÍonizadores dos Estados Unidos, ao defrontarem-se com
satisfazer sua necessídade de tensão mediante a superação de obstá~
um contínente estranho e hostil, não experímentaram um vazio
culos que ele mesmo se impõe. Esta é uma atividade genuinamente
existencialz tinham uma missão a cumprir. De sociedades sujeitas a

119
118

Lgyh
humana. Nenhum outro animal coloca diante de si valetas com o de “esvazíar a banheira com a criança dentro". Pois não apenas
u'níco objetivo de saItá-Ias, nem escala montanhas pela simples os ideais puritanos senão todos os ideais foram reieitndos co
satisfação de vencer uma dificuldade. Não obstante, também se mo algo fora de moda. Considerou-se próprio do século XX
podem criar tensões de muitas maneiras nocivas. Como assinala ser objetívo e materialista. Mas Frankl vê um retomo do desafío
Frankl, os jovens, quando não se Ihes exigem tarefas suficientes, aos ideais.
descobrem áreas peiigosas onde buscar satísfazer sua necessidade
de tensão. Desafíam a autoridade, provocam a po||'c¡a, cabulam as Na América de após Watergate a exigência geral pela moralidade no
au|as, arriscam gratuitamente suas vidas em competições suicidas governo está gradativamente derrubando aquela atitude muito con-
e cometem crimes absurdos. Contudo, o vazio existencial da juven- veniente de “todo mundo trapace¡a, por que não eu". 0 Presidente
tude não precisa ser preenchido com conteúdos destrutivos como Carter foi eleíto pela força de um idealismo que os eleitores
fícou provado em Oslo, na Noruega, onde um grupo de delínqüentes conseguiram perceber. Sua luta pelos direitos humanos universais,
juvenis, que sacíou seu desejo de tensão rasgando com navalhas os considerada extravagante por muítos povos, foi apoiada em seu para
pneus dos automóveis e os assentos dos ôníbus, formou patrulhas A tradicional profundidade da psicología, relacionada às necessidades,
para impedir atividades semelhantes por parte de gangues rivais. é complementada por um ideal direcionado para a “a|ta psicología",
Para sua surpresa descobriram que era tão “excitante" colaborar com um termo usado por Frankl em Iogoterapia desde 19384 Ele Cita um
a justiça como combatê-Ia. "a|to psicólogo" quando dizr “Os ideais são a própria essência da
vída" (WM, p. 47). O homem que considerou esta afirmação verda-
Um Retorno aos ldeais deira foi de fato um psicólogo das “a!turas" - Johnx Glenn, o
primeíro astronauta americano, um cientísta, agora senad0r. Os
Como é fácil de compreender, em suas visitas aos Estados Unídos, ideaís estão se tornan_do novameme respeitáveis.
Frankl geralmente abstém-se de críticar seu paIs hóspede, o que não
impede que em algumas ocasiões comente sobre o grande anseio dos Apesar de todos os íntentos em reduzir os sentidos e os valoru a
americanos por uma sociedade livre de tensões e, mais especificamen meras projeções da estrutura interna do indivíduo determinado
te, sobre a involuntária influência de Freud a este respeito. Em um psicológica e socialmente, não se pod”e minar o idealísmo natural da
artigo publícado no Journal of Human/s'r¡c Psych0/ogy, Frankl assi- jovem nação americana. Ela está comprometída com muitas causas:
nala que Freud viveu em uma época de tensão, principalmente de desde a guerra contra a pobreza até a Iuta contra os reatores nucleares
tensão provocada por uma repressão sexual generalízada. Na atuali~ e a poluição ecolo'gica. Os eclesiástícos abandonam seus púlpítos para
dade, graças a Freud, essa tensão decresceu e proporcionou um incorporarem-se às manifestações. Os estudantes marcham para
grande alfvio aos países ang|o~saxões que padeceram as restrições apregoar seu descontentamento. Será esta uma atitude doentia_?
de uma tradíção puritana. Em uma reação em massa contrária à S¡m, se a adotam para fugir ao vazio existenciaL Na"o, se a assumem
exigência descomunal e pouco realista de "v¡rtudes" criada peIo oara dotar a própria existência de um conteúdo valioso. O chefe da
puritanismo, os americanos, em seu afã de Iibertação, caíram no clínica psiquiátrica do hospítal de estudantes da Universídade da
extremo oposto, e pretendem prescíndir de qualquer norma. Diante Califo'rnia, em'Berkeley, revelou que, no período em que se reali~
do temor de exígir demasiado de sua juventude, criaram um sistema zaram as manifestações juvenis a favor da Iívre expressâo, o número
de educação que evita cuidadosamente impor aos estudantes concei- de internados na clfnica baixou a zero, e que o número de neuroses
tos “puritanos" tais como ideais e valores. Frankl vê nisto um caso aumentou outra vez assim que cessaram as manífestações. Isto

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vem confirmar a tese de que a saúde mental subsiste quando 7. ADESINTEGRAÇÃO DE NOSSAS TRADIÇÕES
conta com um sentido para encontrar, um ideal a que aspirar.

Nossa época está repleta de desafios. Mesmo em uma sociedade


opulenta o homem_não necessita ir muito longe para encontrar
tarefas a cumprir. Dirigindo-se aos estudantes da Universidade de
Oslo, Frankl concIu¡u: “Ninguém precisa Iamentar-se pe|a falta
de sentido; tudo o que tem que fazer é ampliar sua perspectiva, ver
mais além de sua própria pessoa, de sua família imediata, seus amigos, Justameme aquilo que iulgamos mais avideme 6 o que dm m postn om dúvkhm
Não se deixe hipnotizar pelas solucões trsdicionais Put Hoin
seu grupo e mesmo sua nação, e descobrirá que, enquanto alguns
vivem na opulênc¡a, muitos vivem na miséría e necessítam ser
ajudados. Nós gostamos da |iberdade, porém, onde está a nossa A Iogoterapia afirma que a sensação de vazio que prevalece em
responsabilidade em relação aos demais? Milhares de anos atrás nossa época é o resultado de uma dupla perda que sofre o homemt
desenvolvemos a crença em um Único Deus, a crença no m0f10- a de seus ínstintos e a de suas tradições. A conduta dos animais é
teísmo - talvez tenha chegado a hora de dar um passo gígantesco dirigida pelos seus instintos. 0 homem víu~se privado de seus
adiante e criar a crença em uma Humanidade U'n¡ca, adquirir a instintos animais básicos muito antes que se iniciasse a história.
consciência do que eu gostaría de chamar de Monoantropismo - a A segurança ínstintiva está vedada ao ser humano para sempre.
idéia de que todos nós somos membros de uma só humanidade, De fato, o homem carece do instinto que permíte ao salmão re
independentemente de cor, relígião ou tendência poHtica." 6 gressar ao manancial de suas origens no momento da desova e
do instinto que impele o urso a refugiar-se na cálida gruta, quando
sente a aproximação do inverno. Nós devemos encontrar o rumo
de nossas vidas tentando buscar, a cada momento, o senlido de
nossa existênc¡a. Mas, para que o obtenhamos, devemos Iançar
mão dos valores que nos são transmítidos de geração a geração,
através das instituições humanas taís como a faml'|¡a, a igre¡a, a
escola e o Estado.

Períodos de Rápidas Mudanças

Em épocas normais a tradição é a responsável pe|a conduta do


homem No entanto, existem períodos nos quais a confiança que
o homem deposita nas tradições e instituições desaparece, e a
angústia sobrevém Em seu Iivro The Courage to Be, Paul Tillich
enumera as três causas principais da angústiaz a morte (o medo do
nada), a culpa (a consciência de haver violado uma Iei mOraH e o
absurdo (a proposta de interrogaçoe's para as quais não há resposta).

123
122
TiIIich observa que, nos u'|t¡mos anos da antigu"¡dade, a angústia
vizinho das próximas dez gerações. O autoritarismo categóríco de
do homem estava reIacionada com seu temor peIa morte, fato este
Kant impelir-nos-ía a atuar sobre conceítos que só poderíamos
que haveria de influír no surgimento das religiões que, como o
cristianismo, se preocupavam com a imortalidade e a ressurreição. aceítar como leís universais daqui a cÍnco mii anos. As relações Eu-Tu
de Buber estender-se-iam muito além do atual interesse por "Eu e
Nos fins da Idade Média, o homem atormentavaee com as sensações
de culpa e a conseqüente angústía moral, para as quais a Reforma Tu, aqui e agora".
veio oferecer~|he um meio de perdão e expíação. Atualmente o
homem chega ao térmíno de outro período quando penetra na Walter Líppmann foi um dos primeiros a advertir sobre a magnitude
era nuclear - domina-o a angústia provocada por uma sensação de e imínência das mudanças fundamentais que se avizinhavam quando,
absurdo e futílidade. A preocupação atual do homem pelo sentído em 1914, escrevía no Drift and Mastery: "Jamais navegante algum

de sua existêncía haverá de dar origem a um novo movímento que aventurowse em mares tão desconhecidos como nos que mergulha
possivelmente deverá basear~se em um existencíalismo, quer seja o indivfduo comum nascído no século XX. Nossos antepassados
teológico, atefsta, psicológíco ou de qualquer outra índole. acreditavam conhecer seu destíno desde o nascímento até a eternída›
de; já para nós, é um enígma o que sucederá dentro de doís dias."
Ao finalizar cada um dos três períodos hístóricos anteríormente Hoje, uma geração depois da época em que estas palavras foram
mencionados - a Antigüídade, a Idade Med'ia e a Epoca Moderna -, Áescritas, os valores e as tradições estão sendo controvertidos e im-
questionaram~se valores por Iongo tempo aceitos, as instituições es- pugnados em todos os ãmbitos de nossa cultura. Não obstante,
tabelecidas perderam seu poder e desconfiou-se das tradições. Porém, como também assinala Líppmann, o fato de abolirem-se as leis
talvez a crise jamais tenha sido tão vírulenta nos prévíos perfodos antigas e a tradiçâo, por mais antiquadas que sejam, não irá conduzír
de transição como o é agora em nossos dias. Pela primeira vez necessariamente a uma existência significativa como tampouco
a democracia se estabelece automaticamente quando o rei é
as diferenças entre o antigo e o novo são tão grandes que as símples
mudanças quantitativas se traduzem em mudanças qualitatívas. O deposto.
homem, por exemplo, pode ver em seu passado uma extensa sucessão
de armas, cada qual mais mortífera que a prescedente. Mas a bomba Uma Crise de Valores

H é mais do que uma nova arma: ínaugura uma outra força de


vida e morte que exige do ser humano uma revisão de conceitos tão As tradições modificam-se Ientamente. Nos días atuais, no entanto, a
crise vem se propagando com tanta rapídez, que abriu a maior brecha
antígos como a guerra e paz, a coragem, a honra, a lealdade e o
entre gerações de que se tem conhecimento na história. Muitos
patriotísmo. As viagens espaciais não representam simplesmente ou-
alicerces tradícionaís estão desmoronandoz a invíolabilidade da pro
tro meio de transporte, mas literalmente abrem o caminho ao
priedade, a categoria social hereditária, o dogma do pecado, a
universo e expandem a visão que o homem tem de si mesmo, da
vída e da divindade. Nós sempre temos assumído responsabilidades obediência absoluta à autoridade e até o próprio valor da tradíção.
Cada día um maior número de pessoas resiste a aceitar a simples
em relação àqueles que nos rodeiam; contud0, a era atômica, com
antigüidade de uma instituição como uma razão válida para crer
seus resíduos de radíoatividade e a industrialízação que poluem nossas
reservas naturais, forçam-nos a assumir responsabilidades por gerações nela. Os jovens de hoje desconfiam de seus pa¡s, os cídadãos de seus
que jamais conheceremos. Esta é uma desafiante religião e uma governos, os alunos de seus p_rofessores, os fiéis - e mesmo os
fílosofia nunca antes enfrentada. E necessário que amemos nosso teólogos - dos dógmas religiosos. Nenhum baluarte da tradição
permaneceu incólume.

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A honra? A astu'c¡a? As vamagem pessoau'? Nlo havia ao seu redor
Quando visitou o Japão, em suas conferências, Frankl falou aos
motrv'os pelos quaís lutar, só maios, e oz me¡'os. dermo do nos
seus ouvíntes sobre seu alto padrão de cultura, da antigüidade
reinante, haviam-se multipücado anarquicamenm Foi quando mv
de suas tradições e das mudanças extremamente violentas que
preendeu que nesta confusão não havia um refúgio ao qual pudsu
sofreram seus modelos culturais - em vinte anos aboliram tradições
se recolher, que estava sozinho, que não podia conme ern nodl nem
que haviam seguidodurante dois mil anos. Apôs a conferência,
em ninguém.
uma jovem pôs-se de pé e perguntouz “Como poderiamos encontrar
sentido nesta época em que se extinguem as tradições e os valores? "
0 Refugiado como um Porquinho-da-India
lsto fez Frankl compreender que precisava realçar o papel relevante
da modificação educacionaL Durante milênios a tarefa da educação
Esta foi a experiência traumática do refugiado de 1938. Mas,
foi transmitir valores de geração a geração. Hoje, argumenta Frank|,
desde então, e no curso dos trinta anos seguintes, a cnse' dos
a missão da educação não se traduz meramente em divulgar conhe-
valores tradicíonais estendeu~se gradualmente até afetar a populaçlo
cimentos, mas auxilia o homem a aperfeiçoar sua consciência indí-
"estável" das atuais sociedades de consumo. Os refugiados dos anos
vidua|, de maneira que ele se torne capaz de descobrir os sentidos
trinta poderiam ser considerados como os porqu¡'nhas-da-Índia de
u'nicos inerentes a cada situação de sua vida. O desaparécimento
uma experiência sinistra na qual se veria envolvida toda a humanr'
da tradição afeta somente os sentidos universais, os valores. Os
dade até os dias de hojez a experiência de descobrir como sobre-
sentídos u'nicos não podem ser afetados pela perda da tradição
viver e conservar o sentido pessoal diante da corrupção das valores,
porque eles não morreram - devem ser descobertos por cada um
da decadêncía das tradíções e da dissolução das instituições. E,
de nós em cada momento específico. E para isto necessitamos de
ainda mais, como viver em um mundo que nega ao homem a pod-
uma consciência mais apurada e um ouvido treínado para escutar sua
bilidade de guiar-se pelos valores e, ao mesmo tempo, o dissocia de
voz.
sua fonte pessoal de sentido, de sua consciéncia. 0 maior perigo
para a nossa consciéncia é a “mater¡alização", a transformação das
Os judeus austrfacos experimentaram uma súbíta desintegração de
seres humanos em objetos, porque um objeto é desprovido de cons-
valores em 1938. Presenciaram o colapso do pafs que amavam, do
ciência. 0 êxito do plano diabólico de Hitler foi o de haver tmtado
governo no qual confiavam, da sociedade em cujo seío cresceram,
suas vítimas como coisas, mediante a pressão e a propaganda
da família que os protegia e das leis que garantiam sua segurança;
que conseguiu convencer muitas delas, embora não todas, que sendo
A honestidade não resultou ser a melhor forma de proceder, e foí
coisas não podiam apelar para a sua consciência. O mesmo está
preciso mentir para sobreviver. O pai nem sempre tinha razão,
sucedendo agora, uma vez que o reducionismo nos tem tratado
e muitos pagaram com a própria vida por terem esperado tranqüi~
como símples animais ou máquinas.
lamente até que a situação se normalizasse. O próprio governo
encarregou-se de cometer os assassinatos e os roubos que tradicional-
Numa publicação ainda não traduzida, Frankl descreve a vida no
mente havia proibido conforme a Iei. As sinagogas foram incen-
campo de concentração como a extrema degradação do valor do
diadas, e as igrejas, no melhor dos casos, guardaram silêncio. 0
homem ' |maginem, diz ele, um Estado que espreme as u'ltima
cardeal de Viena não vacilou em anunciar publicamente seu apoio
gotas de vida de um ser humano que já ioi previamente condenado
ao regime ateísta. De uma hora para a outra o judeu austríaco de
à morte, e que, em Iugar de quuidálo de imediato, alimenta›o
1938 encontrou-se numa terra de ninguém, sem sinais pelo caminho.
para forçálo a trabalhar, e com isto obter algum provaito de|e.
Ouais eram os valores supremos? A sobrevivência?0 valor.7

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“Com quanta freqüência nos diziam nos campos de concentraçâo que não tinham permissão de atracar em nenhum porto) ou
que não éramos dígnos sequer da sopa que nos alímentava - essa incinerados (em campos de concentracão, como se fossem afé
sopa que era a nossa u'n¡ca refeição quente e que recebfamos para excedenteJ
ooder cavar fossos. No's, os indignos, devíamos receber este dom
imerecido com a devida gratidãoz tfnhamos que tirar o gorro Tornandose Objetos
quando nos enfíleírávamos para recebê~|o. Nossa vida já não vaIia
um prato de sopa nem nossa morte vaIia uma bala - apenas um Como conseqüéncia, seis milhões de seres humanos pereceram:
sopro de ga's.” Essa sopa era o óleo necessário para manter funcio- um tributo de vidas monstru050 para qualquer exper¡'mento. Con-
nando por mais tempo uma peça da máquína. O homem era algo tudo, poder-se-¡a aceitar esta perda (mesmo que entre os desapart
que devía ser utilizado enquanto pudesse ser u'ti|, e descartado cídos se encontrassem nossos pais, esposas, amigos) se pudéssema
com a maíor eficíência e economia possíveis, assim que se gastasse. interpretá-Ia como um sacriflcio que trouxesse algum sentido.
Foi esta mesma filosofía que conduziu aos assassínatos em massa Pelo menos o sentido de uma advenénciaz rs'to é o que acontece
perpetrados nos hospítaís psiquiátricos: o paciente era considerado quando os homens são tratados como cifras em listas de transporm
uma peça defeituosa do equipamento, e portanto, inu'ti|. como problemas de contabilidade, como refugo que é necessário di-
â. minar. Em u'ltíma ínstância, semelhante tragédia coletw'a poder-se-'ia
Í
0 refugiado do regime de Hitler nos anos trinta, em sua ânsia por ac_eitar como uma advertência do que “poderia aconteoer aqui",
encontrar um Iugar seguro onde pudesse sobrevíver, foi provavel~ num pafs civilizado, sve o homem - por determinada razão -
mente quem mais perto esteve de converter-se em objeto, comparado chegasse a ser considerado como uma coisa. Mas a advenéncia não
com aqueles que viviam fora dos campos de concentração. E Hitler foí ouvída. O que Hitler fez com suas vÍtimas o homem está fazendo
conseguiu que o mundo concordasse com eIe em considerar o na atualidade, consigo mesmo, com orgulho e em nome do progresso.
judeu como uma mercadoria supérflua. Na Conferência de Evian, Pois o homem não está Ionge de considerar-se a si próprio como
Hitler co.'ocou 40 miI judeus à venda, ao preço de 25 miI dólares um simples objeto, já que os partidos polfticos se convertem em
por cabeça, e uns trínta pafses recusaram sua oferta. Contudo, sistemas burocráticos dentro dos quais os eleitores reduzem-se a
houve nações que apresentaram suas próprias ofertas separadamente, uma cifra estatfstica no levantamento da opinião pu'b|ica; já que os
ofertas que não estavam baseadas no que os refugíados eram (seres economistas consideram o ser humano como um consumidor a
humanos), mas no que possuíam (dinheiro, aptidões, conhecimentos). quem se pode Iavar o cérebro com a propaganda comercial,' já que as
A BoIÍvia permitíu a entrada através de suas fronteiras de uma quant¡- empresag vêem nele um autômato que pode ser substituldo por
dade irrísória de mercadoria humana, sob a condição de que os I'mi- aparelhos mais eficientes; já que os sindícatos o utilizarn como
grantes fossem jovens, agricultores qualificados, ou contassem com um um instrumento em um processo de regateio, e as universida-
capital mI'n¡mo de mil Iíbras para investir no pafs. O Haiti restringiu des o controlam como a um cartão de IBM e o programam para capa-
a imigração aos que possulssem cinco miI dóIares. O Kenya Iimitou citá-Io naquelas especialidades onde a demanda do mercado é maior.
suas ¡mportações aos que tinham 500 libras, e o Paraguai aos que A coisíficação do homem pode ocorrer, não nos campos de exter~
dispusessem de um capital mínimo de 1.500 dólares em ouro e mínio, mas no anonimato da atuaI planificação urbana que está
os conhecimentos necessários para estabelecer novas indu'str¡as. construindo cortiços espirituais. Nos gráficos e nas estatísticas
Aqueles que não preenchessem os requisitos que o Vmercado exigia Onde se quantifica a tragédía humana; no número de desempregados,
eram abandonados, com freqüêncía no mar (em barcos arruinados de desertores das escolas, de delínqüentes, vítimas do crime e dos

128 129

' m-w~..¡_.w
__ 7
acidentes de tráfego. Na guerra moderna, onde as baixas potenciais maior parte de seus instintos anima¡s. Deve ser orientada com a ajuda
são calculadas não em termos de se¡s, mas de sessenta milhoe"s de daquelas experiências que na prática demonstraram ser mais e
vftimas, e onde, para matar, não é preciso defrontar-se diretamente significativas nas gerações anteriores. A educação ínicial de uma
com o inimigo; basta comprimir um botão. E se ele se converte em pessoa deve revestir-se da forma de valores transmitidos pelos
coisa, perde a tradição, padece de obsolecência, pois já não possui adultos. Mas, à medida que cresoe, a criança vai se tomando cada
valores, apenas usos. E como coísas entre coisas a vida já não tem vez mais capacítada para assumir uma posição independente diante
sentido. Tornamo-nos meios para um fim. lmmanuel Kant advertia das tradições, e ínclusíve para opor-se a elas. Por esta independén-
que o ser humano jamais devería ser reduzido a um meio para cia o homem tem que pagar um preço. O que Frankl denomina
atingir um f¡m. Mas, como escreveu Frankl em 1958: “Durante neurose noógena, pode ser causada pelo conflito entne a auténtica
estas u'ltimas décadas, os trabalhadores estão cada vez mais se consciência do homem e seu símples superego (PE, p. 43).
reduzindo a snn'ples meios. Não é o trabalho que é o meio para _o
fim, mas o trabalhador, o ser humano." 2 A situação piorou na e- O Perigo da Mumificação
ra do automatismo que o converteu em um meio para a produção de
bens de consumo. Penetra então na era da publicidade em massa É função da tradição transformar conhecimento em sabedoria, e
que o converte num meio de vender produtos, e na era do cinismo transmitHa aos indívfduos que não têm possíbilidade de acumular
polftíco que nele vê um meío de obter votos. As grandes cifras da a sabedoria do passado, através de suas próprías experiências. E um
população dificultam que se preste a devida atenção ao índivíduo, fato geralmente aceito, de que a criança necessíta de que a guiem.
e conduzem a arregimentação em nome do método e da ordem. algumas vezes até o ponto em que é preciso exígír deia absoluta
A arregímentação, por sua parte, tenta converter o homem em um obediência. Os pais responsáveis insistirão em que seus filhos
meio eficaz para o funcionamento da máquina econômica e política pequenos obedeçam a certas regras sem questioná~lasr uma criança
não pode expor-se ao perigo de aproxímar-se do fogo ou de
Em Busca de um Remédio atravessar uma rua em pleno tráfego. Nem todas as geraçoes' dispoe"m
de tempo e das oportunidades necessárias para aprender por si
Uma vez diagnosticados os males de nosso tempo, Frankl tenta assi-
mesmas a distinguir o falso do verdadeiro, o justo do injusto, o
nalar o caminho até o reme'dio. O remédio que ele propoe~ - um
bem do mal, o conveniente do que deve ser evitado. 0 fato de contar
retorno aos recursos da consciência pessoal - não é nem extraordi~
COm um guia de regras para a infãncia, rítuais, valores baseados
nário nem novo. Mas é certamente uma novidade essa sua insistência
em que a educação, em seu sentido mais amplo, deva conduzír o na relígião e nas Ieis civis dá às pessoas segurança e direção.
E por isso que a tradição, encarregada de tmnsmitir estas regras e
homem de volta aos recursos de sua consciência, e ajudá~|o a aper-
valores, não pode ser cegamente rechaçada. Repelindo indiscrímína~
feiçoa'-la. Embora ele defína a consciência como a capacidade
damente a tradição, o homem corre o perigo de desprender-se não
intuitiva para perceber a gestalt u'n¡ca de sentido inerente a deter~
apenas dos seus aspectos superficiais, anacrõnicos e censuráveis,
minada situação vítal u'n¡ca (WM, p. 19), ele reconhece que, nas
crianças e nos jovens, o sentído necessíta ser canalizado mediante como também daquelas verdades que constituem sua esséncia e
as experiências das pessoas mais velhas. cuja validade foi provada pelo tempo.

