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SUMÁRIO
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 92
INTRODUÇÃO
Ao longo da história, questões com o uso excessivo e/ou a dependência de álcool e de outras
drogas têm sido debatidas por inúmeros pontos de vista. Como descrevem Duarte & Morihisa
(2008, p. 42):
O uso de drogas que alteram o estado mental, chamadas nesta Unidade de substâncias
psicoativas (SPA), acontece há milhares de anos e muito provavelmente vai acompanhar toda
a história da humanidade. Quer seja por razões culturais ou religiosas, por recreação ou como
forma de enfrentamento de problemas, para transgredir ou transcender, como meio de
socialização ou para se isolar, o homem sempre se relacionou com as drogas.
A partir da ótica médica do século XX, foi considerado um transtorno mental decorrente de
questões biológicas, contudo inúmeras outras implicações passaram a ser consideradas, como
sociais, psicológicas, econômicas e políticas, na busca de compreendermos a globalidade do
problema e não apenas sua criminalização. O consumo de substâncias psicoativas, em especial
das drogas lícitas como o álcool e o tabaco, é bastante frequente em nossa sociedade, fazendo
parte da história da civilização humana. Tanto que, nas civilizações antigas as plantas com
princípios psicoativos (como o ópio, a coca e a maconha) foram utilizados com
inúmeras finalidades, como: curar doenças, afastar espíritos, estimular o sucesso, atenuar a
fome e o frio, entre tantas outras.
Figura 1 - Registros arqueológicos Fonte: http://migre.me/dCQ7N
Segundo Lacerda (2008), a maconha que cresce espontaneamente no Himalaia, no Tibet, seria
utilizada desde 12.000 anos a.C., com os hindus descrevendo seus efeitos, como o de estimular
o apetite e induzir o sono, entre 2.000 e 1.400 anos a.C. e de sua utilização na medicina
chinesa descrita em tratado datado do primeiro século d.C. O uso provável do ópio na
Mesopotâmia dataria de 3.000 anos a.C., com significado divino de acalmar os enfermos.
Aparece na “Odisseia”, livro de Homero, como uma bebida para esquecer a dor e a infelicidade
e foi utilizado até o século XIX, quando se observou seu uso abusivo como forma medicinal.
(LACERDA, 2008).
Figura 2 - O livre comércio e o uso de ópio na China no séc. XIX Fonte: http://migre.me/dCQdt
Nesse sentido, a utilização das drogas não representava, em geral, uma ameaça à sociedade,
pois seu uso estava relacionado aos rituais, aos costumes e aos próprios valores coletivos e,
ainda, não se sabia dos efeitos negativos que elas poderiam causar – não havia estudos
científicos.
Com a era moderna e o avanço da ciência, os produtos antes obtidos na natureza foram
levados aos laboratórios e transformados, surgindo as drogas sintéticas, como as anfetaminas
(1837), a morfina (1804-1852) e heroína (1874). Todas surgindo com expectativas de uso
medicamentoso, como as anfetaminas para aumento da energia e elevar o estado de humor, a
morfina utilizada para o tratamento da dor e a heroína ironicamente como substituto da
dependência química decorrente do uso da morfina e antitussígeno. Até serem conhecidos
seus efeitos adversos nas décadas seguintes e a proibição de seu uso, mesmo assim foram
utilizadas durante as duas guerras mundiais como amenizador da dor dos feridos ou para
estimular o vigor dos soldados.
Figura 3 - Vidros medicinais do séc. XIX, quando as drogas eram utilizadas para tratamentos
Fonte: http://www.encod.org
Paralelo ao uso científico, no século XIX e início do século XX, muitas vezes o assunto foi
abordado por autores, em geral ligado à literatura e às artes, que faziam uso de drogas e as
descreviam de forma romântica, assim como seus efeitos e os rituais em que as utilizavam,
criando a magia do status de sua utilização. Nos anos 50 surgem os benzodiazepínicos e com
eles a possibilidade de tratamento de inúmeros transtornos mentais baseados no seu efeito
tranquilizante. Mas sua utilização foi disseminada, pois seus efeitos calmantes contribuíam
para aliviar as tensões do dia a dia e beneficiar um sono mais tranquilo, se popularizando
dentro da cultura da medicação. A cultura hippie, nos anos 60 e 70, dá um novo sentido para a
utilização das drogas, pela contestação de valores incorporados pela sociedade. Seja pelo uso
de roupas, pela música e drogas, buscando ideias de libertação por meio da criação de um
mundo alternativo diferente do sistema social e cultural vigente. Nesta época é estimulado o
uso de drogas, como o LSD, com seus efeitos ligados ao prazer e a alteração de consciência.