Não se pode esperar que uma criança pequena seja dona de uma Mas se a tradição é uma bênção que nos chega do passado, é também
consciência plenamente desenvolvida, nem que consenle ainda a uma maldição que ameaça nosso futuro. Sua aceitação incondicional

130 131
pode ser tão perigosa como a sua total reje¡ção, uma vez que a A rotina é também a morte da moral, da sabedoria e da verdade.
primeira atitude representa uma tentativa de mumificar os valores Destacar a unicidade do sentido, sobre a universalidade dos valoresz
em um mundo sujeito a contfnuas modificações. As verdades de eis a base da atração que exerce a Iogoterapía sobre o ser humano.
hoje serão os absurdos do amanhã, e os sonhos do presente, as
realidades do futur0, À medida que vai amadurecendo, 0 indivíduo A aceitação passiva de va|0res é perigosa, mas pode ser catastrófica
confronta seus valores tradicíonais com as experiências de sua vída, nos perfodos de mudanças su'bitas. Em certas épocas o conhecimemo
e descobre que nem sempre coincidem. O mesmo oc0rre com humano evolui a um passo tão acelerado, que a tradição é incapaz
as socíedades em processo de desenvolvimento. Seus conhecimentos de assimilar todas as verdades recém~descobenas. 0 homem sentese
vão se multiplícando, e a sabedoria baseada nesse conhecimento ínseguro, confuso e não pode encontrar sentido na observâncía
evolutivo deve atualizar-se periodícamente. Até as enciclopédias de va|ores ultrapassados. O mesmo pode ter ocorrido nos tempos
tornam-se obsoletas e devem ser revisadas. A maioria destas mudanças bíblicos, e talvez seja este 0 significado do mito da Torre de Babel:
vão-se introduzíndo tão paulatinamente que praticamente passam o homem tentou elevar sua torre de sabedoria a uma altura n
despercebidas. Não obstante, ao caminhar dos séculos estas mudanças velocidade excessívas, e, por haver~se aproximado demasíadamente
graduais chegam a acumuIar-se de tal sorte que as Ieis e os costumes dos segredos de Deus, foi castigado com o caos. Já em tempos
origínais não seriam reconhecidos nem sequer por seus próprios fun- históricos o homem tem atravessado de vez em quando períodos
dadores. No Talmud (Menahot, 29 b) conta-se que em certa ocasião de confusão, como aconteceu, por exemplo, na antiga Grécia
Moisés desceu à terra e foi vísitar a escola de Rabbi Akiba, o durante o século V a. C., quando os descob_rimentos científicos
grande mestre judeu que viveu no primeiro século da nossa era. revolucíonaram a imagem que os gregos tinham de si mesmos. de
Moisés sentou-se na u'|tima fila e pôs-se a escutar. Mas não conseguia seu mundo e de seus deuses. No fim do perfodo medieval uma
compreender a que faziam referência os ensinamentos do sáb¡o, a- torrente de invenções e explorações mudou radicalmente o panorama
té que Akiba concluiu sua díssertação com as seguintes palavras: que o povo Iinha do mundo que conhec¡a. E o que atualmente está
“Esta é a Iei que Moísés recebeu no Sínai." acontecendo. Vivemos em uma era de expansão do conhecimento
humano sem precedentes.
O perigo provém dos que asseguram haver descoberto a verdade
absoluta de uma vez e para sempre. Embora seja certo que os Dos Sentidos para os Valores
valores transmitidos pela tradição podem abrir a porta à sabedoria
do passado, também podem transformar-se em uma prisão se não Uma vez que entram em crise os valores universais e se peIde a
forem constantemente confrontados com a realidade do conhec¡- confiança nas tradiçoe~s e instituições estabelecidas, o indivfduo
mento progressivo. Não existe nada, nem o homem nem um valor é abandonado aos seus próprios recursos em sua árdua busca dos
que possa ser preservado sob chave. O homem não 5uspende seu sentidos u'n¡cos de sua situação vitaL P0is, de acordo com os
processo de envelhecimento dentro da prisão, nem pode impedir princfpios da |ogoterapia, os sentidos u'n¡cos das situações vitaís
que os preceitos moraís percam sua vigência símplesmente porque do homem subsistirão ainda quando forem desprestígiados os valo-
foram encerrados em regras, |e¡s, rituais ou livros sagrados. Sem a res universa¡s.
transformação constante, a maís gloriosa tradição torna-se um peso
morto. D¡z-se que em certa ocasião Arturo Toscaníni gritou com A Iogoterapia também afirma que os valores nunca podem desapare-
os músicos durante um ensaio: “Rotina - a morte da mu's¡ca!" cer completamente. Alguns podem se perder; outros podem mudar;

132 133
escondem por detrás da espessa moita de valores umv'ersais iá
mas certos valores uníversais írão permanecer, pois eles representam
superados. Indicar o caminho para os novos semidos poderá requerer
situações tfpicas que panilhamos com os dema¡s. É deste
os mesmos sacríffcios que os profetas re|igiosos tiveram que oferecerz
solo comum e universal que continuam surgindo os valores. Mesmo
o ridÍcu|o, a prisão e até mesmo a morte. Mas seus ideais também
nas épocas em que os valores tradicionaís se tornam desacreditados,
irão prevalecer e conduzir a humanidade a uma nova moraL
e a maioria das pessoas qutua sobre um oceano de aparente absurdo,
alguns seres terão a consciência sufícíentemente aIerta para apreen-
derem o sentido de cada sítuação que se aIterou. No conceito de A Função da Educação
FrankL os sentidos de hoje serão os valores de amanhã. O sentido
u'nico, encontrado por indivfduos únicos em resposta a uma Frankl considera que a educação pode desempenhar um papel
decisivo como guia da juventude em busca de um sentido. "E
situação especffica, podem converter-se no sentido universal, que
é o valor (WM, p. 64). provável que na nossa época, isto é, na época do vazio existenciaL
a 'primordia| tarefa da educação seja refinar a capacidade que
permitirá ao homem encontrar os sentidos u'nicos, em lugar de se
Foi o que provavelmente ocorreu na Grécia no tempo de So'crates,
na Palestína no tempo de Jesus e na l'ndía no tempo de Buda. As satísfazer em transmitir tradições e conhecimentoa A educação
tradíções foram derrubadas, mas apareceram os fundadores das de hoje, já não pode acompanhar os moldes tradicionais, mas

religíões, que não só descobriram nlovos sentídos como também deve despertar a habilidade para tomar decisões independenles
forjaram novos ideais a transmit¡r. e autênticas" (WM, p. 64).

A possibilidade de que o período intermediário que estamos atraves- Esta diretriz para fíns de educação, à primeira vista heterodoxa, conu
atualmente com pelo menos 2.500 anos de antigu"idade. É uma
sando seja um tdestes intervalos turbulentos de transição suscita
especulações em torno da vinda de novos “profetas" que provave|- derivação do princípio platônico de que o propósito da educação
deveria ser a instrução do governante, com o objetivo de que se
mente nos indicarão um caminho a seguir. Os nomes de Gandhi,
convertesse em um filo'sofo-rei, que fosse o melhor ínformado, o
Schweitzer, Buber e outros foram mencionados. Talvez o novo
mais sensível às necessidades atuais, que possuísse a mais responsável
profeta esteja vagando pela terra, desconhecido, como o foi Jesus
consciência. Num regime democrático, cada um de nós é um
nos prímeiros trinta anos de sua vida; talvez não tenha ainda nascido.
governante, e deve, portanto, tornar-se igualmente informado,
É possfvel também que a nova mensagem não nos seja transmitída
sensfvel e responsáveL
por um único messías, mas por uma multidão deles. Lewis Mumford,
no seu Iívro Conduct of Life sugeria que "a segurança e a salvação"
Porém, nasmais avançadas democracias do século XX, o homem
da humanidade poderíam ser alcançadas, "se uma pessoa em cada
encontra-se apenas no limiar de tal concepção. E por este motivo que
dez estívesse plenamente consciente e c_apacitada para utílizar seus
maís elevados centros de inteligência e moralidade". Mumford é tarefa da educação aiudar os alunos a descobrirem os valores de
hoje e encontrar novas prioridades para os valores de ontem - em
pensava que, especialmente em uma democracia, o homem não
podia delegar sua responsabilidade, como o fez no passado, a um vez de simplesmente passar para a frente os antigos sistemas de valores.

ímperador, um messías, um ditador ou um indivfduo de natureza


Durante uma entrevista pela televísão para a Califórnia College
divina. O fardo deve ser carregado por nós, por aqueles cuja consciên-
Associatíon, Huston C. Smith perguntou a Frankl como poderíam
cia for suficientemente sutil para perceber os sentidos únicos que se

135
134
os professores universitários ensínar valores a seus alunos e dar-Ihes escolares. Eles puderam comprovar que muitos dos alunos de
algo como um sentido. 3 Frankl respondeu que "os valores não podem primeiro grau, que acorrem em busca de orientação, ficam agradavel~
ser ensínados; devem ser vividos. O que o professor pode transmitir mente surpresos em saber que até mesmo aos dezoilo anos eles ainda
aos seus alunos não é sentido, mas exemplo; o exemplo de sua têm possibilidade de alterar o rumo de suas vidas.
dedicação e devoção pessoais em prol da ciência, da verdade e da
pesquisa. Este exemplo que estamos dando será observado e tes- 0 novo papel que a educação desempenha é do imeresse de
›.
temunhado por nossos alunos". escritores e educadores, tanto do Ocidente como do 0riente.
.
1
Krishnamurti afirma que somente aqueles que não se prendem
Smith perguntou, então, se os sentidos e valores podíam ser às tradições podem descobrir a verdade; que não podemos abandonar
ministrados através das matérias de ensino. Frankl achou que na"o, o refúgio da tradição e aprender. se temos medo; e que a função
e acrescentou: “Hoje precisam_os ficar satísfeitos se a seleção das da educação é erradicar este medo que destrói os pensamentos, as
matérías de ensino não mínarem a orientação básica do sentido relações e 0 amor humanos. Entre os educadores do Ocídente,
em nossos jovens." E exatamente ísto o que acontece nos Estados Robert Hutchins, antigo reítor da Universidade de Chicago, vé a
Unídos, quando o ser humano é retratado de forma reducionista. educação como um farol, e não como um espelho da sociedade -
O entusiasmo e idealismo originais de nossa juventude, seu profundo uma formulação diferente da mesma insistêncía de Frank|, de que
interesse pelos valores e ideais não devem ser enfraquecídos quando a educação deve formar uma geração de "precursores" que aspire
se Ihes ensína que os valores "não passam de mecanismos de defesa a novos ideais e não uma geração de “pac¡ficadores” que aceite
e estruturas de reação".(FrankI expressa sua contrariedade a este passívamente os antigos. Hutchins censura os métodos de “estação
tipo de reduciom'smo, quando diz' que não gostaria de viver em fun- de serviço" adotados pelo atual sístema educatívo diante de uma
Ção de sua estrutura de reação, e muito menos gostaria de morrer sociedade à qual se esforça por agradar em todos os seus desejos,
em proI dos seus mecanismos de defesa.) Esta opinião é comparti- com todas as metas equivocadas que persegue, e a quem trata como
Ihada por alguns professores uníversitários, entre eles Nevitt Sanford, a um cliente que tivesse se'mpre razão. O estudante não se educa,
do departamento de psicologia da Universidade de Stanford, que mas se adestra para que desempenhe aquelas atividades que a
declarou que o trabalho do professor não pode ser frut|'fero, a sociedade aprova e pelas quais está disposta a pagar. Hutchins
menos que esteja preparado para abordar os temas relativos a definiu o sistema educacional americano como um sistema no
valores e ideais, e deixe de interpretar a posição moral de seus alunos qual se índuz os jovens a adaptar-se ao meio ambiente, se os prepara
como expressões de sua resístência, como faria um psicanalísta. 4 para que se amoldem às exigências da sociedade e do mercado de
traba|ho e se os condiciona para que aceitem os valores em lugar
Com demasiada freqüência ensína-se aos alunos que a vida humana de questioná-Ios. "Mas o que os estudantes procuram", diz Hutchins
somente pode ser explicada conforme um "modelo mecânico" ou em tom de otimismo, “são tarefas e desafios; não desejam adaptar-se
um “mode|o rato" (para usarmos a expressão sarcástica de Gordon à sociedade como autômatos." 5
W. Allport, um crítico bastante conhecído em semelhantes modelos).
A introdução deste critério mecanicista na educação tende a debilitar Clarence Faust, presidente do Fundo para o Desenvolvimento da
a fé do aluno em sua Iiberdade de tomar decisões. Até que pon~ Educação, lamenta o fato de que as universídades confí_rmem
to, inclusive os es_tudantes de escola secunda'ria, são doutrinados as opiniões, as ideologias e os preconceitos atualmente em voga.
nesta concepção determinista, reflete-se na prática dos conselheíros Walter Lippmann apelou às universidades para que aceitassem sua

136 137
missão de preencher o vazio espiritual e intelectual; Rosemary
socialmente aceitáveís, então, assina|ava Sanford, é uma ironia que
Park, diretora do Barnard College, exortou os administradores
a educação prímária e secundária que recebem as crianças mais
das escolas a converterem-se em "uma espécie de Sócrates... e bem dotadas seja inferior à que recebem os menos dotados. Os
perguntar aos atarefados professores qual é sua idéia da verdade, pais de crianças brilhantes desejam que seus filhos adquiram os
da justíça, da decência e até da Iiberdade acadêmica. E precisamos conhecimentos que os conduzirão ao colégio e universidade, que
perguntar aos aIunlos... o que entendem por integridade, como a se Ihes encha a cabeça de dados, e as escolas mostram-5e dispostas
reconhecem e, o que é ainda mais ímportante, o que eles.pensam a satisfazê~|os. Os pais dos menos dotadas em geral se comentam
sobre o que está ocorrendo". Do ponto de vista de Rosemary Park, em que a escola concentre seus esforços em formar o caráter da
"estas perguntas seriam o primeiro passo para a críação de um criança, desenvolver sua capacidade de julgamento, ensíne›a a lirar
núcleo moraI, assím como as perguntas de Sócrates tinham como
o maior proveito possfvel da vida e a assista em sua busca de
objetívo esclarecer a vontade de Atenas". 5 sentido e de valores.

Os Novos Valores na Educação |ron¡camente, muitos dos estudantes "mais bem pmparados", aqueles
que memorizam dados e dominam técnicas e métodos, descobrem,
Nevitt Sanford declarou que a educação não deve unicamente enfa-
justamente quando estão a ponto de iníciar-se em sua profissão,
tízar os valores. Deve salientar o sentido que existe por trás desses
que neste mundo de mudanças su'b¡tas, seus conhecimentos e
valores. A educação, por exemp|o, estimula no aIuno o afã de
aptidoe"s tornaram›se obsoletos. Por outro lado, podem apresentar-se
sobressa¡r-se. Mas sobressair-se em que direção? Cumpre satisfa-
oportunídades para os que, antigamentq não possuíam uma educa-
toriamente sua função uma universidade que se Iimita a preparar
ção formaL Para dar um exemplo revelador: os professores de John
especialistas em seus respectivos campos, homens da cíência que
Glenn não puderam proporcionarlhe uma educação obietiva que
provavelmente irão realizar brilhantes descobertas, sem Ievar em
o capacitasse como astronauta, símplesmente porque esta ocupação
consideração a forma em que serão utílízadas? As universidades
não existia na época em que recebeu sua educação bas'íca. O
podem formar médicos, qufmicos ou engenheiros eminentés, mas,
catálogo de qualquer universidade importante inclui uma grande
a menos que produzam também seres humanos responsáve¡s, que
varíedade de campos e especialidades que eram pmticamente das-
se preocupem com o bem-estar de seus semelhantes, os novos conhe-
conhecidas há dez anos, tais como exobiología (o estudo da vida
cimentos correm o perigo de serem utilizados I'ndevídamente. Na
fora da Terra), a bioengenharia (as técnicas de substituição anificial
opinião de Sanford, uma boa educação deverá compreender métodos
de órgãos biológicos), a criogenética (o estudo do comportamento
pedagógícos que capacitem os estudantes a tomar decisões indív¡-
das substâncias a temperaturas extremamente baixas) ou a biopsico~
duais, e esta capacidade deverá ser exercítada e fortalecida em torno
Iogia (os aspectos biológícos da psícologia). No entanto, a educação
dos assuntos mais controvertidos (os que, com muíta frequ"e'ncia,
não pode darse por satisfeita com a' simples preparação do eslu~
se excluem por serem considerados proíbídos). 0 professor, além dante em sua respectíva especiálidade, se se deseja que viva uma exis-
de discutir amplamente temas polêmicos, deve participar pessoal›
tência significativa. Para despertar no indivíduo o sentimento de
mente e tomàr parte na discussão com o objetivo de que os alunos que é algo mais do que uma engrenagem de uma máquina, de que
vejam a forma como ele mesmo conduz e resolve os problemas. forma parte da vida em evolução, a educação deve fazer algo mais
Se a finalidade primordial da educação é o desenvolvimento da
que preparar técnicos para que inventem mais artefatos. Deve
consciência indivídual, e não o mero treinamento para profissões
educá-Ios para que respondam com maior sensibilidade aos sentídos

138 139
8.0 DESAFIO DA LIBERDADE
da vida e contribuam para fazer da nossa uma sociedade mais
responsáveL Ao mesmo tempo, para aqueles estudantes que não
se decídem por uma carreira cientffica, a educação deve familiarizá-
los com a ciêncía e com os métodos que esta utíliza para traçar
seus planos e reso_|ver seus problemas. E precíso que saíbam o
que é a cíêncía, não para que se tornem cientistas, senão para desper-
tar-Ihes o anseio por partícípar como cidadãos responsáveís em um
mundo dentro do qual eIa desempenha uma função de primeíra
Nio ntâs com n tuminu nu obn, mm nmpwoo com W para m' uh
ordem. YN

E dífícíl prever, no atual período de transiçâo, os novos valores


A sede de liberdade despertou no homem quando Adâo e Eva
que irão surgir. Não obstante, a Iogoterapia repousa sobre uma
provaram aquele fruto fatfdico, e até agora jamar3' foí sacíada.
base firme quando insíste em que o homem necessita recorrer à
Tornamo~nos Iívres para escolher entre o bem e o maL Frankl
sua conscíência e às suas experiências pessoais. Em prévios períodos
interpreta a expulsão do parafso como a perda das confortáveb
de transição, a descoberta pessoal ajudou a humanidade a superar a
a|gemas dos ínstintos, o que dá ao ser hurnano a |iberdade de desco
incerteza resuítante das faIidas tradições. O descobrimento pessoal
brir seus própríos significados e desenvolver seus prbprios valorex
foi o que Sócrates recomendou no perfodo de transição em
que víveu. Uma exístência que não fosse submetida a um exame,
Que esta primeíra liberdade tivesse que manifestar~se como desobe-
dizía ele, não valia a pena ser vívida. Jesus, durante outro período
diência a Deus, não surpreenderá a nínguém que tenha provado o
de transição, castígou os "escr¡bas e fariseus hipo'crítas" que se
fruto da Iiberdade em qualquer de suas formas, já que ela se define
límitavam unicamente a escrever as Ieis, ao invés de tentar com-
sempre como a decisão do homem em oponse à auton'dade. A
preender o s.ent¡do que elas continham O perfodo da Reforma trans-
criança experimenta pela primeíra vez a liberdade quando pemebe
feríu a responsabilidade da conduta pessoa|, da autoridade da Igreja
que pode dizer não aos seus pais; o escravo, quando se dá conta
e dos papas para as consciências indivíduais. "Não me retrato",
que pode desobedecer ao seu amo; o su'd¡to, quando descobre
exclamou Lutero, "que Deus me ampare, não posso agir de outra
que pode rebelar-se contra seu re¡. Mas logo tomase evidente que
maneíra."
a liberdade é algo mais do que um simples rompímento de cadeías.
As verdadeiras obrigaçoe"s começam com a emancipaçao', porque
Em todos esses momentos, as pessoas confrontaramse com um
conquístando a "|¡berdade de" - islo é, "de" uma autoridade, é
~u
dever: conheceram~se a sí mesmas, descobrír o sentido contido
só o primeiro passo, e que a ele se segue a necessidade de dec¡'dir-se
nas le¡s, resístir a um dogma. É duvídoso que muítos estivessem nmmr

por uma "|¡berdade para" - um compromisso. EXpressada em


prontos para aceítar essa Iíberdade e responsabilidade na antiga
_.~:

termos bfblicos, a |iberdade de desobedecer a Deus obng'ou o


Gre'cia, na bfblica Palestina ou na Europa medíevaL A questão
homem à necessidade de ganhar o pão com o suor do seu rosm
hoje é quantos estarão prontos agora?
Formu|ada em termos logoterapêuticos, a liberdade de vwer' uma
exístência significativa implica a necessidade de aceitar a respomabL
lidade. E isto, que era válido para o perfodo de transição ong'¡nal

141
140
na aurora da evolução do~homem como ser humano, continua gozam da Iiberdade de dedicar-se às suas pesquisas, sem nenhuma
sendo a respeito do perÍodo de transição que ora atravessamos. restriçâo. A Iiberdade é agora um fato, mas, ao mesmo tempo,
a vida perdeu seu significado. A luta pe|a liberdade dá à existência
A Liberdade na Teoria e na Prática do homem um conteúdo - ideais a serem alcançados Mas, uma
vez que o homem se libena da autoridade, que atinge a independên-
Existe, no entanto, uma diferença fundamental entre o primeiro e o cia e prosperidade material, o perigo do vazio existencialtorna -se
atual perfodos de trans›'ção. No primeiro estabeleceu-se a Iiberdade verdadeiro. Pela segunda vez come da Arvore do Conhecimento, e
do homem sobre uma base precária - quase que nos atreverfamos pe|a segunda vez é expulso do Jardim do Eden. Novamente está
a dizer que apenas em teoria - ao passo que na atualidade a Iiberda- só e desamparado; ainda que o resuhado desta nova expulsão,
de é conquístada amplamente na prática. Adão descobriu o que numa sociedade de consumo e automatizaçao”, não seja a desgraça
todas as crianças descobrem muito cedo: elas têm a capacidade de de ganhar o pão com o suor do seu rosto, mas o tédio ao qual
desobedecer, mas seus pais têm a capacidade de castigá-Ias. Ouem sucumbe o espfrito. E o tédio não é a única conseqüêncía da Iiber-
ousaria culpar o homem bfblico por exercer sua Iiberdade com dade. Também sente culpa, porque sabe que podia ter escolhido
tanta hesitação e temor depois da catástrofe do Dílúvio e a destruí~ de outra maneira,eexper¡menta a angu'st¡a, porque o peso da|i-
ção de Sodoma e Gomorra? E quem poderia culpar o homem hís- berdade é muito grande. Por outro lado, a liberdade também
tórico de atuar' com tanta indecisão e caute|a, ameaçado como traz alegria, pois eleger é um ato criador e toda a atividade criativa
estava pelo castigo do fogo eterno, ou, de um modo mais imediato, proporciona motivos para viver.
pe|a pena de morte ou torturas decretadas por um tirano? Até os
tempos modernos se necessitava de um valor e de uma convícção A Tela Vazia
quase sobre-humanos para que o homem se atrevesse a desafíar o
enorme poder da autorídade ínstitucionaL O rei era o amo absoluto Uma razão pe|a qual o homem se sente frustrado, precisamente
sobre a terra; na família o pai era a lei; na escola o professor era um quando aIcança a Iiberdade que seus antepassados só puderam con-
tírano cuja autorídade não podia ser contestada; o trabalhador ceber em sonhos, foi citada pelo escritor existencíalista Albert
devia submeter-se a regras rígorosas estabelecidas pelos latifundiários Camus. Ele menciona alguns dos valores tradicionais, cuja perda
e pelos chefes das assocíações. O antigo homem da cíêncía era transformou nossos atos em gestos vazios e aflitos: a música perdeu
obrigado pe|a lgreja e pelo Estado a seguir determinada orientação. a melodia; a pintura, a forma; apoesia, a rima e a métrica; as
idéias, a convicção; a história, o sentido; a religia"o, a Deus. E, como
Tudo isso mudou. A luta pe|a Iiberdade abandonou os tratados e conseqüência deste entusiasmo p,or uma |iberdade sem limites,
transferiu-se para o campo de batalha, particípou em todos os tudo se torna possÍve|, porque tudo é permitido. O resultado
campos e ganhou em todas as frentes. O homem ocídental emanci- é a angústia e uma sensação de vaz¡o.
pou-se da autoridade da Igreja e do poder civíl estabelecidos. Numa
reação em cadeia de revoluções, os fiéis líbertaram-se da obediêncía Um grupo de adolescentes estava discutindo sobre o que havia de
cega aos dogmas, os cídadãos derrubaram o monarca absoluto, os errado na conduta de seus pais, e uma jovem lamentava-se de que
escravos e as mulheres emanciparam-se, as esposas tornaram-se inde- os seus eram tão tolerantes, que ela não encontrava nada contra o
pendentes de seus maridos, os filhos de seus país, os alunos de que pudesse rebelar-se, e isto impedia que descobrisse sua verdadeira
seus professores e os trabalhadores de seus patrões. Os cientistas personalidade. Os demais integrantes do grupo tinham passado

142 143
por situações simílares. Um professor do departamento de artes do
apontam o ínconsciente como a razão pela quai o homem não pode
Sacramento State College observou que os alunos geralmente entra-
compreender a si mesmo. Este depositou sua fé na ciêncía, mas
vam em pãnico quando se viam defronte de uma tela vaz¡a, e tampouco a ciêncía demonstrou ser, como se supunha, um amo abSO-
eram incapazes de pintar. Experimentavam o vazio existencial do
Iuto, dono de um conjunto de regras dignas de toda a confiança.
pintor, porque nenhum estilo precisava ser obserVado, nenhuma
Desta forma já não pode ser considerada como uma fonte de verdade
tarefa específica era exigida (como antigamente, quando os pintores incontestável, porém, como um sistema de hipóteses que se mod¡-
estavam a serviço de patrões que lhes encomendavam retratos ou ficam à medida que o homem adquire novos conhecimentos. Em
a comemoração de acontecimentos importantes, incumbências que estatfstica a probabilidade substituíu a certeza, e se a fÍsica reconhece
hoje a _fotografia substitui com eficiência). Uma vez refeitos do seu princípio de indeterminação, que certeza se pode esperar no
choque sentido diante da tela vaz¡a, acrescentava o professor, campo da mora|?
freqüentemente os alunos se voltavam para as obras-primas do
passado, pahra descobrir o que as havia tornado obras-primas, para E aquí que o perigo se enraÍza - que cada homem, ao fazer uso
buscar seu significado. de sua rece'm-adquirída Iiberdade, estabeleça de um modo arbitrário
suas normas pessoaís. Suas próprias regras nas artes, suas próprias
Os estudantes que se apavoram diante da tela vazia porque carecem hipóteses na ciêncía, seu próprío códígo de Iinguagem, de moraL de
de regras que os orientem, porque nada Ihes é exigido, salvo que crenças, de sentidos. Em seu afã de Iiberdade o homem Chega ao
expressem suas emoçoe~s pessoa¡s, são o protótípo do homem desenfreamento de ímprovisar suas próprias regras. Se continua
contemporâneo, que, sentado perante a tela vazia de sua vida, é essa tendência, e cada homem se erige em arquiteto de seus valores,
livre para fazer o que Ihe apraz. Mas tem medo. E para esconder o mundo pode converter-se em uma moderna torre de BabeL e a
este medo ele servílmente copía as obras-pr¡mas, ou arbitrariamente moral do homem, diversíficada e subjetiva, poderá conduzi-lo a
atira tinta e até Iixo sobre a superfÍcie em branco da tela. Mas o autodestruíção. A promessa feita por Deus a Noe', de jamais desen-
fato de encher 0 quadro com tudo o que Ihe ocorre não irá cadear outro di|u'vio, não exclui a possibilidade de que o homem
satisfazer sua necessidade por um sentido, maís do que se ele se acabe por abrir eIe mesmo as comportas. Sua Iiberdade permite-Ihe
Iimitasse a imitar os estilos tradicionais. Atualmente, dentro dessa renunciar inclusíve à sua própria vida.
busca universal de Iiberdade, qualquer um pode ser pintor, poeta,
compositor, fiIósofo ou moralista, já que tudo é permitido. Em O Valor Positivo da Liberdade
vista do fracasso dos antigos valores, todos os valores são rechaçados
sem distinçãa E ísto acontece em todos os campos da expressão e A logoterapia declara que a Iiberdade é um atributo exclusivamente
da pesquisa. Nas artes, todo o mundo expressa sua própria op¡n¡ão, humano, que permite ao homem eIevar~se acíma de toda a limitação
sem submetê-Ia a regras ou convencionalismos de nenhuma espéc¡e. bíológíca, psicológica ou ambíentaL Frankl também adverte que a
No campo da ética, os pragmatistas apresentam a moral como uma “l¡berdade pode degenerar em arbitraríedade se não for vivida em
expressão de emoções pessoais que não pode recorrer a nenhum prín- termos de responsabilidade". (WM, p. 49). Enquanto o homem
cÍpio absoluto como seu fundamento. Os sociólogos e antropólogos considerar a Iiberdade somente como algo negativo, como uma
salientam a diversidade das normas moraís e recusam-se a aceitar permissão para agir como quiser, existe o perigo de que esta
qualquer julgamento de valores. Os semanticistas duvidam que o Iiberdade, em vez de conduzi-lo a uma realízação, precipite-o ao
homem possa entender a linguagem do seu semelhante. Os psicólogos tédio e à frustração. Liberdade não significa "fazer o que se quer”,

144 145
mas ”querer o que é necessár¡o". O homem é livre quando se como crianças que, reunidas em volta dos seus presemes de Natal,
considera parte de uma ordem e se sente responsável por isso. os abrem apressadamente um após outro, brincam um pouco com
Não é livre se rejeita toda e qualquer ordem. eles e logo, aborrecidas, os atiram à pilha do refugo nacional?
Serão capazes, os ricos da terra, de enxergar mais além do seu prtr
Um exame superficial sobre o uso que se faz da liberdade recém~ prio bem-estar e utilizar sua liberdade da penúria para responder
adquirida mostra que, com efeíto, este perigo existe. São muitos às necessídades dos que nada têm? Depois da Segunda Guerra
os casos em que esta liberdade, conquistada com base no esforço Mundial, ao alvorecer desta era de abundâncía, a idéia de ajudar
e sacriffcío, é exercída de um modo arbitrário que acaba por aos demais foi considerada tão ridfcula como "dar leite aos
conduzir a va|ores negativos. Os estudantes, em sua Iuta pela liberdade hotentotes". Não obstante, desde então os dirigentes americanos
de expressão dentro da escola, utilizam esta liberdade não sô aceitam sua responsabilidade e respondem a ela mediante programas
para expressar suas convicções, como também para proferir obsceni- de ajuda, taís como: o Plano Marsha!l, os Corpos de Paz e o Programa
dades, e então se sentem angustiados e frustrados. Os trabalhadores de Luta contra a Pobreza. Aceitarâo os indivíduos, em suas próprias
conseguiram não apenas |¡berar-se das condições feudais de trabalho, vídas, compromissos semelhantes? Ou será pedír demasíado que
como também a liberdade de para|isar a ¡ndu'stria e a comunidade - o homem, depois de um milhão de anos de privações, não reaja
com a conseqüente perda do seu tradicional orgulho pela perfeição ante o súbito derrame da cornuco'pia, com cobiça e egoísmo, e

v
de sua mão-de-obra. As mulheres emancipadas conseguiram não sua previsível conseqüência - o vazio existencíaIP John Steinbeck,
apenas igualdade econõmica e sexua|, mas o direito de divorciar-se em seu artigo "O que sucedeu aos Estados Unidos? ", escreveu no
e deixar que as creches se encarreguem de criar seus fílhos - e ainda Saturday Evenmg Postz "Suspeito fortememe que nossa desintegra-
assim mostram-se insatisfeitas e inquietas. Os iovens utilizam-se de ção moral e espiritual obedece à nossa falta de experiência com
sua Iiberação da autoridade paterna, para desafiar as autoridades e respeito à rl"queza." O homem ocidental desenvolveu uma economia
participar de orgias sexuais e de violência - e perdem então a e uma tecnologia que tornam possfvel que as maiorias, e não apenas
segurança de sentirem-se parte integral e útil da famÍ|¡a. As liberdades uma eIite aristocrática, vivam em abundãncia. E, desacostumadas
que a Bíll of Rights garant¡u, quando exercidas sem restrições, têm com aabundância, vivem no tédio, na frustração e no vazio.
resultado em assassinatos (o direito ao porte de armas), porno-
grafia e fIibusterismo (|¡berdade de expressão), distúrbios públicos A Liberdade que o Ocio Acarreta
(|¡berdade de reaIizar comfcios) e na eleição de polítícos demagogos,

._Ê ,«~-_< 4-_~.


incompetentes e corruptos. Esta nova experiência de fartura estende«se também à abundãncia
de tempo de que dispomos. Antigamente o ócio era a prerrogativa
Do perigo de perder de vista o valor positivo da liberdade encontra- _~.,*4 dos arístocratas, privilégío que desperdiçavam, geralmente, no mais
mos um exemplo na vitória do homem ocidental sobre a pobreza. profundo dos aborrecimentos. Para a maioria dos habitantes de uma
._<

Ainda que, Iamentavelmente, 33 milhões de norte-americanos sejam nação, dispor de um tempo excedente constitui uma novidade, e
-

considerados “pobres", pela primeira vez na histór¡a, os pobres por esta razão não aprendeu ainda a aproveitá-lo. De certa maneira
representam uma mínoria. Nos países ocidentais as maiorías consegui~ estamos na mesma situação de nossos avós, que desenharam o pri-
_

ram libertar-se de suas necessidades materiais. Mas que uso farão meiroputomóvel a motor em fOrma de uma carruagem sem cavalos,
desta liberdade? Chegarão à libertínagem em seu regozijo por porqueAessa era a forma com a qual estavam familiarizados. Nós
haver conseguido derrotar a pobreza7 Celebrarão sua "|iberdade de", *entamos construir nos_so primeiro modelo de ócio à ¡magem e

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semelhança do shabat tradicíonal - dia no qual o homem tinha a Como efeito secundárío e indireto, para muitas pessoas a religião
oportunidade, na realídade a obrigação, de permanecer ocioso. Deus concentrou~se apenas nos domingos. Em nossos dias, como iá não
criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, e o homem, é necessário trabalhar seis dias na semana para sobreviver, o homem
portanto, devía proceder de maneira análoga. O princfpio funda- deve atualizar seu modelo de óc¡o. Não precisa buscar sentido nos
mental da ética protestante considera um pecado abandonar-se ao primeiros seis dias em seu trabalho, e o sétimo na contemplação,

ócio nos primeiros seis dias da semana e um pecado trabalhar no Pode estender suas atividades significativas às horas de ócio e suas
sétimo. A Igreja e as autoridades civís codíficaram este conceito. experíências significatívas a seus dias de trabaíha O homem deve
Tão arraigado está este conceíto de óc¡o, que algumas pessoas ainda compreender que, assim como a Iiberdade não é simplesmente

se abstêm de Ier novelas durante a semana porque consideram peca~ auséncia de tirania, tampouco o ócio é a mera auséncia de trabalho.
minoso o hábito de Ier, nos dias destinados ao trabalho, Iivros Ao vazio do ócío pode ser dado um conteu'do, e o vazio do trabalho
cuja u'níca finalidade é o entretenímento. sem sentido pode ser preenchido. A medida que penetramos na
era da abundância de tempo, o homem compreende que o céu
Estamos apenas começando a perceber o que o ócio pode significar. jamais poderia ser definido como o ócio eterno. Esta definição
A automatização libera do trabalho 35.000 americanos cada semana, melhor se prestaría ao inferno. Lentarnente se dá conta de que o
e, antes que nossa jovem geração chegue à ídade madura, provavel- oc'¡o nunca poderá preencher seu vazio existenciaL como também
mente a semana de trabalho terá sido reduzida a 20 horas e a não poderão fazê-lo a contemplação passiva e a atividade pela ati-
média de tempo livre aumentada para 100. Mas, por outro Iado, a vidade em si.
tecnologia moderna introduz mudanças que transcendem os aspectos
meramente técnicos. Converte o trabalho, que deveria representar Frankl menciona a “neurose do domingo", que leva um número
um compromísso, em um simples meío de subsistênc¡a. São poucos maior de pessoas ao suicfdio durante seus dias de folga do que duran-

os que podem honestamente afirmar que iria fazer muita diferença te seus dias de trabalho; isto significa que até um emprego manóxono
se fossem substitufdos em seus empregos por outra pessoa ou pode dar certa finalidade a uma vida. A inatividade dos aposentados
mesmo por uma máquína. Não era esse o caso do artesão, do traba- pode ser mortal para aqueles que não preencherem sua recém~adqui-

lhador medieval ou do filho que cresc¡a ajudando sua mãe em casa rida Iiberdade com algum típo de ocupação. A comemplação passíva,
como assistir à televisão, por exemplo, pode ser uma experiência
ou o paí nos trabalhos da fazenda. Até os escravos eram mais neces-
significativa quando se selecionam os programas que realmente
sários como pessoas nos Iares, antes da Guerra CiviI do que a maio~
nos interessam; assisti~|os indiscriminadamente poderá intensificar
ria dos funcionários em seus empregos atualmente. A tecnologia faz
o vazio existenciaL A atriz de cinema Anne Baxter, que herdou sua
com que o homem se sinta supérfluo em seu trabalho e que este,
forma independente de pensar de seu avô, Frank Lloyd Wright,
em muitos casos, careça de sentido. Porém, também libera o homem
conjeturava que a inquietude dos jovens entendiados de nossa época
do trabalho sem sentido e põe ao seu alcance o tempo livre suficíente
para realizar atividades que possam dotar de sentído sua existência. podia originar-se no fato de que vee“m a vida como uma extensão
da teIevisão1 contentamse em sentar e ver a vida passar diante de
seus olhos sem nenhuma participação.
Para apreciar as vantagens deste dom, o homem deverá inverter suas
idéias a respeito do óc¡o. Enquanto foí indispensável destinar seis
A atividade em si mesma é o meio mais comum para aqueles que
dias da semana ao trabalho necessário para sobreviver, havia uma
pretendem preencher o vazio pessoaL Os jovens, principalmente,
razão para reservar o sétimo à c0ntemplação e repouso espirituaL

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desejam estar “no Iocal da ação". Muitos conseguem criar uma Correr a grande velocidade, para usar uma expressão de Frankl, é
ilusão de atividade através da velocidade. Entram em seus carros e uma das recreativas atividades "centrffugas” do homemz uma ten-
dirigem velozmente e sem rumo fixo. Não obstante, este desejo tativa por escapar de si mesmo, uma fuga às cegas em lodas as
febril de desenvolver atividades não é privativo dos jovens. Estende~se direções. Ele recomenda as atividades recreativas "centrípetas", isto
entre os ricos e bem-sucedidos, a tal ponto que Frankl fala do “mal é, as que se dirigem para o centro, e não para fora do homem.
do executivo” caracteñzado pela hipertensão e uma inclinação a Este tipo de atívidade permite-Ihe enfrentar-se a si próprio e
transtornos das coronárias, que na maioria dos casos pode ser aos seus problemas existenciais. Todas as pessoas deveriam possuír
atribufda ao excesso de trabalho. Durante um seminário para execut¡- seu "deserto partícular", aconselha Frank|, um Iocal onde pudessem
vos de alta hierarquia na Califórnia, Frankl refer¡u-se ao que deno- retirar-se e refletir sobre si mesmos - um quarto, um lugar embaixo
minou “o quadro mais representativo do mal do executivo". Um de uma árvore, uma cabana em um bosque, ou uma pra¡a. Minha
jovem industrial italiano procurou-o em seu consu|t0'r¡o e queixou-se esposa e eu acompanhamos os Frankl ao seu deserto partícular,
de depressão. Fisicamente não havia nada de anormal com e|e. as Montanhas Rax nos Alpes. Ele mesmo díríge seu carro em alta
No decorrer do exame, Frankl perguntou ao paciente se nestes velocidade para poder passar o maior tempo possível camínhando ou
u'ltimos tempos ele havia desejado algo em especiaL Acabou por escalando as montanhas, em solitáría contemplação, ou em compa-
admitir que, de fato, comprara um' avíão, mas não estava satisfeito. nhia de seus colegas alpinistas.
Como conseqüe'ncia, acumulara-se com excesso de trabalho para
dar-se o luxo de possuir um jato. "Este paciente", disse Frankl, São muitas as pessoas que evitam confrontaçoes' consigo mesmas e
ao seu audítório de executívos, com certo sarcasmo, “padecia do se Iançam a atívidades sem sentido para fugir de seus problemas
modo mais tÍpico do maI do executivo: era tal seu afã em fugir do existenciais. Durante o dia, diz Frankl, a continuidade de seus pen«
seu vazio ¡nter¡or, que somente podia fazê-lo na velocidade de samentos é interrompida constantemente por chamadas telefônicas,
um jato." 1 suas secretárias, seus compromissos soc¡a¡s, seus filhos, ou os ruídos
naturais do ócio (aparelho de televisão, de alta fidelidade, rádio). Mas
O Deserto Privado à noite são atormentadas pelo que eIe chama "¡nsõnia existencíal":
seus pensamentos inconclusos não Ihes permitem conciliar o sono.
Não há nada de errado com a velocidade. Cquar o ritmo de nossa Porém, em lugar de aproveitar esta oportunidade para meditar
época dos males psícológicos do homem, declara Frankl, "e' fazer com calma a respeito de seus problemas, tomam pílulas para dorm¡r.
um diagnóstico trivial e incorreto. A velocidade pode provocar Conseguem finalmente adormecer, mas à custa de converterem-se
transtornos físicos e até mesmo a morte, mas, psicologicamente em vítimas da repressão dos problemas existenciais de suas vidas.
falando, nosso entusiasmo por ela, mais do que uma causa de Não têm coragem de ficar sozinhos, de encarar e resolver seus
enfermidade, é a tentativa equivocada de |¡bertarmo-nos da nossa conflítos (PE, p. 41).
sensação de vazio. Procuramos fugir desta sensação a todo custo, e
Ser Responsável e Responsabilidade
QUanto mais rápído melhor". E cita aquele comediante vienense
que, montado em sua motocicleta, canta uma canção cujas es-
trofes terminam com as seguintes palavras: “Na"o sei para on- Para curar a neurose do domingo, o mal do executivo e os outros
de vou, mas não me ¡mporta, pois cada vez estou mais perto" sintomas do vazio existencial, a Iogoterapia propõe-se ajudar o
(WM, p. 97). paciente a responder às tarefas e obrigações que a vida lhe oferece.