Fonte: http://migre.me/dCQys
Segundo Lessa (1998), a partir dos anos 70, a faixa etária dos usuários de droga começa a se
alargar, desde adolescentes até idosos. Sendo que os jovens recorrem com maior frequência
às drogas ilícitas como os solventes, a maconha e a cocaína. Os idosos fazem uso das drogas
lícitas como o tabaco, o álcool, a cafeína e os medicamentos controlados. Para Buchele & Cruz
(2008, p. 67), a atualidade é marcada pelo uso de diferentes tipos de substâncias psicoativas,
que vão “[...] desde um uso lúdico com fins prazerosos até o desencadeamento de estado de
êxtase, uso místico, curativo ou no contexto científico da atualidade”. Concluindo que, tanto a
experimentação quanto o uso dessas substâncias crescem de forma consistente em todos os
segmentos do País.
Quer ler um pouco mais sobre a história das drogas? Acesse o site da European Coalition for
Just and Effective Drug Policies (ENCOD). Disponível em:
<http://www.encod.org/info/HISTORIAINTERNACIONAL-DA-DROGA.html> Acesso em 19 jul.
2018.
[...] há uma forte tendência a enfatizar os perigos e malefícios que a droga pode trazer, sendo
ela associada à marginalidade, à violência, ao crime, à degradação, dando a falsa ideia de que
está presente só nas classes inferiores.
Em contrapartida, as políticas públicas de nosso país encaram as drogas de forma mais ampla,
entendendo que “a dependência das drogas é transtorno em que predomina a
heterogeneidade, já que afeta as pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razões, em
diferentes contextos e circunstâncias.” (BRASIL, 2004, p. 8). Segundo Garcia et al. (2008, p.
267):
O debate hoje em relação às drogas vem sendo construído em torno de discursos científicos
que tendem a configurar o problema ora como questão de segurança pública (relativo ao
narcotráfico e à repressão da oferta), ora como questão de saúde pública (relativo à repressão
da demanda por um lado e à redução de danos por outro).
Até hoje em dia, o discurso de líderes políticos e governantes foi prioritariamente relacionado
com o comércio ilegal de drogas, mobilizado em geral por ser uma ameaça às estruturas
democráticas de muitos países. “Os recursos oriundos do tráfico de drogas, por sua natureza
ilícita, só podem atuar em oposição a todos os mecanismos reguladores da economia mundial
(p. 267)”, estimando-se que os lucros chegariam a 500 bilhões de dólares/ano, incrementando
outras atividades criminosas, tais como o “tráfico de armas, o contrabando, o terrorismo, as
guerras e guerrilhas, e até os golpes de Estado”. (GARCIA et al., 2008, p. 268).
Como aponta Fraga (2000, apud GARCIA et al., 2008), o narcotráfico enseja um jogo entre o
legal e o ilegal no qual destacam-se três etapas: a produção, a distribuição-consumo e a
lavagem de dinheiro. Para que essas etapas se realizem, é necessário que o narcotráfico
estabeleça alianças com o Estado, por meio do suborno de agentes ou do recurso ao sistema
financeiro, que está no lado legal da sociedade, para fins de distribuição e lavagem de
dinheiro. Estimativas da ONU apontam que no mundo quase 5% da população entre 15 e 64
anos usa drogas ilícitas pelo menos uma vez por ano. A droga mais consumida no mundo seria
a maconha. O uso de drogas não é exclusividade de determinada classe socioeconômica,
distribuindo-se regularmente por todas elas. Portanto, as campanhas preventivas não
precisam se preocupar apenas com determinados segmentos populacionais. Assim como em
vários estudos anteriores, o uso na vida de certas drogas foi maior para o gênero masculino,
para: maconha, cocaína, energéticos e esteroides anabolizantes. Para o gênero feminino,
tradicionalmente o maior uso na vida é de medicamentos: anfetamínicos e ansiolíticos.
(BRASIL, 2009). Segundo o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no
Brasil, desenvolvido pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CARLINI
et al, 2006), verificou-se que aproximadamente 4,5% dos entrevistados, na faixa etária entre
12 e 65 anos, fizeram uso de alguma droga ilícita (exceto álcool e tabaco) no último mês da
pesquisa, ampliando-se o percentual para 10,3% dos pesquisados no último ano e de 22,8%
durante algum período da vida. Quanto ao uso em algum período da vida, a maconha foi a
droga mais citada (8,8%), seguida de solventes (6,1%) e benzodiazepínicos (5,6%). Valores
inferiores aos encontrados em outros países, como EUA (40,2%) e Reino Unido (30,8%), no
caso da maconha. Das drogas ilícitas mais utilizadas com maior frequência (durante o mês da
pesquisa) destacaram-se a maconha (1,9%) e a cocaína e os solventes (ambos com 0,4%) e na
época do levantamento, apenas 0,1% para o crack. Contudo, destaco os valores encontrados
para as drogas lícitas descritos na tabela a seguir.
DROGAS
Tipos de Uso % Na vida No ano No mês Álcool 74,6 49,8 38,3 Tabaco 44,0 19,2 18,4
A prevalência de uso na vida para qualquer droga (exceto tabaco e álcool) foi de 22,8%, sendo
a maior porcentagem observada na região Nordeste (27,6%) e a menor foi na região Norte
(14,4%). Valores similares aos encontrados no Chile e metade do valor encontrado nos EUA. A
média brasileira de prevalência de uso na vida de álcool foi de 74,6%, sendo a menor taxa
observada na Região Norte (53,9%) e o maior na Sudeste (80,4%). Inferiores a média de outros
países, como o EUA (82,4%). O índice de dependentes de álcool foi de 12,3%, com maior
número de dependentes do sexo masculino. Quanto ao uso na vida de tabaco, foi encontrado
44,0% no total dos pesquisados, porcentagem inferior à do Chile (72,0%) e EUA (67,3%).
Quanto à dependência de tabaco, 10,1% preencheram critérios para um diagnóstico positivo.
Segundo o Relatório Brasileiro sobre Drogas (BRASIL, 2010), o uso na vida de álcool diminuiu
para ambos os gêneros, em nove das dez capitais onde já haviam sido realizados
levantamentos anteriores com a mesma metodologia. Contudo, a diminuição do uso na vida
de tabaco não foi tão significativa quanto a do álcool, a despeito da proibição das propagandas
para os cigarros, mantendo-se inalterada na comparação dos cinco levantamentos, para quase
todas as 10 capitais. Em Porto Alegre houve inclusive aumento do uso na vida de tabaco para o
gênero feminino.
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Pelo II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (CARLINI et al,
2006), cabe ressaltar os dados referentes à percepção de tráfico e à percepção de efeitos
adversos do uso de drogas: Cerca de 18,5% dos entrevistados afirmaram ter visto alguém
vendendo drogas e 18,3% comprando drogas; Cerca de 64% dos entrevistados afirmaram ter
visto pessoas alcoolizadas nos 30 dias prévios à pesquisa e sob efeitos de outras drogas foi de
36,9%. Descritos pelos autores da pesquisa, como porcentagens muito elevadas, “[...] o que
pode ser, simplesmente, reflexo de uma hipervalorização da sociedade, delegando às drogas
qualquer alteração comportamental.” (CARLINI et al, 2006, p. 400). Quanto ao risco da
utilização (considerado grave para uma ou duas vezes por semana), a percepção para as
bebidas alcoólicas foi de 20,8%, para a maconha de 48,1% e para a cocaína de 77,1%.
Destacando-se que a percepção de riscos mais que duplica na comparação entre Álcool e
Maconha e quase triplica quando o Álcool é comparado à Cocaína/Crack. Com cerca de 11%
dos entrevistados tratados pelo uso de álcool e outras drogas. Mesmo que os dados
estatísticos sejam inferiores aos de outros países, “o uso diário de Álcool, Maconha e Cocaína é
considerado um risco grave à quase totalidade da amostra, independente do sexo, da faixa
etária e região brasileira.” (CARLINI et al, 2006, p. 400).
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Após esses dados estatísticos, devemos retomar algumas considerações sobre o uso de drogas,
pois as mesmas inserem-se no movimento social de nossa cultura. Algumas delas, como o
álcool e o tabaco, são incorporados culturalmente a ponto de não serem considerados como
drogas e são legalmente comercializados. O álcool, em especial, é ingrediente essencial nas
grandes festividades e nos encontros sociais, além de assumir papel de destaque como valor
social a ser alcançado pelos adolescentes para a transição para a fase do adulto.
Fonte: http://migre.me/dCROK
Portanto, qualquer ação ou intervenção com relação ao uso abusivo de álcool e de outras
drogas passa pelo entendimento da relação entre o homem, a droga e o ambiente. Exemplo
desta relação seria o Carnaval, se tomássemos como exemplo a proibição da venda e ingestão
de bebidas alcoólicas durante suas festividades, ou mesmo, no popular churrasco do final de
semana. Pois, trata-se de comportamentos transmitidos coletivamente e característicos da
sociedade brasileira, influenciando portando nas atitudes e modos de agir de grupos num
determinado contexto social.
Exercício 1
Pesquise a respeito da Nova Lei Seca e responda ao questionamento a seguir: De acordo com a
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), o uso de bebidas alcoólicas é
responsável por 30% dos acidentes de trânsito. Com o objetivo de reduzir o uso de álcool
associado à direção de veículos, implantou-se a “Lei Seca”.
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Droga, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006), é qualquer substância não
produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas,
produzindo alterações em seu funcionamento. Como aponta Nicastri (2008, p. 22):
Uma droga não é por si só boa ou má. Existem substâncias que são usadas com a finalidade de
produzir efeitos benéficos, como o tratamento de doenças, e são consideradas medicamentos.