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O Dr. Harvey Cushing, aos oitenta e dois anos, dizia a um amigo: "A obrigaçoe's do indivíduo estavam perfeitamente delímitadas - o
u'n¡ca maneíra de suportar a vida é ter sempre uma tarefa por homem provia o sustento da família, a mulher cuidava da casa, os
termínar." A eficácia desta “prescrição” foi confirmada por ps¡- filhos eram ajudanms A Igreja prescrevia as obrigações dos fiéis
quiatras do exército e da marinha norte-amer¡canos, mesmo em dentro de suas paroq'uias estreitamente vinculadas entre sí, assegu~
situações tão extremas lcomo os campos de prísioneiros de guerra rando, deste modo, a participação da pessoa nas festividades e os
no Japão e Coréia do Norte ou mesmo os campos de concentração sacramentos comuns desde seu nascimento até sua morte. Os grêmios
alemães. exigiam aprendízagem e perfcia de seus membros, e a escola,
estudo e dísciplina por parte de seus alunos. Em uma socíedade
A Iiberdade de escolha do homem, mesmo dentro de prisões onde a Iiberdade era restringida e as obrigações ímpostas e aceitas
pode conduzi-Io a uma existência signíficativa ou a uma vida sem sem serem questionadas, a vida tinha um conteúdo. Atualmente o
sentido. Para que seja signíficativa, deve-se vive-“Ia não apenas |ívre- homem Iibertou-se de quase todas as formas de autoridade exterior;
mente, mas responsavelmente. O Jardim do Eden era um Iugar não obstante, quando não se reconhece esta autoridade, a responsa-
onde reínava uma obediência cega e instintiva à Iei do Criador, e bílídade deve surgir do interíor. Responsabilidade signífica disciplina
onde não existiam tarefas nem obrigações. Poder-se-ia dizer que era interíor. Todo o homem deve responder por seus atos, não porque
um mundo onde a Iiberdade e a responsabílídade eram desconhecidas. seja obrigado a fazê-lo, mas porque assim o decidiu. As autoridades
Mas, quando Adão comeu o fruto proibido, encontrou-se a sí tradicionais (ta¡s como o sacerdote, o rei, o pai e o professor)
mesmo, nâo somente Iivre para conhecer o bem e o ma|, como podem impor obrigações ao indivíduo, mas não podem impor
também responsável para viver sua Iiberdade fora da segurança responsabílídade, pois esta é o resultado de uma decisão pessoaL
do paraI'so. Foi o u'n¡co animal capaz de alcançar o bem, mas tam- Obrigação sem Iiberdade é tirania. Liberdade sem responsabílídade é
bém o u'n¡co a padecer os males tais como ínadaptação, insatisfação, arbitrariedade, e pode conduzir ao ted'¡o, ao vazio, à angústia e à
infelicídade e tédío. Para neutralizar estes aspectos negativos de neurose.
sua hum'an¡dade, 'o homem necessíta aceítar sua responsabílídade
nas três a'reas onde pode encontrar sentido. De acordo com as Dois incídentes na vida de Frankl ilustram as complexas relaçoe~s
palavras de Frankl, todo o homem é responsável "pe|o que faz, que existem entre a Iiberdade, a obrigação, a responsabílídade
por quem ama e como sofre". 2 e o vazio existenciaL Durante uma conferência que proferia díante
de um grupo de psiquiatras norte~americanos, um dos psicanalistas
Se a responsabílídade é a cura para uma existência sem sentído, presentes comentou que acabara de regressar da Ru'ssia, onde en-
por que o homem sofre mais atualmente por causa desta perda controu uma freqüência menor de transtornos neuróticos do que
de sentido do que em épocas anteriores? Por acaso é ele agora menos nos Estados Unidos. A seu modo de ver, o fato, que vinha a
responsável do que foram os vikíngs, os cruzados ou os hunos? confirmar as conclusões da Iogoterap¡a, se justificava, pois, nos
A resposta a esta pergunta reside na distinção que a Iogoterapia países por trás da cortina de ferro, os governos encomendavam
estabelece entre responsabílídade e ser responsáveL A responsabí- aos cidadãos tarefas imediatas que estes eram obrigados a reallzar.
lídade é sempre ímposta por alguma autoridade, e o ser responsável Dois anos mais tarde, Frankl relatou este fato numa assembléía da
é algo que cada índivÍduo assume por vontade pro'pria. Os nossos Associação Psiquiátrica de Craco'via, na Polõnia. Percebendo alguns
antepassados estiveram sempre sujeitos a responsabílídades ímpostas sorrisos de seus ouvíntes, acrescentou: “Poss¡velmente vocês têm
por alguma autoridade. No seio da famflía, por exemplo, as mais tarefas a cumprir do que os amen'canos, mas não se esqueçam

152 153
de que eles gozam da liberdade de escolher suas tarefas, uma destes rítua¡s. Também se dedicaram a atividades menos inofcnslvas
liberdade que não poucas vezes é negada a vocês. Oue maravilhoso para manterem~se ocupadosz fazíam guerra, matavam animais para
sería o mundo, conclu¡u, se, além das tarefas significativas a realizar, divertirem-se e arríscavam suas fortunas no iogo e suas vidas nos
também tivéssemos a liberdade de escolhê-Ias de acordo com nossa duelos. Poucas vezes mostravam-se dispostos a aoeitar uma discíplina
própria consciência" (WM, p. 4'8). interior quando desapareceu a autorídade exterior, Farão agora as
massas um melhor uso de sua liberdade? O perigo é aparente,
A Autoridade Interíor conforme diz Frankl: "Ao contrário dos animais, o homem não
encontra nos seus impulsos e nos seus instintos uma indicação
Desta maneíra, ainda que a “|iberdade de” rejeite a autoridade do que deve fazer; tampouco encontra nas tradições e nos valores
exterior, a “|íberdade para" exige uma autorídade auto~ímposta, que norteavam seus antepassados uma indicação do que necessita
proveniente do interior. O homem encontra~se hoje em um perÍodo fazer. Na ausência destas diretrizes, ele algumas vezes não sabe o
crucial de transiçãoz já não aceita que o sentído de sua existência que deseja fazer. Como resultado, ou ele faz o que os outros fazem
seja ditado pela lgreja, pelo Estado, pela famí|¡a, ou demais ¡ns- - que é o conformismo - ou ele faz o que os demais querem que
i tituíções tradícíonais, mas tampouco está preparado para empreender
¡k. faça - que é o totalítarismo" (UC, p. 25).
› a tarefa de buscar a direção de sua vida por conta própr¡a. Como
conseqüência, sente-se abandonado, desprotegído, à deriva, desarrai-
Í. Em ambos os casos, a liberdade conquistada pelas revohções norte~
'

gado e angustiado. amerícanas e francesa estará em perigo, pois os grandes propósítos


Ê
dessas revoluções deixam de cumpr¡r-se não apenas quando o homem
E prováve| que o nosso seja o período de transição mais diffcil sucumbe à ditadura, mas também quando se rende ao conformísmo.
de superar; contudo, devemos superá-Io, já que as conseqüências Uma sociedade diante da qual o indivíduo deve conformar-se,
do fracasso nunca foram tão graves como poderão sê-|o agora. pode fomentar a igualdade, e nunca a Iiberdade. A liberdade pessoa|,
Tomando emprestado a frase utilizada nos movimentos em prol dos diz Frankl, é sacrificada em favor de uma igualdade ímpessoa|, e a
direitos civis - "nós haveremos de vencer" -, notamos como estas fraternidade degenera em um simples instinto de rebanho.
três palavras sãq significativas. Temos a liberdade de vencer as
dificuldades neste período de transição. Somos nôs que precisamos Mas o homem pode renunciar à sua liberdade de outra maneira.
vencer; não podemos confiar que outros o façam por no's. E Pode renunciar à liberdade que resgatou da autoridade da lgreja e
haveremos de vencer, mas não imediatamente, e sim n_o futuro; do Estado e submeter-se à escravidão da autoridade cientffica.
necessitamos de pacíência, determinação e vontade. A busca pelo Depois de haver rechaçado o determinismo baseado nos princfpios
significado é o camínho a ser percorrído. religiosos, aceita~o agora dos fundamentos cientfficos. Sente-se
determínado pelos seus gens, suas glãndulas, seus instintos, suas
Situados no meio de um dos perfodos mais cruciais de transíção emoções, suas primeiras experíências infantís, seu meio, sua sítuação
da hístór¡a, não temos condições de saber aonde nos conduzirá econômica e só o deus da ciência sabe pelo que maís. Mas a Iogcr
nossa recém-adquirida Iiberdade. Sabemos, contudo, aonde o excesso terapia afirma que, apesar de todas estas Iimítações demonstradas
de liberdade Ievou os aristocratas. Eles ritualizaram sua conduta, cientificamente, o homem conserva uma área essencial da Iiberdade,
suas roupas, sua Iinguagem, seus jogos, a temporada apropriada da qual ninguém pode despojá~lo, exceto ele mesmo, se deixa de
para cada uma de suas atividades, e acabaram por se tornar escravos exercê-la. A Iogoterapia exorta o homem a exercer sua liberdade

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e fazer dela um uso responsáveL Se não o fizer, assim como o da adesão a valores uItrapassados) e encontram-se empenhados
aprendiz de feiticeir0, pode converter-se em escravo de sua própria em uma busca pelos princfpios supremos que seus pais foram
criação científíca. incapazes de descohr¡r.

A Busca de Novos Valores O jovem rebeIa-se contra uma socíedade que gasta milhões para
pulverizar umas quantas aldeias situadas no outro extremo do
Devemos, como no passado, emergir do atual perfodo de tran- mundo, enquànto as cidades amerícanas se transformam em cortiços.
sição com um novo conjunto de vanres, mas talvez com uma Rebelam~se contra a priorídade de valores que financiam viagens
díferença. Nas épocas anteriores, a revolução de valores come- espaciaís, enquanto milhares de seres humanos têm que utilízar
çava na mente dos indivfduos. Agora deveria partír de um esforço meios de transporte perigosos e antiquados. Rebelam-se contra
coletivo. o sistema que treina jovens de 18 anos para matar e serem mortos,
enquanto mantém em vigência as leis que proíbem privar da vida
A atual revolução começou com a juventude. São os jovens que um embrião, que na opiníão dos médicos pode nascer deformado.
mais padecem do vazio existencíal, não porque estejam doentes,
mas porque estão buscando um sentido que não conseguem encon- Os jovens dos anos sessenta não aderiram automaticamente à idéía
trar nas tradições. Nos anos sessenta estavam geralmente contra, de que um "acord0 entre cavalheiros" tenha sido dítado por
sem saberem exatamente a favor do que estavam. Não estavam cavalheiros, que a responsabilidade da cívilização deva recair exclusi~
“protestando”, mas "contestando”. Não defendíam nenhuma ideologia vamente sobre o homem branco e que a honra nacional seja dign¡-
em especia|: opunham-se ao capitalismo, ao comunismo, ao patriar- ficada sob todas as circunstâncias. Rejeitam os princípíos funda~
cado e ao moralismo que consideravam falso. Queriam agír, mas mentais da socíedade convencional tais como: a obedíência às
não sabíam que rumo tomar. Não desejavam simplesmente estudar autoridades, o cristianismo, o patriotismo ”sempre fiel ao meu
a histo'r¡a; queriam participar dela. Não se contentavam em es- _paÍs, tenha ou não razão", o acúmulo de riquezas e a santidade
cutar sermões sobre a ordem social; queriam derrubá -¡a.Protes- do casamento. Acusam a socíedade que aprisiona o jovem que
tavam contra a guerra no Vietna", tabus sexuais, conformismo fuma maconha, enquanto seus pais vivem escravizados por um arsenal
no vestir, purítanísmo de seus pais e fanfarronice dos oradores de pílulas, e contaminam a terra, a água e o ar em seu afã desmedido
polfticos. Oueriam
"encontrar-se a si mesmos"; encontrar um de |ucro. Rejeitam este sistema estabelecido que ”lava o cérebro
guia no oceano do cao›s, mas já não mais dentro dos padrões de toda uma geração para que abram o mais rapidamente possfvel
tradicionais. uma conta em seus bancos e comprem seus refugos". 3

Foi uma nova forma de rebeI¡ão. As revoluções do passado eram Quando entramos nos anos setenta, uma díferença notável sobre a
uma resposta à exploração polftica e econõmica, como ainda acon- maneira de encarar a realidade foi observada. A reação ao Vietnã
tece em muitas partes do mundo. Na maior parte do ocidente foi essencialmente negativaz uma rebelião contra essa guerra parti-
essas revoluções foram ganhas. E pela primeira vez São travadas Cular, contra a autoridade, e c0n_tra o dogma do monolftico comu›
contra as socíedades não-opressoras e opulentas. Rodeados por uma n¡smo. A reação a Watergate teve aspectos positivos, pois o povo
abundãncia de bens materia¡s, os jovens negam-se a pagar aos adultos exigiu moralidade do governo. Elegeram um presidente não porque
o preço do compromísso e da símulação (q*ue consideram o resultado ele fosse especialmente qualificado, mas porque era moralista.

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Através da revolta contra os impostos, exigiram economia por parte tarefas obrigatórias devem ser substituldas por aquelas que cada quaI
do governo. O dogma americano de que "quanto maior melhor" pode escolher para sí mesmo. Temos a liberdade de recusar quaiquer
foi desafíado com o Iema "o pequeno é lindo". Os aspectos dever que consideramos sem significado, mas precisamos substituHo
positivos desta n0va tendência surgiram com mais evídência dos por algum tipo de compromisso significativa A liberdade permite-
movimentos em favor da ecología. Os ecologistas tentam defender-se nos a Iicença de sermos imora¡s, mas também nos dá a oponunidade
e Iutar contra os valores implantados pelo sístema que detém o de alcançar a verdadeira moralidade baseada na nossa decisão de
poder político e econômíco, a fim de preservar a pureza do ar e da sermos mora¡s. Em nossa época, já não nos sentimos motíyados a
água para si mesmos, e para as futuras gerações que irão sofrer as agir moralmente porque tememos o fogo do inferno, a caça às bruxas
conceqüências da nossa poluição e avidez por energía. Nossa líberdade ou a vara de marmelo. Apenas uma geracão atrás, o jovem podia
para ”cresceí e multíplicaí-vos" para povoar a terra e subjugá-Ia ser celíbatário pelo medo de contrair doenças venéreas, e a ;'ovem,
deverá ser exercida com a responsabilídade que vem das restríções pelo medo de engravidar. Atualmente, na era dos antíbióticos
auto~impostas. e das pflulas anticoncepcionais, se os jovens se abstém de relações
sexuaís antes do casamento é porque tomaram esta decísão por conta
De uma certa maneira esta tendêncía constituí um retorno aos própria.
antigos valoresz moderação, moralídade e responsabilídade A no-
vidade é que estes valores não vieram de cima, mas foram escolhidos lsto não significa que a juventude transformou~se em uma geração
de dentro do homem. Esta díferença tornou-se clara para m¡m, "mora|". Longe disso. Muitos estão sofrendo intensamente do
durante um seminário que eu presidi na Universidade da Califórnia. vazio existencial, que procuram desesperadamente preencher com
: Frankl estava presente, e os estudantes foram' ouv¡-Io. Na sessão drogas, a'|coo|, revoltas e violência. Ainda vivemos no caos do

í seguinte as opiniões estavam divídidas. Alguns mostravam-se entu~ perfodo de transição. Os períodos oscilam, e neste oscilar estamos
siasmados, outros desapontados. Seus comentários eram: “E|e está voltando de uma época da iIimitada permissividade dos anos sessenta,
tentando d_¡ssimuladamente trazer de volta aquela velha moralidade quando os pais e professores thham medo de fazer exigéncias às
pela porta dos fundos." Ou: “Estou farto de ouvir falar sobre crianças, uma época na qual o alvo da realização da vida era o
deveres e responsab|'|idades." Durante as reuniões subsequ"entes, um "faça o que você quiser", quando era consíderado saudável desafogar
dos alunos mais antigos perguntou a um dos'revo|tados' : “Mas o ódío e a agressividade sem restrições de nenhuma espécie. Como
você disse que os anos que passou no Peace Corps foram muito conseqüência desta abertura, os universitários, Iançando mão de
gratificantes. Não consideraisto um dever?" “De fato", foi a suas recém-adquiridas liberdades, usam-nas agora de uma forma
resposta, “mas foi um dever que eu mesmo esco|h¡!” E então cada vez mais ampla para estudar as matérias de sua escolha.
ele percebeu a diferença entre uma tarefa que nos é imposta e os As mulheres e as minorias racia¡s, tendo feito pelo menos algum pro-
compromissos que assumimos por Iivre escolha. A diferença entre gresso na sua luta pela igualdade, preparam-se para exercer ta-
responsabilídade e ser responsáveL E cIaro, que somente esta u'ltima refas nas quais desejam provar a si mesmas esta igualdade~ A
é logoteryapeuticamente relevante. violência dos Panteras Negras' da década de 60 preparou o
terreno para os líderes de hoje, que pregam o "ser responsa've|" e a
Um nu'mero cada vez menor de pessoas encontra sentido nos auto~suficiênc¡a.
deveres que Ihes são impostos; um número cada vez maior está
percebendo que a vida sem ocupações torna~se vazia, e que as *N.do T. Grupo da negros que aglam anarquicamente para axigir saul diuilot

158 159
A Iiberdade será uma realidade quando o homem estiver disposto 9. APLICAÇÕES DA LOGOTERAPIA
a restríngír sua própría Iiberdade pelo bem dos demais e da justíça,
e quando a ínjustiça índígnar tanto aqueles que são suas vítímas
quamo os que não o são. Na verdade, 0 homem sempre soube o
que “devía" fazer, mas é possfvel que atualmente esteja ingressando
em uma era que irá permitirJhe a reaI Iiberdade para atuar da
maneira que considera correta, sem que necessíte ser dirígido por
¡nstituições ainda atadas aos vanres do passado. Contudo, deve
contar com uma díreção que provenha do seu ínteríor. E por esta As pcuou awurm dc nmpl'r1'w' dtm'.. su du que wm mdo. Erkkm
razão que Frankl díz que a "Iiberdade deve ser transformada em
responsabilidade". Em suas conferêncías na América do Norte,
sugere aos seus ouvíntes que complementem sua Estátua da Justamente porque a busca por um sentido tornouae frustrada
Liberdade na costa oríental com uma Estátua da Responsabi- em nossa sociedade materíalista, hedonfstíca, reducíonista, alienada
Iídade na costa ocidental (WM, p. 49). Poderfamos acrescentar e complexa é que se necessita de uma terapia oríemada, para que
que a tocha que guía as “massas pobres e oprímídas" até à Iiberdade se possa ouvir o ”despercebido gríto pelo significado", usando o
deve ser reforçada por uma qu ínteríor que as guíe até o uso título de um dos Iivros de FrankL A Iogoterapia não pretende ter

.
sígníficativo de sua Iiberdade, ou, do contrário, a pa'tria de homens descoberto a resposta a todas as perguntas, nem é o u'níco método
Iivres pode converter-se em um pafs de frustrados. de tratamento que tenta Iesolver os transtomos psfquícos. Enca~
minha›se, contudo, em uma díreção definída: rechaça a adaptxao'
e aponta para a responsabílidade indivíduaL Enfatiza a saud'e e

.
não a enfermídade; o homem em sua totalidade, e não apenas a
sua mente; sua Iíberdade, e não suas |imitações; os valores que exer-
cem atração sobre e|e, e não os instintos que o impulsionam;
as tarefas do futuro, e não os traumas do passado. Ajuda-o a

FPTT
adquírir força e competír em situações de igualdade com as tensões

-
da vida moderna.

ââw
...
A Iogoterapia opera tanto no nível filosófico como no nível médico.
Não pode haver um tratamento sem a própría concepçao' da natureza
do homem Freud, um médico, propôçse descobrir métodos para
curar as doenças mentais. Não obstante, uma geraçao” apos' sua
morte, suas descobertas nao~ só revolucíonaram a medícína, ca-
mo praticamente todos os aspectos da vida humana - educaçao', cna-'
Ção dos filhos, relacionamento matrimoníaL política, Ieis, líteratura e
crÍtícas |iterárías, técnícas de venda, trabalho e lazer. A filosoflh de
Freud em cada uma dessas áreas exerceu um impacto maiOr do

160 161
mmrwmrnr
que a aplicação de sua terapia na saúde mentaL Mais pessoas são
A peça fundamental do ”seu mundo como ele é" e o autoconhev
induzidas a comprar determinados artigos, a eleger determinados
cimento - você como você é. Esta afirmação deve ser feita com
candidatos polfticos, a Ier e escrever determinados livros, através
duas ressalvasz primeiro, que não existe ninguém “como você é",
da aplicação dos descobrimentos de Freud, do que as que foram
mas somente "como você está se tomando". Segundo, que você é
curadas peIa psicanálise. A contribuição dada por Freud sobre a
a peça fundamental unicamente quando os outros estão inclufdos
compreensão de nosso comportamento e de nossas relações com
no seu mundo. O sentido virá através de constantes esforços para
os demais é surpreendente. Sua contribuição na cura dos doentes e'
descobrir o novo eu que está mais perto de seus potenciais do que
mais modesta se comparada com os avanços realizados em outras
está o seu eu atual; e através de contfnuas tentativas para alcançar
áreas da medicina no mesmo perfodo, como, por exemp|o, o
um bom relacionamento com os outros. A adverténcia da logofilo
progresso efetuado no campo dos antibióticos e as novas técnicas
sofia é para que você se reconheça como uma indivisfvel entidade
cirúrgicas. E ínteressante comprovar que a psicanálise teve maior ¡n-
composta de corpo, mente e espfrito - não se permita reduzir a
fluência nos campos alheios à medicina, e que seu sucesso é o
aIgo que esteja abaixo desta totalidade.
resultado da sua vísão filosófica do homem. Sob a ínfluência de
Freud o indívíduo passou a ter consciêncía da existêncía das forças
Vendonos como somos, devemos admitir que a alegação dos b¡ó-
internas que motívam seus atos, emoções e pensamentos. Esta cons-
Iogos em considerar nosso cérebro como um computador é verda-
ciência ajuda-o a preservar e restaurar sua saúde menta|.
deira; como é também verdadeira a afirmação dos psicanalistas
de que o homem é o campo de batalha onde se enfrentam as
Outras correntes terapêuticas vieram ampliar a compreensão que o
forças psícológicas; do ponto de vista dos sociólogos, o homem é
homem tem de si mesmo, ao fixar sua atenção em áreas tão diversas
o produto do seu me¡o. Para Frankl, todas estas afirmações são
como seu anseio pelo poder e sua ínfluência dentro da sociedade.
válidasz o homem é, com efeito, um computador, um campo de
Todas essas escolas terapêuticas contribuem para a saúde mental
batalha onde se enfrentam as forças psicológicas e o produto do
tanto através de suas filosofias como através das técnícas médicas.
seu me¡o. Mas é também algo infinitamente superior. O reducionísmo
Isto também se apIica à logoterapia. Os capÍtqus anteriores apre-
sentaram a Iogofilosofia. Ela auxi|ia-nos a evitar o desespero existen- l torna-se perigoso quando ¡nduz o homem a crer que não é nada senão
um- computador, um campo de batalha, um produto,' quando passa
cial, guiando-nos na busca de um sentido e e', portanto, uma terapia E por cima de sua dimensão humana e a reduz a um nível infra-humano.
preventiva e indireta. Este capítulo apresenta os meios peIos quais
a Iogofilosofia pode ser utílizada como terapia curativa e díreta. I'¡.V Frankl defíne o reducionísmo como uma nova espécie de níilismo -
a crença não se resume no “nada", mas no “nada senão".