Mas também existem substâncias que provocam malefícios à saúde, os venenos ou tóxicos. É
interessante que a mesma substância pode funcionar como medicamento em algumas
situações e como tóxico em outras.
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• Ilícitas: são aquelas que têm a sua produção, comercialização e uso proibidos por lei. Deste
grupo fazem parte a cocaína e seus derivados, a maconha, o LSD, entre outras. Lembrando,
ainda, que há variações de restrição de uso, como no caso da maconha. As drogas podem ser
classificadas também pelas ações aparentes sobre o Sistema Nervoso Central (SNC), conforme
as modificações observáveis na atividade mental ou no comportamento da pessoa que utiliza a
substância (NICASTRI, 2008; CEBRID, 2011). São elas:
1. Drogas depressoras da atividade mental: essa categoria inclui uma grande variedade
de substâncias, que diferem acentuadamente em suas propriedades físicas e químicas,
mas que apresentam a característica comum de causar uma diminuição da atividade
global ou de certos sistemas específicos do SNC. Como consequência dessa ação, há a
tendência de ocorrer uma diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da
ansiedade, e é comum um efeito euforizante inicial seguido de sonolência.
2. Drogas estimulantes da atividade mental: são incluídas nesse grupo as drogas capazes de
aumentar a atividade de determinados sistemas neuronais, o que traz como consequências um
estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos. As drogas incluídas
neste grupo são: Anorexígenos (diminuem a fome). As principais drogas pertencentes a essa
classificação são as anfetaminas. Ex.: dietilpropriona e femproporex. Cocaína, crack ou
merla.
Exercício 2
a) A / B / C / A / C / B
b) A / C / C / B / C / A c)
C/B/A/A/A/B
d) B / B / C / B / A / B
e) A / A / C / C / B / B
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Exercício 3
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Esse circuito não é privilégio dos primatas superiores, como o homem, surgindo também em
outras espécies e, portanto, é primário e instintivo. É consenso na comunidade científica que a
memória da droga é permanente e predomina sobre as funções superiores do córtex, onde
existem áreas que deveriam ligar com a decisão de não usar drogas. Além da dopamina,
existem pelo menos 50 neurotransmissores e modulares no organismo que influencia o
circuito de recompensa cerebral, como: opióide, noradrenérgico, serotonérgico,
endocanabinóide, glutamato e GABA. Sua interação é a regra no funcionamento cerebral,
sendo que, ao interferir em um sistema (conjunto de neurônios que se comunicam por meio
de um neurotransmissor), interfere-se em outros.
Nucleus accumbens
Córtex Pré-Frontal
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as chamadas drogas agonistas seriam aquelas que produzem alguma reação ao interagir com
receptores; as drogas antagonistas são as que ocupam o receptor pós-sináptico, mas nada
fazem, impedindo a ação que o neurotransmissor faria; as drogas agonistas parciais são as
que funcionam menos que o neurotransmissor daquele receptor, contudo em sua ausência,
exercem um efeito agonista. Na sinapse, pode ocorrer ainda, que autorreceptores pré-
sinápticos atuem informando à célula a situação sináptica, e, quando ativados, reduzem a
liberação do neurotransmissor.
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As drogas podem alterar a plasticidade cerebral, mudar suas sinapses e até gerar novas
ligações entre os neurônios. Mas muitos dos mecanismos envolvidos não são conhecidos,
como é do efeito placebo, que consiste em sucesso terapêutico após administração ou mesmo
prescrição de uma droga, onde os efeitos obtidos não seriam provenientes de sua ação
propriamente dita. Como exemplo, temos o caso dos antidepressivos, cujo efeito placebo pode
ser responsável por até 40% das curas obtidas e seus efeitos serem de longa duração.
Possivelmente, atribuído às relações iniciais médico‑paciente, que podem confundir inclusive
na interpretação de resultados de um medicamento, no qual o efeito da melhora pode
desaparecer da mesma forma como surgiu. O início da ação tem relação direta com a via pela
qual a droga entrou no organismo. Embora haja relatos de uso de drogas por todas as vias
possíveis, algumas formas são mais frequentes: oral, endovenosa, inalação e aspiração. Os
mecanismos de entrada no organismo envolvem a passagem da droga através de membranas
de característica lipoproteica até atingir o sangue. Como passam dos compartimentos de
maior concentração para os de menor concentração, as drogas de menor peso molecular e as
mais lipossolúveis atravessam com maior facilidade. Entretanto, mecanismos ativos podem
atuar com gasto de energia, transportando contra o gradiente de concentração e moléculas
maiores. (FONSECA; LEMOS, 2011). As drogas psicoativas atravessam a barreira
hematoencefálica, a mais complexa camada lipoproteica que uma molécula tem de atravessar,
consequentemente chega ao sistema nervoso com facilidade, e, portanto, passando também
por outras barreiras, como a placenta, durante a gestação e afetando o desenvolvimento fetal,
podendo gerar inúmeras repercussões.
Quanto ao início do efeito, quanto menos barreiras a droga tenha que atravessar para atingir o
cérebro, mais rápido será seu efeito. O exemplo mais fácil de ser compreendido é o da
cocaína, quando a folha da coca é mascada (hábito milenar nos países andinos), é lentamente
absorvida e diminui a fadiga e a fome, efeitos que foram considerados positivos pelos
espanhóis na invasão da América, quando escravizaram o povo nativo. Contudo, ao ser
inalado, o tempo de início do efeito é bastante reduzido, e a diferença de estado droga/não
droga é perceptível, levando uma porcentagem considerável de usuários à dependência.
Com relação às vias de administração, a velocidade de início da ação são maiores quando as
drogas são administradas por via endovenosa e fumada. Devido a vínculo mais imediato com a
corrente sanguínea, a cocaína e seus derivados entram facilmente, indo direto ao cérebro.
Mesmo quando fumada, a ação da droga é quase tão rápida quanto a endovenosa, o que
explica como o crack pode causar dependência, pois seus efeitos euforizantes são
extremamente potentes, podendo levar à dependência após o uso por períodos muito curtos.
A duração do efeito depende da eliminação: fases alfa e beta, ou seja, distribuição e excreção.
A questão da distribuição é mais importante para algumas drogas como os benzodiazepínicos,
a maconha e o álcool. Após atingirem o cérebro, ocorre seu efeito e obedecendo aos
gradientes de concentração, sai do cérebro e é distribuída para outros tecidos, dependendo de
fatores como, por exemplo, sua lipossolubilidade.
No caso do álcool, visto ser hidrossolúvel e a mulher ter mais gordura do que o homem, a
distribuição na mulher será menor e, portanto, os níveis séricos maiores, ou no diazepam, que
ocorre distribuição para gorduras, fazendo parecer que seu efeito sedativo termina
rapidamente após uma única administração. A fase de excreção pode demorar quando os
metabólitos também são ativos, como no caso do diazepam e do delta‑9‑tetraidrocanabinol
(THC), princípio ativo da maconha. A maioria das drogas psicoativas atua de acordo com os
sistemas de neurotransmissores clássicos, portanto, nas sinapses dos neurotransmissores ou
em seus receptores, o que levaria às adaptações em longo prazo. Por exemplo, a cocaína inibe
a recaptação de dopamina e serotonina e noradrenalina, mantendo esses transmissores por
mais tempo na fenda sináptica para serem utilizados.
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Os modelos familiares são subsidiados por estudos baseados: no modelo de doença familiar,
no modelo familiar sistêmico e no modelo comportamental. Estas teorias contribuíram com a
compreensão do “[...] conceito de equilíbrio e a importância das regras e metas que governam
os relacionamentos familiares e como elas contribuem para a manutenção do uso de
substâncias químicas.” (BORDIN et al, 2010, p. 5). A integração de todos os modelos descritos
anteriormente constitui o modelo biopsicossocial, na tentativa de compreender e possibilitar
formas de prevenção ou tratamento ao uso de drogas, de forma mais globalizada e refletindo
os diferentes aspectos do indivíduo. No entanto, a nossa tarefa é compreender os conceitos
desde a experimentação, uso, abuso e com isso conceituarmos a dependência química. Como
observamos ao longo do nosso texto, a utilização em algum momento da vida
(experimentação), é comum entre os indivíduos que compõem nossa sociedade, com
aproximadamente 22,8% da população utilizando algum tipo de droga ilícita durante a vida,
mas com apenas 4,5% da população em uso frequente (dependência). Contudo, se
considerarmos drogas lícitas, como o álcool e o tabaco, os mesmos valores sobem
respectivamente para 74,6% e 44% para utilização em algum momento da vida e de 38,3% e
18,4% para o uso de forma mais regular. (CARLINI et al, 2006). Também devemos lembrar que
o conceito, a percepção humana e o julgamento moral sobre o consumo de drogas evoluiu
constantemente, passando pela utilização por diversas razões ou aos limites de uso,
mobilização por questões científicas, morais ou legais da cultura atual. Duarte & Morihisa
(2008), lembram que:
Os aspectos relacionados à saúde só foram mais estudados e discutidos nos últimos dois
séculos, predominando, antes disso, visões preconceituosas sobre os usuários, vistos muitas
vezes como possuídos por forças do mal, portadores de graves falhas de caráter ou totalmente
desprovidos de força de vontade para não sucumbirem ao vício. (p. 42).