A Filosofia como Terapia


A Iogofilosofia torna-se terapêutica quando fortalece nossa convicção
de que temos capacidade de experimentar o amor genuíno que
A |ogofi|osofia contribuiu para o bem~estar mental através da sua
surge da nossa dimensão humana e que não é símplesmente uma
ínterpretação pessoal da exístênc¡a, mas não é o terapeuta quem
reação formativa para ocultar nossa agressividade ou "nada senão"
a interpreta. Frankl concebe a função desempenhada peIo terapeuta
uma sublímação do sexo. Devemos crer que somos donos de uma
de fqrma diferente da do pintor que nos apresenta o “mundo
conscíência autêntica que não se reduz a um simples resultado do
conforme ele o vê", pore'm, como a de um oculisfa que ajuda o
castigo paterno. A Iogofilosofia proclama que o amor, a consciência,
paciente a “ver o mundo conforme ele é".
a arte,- a religião, o anseio pe|a verdade e pelo sentido são fenõmenos

162 163
rea¡s, e não meras sublímações, repressões e mecanismos de defesa.
Os Quatro Passos da Terapia
A logofílosofia protege~nos contra o reducionísmo que se propaga
por meío de Iivros populares, anigos, cinema e até por analistas da Como foi mencionado anteriormente, a dimensão noética não pode
linha ortodoxa. Lawrence J. Hatterer observou que: "Mais de um
adoecer, mas a doença pode originar-se daí, e neste caso Frankl
artísta abandona o consultôrío do psiquíatra indignado com suas
refere-se às neuroses noógenas. Os sintomas dessas neuroses podem
interpretaçoe"s no sentído de que escrevia porque Ihe agradava
transferir›se para o plano ffsíco ou psicológico, e neste caso teremos
sentir-se vftíma da injustiça ou porque era um sadomasoquista; que
as depressoe"s, a frustração existencial e a desesperança. O tratamento
dançava porque desejava seduzír sexualmente seu pu'b|ico, ou que
Iogoterapêutíco das neuroses consiste de quatro passos baseados

_““__1
pintava porque precisava superar a disciplina rigorosa de suas
nas descobertas de Frankl, e confirmado pelas experiências clínicas
evacuações, à qual fora submetido durante sua infância, |ambuzando
de Elizabeth Lukas, Iogoterapeuta e chefe do centro de aconse-
a tela com pintura." 1
lhamento de Muníque.

Os extremos a que este tipo de reducionismo pode |evar foram


O primeiro objetivo do Iogoterapeuta é ajudar os pacientes a
assína|ados pelo sociólogo William lrwin Thompson, da Califo'rn¡a,
separarem~se dos seus sintomas, Uma vez que eles são conscientizados
que escreveu no Main Currents ín Modern Thoughtz “Se os membros
de suas dimensões noéticas, emerge neles o poder de Iuta deste
mais bem educados de nossa cultura continuam a considerar os
espfrito, fazendo-os conscientes de que não são idênticos aos
sgêníos como pervertidos sexuaís ocultos, se pensam que todos os
seus medos, obsessões, complexos de ínferioridade, depressoe's e
valores... são ficções fraudulentas... não vejo por que devemos
explosões emocionais. Percebem que não são vítimas indefesas
nos alarmar quando as massas de nossa cultura mostram tão escasso
de seu destino biolo'g¡co, psicológico ou social; não precisam perma«
interesse pelos valores e se abandonam a uma orgia de consumo,
necer como são, e podem enfrentar e tomar atitudes diante de
crime e imoralidade." 2 A Iogofilosofía |¡bera-nos das algemas do
quanuer situação. O logoterapeuta remove as estruturas de depen-
reducionísmo, da desumanização, da desesperança e do materíalísmo.
dência que os pacientes construfram, no seu afã de explicarem a
Restabelece as capacidades do homem, e, com isto, a saúde
si mesmos estes sintomas, e que, através de um feedback negativo,
para aqu.e_|es que acredítam que estão doentes porque se sentem
|eva~os a acredítar ainda mais profundamente que estes sintomas
frustrados.
são armadilhas sem saída.

Dependendo da forma pela qual os pacientes vêem a si mesmos e às


Os métodos pelos quais o terapeuta ajuda seus pacientes a se
suas naturezas ba'sícas, críar-se-á um feedback duradouro. Se eles
distanciarem de seus sintomas são diferentes em cada caso. A
se analisarem em termos mecânicos, sua atenção será dirígida a
mera persuasão, porém, não ajuda. Quanto mais se tenta persuadir
mecanísmos manipulatórios. Se interpretarem a natureza humana
o paciente de que, por exemp|o, as coisas não são tão ruins ou
em forma analftica, sua atenção estará voltada à exteriorízação de
que eles “deveriam" fazer isto ou aqui|o, tanto mais sua resistência
seus ímpulsos e necessídades. Porém, se interpretarem a natureza
é fortalecída, resultando em uma reação de "sím, mas...". Será
humana em forma Iogoterapêutica, poderão conscientizar-se das
melhor para o terapeuta usar os métodos que a logoterapia desen-
tarefas, objetívos, valores e responsabilida'des. A Iogoterapia é edu~
volveu para estes propo'sitos, os quais serão analisados mais adiante
cação, mas uma educação "gerada de dentro", ísto é, os pacientes
neste capftu|o. Estes métodos poderão ser adaptados, ou nov05
aprendem a se auto-educar.
métodos poderão ser desenvolvídos, seguíndo os princfpíos gerais

164 165
da |ogofi|osofia. Os pacientes começam a perceber o que incons~ Só em casos de emergência, como uma ameaca de Suicfdio, por
cientemente já sabiam, porque eles sa"o, principalmente, seres hu- exemp|o, justifica~se que o terapeuta sugíra uma nova mudança
manos com capacidade de descobrir um significado. Só em segundo de atitudes. Nestas situações, que Frankl costuma chamar de
plano eles são indivfduos com certos defeítos que podem ser “derradeiro socorro", não há tempo para induzir o pacieme a manter~
superados, e possuidores de alguns padrões de comportamento se afastado de seus sintomas, Nestes casos o médico tentará equi-
índesejáveis que podem ser rompidos. Iibrar os pratos da balança em direção ao apego à vida e ao sigm'-
fícado, usando seus próprios argumentos. E, mesmo nestes casos,
0 segundo passo propõe a modificação de atítudes. Uma vez que o argumento deve permanecer dentro do sistema de valores do
os pacientes se dístanciaram de seus síntomas, eles estão abertos a paciente, e não do terapeuta. Depois de uma bem sucedida variação
novas atitudes para consigo mesmos e diante da vida. Uma mulher de atitudes, o terceiro passo no tratamento logolerapêutico gera|›
sentía-se incapaz de manter um relacionamento satisfatório com o mente acontece por si so'. 0 sintoma desaparece ou torna~se con-
sexo oposto; na realidade, ela não conseguia estabelecer uma amizade troláveL Quando a depressão é causada por circunstâncias que fogem
mais I'ntima com ninguém, razão pela qual Ievava uma vida solitária ao controle do paciente, uma nova atitude ajuda-o a aceitar seu
e amargurada. Seu sintoma era a solídão, e a explicação que dava destino de forma que o consíga suportar. O Iogoterapeuta não
a si mesma era a seguínte: “Mínha mãe nunca me amou,portanto, pode repor uma perna amputada, mas pode auxilíar o deficiente
não sou capaz de amar." Sob a orientação de um terapeuta, fez
físico a viver com uma só perna sem sucumbir à apatia ou ao deses-
uma retrospectiva de sua vida e Iembrou de momentos em que pero, e sem se revoltar contra sua sina.
ela não tinha podido amar. Era sempre eIa quem evítava os encon-
tros, apesar de não haver nenhum precedente em sua infância que
Ouando o terceiro passo - a redução dos sintomas - foi bem suced¡-
justificasse semelhante atitude. Percebeu que tinha outras alternat¡- do, os pacientes tornam-se acessíveis a uma orientação que os dirija
vas, e, assumindo uma atitude oposta, decídiu: "Mínha mãe nunca
para o sentido de sua vida. pois obtiveram urn resultado satisfatório
me amou, e agora eu entendo o que é sentir-se assim. Daqui
ao adotar novas atitudes. 0 quarto e último passo na logoterapía é a
para frente empenharei todos os meus esforços para impedir que
profilax¡a, que assegura ao paciente sua futura saúde mentaL Eles são
i
este sentimento contínue a se alastrar.” Nada havia mudado, exceto aconselhados a buscar o significado de suas vidas. Todos os sentídos
w
v sua atitude. Com o estímulo do terapeuta, ela selecionou o primeiro
em potenciaL que existem em cada situação especÍfica, são discmidos,
passo que íria dar no seu novo caminhoz tornou~se amíga de uma enriquecidos e expandidos. 0 valor hierárquico é elucidado de manei-
menina cujo pai abandonara a famílía, e cuja mãe não escondia o
ra que o paciente possa se proteger de futuras frustrações existencíais.
fato da críança ser um peso em sua vida. Ele é induzido, também, a assumir responsabiIidades.

Uma nova mudança de comportamento não é imposta aos pacientes, Métodos Logoterapéuticos
porém, o terapeuta deve procurar sinaís reveladores no seu incons~
ciente que irão indicar a direção que eles talvez gostassem de seguír.
Uma vez que a logoterapia se preocupa com a dimensão especifíca-
Uma vez que __surge uma pista na atitude comportamental do
paciente, o terapeuta apoiará esta "decisão" com todos os recursos mente humana, -seus métodos apIicam-se às qualidades humanas dos
que a Iogoterapia oferece. Se esta nova tentativa não der em nada, o seus pacientés, tais comoz o autoconhecimento, a opção de escolhas, a
paciente pelo menos aprendeu que outras escolhas são possíveis, responsabilídade e a autotranscendência. Os métodos manipulativos,
e que pode tentar uma nova alternativa. reducionistas ou desumanizadores são echuÍdos do tratamento.

166 167
A Iogoterapia enfatiza o valor da unicidade, e assim a improvisação seus anseios reprimidos e seu não admissfvel autoconhecimento.
representa um papel importante. Ouando uma atmosfera de confian- O diálogo explora as experiências ocorridas no passado e os devaneios
ça foi estabelecida, qualquer método que seja compatível com a do futuro; revive as sublimes experiências que foram negligenciadas,
logofilosofia pode ser uti|izado. A pintura, a imaginação ou a ¡n- reavalia as situações que na época que aconteceram pareciam não
terpretação dos sonhos podem ajudar os pacientes a perceber seus carecer de sentído e chama a atenção para as conquistas que
sentídos reprimidos, suas metas ignoradas e seus valores prediletos foram desprezadas. O diálogo é uma ferramenta útil nos quatro
que jazem no ínconsciente. Os psicodramas podem converter-se em passos da terapía. Ajuda os pacientes a manterem-se afastados
logodramas, dando aos participantes a chance de exteríorizar as dos seus sintomas, orienta-os para assumírem novas atitudes. aler-
partes do ser que ainda anseiam tornar-se. Entre os métodos ta-os para o fato de terem vencido seus sintomas e capacita o
desenvolvidos por Frankl encontram-se: o diálogo socrátíco, a inten- terapeuta e seu cliente a prosseguirem na busca comum do signíficado.
ção paradoxal e a desreflexão.
Nesta busca comum, o terapeuta é umlparceiro partícipante. Ele
o DIÁLOGO SOCRÁTICO não aceita ex plicações como "na"o há esperança para um caso
destes", embora os fatos indiquem que as queixas têm fundamento.
O diálogo socrático, ou a discussão sobre o autoconhecimento, O Iogoterapeuta insiste que sempre existem outras opçoes", ainda
permite que os pacíentes entrem em contato com seu inconsciente que estas opçoe"s signifiquem uma mudança de comportamento
noético. Tomam conscíência da verdadeira ava|iação que fazem de em face dessas situações. Compreender os sentimentos do paciente
si mesmos e de seus potenciais, do rumo que pretendem seguír e e mostrar-Ihe as difículdades que está enfrentando não é o bastante,
da sua maís profunda inclinação pelos sentidos de sua existênc¡a. porque ¡sto apenas contribui para se identifique mais profunda-
Desde a época da infância eles vêm cobrindo-se de máscaras, com mente com seus problemas. O Iogoterapeuta, pelo contrár¡o, desafia
a finalidade de agradar aos outros, de se sentirem aceitos e de evitar os pacientes a optarem por outras escolhas, a aceitar respOnsabilída-
o sentímento de culpa. As discussões sobre o autoconhecímento des e compromissos, a dar um passo - por pequeno que seja - numa
ajudam os pacíentes a descobrír o verdadeiro eu que está oculto nova direção, Ionge dos seus problemas.
sob essas máscaras - o maravilhoso eu que pode realizar-se na busca
de um sentido e o ignóbil eu que pode ser melhorado 0u, na pior Este desafio é realizado com empatia. O encontro entre o pacíente
das hipo'teses, aceito honestamente. e o terapeuta (ou entre grupos de particípantes) iamais deve ser
hostil e negativo. O Iogoterapeuta e o paciente são aliados na busca
A designação do nome diálogo socrático atribui-se ao conceíto de comum por um caminho livre de frustrações e do vazío existenciaL
Sócrates com relação ao professor. 0 trabalho do professor não Contudo, o Iogoterapeuta deve ser capaz de dizer "Na"0" ou “Pare -
era incutir informações na cabeça de seus aIunos, mas torna'-los não prossiga além deste ponto!" aos pacientes que se sentem
cônscíos daquilo que no íntimo já sabiam. Sócrates via o professor dominados por fatores ¡ncontroláveis. Deve ser capaz de dizer ao
como uma parteira ajudando osestudantes a darem à qu suas metas paciente que sofre de obsessão compulsivaz "Não, você não fará
inconscientes. o que tem medo de fazer, porque o seu medo irá protegê~|o." Deve
ser capaz de dizer a uma pessoa deprimida: "Não, não é verdade que
No diálogo socrático, o terapeuta formula as perguntas de tal maneira a sua vida não tem propósito. Está enganada, e eu posso provar o
que os pacientes conseguem perceber suas decisões inconscientes, que estou afirmando."

168 169
0 diálogo socrático pode iniciar~se com uma Iuta entre o Iogotera- Schwalker Archiv für Neurologie und Psychíatrie, em 1939. Aplicou
peuta e o paciente, mas esta se converte numa luta comum em a intenção paradoxal primeíramente nos pacientes fóbicos e nos
busca do sentido. A Iuta termina quando o paciente se torna indeL que sofriam de obsessão compulsiva. Este método também pode
pendente. EIisabeth Lukas, diretora do centro de aconselhamento ser tentado em pacientes que deseiam mudar certos padrões de
de Munich, Alemanha, concluiu: “Quando o paciente encontrar comportamento indesejados, como a gagueira, o enrubescimemo,
o seu verdadeiro eu, o terapeuta deve afastar-se silenciosamente, a transpiração excessiva, a insônia ou o medo de perder a |inha
pois nada mais tem a acrescentar. Nesta luta bilateral, o paciente quando precisar fazer uma aparição em público.
deve demonstrar sua confiança, e o terapeuta deve oferecer-Ihe
tudo o que estiver ao seu alcance. E ísto que se espera do |ogotera~ A intenção paradoxal aplica~se nos casos em que Frankl chama de
peuta. Não é suficiente que sejam bons psicólogos, nem mesmo "facu|dade exclusivamente humana de autodistanciamemo" (DS.
bons psicoterapeutas. Devem atuar, principalmente, como seres p. 221). Esta permite ao homem sair de si mesmo, contemplar-se
humanos. Precisam observar que, durante as sessões de aconselha- de fora, enfrentar-se e até mesmo rir de si própr¡o. A capacidadc
mento, seus pacientes jamais sejam reduzidos a qualquer coisa que de autodistanciamento manifesta~se não só no "poder desafiante do
os situe abaixo da condição de ser humano."3 espfrito humano" como também no seu sentido de humor. As
atuais pesquisas efetuadas pelos terapeutas da |inha behaviorisra
A Iogoterapia deu um novo passo em direção à humanização da têm demonstrado que as técnicas logoterapêuticas de intenção
psícoterapia, e 0 diálogo socrático é um dos principais veículos
paradoxal acionam um importante mecanismo de “saber como
dessa humanização. Abraham Maslow, em seu Iivro Heligion, Values
Iidar com as situações".
and Peak Experiences, assinala que a relação eu-você que se esta~
belece entre o psícoterapeuta existencial e seu paciente é algo que
Na intenção paradoxal, para utilizarmos a definição de FrankL "os
o ana|ista do tipo "espe|ho" é incapaz de manter. “Atua|mente", diz
pacientes são encorajados a fazer ou desejar que aconteça preci-
Maslow, "até os próprios psicanalistas ortodoxos estariam dispostos
samente aquilo que temem, mesmo que seja apenas por uma fração
a reconhecer que a atenção, o interesse e o amor desinteressado
de segundo". 0 obietivo desta técnica é romper o círculo vicioso
do analista por seu paciente são imprescindíveis para que o trata-
que se desenvolveu como resultado de uma ansíedade antecípada_
mento surta efeito."
“Assim que o medo for substitufdo por um deseio paradoxaL o vento
pára de soprar nas velas da ansiedade antecipada," Tomemos um
Contudo, esta relação entre o médico e o paciente não basta.
exemplo dos arquivos de Frankl: um senhor tinha tendência de
Como explica o próprio Frankl emPsychotherapy and Ex;s'tent¡a/ism,
transpirar com muita facilidade. Um dia, ao cumprimentar seu
a Iogoterapia vai um passo adiante, e amplia esta relação bilateral
chefe, sentiu-se embaraçado porque a palma de sua mão estava
para incluir um terceiro “participante": o sentido. O diálogo socrá~
molhada. Estando prestes a dar a mão a outra pessoa, ficou com
tico é a relação eu-você entre terapeuta e paciente, direcionada
medo de que o fato se repetisse, e este pensamento inundou~
para este sentído.
0 com um suor gelado. "O sintoma desencadeou uma ansieda~
A INTENÇÂO PARADOXAL
de antecipada", comenta Frankl, “que intensificou o sintoma, que
por sua vez aumentou o medo." O círculo vicioso apoderou~se de sua
Frankl começou a desenvolver e praticar a intenção paradoxal nos vítima e a neurose estabeleceu-se. "Ass¡m como o desejo é o notório
anos trinta. Sua primeíra publicação a este respeito apareceu no ,pa¡ do pensamento", diz Frankl, "assim o medo é a mãe da neurose."

170 171

l
L
Para preparar os pacientes para a intenção paradoxaL o Iogoterapeuta sentia-se atemorizado diante de espaços abertos. Pediram-Ihe que
demonstra-Ihes como o método funciona. Quando possfvel eles são parasse de fugir e enfrentasse a situação. Foi~lhe dito, após um
introduzidos em grupos de pessoas que foram curadas do mesmo ma|. adequado preparo: "Sa¡a à rua e tenha um belfssimo ataque. Ainda
Formulam-se frases que, jocosamente, exageram o medo. O homem é cedo, o senhor tem tempo para ter dois ou tres“ enfanes e,
que tinha medo de suar, por exemp|o, foi instruído a mostrar de passagem, um lígeiro ataque de apoplex¡a." O paciente sorriu,
aos outros sua inacreditável capacidade de transpirar. 0 terapeuta e a primeira vitória estava ganha. Como disse Gordon Allponz
inicia com um pedido símples: "Vamos, mostre-me o quanto você "O neurótíco que aprende a rir de si mesmo provavelmente está a
consegue suar." 0 paciente responde: “A última vez sueí somente caminho do seu autocontrole e talvez da sua cura." 4
um litro, mas agora consígo suar dez. Vou encher um baide e
poças vão formar-se no chão." Eventualmente o pacíente aprende a Muitos pacientes decidem submeter~se ao método da intenção para-
aplicar a íntenção paradoxal na sua vida diária, sempre que for doxal, porque compreendem que nada têm a perder, já que tentaram
necessário: "Amanhã pedirei um aumento ao meu patrão; ele vai tudo. Outros imploram ao médico que não os deixem experimentar
fi_car perplexo quando verificar o quanto sou capaz de transpirar." esta técníca que pode acarretar-Ihes sérías consequ"ências. 0 tem-
peuta pode então dizerz "Eu assumo a responsabílidade de que
Os pacientes aprendem a aplicar a intenção paradoxal antes de se nada írá Ihe acontecer. Mas você assume a responsabilidade de tentar."
defrontarem com uma situação que possa desencadear o medo, ísto Em ambos os casos o paciente volta aliviado. O círculo vicioso
e', no momento em que aínda conseguem concentrar-se para formular rompeu-se.
suas frases. Aprendem a expressar suas manifestações como se a
intenção fosse verdadeira (“mostrarei ao meu patrão o quanto sou A intenção paradoxal é também aplicada a pacientes que sofrem
capaz de suar"), e não como uma antecipação ("vou suar"), porque de obsessão-compulsiva. Podem ser sorumbátícos, ínseguros, hesitan-
a antecipação somente aumenta o medo. tes e apresentar manias de contar janelas, verificar se as portas
estão sempre trancadas ou Iavar as mãos constantemente. Um
Durante a elaboração das frases e sua aplicação na intenção paradoxa|, belo dia, seja qual for a razão, começam a ter medo dos seus
os pacientes são ajudados pelo médico, mas a cura se processa pensamentos compulsívos. Temem que seu comportamento seja o
através do esforço dos própríos pacientes e das conseqüências po- inícío de uma doença mentaL Ou não podem Iíbertar~se da idéia
sitivas que resultam no desaparecímento do medo. Puderam provar de que talvez possam se suicidar ou matar alguém. A partir deste
a si mesmos que conseguiram romper o cfrculo vicioso. momento começam a lutar com seus pensamentos. (Frankl discute
a aplicação da intenção paradoxal em pacientes obsessivo~compul›

A clássica aplicação da intenção paradoxal é aconselhada para os sivos, em muitos dos seus Iivros (MS, p. 193; D$, p. 121; WM,
pacientes fóbicos. Como ressaltou Frankl, os fóbicos temem o p. 99; PE, p. 143; UC, p. 110; e UC, p. 114). Assim como o
medo. Ou, mais especificamente, temem as conseqüências do medo - paciente fóbico teme seu próprio medo, o obsessívocompulsívo
um ataque cardfaco, um derrame cerebral ou um colapso. Por isso tem medo de si mesmo. Os que sofrem de fobia fogem de seus
procuram evitar sítuações que os Ievem a evocar o medo. Ou, medos, enquanto que os obsessívo~compulsivos fogem cegamen-
conforme as palavras de Frankl, o medo do medo os induz a te de suaà obsessões. Mas a pressão orígina uma contrapressão
fugir do medo. Este padrão de comportamento é neutralizado pela que por sua vez íntensifica a pressão. E novamente, nestes ca-
intenção paradoxaL Para ilustrarz um homem, durante muitos anos, sos, as formulações humorfstícas exageradas funcionaram Para o