Muitos dos conceitos surgiram com base na relação humana com o álcool, por ser ele a droga
de uso mais difundido e antigo. Na primeira metade do século XX, nos EUA, a influência de
estudos sobre o alcoolismo, como os do cientista
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Jellinek, obtiveram apoio social em especial dentre os grupos de ajuda mútua, como os
Alcoólicos Anônimos (AA), e exerceram influência na Organização Mundial de Saúde (OMS) e
na Associação Médica Americana (AMA), que na década de 60, com o programa da saúde
mental da OMS se empenharam para melhorar o diagnóstico e a classificação de transtornos
mentais, assim como para a criação de termos relacionados à área. (DUARTE; MORIHISA,
2008). Esses trabalhos propiciaram a atual Classificação Internacional das Doenças (CID-10) e o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), da Associação Psiquiátrica
Americana. As conceituações mais utilizadas na atualidade são baseadas nos critérios
propostos por Edwards e Gross, em 1976, para a dependência do álcool. Até então,
considerava-se que beber excessivamente seria uma falha de caráter e que o modelo de
doença “alcoolismo”, seria de variar entre ser ou não portador da doença. Ou seja, não
permitindo “graduações de gravidade dos quadros; modelo no qual a perda do controle, a
presença de sintomas de tolerância e abstinência determinam o indivíduo como sendo ou não
dependente” (DUARTE; MORIHISA, 2008, p. 43). Na Síndrome de Dependência do Álcool
descrita por Edwards & Gross (1976 apud DUARTE; MORIHISA, 2008, p. 44), os sinais e
sintomas se instalariam de forma progressiva: Estreitamento do repertório de beber: as
situações em que o sujeito bebe se tornam mais comuns, com menos variações em termos de
escolha da companhia, dos horários, do local ou dos motivos para beber, ficando ele cada vez
mais estereotipado à medida que a dependência avança. Saliência do comportamento de
busca pelo álcool: o sujeito passa gradualmente a planejar seu dia a dia em função da bebida,
como vai obtê-la, onde vai consumi-la e como vai recuperar-se, deixando as demais atividades
em plano secundário. Sensação subjetiva da necessidade de beber: o sujeito percebe que
perdeu o controle, que sente um desejo praticamente incontrolável e compulsivo de beber.
Desenvolvimento da tolerância ao álcool: por razões biológicas, o organismo do indivíduo
suporta quantidades cada vez maiores de álcool
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ou a mesma quantidade não produz mais os mesmos efeitos que no início do consumo.
Sintomas repetidos de abstinência: em paralelo com o desenvolvimento da tolerância, o
sujeito passa a apresentar sintomas desagradáveis ao diminuir ou interromper a sua dose
habitual. Surgem ansiedade e alterações de humor, tremores, taquicardia, enjoos, suor
excessivo e até convulsões, com risco de morte. Alívio dos sintomas de abstinência ao
aumentar o consumo: nem sempre o sujeito admite, mas um questionamento detalhado
mostrará que ele está tolerante ao álcool e somente não desenvolve os descritos sintomas na
abstinência porque não reduz ou até aumenta gradualmente seu consumo, retardando muitas
vezes o diagnóstico.
Figura 8 - Aumento do consumo para evitar a abstinência Fonte: http://migre.me/dD2k8
Não existe uma fronteira clara entre uso, abuso e dependência. Poderíamos definir o uso
como qualquer consumo de substâncias,
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seja para experimentar, seja esporádico ou episódico; abuso ou uso nocivo como o consumo
de substâncias já associado a algum tipo de prejuízo (biológico, psicológico ou social); e por
fim, dependência como o consumo sem controle, geralmente associado a problemas sérios
para o usuário. Quanto ao uso de drogas, pode ser definido como a autoadministração de
qualquer quantidade de substância psicoativa. Esclarece ainda, o site Infodrogas (2013), que
no uso de drogas, o vínculo com a substância é frágil, em decorrência da frequência,
permitindo a manutenção de outras relações humanas. O que possibilitaria o uso de certas
substâncias, sem abusar delas. Como é a utilização de medicamentos sob prescrição médica e
em uso correto de sua dosagem. Quanto ao uso, a Organização Mundial de Saúde utiliza duas
classificações, uma temporal ligada à frequência e outra ligada ao padrão de uso. Quanto à
frequência: Uso na vida: quando a pessoa fez uso de qualquer droga pelo menos uma vez na
vida; Uso no ano: quando a pessoa utilizou drogas pelo menos uma vez nos últimos doze
meses; Uso no mês ou recente: quando a pessoa utilizou drogas pelo menos uma vez nos
últimos trinta dias. Quanto ao padrão de uso: Uso de risco: padrão de uso ocasional, repetido
e persistente, que implica em alto risco de danos futuros à saúde física ou mental do usuário,
mas que ainda não resultou em significantes efeitos mórbidos orgânicos ou psicológicos; Uso
prejudicial: padrão de uso que já cause dano físico e/ou mental à saúde. Quanto ao abuso de
drogas, pode ser entendido como um padrão de uso que aumenta o risco de consequências
prejudiciais para o usuário. Devido ao vínculo forte com a substância, interfere em suas
relações humanas. Todo abuso decorre do uso indevido, entretanto nem sempre o uso
indevido é um abuso, como tomar um medicamento erroneamente ou a automedicação, que
numa primeira instância não caracteriza uma dependência. Se considerarmos a questão da
legalidade de uma droga, as drogas ilícitas, de acordo com a lei,
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corresponderiam a um abuso passível de sanção legal, uma vez que tais usos são proibidos. O
mesmo se considerarmos drogas lícitas, como uso de bebidas alcoólicas quando associado ao
ato de dirigir, poderia ser considerado um abuso, visto que seria uma transgressão de leis
reguladoras do trânsito de veículos.