172 173
compulsivo que Iava as mãos a toda a hora: "Toda a minha vida tive ministrando um placebo sem nenhum tratamemo. L. Michael Ascher,
medo de bactérias. Agora farei amizade com elas; vou esfregar as professor adjunto de psiquíatria na Temple Uníversity, Filadélfia,
mãos no chão e aposto que pegarei milhões destas criaturínhas gra~ revisou na 1.a edição do Imernational Forum for Logotherapy, a
ciosas na ponta de meus dedos." Para os que verificam se as portas pesquísa preliminar feita sobre a intenção paradoxal, e concluiu que
estão trancadas: ”Talvez a porta esteia destrancada. Que entrem "este método é clinicamente eficaz".
os assaltantes; eles precisam muito mais da minha TV do que eu.
Mesmo porque, eu seí que a porta está fechada. Não passo de um A brevidade da terapia assim como o fato de enfocar a atenção na
obsessivocompulsivo.” supressão dos sintomas e não na descobena das causas foram
recebidos com ceticismo em alguns cfrculos psiquíátricos - urn
A intenção paradoxal somente é indicada após um cuídadoso diag- ceticismo infundado como demonstraram os quarenta anos de
nóstico. O paciente fóbico pode ser mandado para a rua “para ter experiência.'Atua|mente, a maioria dos psiquiatras reconhece que
um ataque cardfaco", depois que o médico se certificou de que a Ionga duração de um tratamento não equiva|e, necessariamente,
eIe não tem problemas no coração. O paciente obsessivo que teme a resultados permanentes, e foi demonstrado que o temhor de que os
suicidar-se - mas que na realídade não tenciona fazê-Io - pode sintomas suprimidos reapareçam posteriOrmente carece de funda-
dizer a si mesmo: "Vou enfiar uma dúzia de facas no meu corpo mento. O fato de muitos psiquiatras preocuparemse mais com as
até parecer um porco~espínho." Mas esta conduta não pode ser causas do que com os síntomas Ievou o falecido William Mennínger
aplicada a pacientes depressívos com reais tendências suicidas. a observar que não é absolutamente necessário conhecer as causas
de um incêndio para extingui-lo.
Os pacientes Iogo aprendem a Iidar com seus medos e compulsões,
DESREFLE XÃO
criando, eles mesmos, frases que se adaptem às situações que viven-
ciam. São considerados curados unicamente quando não mais neces~ O terceiro método desenvolvido por Frankl é a desreflexão.
sitam aplicar a intenção paradoxal, porque o medo e a compulsão
ApIica-se nos casos em que os simomas aparecem como conseqüên~
desapareceram.
cia de uma “hiperreflexão“ ou "hipertensão", onde o problema é
causado por uma exagerada atenção atribufda às funções biolog'icas
O método da ¡ntenção paradoxal pratíca-se atualmente em cIÍnicas
norma¡s. E aconse|hado para os casos típicos de disfunções sexuais.
da Europa, América, África, Japão e Austra'lia. Hans O, Gerz,
Aqui novamente instalou~se um padrão de conduta que deve ser
diretor clÍnico do Connecticut Valley HospitaL relata um estudo
modificado e, novamente, a causa que o originou não ¡mporta.
de seís anos de duração realizado em 51 pacientes, dos quais 90%
Um homem pode ter tido uma primeira experiência de impotência
se curaram ou melhoraram consideravelmente depoís da aplicação
por estar cansado, bêbedo ou por alguma outra razão. lsto pode
desta técnica terapêutica. O tempo de recuperação foi curto. Pacien-
acontecer a qualquer um. Mas se na próxima vez ele se mostrar
tes cuja doença datava de vários anos sararam, de uma maneira gera|,
ansioso em relação a essa ímpotência, é provável que se defronte
em um ano; os casos agudos reagiram favoravelmente entre quatro
com um novo fracasso. Se este círculo vicioso tem que ser rompido,
e doze semanas. 5
a desreflexão deve ser aplicada.

Recentemente, diversos terapeutas, incluindo os behavi0r/'stas, testa- A dificuldade na aplicação desta técnica reside em como desviar os
ram a intenção paradoxal em comparação a outras técnicas e pensamentos do paciente daquilo que o preocupa. Como pretender

174 175
o abandonou e a dificuldade foi vencida. Houve, contudo, um
que um homem impotente, em vias de ter uma relação, consiga
momento crítico, quando ela lhe disse que fosse até o fim, e ele
pensar em outra coisa que não seja a sua ereção? Como pode
ficou preocupado com as ordens do médico. Mas ela insistiu que
uma mulher frfgida, na mesma situação, deixar de sentir-se ante-
ele prosseguisse e que depois explicaria. Entretanto, antes do tér-
cipadamente ansiosa com relação ao seu orgasmo?
mino do seminár¡o, ela contou-me que o companheira tívera uma
recaída, mas eIa conseguiu contornar a situação. Desde que ele
Em 1962, Frankl publicou um caso antigoz A Sra. S. procurou-o
soubera do truque sobre as falsas ordens médícas, ela lhe disse
para que a ajudasse a superar sua frigidez. Ouando criança, seu
que começara a ter problemas com o seu orgasmo, e pediu-lhe que
pai havia abusado dela sexualmente. Mas não foí esta traumática
a ajudasse. Novamente a desreflexão funcíonou; porque ele trans~
experiência na infância que, de per si, causou sua frigidez. Influen-
feriu a atenção do seu problema para a companheira O que mais
ciada por artigos populares sobre psicanálise, ela supunha que o
me agradou neste "Caso" foí a prova de que uma vez que a pessoa
trauma pelo quaI passou pudesse ter ocasionado a neurose sexuaL
compreende os princfpíos da Iogoterapia, ela pode utílizá-Ios sem
Frankl disse~|he que a aceitaria como pacíente, mas so' poderia
auxflio do terapeuta.
iniciar o tratamento daÍ a dois meses. Neste meío tempo pediu-Ihe
que não se preocupasse com a sua disfunção - ela seria superada
Frankl descobriu há 40 anos o que as recentes pesquisas confirma-
durante o tratamento. Advert¡u-a, no entanto, que observasse se seu
ram: o que impregna as rafzes de uma disfunção sexual são a ansie-
marido não estava sendo prejudicado, que prestasse mais atenção
dade antecipada do fracasso sexual, a exagerada intenção por um
ao prazer sexual dele. Conforme Frankl havia prevísto, a Sra. S.
bom desempenho e a excessiva preocupação com as experiéncías
voltou doís dias depo¡s, relatando que pela prímeira vez haVIa
sexuais. Conseqüentemente, ele recomenda evitar determinados
atingído o orgasmo. Ao transferir a atenção de sí mesma para o
ambientes que coloquem o indivfduo impotente em situação de
companheiro, ela evitou que a hipertensão e a hiperreflexão in-
sentír~se pressionado a realízar a função sexuaL A pressão pode
terferíssem no seu desempenho sexuaL
partir da companheira ou companheiro (exige'ncias sexuais), da
situação (um fim de semana iuntos) ou do próprío indivíduo (um
Em uma das minhas dez semanas de semina'rios, tive a oportunidade
"programa" sexual). Tais pressões devemser evitadas, e opaciente de-
de improvisar a aplicação da desreflexão. Depoís da minha terceíra
ve, com muito discerniment0, afastar~se da autcHeflexão e preo-
palestra, uma jovem senhora aproximou-se de mim e contou-me que
cupação com o sexo, até que as relações sexuais se restabeleçam
seu companheiro tinha problemas de impot_e'ncia. Estavam para
passar um fím de semana juntos, e ela queria saber se poderia
Tanto a desreflexão como a intenção paradoxal rompem os padrões
recorrer à desreflexão. Aconselhei~a a usar um truque que Frankl
de conduta indesejados. A íntenção paradoxal Iança mão da capa-
costumava utilizar com seus pacientes. Ela poderia dizer ao seu
cidade humana de autodistancíamento (obsen/ar a nós mesmos
amigo que estava tomando um certo medicamento, e que o médico
do lado de fora, com senso de humor); a desreflexão utiliza-se da
pediu-lhe que evitasse ter relações sexuaís durante três semanas. capacidade humana de autotranscendência (ded¡car-se aos outros
Oualquer atívídade erótica era permitida, exceto o coíto. Disse-Ihe
seres humanos e buscar os significados que estão além de nôs
também que deixasse as coísas acontecerem normalmente quando
mesmos). De acordo com a colocação de Frankl, a íntenção paradoxal
percebesse que seu parceiro estava pronto. Na semana seguinte ela permite aos pacientes afugentar suas neuroses, enquanto que a
relatou-me que obtívera êxíto com esta técníca. Ouando seu com- desreflexão os permite observar “de fora" os seus sintomas.
panheiro não mais se sentiu compelido a realízar o ato, a tensão

176 177
í

qU Hipocondríacos Psicolog'icos
ílx (0 ninho das serpentes), para mostrar como o cinema pôde despertar

¡. A desreflexãq quando desvia a atenção do paciente de sua pessoa, sentimentos de ansíedade em uma senhora perfeizamente normaL
1\
¡ é, de certa forma, o método oposto ao utilizado pelo psicanalista Após assistir a esse filme, ela começou a questionar-se: "Será
1

ortodoxo, que pede ao paciente que se concentre em sí mesmo. que quando minha mãe me amamentava também nãomefazia
Há somente duas gerações, Freud defrontava-se com uma situação esperar? E meu pai, será que também não quebrou minha bonecaP
completamente diferente da com que se defronta o psíquiatra de E por acaso eu não teria sofrído rejeições similares às que sofreu a
nossos dias. Freud teve que convencer o público e os médicos de que protagonista desse filme? E lógico que não me recordo, mas a
as enfermidades podiam ser provocadas pela mente, em pessoas artista tampouco se recordava desses incidemes de sua ínfáncia, até
biologicamente sadias. Atualmente, FrankI tem que convencer o que começou a submeter~se à análise e eles vieram à tona." E
pu'b|ico e os médicos de que as enfermidades podem ser provocadas assim começa o cfrculo vicíoso, que parte de um semimento de
pelo noo's', em pessoas biolôgica e psicologicamente sadias. Mas Freud ansíedade e vai-se transformando no medo da loucura. A preocupação
teve tanto sucesso ao convencer seus contemporâneos de que todas excessiva em conservar a estabilidade mentaL assim como a preo-
as neuroses se originavam na mente, que muitas pessoas acreditam cupação excessiva em alcançar a felicidade ou concílíar o sono,
que sof_rem de transtornos psicológicos, quando na realidade estão só produzirá resultados opostos aos desejadosz uma preocupação
apenas frustradas noõlogicamente, ou são vítimas de seu vazio e exagerada com a saúde pode degenerar em uma hipocondria que é,
angústia existencíais. Por outro Iado, há os que consideram doentes certamente, uma enfermidade.
aquelas pessoas com as quais têm dificuldade em reIacionar~se,
ou com quem não estão de acordo. Como conseqüência desta Iógica mal aplicada, vivemos atualmente
em uma sociedade de hipocondrfacos psicológicos, onde todo
De uma certa forma, foi o próprio Freud quem assentou as bases mundo vive com o ouvido atento ao que acomece em seu próprio
da opiníão genera|izada de que “todos no's somos um pouco Ioucos“, inconsciente e no inconsciente dos que o rodeiam, com a intenção
vísto que suas obras estão saturadas de afírmações neste sentído. de descobrir as “verdade¡ras" motivações de seus atos, emoções e
"Toda a pessoa normal”, escrevia ele no Collected Papers, “só é pensamentos. Os Ieitores do livro Man's Search of Meanmg geral~
normal em um sentído relatívoz seu ego se assemelha ao do psicótíco mente sentem~se alivíados ao perceberem que o sofrímento, mesmo
em um aspecto ou outro." 0u, como observa no An Outline of aquele experimentado durante a infância, não tem que provocar,
Psychoanalysis: “Difici|mente encontraríamos um estado reconhecído necessariamente, "comp|exos" ou neuroses. Uma estudante de
geralmente como norma|, no qual não fosse possível demonstrar a Alabama escreveu uma carta a Frankl, onde relatava 5ua infância
existência de traços neuro'ticos."
Erich Fromm, em seu livro infelíz. Seus pais eram divorciados e ela havía passado a maior parte
Escape from Freed0m, sustenta que "os fenômenos que observamos de sua vida em internatos e acampamentos de verão. Fazía o
na pessoa neurótica não são, em prI'nc!pI'o, diferentes dos que seguinte comentário: “Sofri mais com a idéia de que poderia vir a
encontramos na pessoa normal". A ímaginação popular, estimulada ter complexos do que por havêlos padecido realmente. Contudo,
pelos veículos de informação, exage_rou e deformou estas afirmações, não trocaria minhas experiências por nada neste mundo, pois creio
no sentido de que todos nós deverfamos exercer uma constante vigi› que, de uma maneira geral, elas me fizeram muito bem."
Iância sobre nós mesmos, se não desejássemos ser possuídos por
um mal secreto. Frankl apó¡a-se no exemplo do filme The Snake Pit Muitas pessoas sucumbem não somente aos complexos que, segundo
elas, "devem sofrer", como também se dedicam a observar os
178
179
outros, em busca dos sintomas das neuroses que, em sua opinião, dificuldade em expressar-se. Descobriu-se maís tarde que ela era
“devem sofrer". Um conselheíro matrimonial dizía que a primeira tÍmida, e que a professora e alguns colegas, tendo caçoado de|a,
recomendação que se sentia inclinado a fazer à maioria dos casais que haviam motivado seu isolamento. O psiquiatra da escola predisse
o procuravam em busca de orientação era a seguinte: "Deixem de que o seu "problema profundamente arraigado", se não fm
analisar-se um ao outro!'v' Muítas pessoas são envíadas ao psiquiatra resolvido através da análise, iria reaparecer mais tarde com outros
ou ao conselheiro matrimoníal por razões que pouco têm a ver sintomas. Atualmente, quatorze anos depo¡s, a menína é uma
com sua saúde mental - crianças com baíxo rendímento escolar, mther casada e uma pessoa perfeitamente integrada à realidade
operários “causadores de problemas" e mães de filhos ilegftimos. e ao seu meio ambiente.
Leonard J. Duhl, diretor da Divisão de Serviços Profissionaís do
lnstítuto Nacional de Saúde Mental, declarou que "estava cansado Os Limites da Desmistificação
de ver a enorme quantidade de problemas depositada em nós,
psiquiatras... A delinqüência, por exemp|o, é qualíficada como 0 objetívo do diálogo socrático é ajudar os pacientes a descobrirem
problema de saúde menta|", quando, acrescentou, era um probiema o seu eu verdadeiro e expansivo, que eles ocultam sob máscaras,
socia| que deveria ser solucionado através da reforma urbana, para se protegerem Freud e seus discfpulos empenharamtse em
maíores oportunidades de trabalho, educação e outros meíos, que retirar estas máscaras, a fim de que o homem pudesse ver-se a
não são da alçada da psicolog¡a.' 6 Um dos crftícosmais francos si mesmo, dominado por seus impulsos e instintos. Assinalaram os
sobre o ponto de vísta "todo o mundo deve recorrer ao psiquiatra" motivos ocultos, inconfessáveis e geralmente não muíto nobres,
é Thomas S. Szasz, professor de psiquiatria do Centro Médico da que induziam o homem a atuar da maneira que o fazía, e destacaram
Universidade Estatal de Nova York, que observou, em certa ocas¡ão, os terríveis impulsos que motivam se'us pensamentos e suas açoe's.
que muitos pacientes procuram o psiquiatra com "doenças mentaís", Evidentemente foí saudável Iiberar o reprimido e desmascarar o
que em u'|tima análíse se resumem em probiemas existencia¡s. Nestes oculto, e Gordon W. Allport reconheceu o grande mérito de Freud
casos, dizia Szasz, o médíco não tem nada a diagnosticar, e a u'nica por ter-se "espec¡al¡zado precisamente nestes motivos que não devem
atítude que pode tomar é determinar se a pesSoa está doente ou ser interpretados pelo seu valor apareme". 8 No entanto, na atuali~
simplesmente confusa, se é diferente das dema¡s, se é obstinada ou dade, 60 anos depois, a denúncia e a eliminaçao" desaes falsos
se se sente infeliz. 7 motivos não mais representam o problema principaL O problema
consiste, agora, em impedir que o homem renuncie, junto com a
Alguns psiquiatras estão tão arraigados às doutrinas ortodoxas de falsidade, aos tesouros da verdade que Freud se propos' desvendar. O
Freud que acreditam descobrír enfermidades em todas as condutas próprio Freud, ocasionalmente, foi Ionge demais nesta desmistifica~
que se afastam da normalidade. Uma menína de seis anos, de uma Ção. Em seus Collected Papers, por exemplq define o amor paterno
hora para a outra, recusou-se a falar na sala de auIa. O psiquiatra da como "o simples ressurgimento do natcisismo paterno", e a amízade
escola, depois de investigar sua forma de falar, comer e demais como "uma sublimação de atitudes homosexuais". Não obstante,
“háb¡tos orais", entusíasmou-se tanto com a descoberta de um era consciente dos extremos aos quais se podía chegar na procura
"caso singular", que recomend0u que eIa se submetesse à análise. de motivos ocultos. Diz~se que em certa ocasíão, ao iníciar uma
O pai da menína negou-se, alegando que sua fílha se comportava nor- conferência, ergueu seu charuto e advertiu o audítório: “Em alguns
malmente, em todos os aspectos de sua vida cotidiana. A criança caSos, um charuto também pode ser um charuto e nada maís
foí transferida para um outro grupo, onde não apresentou nenhuma que um charuto". 9

180 181
10.A REALIDADE DA REL|G|ÁO
Frankl e seus contemporâneos, já não estão mais preocupados em
arrancar as salvadoras másdaras vítorianas, mas em descobrir a
verdadeira face que se oculta atrás destas máscaras. Em seu Iivro
Man's Search of Meaning diz Franklz "O desmascaramento e a
desilusão deveriam extingu¡r-5e assim que nos defrontamos com
aquilo que é genufno e autêntico no homem - o seu anseio por
uma vida mais sígnificativa. Se isto não acontecer, o homem que
se desmascara está apenas atraiçoando sua própría vontade e Duas coisas induzemme à merlncinz o cóu mnlado acnma do mim a a lcí monl
menosprezando as aspirações espirítuais dos outros seres humanos" demro de m¡m. lmmmuol Kam

(MS, p. 156).
Na Iogoterap¡a, o primeiro passo a ser dado é enfrentar a realidade.
A logoterap¡a, uma forma existencial de psicoterapia, afirma que
a realidade, vísta como um todo, inclui a dimensão sobrehumana
onde reside o sentído último da existência.

À primeíra vista, isto pode parecer um princípio demasiado radical


para a psiquiatria. Freud expressou sua opinião frente à religíão
com toda a c|areza, em uma carta que dirigiu ao seu amigo Ludwíg
Bínswangerz “Encontrei finalmente um Iugar para a religiãoz coloco-a
na categoria das neuroses da humanidade". 1 Carl Jung, no entretanto,
consíderava a religiosidade do homem não como um sinxoma de
neurose, mas como um possfvel meio de cura. Abraham Maslow
declarou que "os psicólogos existenciaís e humanistas contemporzr'
neos provavelmente considerariam enferma ou anormal uma pessoa
do ponto de vista existenciaL se não se interessasse por estes proble-
mas relígíosos". 2 Como se pode ver, os psicólogos posteriores a
Freud retificaram sua posição a este respeim Freud consíderava
enferma a pessoa religiosa, ao passo que Maslow consíderava enferma
a pessoa que se mostrasse índiferente aos assuntos religiosos. Frank|,
por sua vez, vê a religião como a "busca do homem por um
significado" - a manifestação do “anseio por um sentido u'ltimo".
Disse Albert Einsteinz "Qua| o sentido da vida humana? Encontrar
uma resposta satisfatória a esta pergunta é ser religioso.” 3 Preston
Harold, no seu Iivro The Shining Stranger, escreve: "Ao desenvolver
a Iogoterap¡a, Victor Frankl abriu a porta da psiquiatria não sb

183

100
à religião particular de cada um, mas à própria relig¡ão. Em sua
Na reah'dade, “tocar os Iimites" não é uma expressão muíto precisa,
obra pode-se ver o despontar de um novo dia na história da
poís dá a impressão de que existe uma brecha emre a dimensão
psicologia. Sem deíxar de reconhecer as contribuições de Freud,
humana e a sobre-humana. Mas Frankl considera esta u'|!ima como
porém superando-as, superou a velha 'teo|ogia' da psicologia, e seu
a dimensão suprema, não suprema no sentido moraL porém como a
conseqüente 'vazio existencial'." 4 ”d¡mensão maís uníversa|" que compreende todas as demais Com~
A Dimensão Sobre-Human›a preende a dimensão humana do mesmo modo que a dimensão do
homem compreende a do animaL “O homem é um animaL comerva
O homem sempre teve o conhecimento - pelo menos desde a as propríedades do animal e, não'obstante, é algo infinitamente
época de que se tem registro do pensamento humano - da exístência superior", opina FrankL Neste sentido compara a dimensão humana
de uma dimensão ínacessfvel à sua natureza. Mas, para que seja com um dos quadrados que integram um cubo. O cubo, ainda que
realmente relevante, este conceito deve ser pessoal e direto. Embora inclua o quadrado, pertence a uma dimensão superíorz a das trés

"vrzrna::s.mçnmmm1
qualquer um possa ter uma vísão direta, ainda que fugaz e vaga do dimensões. Da mesma maneira, ainda que a dimensão dívina conlenha
sentído da exístênc¡a, somente os profetas, os místícos e os artistas a humana, transcende-a. "0 mundo humano relacionase com o
experímentam visões de uma intensidade e clareza extraordina'rias. sobre-humano, assim como o mundo animal relaciona-se com o
Todas as religiões importantes basearam-se originalmente nas expe~ humano", escreve Frankl no seu compêndio sobre Iogoterapia.
riências diretas e pessoais de seus fundadores. Dentro de certos Da mesma forma que o animal não pode compreender o rnundo do
|imites, essas experiências foram transmitídas aos discípulos que nomem da sua dimensão animal, o homem é incapaz de compreender
viveram sob a influência imediata de seus mestres. A fim de serem a dimensão sobre-humana e as finalidades que a regem. Frankl vale-
transmitidas a gerações posteriores, foi necessário preservar as se da seguinte analogia: "um cão, p0r exemplo, em lugar de olhar
experiências originais dos profetas, em um conjunto de regras e para um objeto distante apontado pelo dedo de uma pessoa,
preceitos. Mas, até este contato índireto com o sobre-humano, Iimitar-se-á a olhar para o dedo (e em algumas ocasiões tentará
estabelecido através da tradição religiosa, foi sempre uma ajuda mordê-Io). De modo semelhante, o homem, incapaz de perceber o que
para o crente em sua busca por um sentido. o destino Ihe aponta, somente é capaz de ver o dedo do destino (e
ele também, em certas ocasiões, se rebelará contra seu destino e

_:É-.m_ YÁç_w-u›T vs~›-«*n:"'


Frankl fala de ”uma busca pelo sentido último", e oferece um sístema
tentará morder-lhe o dedo)" WM, p. 145).

w
e uma terminologia apropriados para discutir um tema para o qual os
termos tradicionaís se prestàm à confusão, porque signíficam aIgo di-
Este conceíto do homem oferece uma explicação racional da relação
ferente para cada pessoa. A Iogoterapia distingue no homem três di-
existente entre o humano e o divino. Mas o homem necessita de
mensões: a bíológica, a psicológica e a noo"lógica (ou propriamente
4«.v~_«
_¡4
aIgo mais do que um argumento intelectual: necessita de uma expe~
humana). A logoterapia fala sobre a dimensão supra-humana que não
riência real da transcendência. Esta experiéncía, que é transmitida
. 4.7_

pode ser penetrada, mas cujos Iimítes podem ser tocados. E nesta
pelos místicos desde os tempos bíblicos, converteu-se em objeto de
H

dimensão que reside a ordem, que foi definida como o sentído u'ltimo.
7

investigação psicológica. Abraham Maslow, um dos pioneiros desta


Também poderfamos chamar de um "supra-sign_ificado" - uma ordem
ínvestigação, informa que estas “experíências maís excitantes" de
cujas leis pudéssemos violar somente às nossas custas, independente-
penetração e participação em uma dimensão superior não estão
mente de interpretar esta ordem em termos religiosos ou seculares:
Iimitadas a um grupo exclusivo de eleitos. Após entrevistar diversas
seja Deus, Vida, Natureza ou Ecossistema.
pessoas, chegou à conclusão de que todos nbs podemos ter, e de

184 185
fato temos, experiências transcendentais dessa natureza, se bem que ocorrer em qualquer Iugar e em qualquer momento, sem que estejam
em alguns são menos íntensas do que em outros, e certas pessoas restringidas a “santuários” ou a situaçoe"s "sagradas". Produzem
as reprímem por considerá-Ias um sinal, se não de Ioucura, pelo me- satisfação emocional e também podem curar certos distúrbios
nos de instabílidade menytaL Outras as rejeitam, quer seja porque taís mentais. Relata que dois pacientes seus, um sofrendo de neurose
experiências não se aju›stam ao seu preconcebido tipo inteIectuaL crônica de angústia e o outro de uma tendência obsessiva ao suicídio,
ou porque assumem diante da vida uma posição uItra-conservadora, restabeleceram-se imediata e permanentemente em conseqüéncia de
materialísta, mecanicista, racíonalista ou antiemotiva. uma u'n¡ca experiência cuIminante. Esta experiência é direta e
pessoa|. Equivale a descobrir pela primeira vez que a cor “vermelha"
Essas experiências mais excítantes podem oferecer ao homem uma existe e que é maravilhosa. “A felicidade existe", comenta Maslow,
vivência de êxtase: a sensação de penetrar no mistério da existência “pode ser experimentada, e constitui certamente uma experiência
e participar do todo, um vislumbre da verdade, a visão fugaz de um positiva. E sempre é possível renová-la." 5
plano universal do qual ele faz parte, de um sentido do cosmos.
Uma experiência dessa natureza pode infundir-Ihe o valor necessário Realidade e Saúde Mental
para “dizer sim à vida apesar de tudo", para citar o tftulo de um
outro Iivro de FrankL Pode ajudá-lo a descobrir as possibilidades,
as oportunidades e as tarefas que o esperam. Pode ilumínar a meno- A consciência pessoal da dímensão sobre~humana pode dar ao
indivíduo a segurança de que existe uma ordem no universo (a¡nda
tonia de sua vida e preencher o vazio de sua existência, mostrar~|he
que esta ordem nem sempre se manifeste em um nfvel humano)
a beleza de um pinheiro, revelar-Ihe o significado de uma palavra,
e que e|e, pessoalmente, ocupa um lugar dentro desta ordem A
propiciar uma relação genuína com um estranho (ou aIguém mais
pergunta que se faz tanto ao ateu como ao crente é a seguinte:
chegado que até este momento tínha sido visto como um estranho), "O que é a realidade e qual o meu papel dentro dela?" Se bem que
e mostrar-Ihe o verdadeiro sentido de uma situação. Uma experiên- suas respostas possam deferir, ambos partirão da mesma suposição:
cia destas pode unir dois fatos ou dois pensamentos totalmente que no universo existem ordem, participação e harmonia. E neces-
isolados em um todo capaz de revelar momentaneamente ao indivf- sário que o indivíduo experimente o mundo como um todo integrado,
duo as correspondências ocultas que existem em todas as coisas, e fa- ou,do contrário, estará exposto a sofrer uma neurose. Uma convic -
zê›lo compreender que ele também é uma parte vital do complexo ção profunda e pessoa|, por inconsciente que seja, permeia igual~
enigma do universo; que deve procurar um Iugar dentro desse mente o religioso ortodoxo, o crente líberal ou o ciemista agnóstico.
enigma, conscíente de que existem Iugares nos quais de um jeito Foi assim que se expre550u, de uma maneira muito simples, uma
ou de outro ele consegue se enca›'xar, mas que só existe um ao qual senhora durante um seminár¡o: "Se minha fé em Deus me fortalece,
realmente pertence. então Deus existe, é real e está perto de mim." Outro dos presentes,
um senhor que estava sentado ao seu Iado, e que se havia identificado
Ainda que todas as críaturas vivas aIentem o desejo de serem eIas como ateu, acrescentouz “Concordo, mas não é indispensável acre
mesmas e ocupar seu Iugar no universo, somente no homem este é ditar em um Deus antropomórfico para ter este tipo de fé .
um desejo conscíente. A conscíência de sua busca religiosa desperta- Podemos conceber uma ordem no universo em termos humanistas ou
Ihe sentimentos de culpa, angu'st¡a, frustração e vazio, mas também em termos do sentido u'|timo da existência." De fato, até a própria
de plenítude, satísfação e felicidade. Maslow descobríu que estas ciência repousa na suposição de que o universo integra um todo coeren~
experiências que provocam sensações de sentídp e felicidade podem te. Sem esta fé não seria possfvel nenhum tipo de pesquisa cient!f¡ca.

186 187
A realidade não depende de nossa fé, consentimento ou compreensão. considerado insano. Hoje em dia, dificilmente ele seria considerado
Ela é percebida de relance, por a|guns indívíduos isolados, que geral- normal. Definimos como pessoa mentalmente sã aquela que não se
mente díscordam da maíoria das crenças. Nenhum consenso de afasta demais do estado atual do conhecimento. Se levarmos em con-
opiniões torna verdadeira a realidade. Qualquer um põde ver as sideração as recentes mudanças súbitas e radicais que sofreu nossa
bruxas de Salem, mas somente um São Paulo e um Einsteín tiveram compreensão sobre o mundo ffsíco e os princípios religiosos, não
um vislumbre da verdade. Ver nem sempre equívale a acredítar, e nem nos devemos surpreender que a estabilidade mental do homem esteja
sempre é um fundamento sólido de crença. Os nossos sentidos in- sujeita, atualmente, a uma tensão maior que a normaL A resistência
dicam-nos que a Terra está parada, e que os tri|hos da estrada do homem contemporâneo em abrir os olhos à realidade que
de ferro se encontram ao Ionge. Nenhum dos nossos sentidos nos transcende nossa dimensão humana pode vir a provocar sentimentos
diz que as marés são causadas pela Lua ou que a matéria, em sua de vazio, angústia e culpa. Para contrabalançar estes perigos do
maior parte, é constitul'da por espaços vazios. Nada, em nossa vazio existencíal, a Iogoterapia, de maneira alguma, “prescreve"
vída diár¡a, nos dá motivos para suspeitar que a água é formada religiãoz simplesmente assinala o fato de que a religião - em
por hidrogênio e oxigênío. 0 granito parece so'|ido, mas pode não qualquer de suas formas - não pode ser descartada como um das
ser mais sólido do que o disco criado pela rápida rotação das hé|ices múltiplos meíos pelos quais a humanidade conseguiu, e aínda pode
de um ventilador elétrico. 0 movimento pode dar a impressão de conseguir encontrar sentido.
uma substância sólida.
Ouando em 1954 foi publicado nos Estados Unídos o primeiro
A realidade da dimensão humana pode ser investigada e compreen- artigo popular sobre a logoterapia, Karl Menninger, diretor edu-
dida pela ciênc¡a. Mas, apesar da realidade do sobre-humana ser cacional da Fundação Menninger, comentouz “Provavelmente é
ínacessfvel à pesquisa científica, ela existe, independentemente de certo que nós, os psiquiatras, tememos tanto fomentar a fé e
nosso entendimento e inclusive de nossa capacidade de aprendê-Ia. alentar desta maneira a hipocrisia, que algumas vezes contribuímos
Esta interpretação existencial do sobre-humano remonta aos tempos com a timidez de nossos pacientes em expressar suas ideologias
bfblicos, quando o escritor do Exodo (3:14) descreve Deus dizendo religiosas." 5 Esta timidez foi confirmada pelo próprio FrankL
a Moisész "Sou o que sou." Não importa o que no's, morta¡s, sentimos Em muitas ocasiões teve a oportunidade de observar que, pacientes
ou especulamos - a realidade é o que é. A realidade na dímensão que não vacilavam em discutir sua vída sexual diante de um grupo
humana não mudou, desde a Idade da Pedra até a Era EspaciaL numeroso de estudantes mostravam~se sumamente reservados quando
O que mudou foi a nossa compreensão a seu respeíto. A América se tratava de discutir suas convicçoe"s religíosas. O sexo reprimido,
já existia antes que Colombo a descobrisse, e a Terra gírava ao redor graças a Freud Iíberou~se de muitas de suas ataduras, mas a re-
do Sol antes de Copérnico formular sua teoria heliocêntrica. A pressão religiosa é cada vez maior.
realidade sobre-humana existe da mesma maneira, independentemen-
te do número de pessoas que crêem nela ou das formas que revestem Frankl, não mais interessado em converter o paciente à religiosidade
sua fé. Contudo, aínda que nossa concepção da realidade não do que estava Freud em convertê-Io ao sexualismo, não deseja nem
tenha nenhum efeito sobre ela, nossa progressíva compreensão estimular nem combater suas convícçoe"s religiosas. Ele comparou a
repercute em nossa saúde mentaL Na época medieva|, por exemp|o, busca de um sentido no homem com uma viagem de trem. A
o homem podia crer que a Terra era plana, e que ele iría arder por logoterapia não oferece respostas absolutas que possam ser acatadas
toda a eternidade, como castigo pelos seus pecados, sem ser como estações terminaisz conduz o paciente, tanto o religioso como

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o não-rel¡gioso, a um ponto no qual eIe pode tomar outros trens indiscutível, mas se apóia em um mistério que é imolúvel para a
que o transportem a estações mais distantes, ou à estação final do dímensão humana. O astrônomo George Gamov observouz houve
seu destino. 0 que ocorre é que a terminal da logoterapia - 0 um momento no tempo no qual aIgo se criou do nada, ou esre
sentido - encontra-se na mesma rota que a religíão autêntica. “O momento da criação jamais ocorreu porque este "algo" (ainda
homem não deve ser impulsionado pelo seu instínto para a verdadeira que fosse apenas em forma de energia) sempre existiu Como
religião”, declara Frank|, "'nem deve ser pressionado peio psiquíatra" resultado, o dilema consiste em decidir~se por uma das duas aiter-
(UG, p. 72). Que o médico forneça as respostas não só é inadequado nativas que transcendem toda a experiência humana: o nada e a
quanto desnecessário. A logoterapia demonstra, com bastante fre- eternidade.
qüência, que os efeitos da resposta a uma pergunta do paciente rela-
cíonada com o sentido de sua vida são mais profundos se esta provém O tempo coloca em destaque a diferença que existe entre a dimensão
do próprio paciente, e não do médico. ' humana e a sobre-humana. O tempo, na concepção do homem, é
aIgo que se pode compreender com facilídadez tudo tem um
0 logoterapeuta não deve restringir a escolha do paciente. Deve man- prÍnCÍpio e um fim. A temporalidade começa com o nascimento e
ter-se inteiramente neutro com relação às suas decisões religiosas. "A termina com a morte. A história é uma sucessão de fatos que acon-
Iogoterapia", diz Frankl, "|im¡ta-se a afirmar o seguinte: o homem tecem no tempo, e até podemos entender o mistério do agora, que
está buscando - mas jamais consegue determinar se o que busca é se movimenta sempre na crista da onda entre o passado, que
um deus que ele mesmo inventou, um deus que descobríu, um deus deixou de existir, e o futuro, que aínda não exíste. Mas não podemos
que nunca poderá encontrar, ou simplesmente se busca a si conceber um tempo eterno, mesmo sabendo que este existe além
mesmo.” 7 de nossa compreensão. Sabemos que o tempo é anterior ao nosso
nascimento, à aparição do homem sobre a terra e à própria terra.
Além do Alcance da CiênCia E sabemos também que ele continuará transcorrendo depois da
nossa morte, depois que a humanidade tenha desaparecido da face
A ciência, que parecia estar propensa a não aceitar a existêncía de da terra e depois que a terra tenha deixado de existir. Mesmo
uma dimensão sobre-humana, não apenas assinalou e precisou os sendo incapazes de concebê-la, sabemos que a eternidade existe.
Iimites da possibilídade do homem, como também ressaltou a Frankl refere-se a ela como o “supertempo". A eremidade não é
existêncía de uma dímensão transcendente a eIe._Atua|mente, a um tempo posterior ao nosso tempo Iímitado. Reside em outra
lógica dos cientístas vem complementar a vísão dos profetas, ao dimensão. De acordo com o conceito de Frankl, o tempo está
indicar a presença de uma realidade inacessível à compreensão para a eternidade como os ponteiros de um relógio estão para
do ser humana. As pesquísas científicas não podem ir além dos o mostrador - uma única linha dimensional para dois planos
Iimítes da dímensão humana. Para penetrar nessa realidade é neces~ dimensionais.
sário dar um salto. Até mesmo uma obra de caráter tão científico
como é a Encyclopedia Amerícana afirmaz "Perguntar pela origem da O mesmo pode dizer-se sobre o espaço. Podemos compreender o
matéria não é formular uma pergunta científica - sua presença espaço humano, mas não o infinito, que não é apenas um espaço
tem que ser admitida." Quando os cientistas atingem os límites da infinito que começa onde o espaço finito termina. Reside em outra
dimensão humana, defrontam-se com^dilemas que não podem dimensão, superior à do espaço finito, assim como este faz parte
resolver ao nfvel humano. A realidade do universo é um fato do infínito, como o quadrado faz parte do cubo. A eternidade e o

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infínito são íncompreensiveís ao nfvel humano; contudo, são aIgo mais anos antes que possa aproximar-se dessas raras massas de matéria.
do que meros conceitos teo'r¡cos. A experiência pessoal de nossa tem- em torno das quais rege a gravidade. Uma criança nascida a bordo

poralídade e de nossas Iimitações espaciais permite-nos certa partícipa- desta hipotética nave espacial poderia crer que a gravidade não existe,
Ção na dímensão superior, onde existem a eternidade e o infínito. De já que esta estaria além de sua experiência. 0 homem está ingres-
modo semelhante, partícipamos da beleza perfeita quando aspiramos sando em uma realidade onde o "ac¡ma" se confunde com o
ao belo ou vívenciamos co'isas belas em nosso nfvel humano; pam'cipa- “abaixo", onde necessita orientar-se por pontos de referéncia que
mos da verdade absoluta mediante mílhares de verdades fragmentárias estão em constante movimento, e onde terá que utilizar sapatos
descobertas pelo homem e particípamos - fínalmente - do sentido magnéticos para manter os pés na ”terra".~ Pela primeira vez na
u'|tímo, mediante a busca do sentido das situações de nossa vida história, percebe conscientemente um mundo em constante movi~
índividuaL 0 sentído, a verdade e o infinito estão além da dimensão mento e constante transformaçãoz um mundo da relatívídade em
humana. E, aínda que nos possamos eIevar, passo a passo, em direção presença de uma ordem majestosa. Estamos vivendo nos primórdios
à dimensão sobre-humana, continuamos confínados à nossa dimensão de uma era espacial espiritua|, onde o homem terá que valer-se de
humana. sapatos noéticos de gravidade, para orientar~se em um mundo
carente de gravidade espirituaL Precisaremos de uma nova orientação,
É evidente que, se a ciência não pode penetrar na dimensão sem os famíliares pontos de referêncía e sem as tradicionais leis da na-
sobre-humana, pode ao menos expandir a dimensão h.umana em tureza. Em semelhante mundo, a sobrevivéncia dos mais aptos
direção à transcendêncía e fazer com que estas expansoe"s em nfvel significará a sobrevivéncia não dos mais fortes biologicamente ou dos
humano, repercutam na fé religiosa. Os grandes descobrimentos mais bem dotados ínstintívamente, mas a dos mais fortes na área

-geográficos do século XV, ao oferecer uma imagem mais vasta do de sua humanidade, de seu espfrito. Somente poderão sobreviver
mundo, revolucionaram as idéias que o homem tinha a respeito da aqueles que forem capazes de descobrir os sentidos de uma situação
vida sobre a Terra, e prepararam o camínho para a Reforma, que radicalmente alterada, da mesma maneira que os mamfferos sobre-
veío a modificar suas convicções religiosas. As viagens espaciaís e a viveram ao período glacial, em uma época em que as condições físi-
exploração do uníverso que se iníciam atualmente (mesmo na cas da terra se modificaram.
diminuta escala acessível ao homem) poderiam provocar uma nova
reforma religiosa em uma escala maíor que a precedente. A ciência Mas se a gravidade não é universal, se uma criança nascída em uma
espacíal revela a enorme dístância entre as leis humanas e as divinas, nave espacial poderia crescer sem ter nenhuma experíência desta
ao demonstrar que as leis físícas que o homem experimentou até Iei ffsica - incontestável para nós, seres humanos -, o que dizer
agora não são aplicáveis, necessariamente, nem sequer a curtas sobre as leis morais, o sentido e os fins u'ltímos? Talvez sejamos
distâncias da Terra. A Iei da gravidade, por exemp|o, que se passageiros em um espaço onde as leis morais não possam ser
supunha ser a maíor Ieí universal, deixou de ser válida para o astro- experimentadas; contudo, estas leis e o sentido u'|timo existem em
nauta depois que deu um minúsculo salto no espaço. A gravidade, uma dimensão diferente.
informa-nos a ciência e confirmam os astronautas, está muito
longe de ser uma lei universal, e constitu¡, ao contra'rio, uma rara O Ponto de Fuga
exceção. Na vastidão do espaço uníversal não existe gravidade, salvo
em lugares perto das estrelas e dos pIanetas. Se o homem cbnseguír Oue o sentido último (/ogos) reside na dimensão divina, que
algum dia viajar pelo espaço até as estrelas distantes, víajará muítos possivelmente é a própria dimensão dívína, não é nenhuma ínvenção

192 193
í
da logoterapia. E tão antiga como o Evangelho. João (1:1) afirmaz último na dimensão sobrevhumana, esta meta inatingfvel pela qual
“No príncfpio era 0 Verbo e o Verbo estava com Deus e o Ver- nos sentimos atrafdos e chamados. Se seguirmos com constància
bo era Deus.” O termo logos foi tradicionalmente traduzido co- essas “Iínhas de sentido" de nossa existência, surgirá um ponto para
mo “a palavra". Frankl traduz como “sentido". De acordo com o qual todas as Iínhas convergem Embora jamais possamos chegar
|

esta ínterpretação, a passagem bfblíca seria lida da seguinte maneira: até este ponto, devemos sempre caminhar em sua direção. Provavel-
"No começo era o sentído u'|t¡mo, e o sentido estava com Deus mente é esta a forma em que se deve interpretar, reflete Frankl, em
e o sentido era Deus.” Para os nossos ancestra¡s, o âmago do un¡- seu sentido mais profundo, a mais importante oração hebraica
verso era a palavra de Deus, que sob a influência dos sacerdotes se ("Nosso Senhor é Único"): "Perceber todos os sentidos como
transformou em um conceito estátíco. Do ponto de vista atua|, o convergentes em um u'nico sentido supremo, que na falta de outro
âmago do universo é o sentido, um conceito dinâmico. Só esperamos termo denominaremos de Deus, de taI modo que toda a verdade,
que este também não acabe por fossilizar-se em um dogma. Alguns pensada até as u'|t¡mas consequ"ências, sígnifique Deus, e toda a
intérpretes contemporâneos da belia não traduzem a defínição de beleza, amada até às u'|timas conseqüências, reflita Deus." °
Deus antes mencionada como “Sou o que sou", mas “Serei o que
serei", índicando assim a constante evolução que rege o nfvel Um Deus Pessoal
supremo da existência. Nesta era da relatividade, é compreensível
que até mesmo a dívindade (considerada no passado como a Deus, como ponto de fuga, como o eterno presente, como uma
essência do absolutismo) seja concebida como uma força sujeita à força impessoal em evolução, representa, para muitas pessoas, um
evolução e à expansão constantes, às quais está submetído o próprio interessante exercício intelectual que, não obstante, carece de toda
universo ffsico. Nesta era da Iivre busca da realidade, Deus é a importância para suas vidas pessoais. Foi dito que a filosofia e a
considerado não só como o fundamento de nossa exístência como psicologia existenciais secularizam a religiãa Elas ampliam o especíro
também sua meta - e não necessariamente como uma meta abso- das experiências pessoais através'das quais nós encontramos sentido
Iuta e estátíca, senão como uma meta em expansão que atra¡, guia e e, com isto, ampliam a base da relígia"o, de tal maneíra que ela se
desafia o homem. torne aceitável à maioria das pessoas.

t
Frankl descreve a exístêncía de Deus como análoga ao ponto de Nos tempos bíblicos, a religião abrangia tudo. Nada da experiência
fuga de um desenho. "Todas as Iinhas do desenho convergem neste humana, ficava fora dela. O homem percebia pessoalmente a Deus
ponto que, embora domine toda a composíção, não está, no entanto, em todos os aspectos de sua vida (na abundãncia de suas colheitas
'no' desenho." 8 Se aplicarmos esta analogia à vida reaI, podemos e nas épocas de escassez absoluta, na beleza de um ocaso e no
dizer que, ao caminhar pelas veredas da existência, nos movemos terror de uma tempestade, em seus sonhos e visoe"s, nos estragos
sempre em díreção ao ponto de fuga, sem que jamais possamos al- causados pelo I'n¡m1'gb e no amor do pa¡). O próprio Deus era visto
cançá-lo. Este, mesmo constantemente nos atraindo, afasta-se sempre como um pa¡, séVero e amoroso, que recompensava e punia de
com o horizonte. Poderemos atingír alvos dentro do panorama acordo com as Ieis que estavam além da compreensão humana.
fl's|'co, mas nunca o próprío ponto de fuga. 0 homeim era o fílho, confiante em sua convicção de que era
suficientemehte importante para que Deus o vigiasse pessoalmente e
Frankl também emprega o mesmo conceíto de ponto de fuga para julgasvse cad"a um dos seus atos. Este sentímento de proteção e panici-
explicar a relação entre os sentidos no níveI humano, e o sentído PaÇãol em um todo era a base de sua saúde mentaL