Fonte: http://migre.me/dD2Gd
Segundo o CID-10, o termo “uso nocivo” é aquele que resulta em dano físico ou mental,
enquanto no DSM-IV, “abuso” engloba também consequências sociais.
DSM-IV CID-10
Um ou mais dos seguintes critérios ocorrendo no período de 12 meses, sem nunca preencher
critérios para dependência:
1. Evidência clara de que o uso foi responsável (ou contribuiu consideravelmente) para dano
físico ou psicológico, incluindo capacidade de julgamento comprometida ou disfunção de
comportamento. 2. A natureza do dano é claramente identificável. 3. O padrão de uso tem
persistido por pelo menos um mês ou tem ocorrido repetidamente dentro de um período de
12 meses.
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4. Não satisfaz critérios para qualquer outro transtorno relacionado à mesma substância no
mesmo período (exceto intoxicação aguda). Fonte: Duarte & Morihisa (2008, p. 46)
O dano pode ser físico (por exemplo, hepatite secundária ao uso de injeção de drogas) ou
mental (por exemplo, episódios depressivos secundários à ingestão abundante de álcool).
Comumente, o uso nocivo tem consequências sociais adversas; no entanto apenas essas não
são suficientes para justificar o diagnóstico de uso nocivo (OMS, 2006).
A dependência, por sua vez, apesar dos inúmeros estudos e teorias que os norteiam, não tem
os limites assim tão claros. A dependência faz parte da natureza do homem, pois, durante todo
o desenvolvimento humano, o indivíduo se compreende entre estados de dependência. Desde
os processos de alimentação ou de cuidados, durante a vida, o ser humano cria relações de
dependência com objetos, pessoas e situações. Enquanto algumas dessas relações são
importantes para o bem-estar, como as relações de cuidado mãe-bebê ou filho-pais durante o
envelhecimento, outras relações causam prejuízo ou perda de autonomia, como o excesso de
alimentação ou relações afetivas distorcidas. A dependência química se caracteriza pelo
vínculo extremo com a droga, onde essa é priorizada em detrimento de outras relações e na
ausência de seu consumo, se associam sintomas penosos e adversos. (INFODROGA, 2013).
Toda dependência é constituída de três elementos: Uma substância psicoativa com
características farmacológicas peculiares; O indivíduo com suas características de
personalidade e sua singularidade biológica; Um contexto sociocultural dinâmico e
polimorfo, onde se realiza o encontro entre o indivíduo e o produto. Existem dois tipos de
dependência: a dependência física e a dependência psíquica.
31
Três ou mais das seguintes manifestações ocorrendo conjuntamente por, pelo menos, um mês
ou, se persistirem por períodos menores que um mês, devem ter ocorrido juntas de forma
repetida em um período de 12 meses. 1. Forte desejo ou compulsão para consumir a
substância. 2. Comprometimento da capacidade de controlar o início, término ou níveis de
uso, evidenciado pelo consumo frequente em quantidades ou períodos maiores que o
planejado ou por desejo persistente ou esforços infrutíferos para reduzir ou controlar o uso. 3.
Estado fisiológico de abstinência quando o uso é interrompido ou reduzido, como evidenciado
pela síndrome de abstinência característica da substância ou pelo uso desta ou similar para
aliviar ou evitar tais sintomas. 4. Evidência de tolerância aos efeitos,
32
Contudo, para Bordin et al. (2010), existiria uma evolução progressiva, iniciando-se por uma
fase de uso, com evolução de alguns indivíduos para o estágio de abuso, e desses alguns se
tornariam dependentes. Prosseguindo que:
Estudos populacionais demonstram que das pessoas que fazem uso nocivo do álcool, 60% não
progredirão para a dependência nos próximos dois anos, 20% voltarão para o uso considerado
normal e 20% ficarão dependentes. (p. 5).