194 195
As tradições religiosas preservaram esta idéia de Deus, que até nossas
consciência; o religioso diz que se o homem quer ser saívo deve
dias continua proporcionando segurança a milhares de seres humanos. responder a Deus. A Iogoterapeuta sustenta que, se o homem dese
Outros, no entanto, chegaram a duvidar de sua fé infantíl no pai e, ja ser saudável, deve responder. Se conceber a exigência à quâl
como adolescentes, rebelaram-se contra a imagem paterna da rea- responde como vinda de um Deus pessoal ou de uma responsabilída-
Iidade divina. Mas, como nos mostra a psicolog¡a, a rejeição ao pai de pessoa|, cabe a ele decidir.
e até mesmo sua morte não Iibertaram o filho de sua realídade.
Este não se Iiberta do pai fugindo dele, mas compreendendo-o. Nossa Relação com o Divino
Somente a verdade pode Iibertar-nos, e, ainda que |_entamente,
expande~se por intermédio da revelação religiosa, da investigação A psicología do "profundo" demonstra que podemos perder nossa
cientffica e da busca pessoaL relação com o incognoscfvel em nossa meme; e a psicología
do “subl¡me", assim como a Iogoterapia demonstram que também
A filosofia e a psicología exístenciaís amplíam nossa liberdade podemos perder nossa relação com os significados e valorea A
de eleger. A verdade progressiva também nos Iibera dos conceitos vida torna-se sem sentido quando negamos ou reprimimos nossa
estereotipados do divino, quando estes deixam de ser relevames pa- relação com o sentido u'ltímo.
ra nós. Dá-nos a liberdade de postular novas hipóteses religiosas e
confrontá~las com a nossa experiêncía pessoa|. Este é o paradoxo da busca religiosaz o homem tem fé na existéncia
de uma dimensão divina, mas, ainda que seja incapaz de conmbe-'la,
A liberdade indívídual e a responsabilídade pessoal estão, cada vez sente a necessídade de estabelecer uma relação com este miste'río.
mais, fazendo parte da busca peIo sentido u'|t¡mo. Para ÓS que A base da re|¡g¡ão, seja qual for o nome que a chamemos - Deus,
crêem em um Deus Pai, é Ele quem exige responsabilídade e impõe ordem universal ou sentido u'|timo -, não pode desintegrar-se, dimi-
obrigações ao homem. Os não religiosos, contudo, Iembram que' a nuír ou desaparecer, porque é eterna e infinita. Não está abaixo de
psicología menciona que tanto um pai amoroso como um pai nós como uma rede de segurança, nem acima de nós como um
tirano podem escravizar o fiIho e ímpedír que assuma a sua teto protetor: fazemos parte dela como células temporais que
responsabilídade. Percebemos que a glória de Deus não diminui integrassem um corpo nterno. A célula não poderia isolar~se do
quando aceitamos a responsabilídade pessoal, assim tcomo Deus corpo, alegando que jamais viu o coração que a supre de sangue.
não necessita de nossas súplícas para ser grande. O homem religioso Mas se a relação do homem com o divino é ínevitáveL corresponde
diz: “Deus ajuda a quem se ajuda." Um ateu, em um semínário, ao indivíduo tomar consciência desta relação, em seu próprio nível
expressou-se da seguinte maneíra: "A função da religião é estimular de compreensão. Nem sequer o ateu pode eliminar esta relação. O
o homem a ser bom. Mas a responsabilídade pessoal pode exercer esta atefsmo é a negação de um Deus pessoa!, e não a negação do sentido
função. Se ninguém nos vig¡a, tudo é permitído, porém, se Deus u'|timo.
não exist'e para vvigiar-nos, nossa própria conscíência pode fazê-lo.
A responsabinade pessoal pode substítuir o Deus pessoa|." A religião recobrou, hoje, o caráter existencial que possuía nos
tempos bíblicosz não Ihe interessam as teorias religiosas, senão a
Assim, poAis, o atefsta afírma que o homem necessita de uma teologia experiência cotidiana. 0 que imeressa ao homem - e a moderna
que subgtitua o Deus pessoal com responsabilídade pessoaL Afirma teologia enfatiza este conceito - é aprender a viver de acordo
também que o homem para ter moral deve responder à sua com as suas potencialidades, a suportar o sofrimento inevítável,

196 197
a viver diante de uma constante incerteza e a encontrar sentido e Nossas falhas unicamente se transformam em pecados quando as
ignoramos, não aprendemos com elas ou nos recusamos a mudar.
conteúdo em sua existência individuaL Em épocas como a nossa,
abstraçoe's teóricas religiosas, tais como o céu e a ímortalidade,
A Prova do Divino
são menos reIevantes do que a realidade da própria busca religiosa

Em contraste com a bus'ca cientffica da verdade, a busca religiosa Na busca de suas Iinhas individuais de sentido, o homem inclusive
o ateu, pressupõe sempre a existência de uma dimensão superior. O
está apontada para uma meta que se encontra além da nossa com-
que a maioria dos atefstas rejeita não é a existência de uma dimensão
preensão, ainda que persegui~|a seja parte da nossa natureza Perde~
sobre-humana, mas as idéõas tradicionais de Deus. Alguns vão
rfamos nossa humanidade se interrompêssemos esta busca. A religião
ainda mais Ionge e repelem toda a realidade inatingfveL alegando
é nossa relação com o desconhecido, nosso díálogo com o transcen -
que são incapazes de percebê~la. Em 1945, ao regressar dos campos
dente. Neste diálogo não necessitamos, nem podemos compreender
de concentração, Frankl conheceu um jovem ateu. Este, deoepciona-
cIaramente as questões, mas, mesmo assim, devemos estar prontos
do com os estragos e com as crueldades da guerra, exlcamouz
para responder. Em seu Iívro Between Man and Man, Buber disse:
"Como poderia crer em Deus? Não consigo aceítar que existam
“Aque|e que deixa de responder deixa de escutar a Palavra."
Deus, o espfrito e a alma. Mostreme uma alma. Ela é algo que não
poderia ver nem mesmo com a ajuda de um microscópio. Posso.
Temos aprendido que exigir a resposta nos trará frustrações, pore'm,
é claro, ver os tecidos do cérebro, mas não a alma." Frankl pergun-
o esforço constante em achar uma resposta pode proporcionar-nos
tou~|he o que o índuzia a esta busca da alma, e o jovem respondeu
satisfações. Já que as respostas definitivas se encontram em uma
que era o seu desejo de descobrir a verdade. "E este desejo é
dimensão sobre-humana, devemos contentar-nos em encontrar as
tangfvel? " perguntou-Ihe Frankl, “sería visível através de um micros-
respostas a questões concretas, em situações concretas. Aprendemos
co'p¡o? " "E lógico que não," admitiu o jovem, “já que o meu deseio
a avaliar realisticamente nossas falhas e percebemos que nossa
é de natureza mental, e os fenômenos mentais não podem ser vístos
grande oportunidade reside
precisamente em nossa ímperfeíçãq
através de um microscópío." “Ah", disse FrankL "em outras palavras,
em nossa possibílidade de amadurecer, de mudar e de evoluir.
o que você buscava com a ajuda de um mícrOScópio é a condição de
Compreendemos que somos u'nicos, não porque fomos criados
sua busca, e algo que sempre pressupõs existir" (WM, p. 151).
como uma natureza u'nica, senão porque, como indívíduos, somos
Iivres para responder de uma maneíra u'nica. Em suma, em Iugar
Segundo a definição de Frankl, a religião é a consciéncía que o
de ínsistir nos mandamentos de Deus - que em sua totalídade
homem tem da exístência de uma dimensão sobre-humana, e sua
são desconhecidos para o ser humano -, insist¡u-se na forma em que
fé básica no sentido u'|t¡mo que reside nessa dimensão Mas a e-
devemos responder ao que, dentro de nossa capacidade, concebemos
xigência de uma "prova" persíste. Semelhante prova somente poderia
como mandamentos de Deus (e aos quais devemos responder em
ser obtida mediante a experiência de alguma coisa que escapa a
cada situação de nossa vida). Começamos a tomar consciência das
||'ml'tações da nossa Iiberdade para responder biológica, psicológíca qualquer argumentação lógica. Frankl tentou demonstrar a existên~
e ambientalmente, e compreendemos que censurarmos a nós mesmos cía da dimensão divina através de uma proposição fenomeno
Iógica, quer dizer, apoiandase na descrição de fenômenos rea¡s. Come-
por não podermos alcançar algo que está além de nossas Iimitações
ça com a famosa frase de Pascah ”Não Te buscaria se já não Te houves-
naturais não é fé, mas masoquismo. Fracassar não é um pecado
se encontrado", que expressa a necesidade emocional do homem em
ou uma doença menta|, mas uma conseqüência de sermos humanos.

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penetrar na transcendência, uma necessídade que seria inexplicável que existe em uma dimensão inacesslvel ao homem. "Através de
se não fosse precedida por uma consciência ou intuição da realidade pegadas petrificadas você pode deduzir que os dinossauros exus'n'ram",
da transcendência, pelo menos em um nível pré~consciente. Em
diz Frankl, "mas através das coisas naturaís vocé não pode deduznr que
seguida, Frankl passa a descrever o fenõmeno do amor, e observa as sobrenaturais existem. Deus não é um fóssil" (WM, p. 148). Deus
que também este necessita ser precedído por um objeto amado. não é algo que exista, como os demais seres, na dimensão humana.
lsto, admite Frankl, não é uma prova Io'g¡ca; e faz uma comparação
Existe em uma dimensão essencialmeme diferente. E o fundamemo
baseando-se em Descartes: "Penso, Iogo existo." Parafraseando esta
da existéncia. Pode ser, argumenta Frankl, que Deus não exista
ídéia poderÍamos dizer.' ”Amo (a Deus), Iogo Ele existe." Assim
em nenhuma dimensão - que eIe seja o próprio sistema coordenado.
como Descartes deduz a' exístêncía do eu a panir do ato de pensar,
nós podemos deduzír a existência infinita de Deus a partir do nosso
Pretender demonstrar a exístência de Deus como se demonstra a
amor infinito.
existêncía de animais pré-históricos significaria reduzir o divino
ao nÍveI humano. O absurdo deste reducionismo pode ser ilustrado
E evidente que esta inferência da existência de Deus não será aceita com a estória de um menino que disse a Frankl que iá havia decidndo
facilmente por aqueles que não estão predispostos às experiências o que ia ser quando crescessez “Vou ser um trapezista ou Deus."
religiosas, que as rejeitam ou tenham reprimido suas necéssidades A criança não levou em consideração a dífcrcnça dimensíonalz
metaffsicas. Os crentes religiosos, no entanto, além de acreditar falava de Deus como se Deus fosse uma vocação entre muitas outras.
na existência de Deus, estão plenamente convencídos de que todas
as pessoas, pelo menos a nfvel inconsciente, possuem certa fé Mas não é preciso ser criança para cair na armadilha de reduzir
no sobre-humano. Esta convicção não é tão absurda como poderia Deus à dimensão humana. Em um nÍvel mais complexo é isto o que
parecer à primeira vista. Por exemplo, não é verdade que todos nós fazem aqueles que pretendem que Deus responda às suas su'plícas,
cremos no "tu" de outra pessoa, apesar de este "tu", o fundamento ou aqueles que declaram que Deus está morto. A esperança de
espirítual do seu corpo e de sua mente, ser invísfve|? Pois o deus receber uma resposta direta de Deus é qualificada por Frankl

do crente é algo parecido ao "Tu" prímár¡o, isto e', a essência como uma forma de "pensamento mágico": “Se estamos a bordo
invisÍvel oculta no mundo das manifestações. Ao regressar a Víena, de um navio e desejamosl medir a profundidade do mar, emitimos

após suas experiências nos campos de extermínio, Frankl escreveu: uma onda sonora para que esta se reflíta. Quando escutamos
"Deus é o Tu primeiro e supremo, em um grau tão eminente, o eco, sabemos que provém do fundo do mar. Deus e'. contudo,

que não se pode falar verdadeiramente de Deus na terceira pessoa, profundidade infinita." ” P0r isso não nos devemos surpreender
mas unicamente com Deus, na segunda. Não posso conceber que quando Ele não nos responde. "Deus não está morto - guarda
um homem que tivesse falado com Deus em uma trincheíra ou em sílênc¡o" (WM, p. 154).
um campo de concentração pudesse mais tarde falar de Deus em
uma sala de conferências, como se se tratasse do mesmo ser com A "Linguagem'da Religião
quem falou diretamente na trincheíra." 10
A religião de uma pessoa é tão universal como a Iinguagem
humana, e tão péssoal como sua forma de falar. Um bebê
Falarlcom Deus é um fato que elímina qualquer necessidade de balbucia sons universais, so›ns que só posteriormente irão ad-
prova. Por outro lado, é a u'n¡ca prova possfvel de um fenômeno quirir caracterfstícas da |fngua materna. Do mesmo modo. o

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201

'r_~
"1
sentimento de uma religião universal vai particularizando-se à medida
que a pessoa cresce dentro de determinada tradição re|igíosa. descobrir sua própria linguagem para comunicar-se com Deux Porúm,
acrescenta Frankl, mesmo que a religião se individualizasse a tal
O paralelismo exístente entre a religião e a Iinguagem sempre ponto que cada indivfduo falasse sua própria linguagem rel›g'iosa,

fascinou FrankL Numa conferência que proferiu no Instituto teria que utilizar os sfmbolos comuns da religião, da mesma forma
Brandeis da Calífórn¡a, descreveu esta analogia com as seguintes que os diferentes idiomas utilizam o mesmo alfabeto. Frankl vé
palavrasz uma tendéncia à religião, mas apartada daquelas seítas que nada
mais fazem do que combater umas às outra's.

Podemos alcançar a verdade com a ajuda de qualquer idíoma, mas A Redescoberta das Antigas Verdades
também podemos errar e mentir em todos os idiomas. A verdade
e a falsidade dependem de no's, não da linguagem. O mesmo se aplica
Os religiosos ortodoxos costumam supor que tudd que pode ser
às várías religiões. Isto, em Iugar de diminuir a força de nossas convioçoe"s,
apregoado a respeito de Deus já foi fixado de forma definitíva,
fortalece nossa humíldade e nossa tolerância. Não somos obrigados a
compartilhar das crenças de outra pessoa, porém, devemos reconhecer e que nada mais se pode acrescentar. Porém, em todos os campos
seu direito de tê-Ias e de guiar-se exclusivamente por sua consciência. de pesquisa, recebem-se constantemente novas informações acerca
Quanto mais firme for nossa fé, mais livres estarão nossas mãos para da realídade do homem e de seu mundo, e seria, então, pouco realista
estendê-Ias aos demais. Quanto mais frágil for nossa fé, mais utilizaremos presumir que a religião pudesse constituir uma exceção a esta
nossas mãos para nos aferrarmos aos dogmas, e então não teremos as regra. Cada geração necessita reexaminar o conceito de Deus que
mãos lívres para estender aos demais. 12 herdou, e isto é particularmente aplicável à geração jovem de
nossos dias, a que ingressa em uma era onde a visão do profeta de
Frankl argumenta que somente nos aproximamos da verdade através que “os alicerces da terra haveriam de tremer", é uma possibilídade
fÍsica que, como observou TiIIich, a qualquer rnomento poderia
do pensamento, e que pensamos melhor em nosso próprio ¡d¡oma.
Outros idiomas podem ser mais expressivos em virtude de sua maior converter-se em uma realídade histórica. A advertência de lsaías
riqueza de vocabulário e matizes dé sígnificados, mas, como regra de que “a terra se esfacelaría" não é meramente uma metáfora, senão
geral, a nossa própria |¡'ngua é o melhor veÍcqu para aproximar-se a crua realídade: uma realídade que a física tornou possíveL

da realídade que todos os idiomas pretendem refletir. De modo “Isto," assinala Tillich, “é o significado religioso da era na qual
semelhante, é um erro acreditar que a autêntica fé pode ser alcançada ingressamos." 13

com maior facilidade se a pessoa se mantém à margem de todas


as seitas. Aquele que assim pensasse seria igual a um homem A nossa época apresenta paradoxos desconcertantes. A segurança

que carecesse de idioma próprio. É, portanto, um erro acreditar que as antigas tradições ofereciam decresce día a dia, e ainda não se
que a tendência atual se encaminha para a criação de uma religião desenvolveram novas tradições que as substituam. Novas informações
universaL uma religião inventada artificialmente, uma espécie de estão chegando de todas as partes, e o homem passa a entrar em
conflito com suas veneradas crenças. Sofre, finalmente, todas as
esperanto religioso. Uma religião artificial não seria religião em
nenhum sentido. PeIo contrário, pensa Frankl, a tendência atual conseqüêncías de haver comido do fruto proibido da Árvore do
dirige-se não a uma religião universa|, senão a uma religião a Conhecimento, e de haver sido expulso do Paraíso, onde todos os
mais pessoa| possfvel - uma religião que permita a cada um de nós caminhos lhe eram familíares, e para encontrar seu caminho guiava~se
pelos próprios instintos. Vive agora em um mundo de caminhos

202
203
às suas exigências. 0 sentido u'Itimo existe. npesar de aer incompm
desconhecidos onde em cada encruzílhada deve tomar uma decisão.
ensfvel para o indivlduo. Este someme poderá vislumbrá~lo modbntn
Sua |iberdade ampliou-se enormemente, mas a informação de que sua consciência que, como parte de sua esmnura humam, pro
dispõe para encontrar seu rumo continua limitada, Sente-se angus~ pende ao erro. Por esta razão, o que os seus maiores esforços podarlo
tiado porque o peso de sua |iberdade é muito grande; e culpado, por- revelar não é o Plano Mestre, porém, unicamente o sentido específico
que sabe que em cada escolha poderia ter optado de maneira de cada uma de suas situações vitais. Só poderá panicipar do semüo
distinta. Sente a necessidade de uma |iberdade maior e de um último se responde, na medida de sua capacidade limitada, às cxw
maior conhecimento, porém, ao mesmo tempo, assoma-|he a saudade cias de sentido do momento. A busca cotidiana do s¡g'm'h'cado é o que
das sendas já percorridas do seu obscuro passado. A tensão resultante proporcíona conteúdo à sua vida. A felicidade, a paz espiritunl, a
destes doís impulsos contraditórios sempre dividiu o homem, só que satisfação e o éxito são meros produtos derivados destn bum
nos dias de hoje é maís dolorosa porque, sendo incapaz de guiar-se
por uma tradição em decadência, deve enfrentar o fato de que a Os breves resumos sobre logoterapia, como este que apresantamog
suscitam objeções, no sentido de que nada do que foí expoao 6
senda de retorno ao Paraíso está obstrufda para sempre. Sabe
novidade. Frank|, conscíente desta reação, recordaz "Quando proferí
que não pode renunciar à sua |íberdade, esquecer o que aprendeu
minhas primeiras conferências nos Estados Unidos, dissenmma
ou suprímir sua necessidade de transcendência, pois, ao fazê-Io,
que minhas teorias representavam uma novídade, pelo menos sc
renunciaria à sua condição de ser humano. Tem que aceitar sua
comparadas com a psicanálise. Mas, posteriormente, em minhas vie~
expulsão, não como um castigo, mas como um desafio. Nas
gens pela Asia, I'ndia e Japão, disseram-me precisamente o contrário.
palavras de Buber (Way of Respanse): “A espada flamejante d'o
Fizeram-me ver que o que eu dizia eram amigas verdades que podíam
querubim que guarda a entrada do Parafso impede qualquer retorno.
ser encontradas nos Vedas, no Zen ou nos escritos do LaoTsé." u
Mas também ilumina o caminho que conduz para diante."

Frankl considera justifícadas as duas avaliações da logoterapia, a


A Iogoterapia ajuda a iluminar o caminho que conduz para diante,
sente~se Iisonjeado em ambos os casos. "E para mim uma honra
passo a passo, cada pessoa individualmente. Diz que o homem não
que minhas contribuíções à psíquiatria sejam consideradas como
pode modífícar seu passado, mas tampouco deve ser seu escravo.
uma novídade, mas é igualmente uma honra que se acreditn
Pode mudar o presente e influenciar o futuro. Diz que eIe é um ser
descobrir antígas verdades na Iogoterapia. Karl Jaspers observou
|imitado, mas que dentro de suas Iimitações é dono de uma grande em certa ocas¡ão, que, no campo da filosofia, algo que se apmsente
liberdade, e que o uso que dela fizer dependerá de que sua vida seja como inteiramente original provavelmente não é de todo verdadeiro.
plena ou vazia. Assim mesmo, se não exercêla com responsabilidade, O mesmo se aplica no campo da psicoterapia. Se a logoterapia nada
sua |iberdade pode converter-se em uma arbítrariedade sem sentido; maís faz do que redescobrir e reformular antigas verdades, ainda assim
adverte~o que a todo momento deve tomar decisões e enfrentá-Ias contribuí para o avanço da psicoterapia. Mas acredilo que a logotara~
numa constante incerteza, sem que possa esperar para conhecer pia conseguiu maís do que isto: fez da sabedoria antiga um sistema o
todas as respostas. Diz-Ihe que, embora esteja só, participa de uma um método, e, ao fazêlo,.facilitou seus ensinamentos e sua com~
realidade que transcende todo o seu conhecimento. A vida não é preensão. Deste ponto de vísta, tanto as avaliaçõcs dos amerícanos
como as dos asíáticos podem estar corretasz as anliaas verdades tivw
obrigada a proporcionar-lhe prazeres, mas a oferecer-|he sentidos.
ram que ser redescobertas e reformuladas de maneira SIstemática e
A Iogoterapia diz, finalmente, que o homem jamais poderá entender
metod1olsog'ica para que o indivfduo pudesse aplicá-las à sua prbpria
a realidade do sentido u'|timo, seja quaI for o nome que se Ihe dê, vida."
mas que toda a sua existência depende da maneira como responde

205
204
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CAPÍTU LO 2

1. Notal sobre conferénciM de Frankl não publicadaL


2. Nom sobre recordaçõm peuoais do autor.
3. Sobre a demonstração de um caso enconlrado na Livmia Vilnor E. Funkl
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Professor Robert C. Leslie, 1798 Scenic Avenue, Berkeley, CA 94709.
¡ 108 - O ETE RNO COMPANHEI RO - Swami Vijoyananda

109 - A ASCÉTICA DA RENÚNCIA - Jorge Waxemberg


110-\ME|STER ECKHART E A MIS'TICA MEDIEVAL ALEMÃ - G. Faggin

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5 111~ABUSCADOSIGNIFICADO -Joseph B. Fabry

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