Outros conceitos podem ser acrescidos aos demais (OMS, 2006), como a intoxicação, o
potencial de dependência e os diferentes tipos de síndromes de abstinência nos diferentes
tipos de drogas:
NOTA IMPORTANTE Inúmeros estudos apontam que quanto mais cedo for a exposição a
álcool, tabaco, ou outras drogas de abuso, maior a possibilidade de desenvolvimento de
problemas que levariam à dependência. O que justificaria as ações de prevenção destinadas à
infância e à adolescência.
33
34
Exercício 4
1.4 Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso e abuso de álcool e outras drogas A
psicopatologia é definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento
mental do ser humano; observados por vivências, estados mentais e padrões
comportamentais descritos sob a forma de sintomas, didaticamente divididos dentre as
funções, que quando organizados caracterizam e identificam um determinado transtorno
mental. Em geral, por meio da entrevista psiquiátrica -- anamnese, exame psíquico e súmula
psicopatológica – é que são identificados os principais transtornos mentais que podem ser
codificados com base em duas ferramentas normativas: a Classificação de Transtornos Mentais
e de Comportamento da Classificação Internacional de Doenças - CID-10 (OMS, 1993) e/ou
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV da Associação Americana de
Psiquiatria (APA, 2006).
35
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Segundo o manual da APA (2006), durante a entrevista devem ser coletados dados referentes
à história do uso de substâncias psicoativas, tanto no passado como atualmente.
Questionando-se drogas lícitas e ilícitas: álcool, cafeína, nicotina, maconha, cocaína, opióides,
agentes sedativo-hipnóticos, estimulantes, solventes, anfetaminas, esteróides androgênicos e
alucinógenos. Todas as informações que forem relevantes devem incluir:
A quantidade e a frequência do uso, via de administração, padrão de uso (p. ex., episódico ou
contínuo, solitário ou social), consequências funcionais, interpessoais ou legais, fenômenos de
tolerância e de abstinência, qualquer associação temporal entre o uso de substâncias e a
doença psiquiátrica atual e quaisquer benefícios alegados do uso. Também é importante
indagar a respeito de tratamentos anteriores para transtornos por uso de substâncias, assim
como sobre períodos de abstinência, incluindo sua duração, época de ocorrência e fatores que
contribuíram para a abstinência ou para a recaída. (APA, 2006, p. 25-26).
36
37
seu consumo de drogas e as complicações clínicas, mas aceitam ser submetidos a tratamento
por conta das mesmas.
A cocaína é uma das drogas ilícitas mais aditivas e perigosas, atualmente consumida por 0,3%
da população mundial. Segundo o Levantamento Brasileiro sobre Drogas (BRASIL, 2009), a
prevalência de seu uso durante algum momento da vida chega a 2,9%, mas é inferior ao do
Chile (5,3%) ou nos EUA (14,2%), maior na região sudeste (3,9%) e menor nas regiões norte e
nordeste (1%). O uso de cocaína no Brasil varia bastante conforme sexo e idade: situa-se em
5,4% entre homens e 1,2% entre mulheres. A faixa etária de maior uso ocorre entre 25 e 34
anos de idade, na qual atinge a porcentagem de 5,2%. Entre os adolescentes de 12 a 17 anos,
0,5% relatam já terem experimentado essa droga. (BRASIL, 2009). Quanto ao uso do crack,
estima-se que 0,7 de pessoas que fizeram uso em algum momento de sua vida, com valores
entre 0,1% e 02% de uso frequente ou pesado. A prevalência entre os homens é duas vezes
maior do que entre as mulheres, com variações relacionadas à idade, com maior incidência na
população de adultos jovens. É uma substância extraída de uma planta originária na América
do Sul, popularmente conhecida como coca (Erythroxylon coca), e, transformado
posteriormente em vários subprodutos: pó (cloridrato de cocaína), crack e merla.
38
A cocaína pode ser consumida por várias vias de administração, com rápida e eficaz absorção
pelas mucosas oral, nasal e pulmonar. Na forma de pó pode ser aspirado ou dissolvido em
água e injetado na corrente sanguínea, e na forma de pedra, é fumada, o crack. Existe ainda a
pasta de coca, um produto menos purificado, que também pode ser fumado, conhecido como
merla. O mecanismo de ação se dá principalmente pela inibição da recaptação de dopamina,
mas há também bloqueio da recaptação da serotonina e da noradrenalina. Devido à cocaína
também apresentar propriedades de anestésico local que independem de sua atuação no
cérebro, foi uma das indicações de uso médico da substância no passado, mas hoje em dia este
uso é obsoleto. Seus efeitos têm início rápido e duração breve. No entanto, são mais intensos
e fugazes quando a via de utilização é a intravenosa ou quando o indivíduo utiliza o crack ou
merla. Efeitos do uso da cocaína (NICASTRI, 2008): Sensação intensa de euforia e poder;
Estado de excitação; Hiperatividade; Insônia; Falta de apetite; Perda da sensação de
cansaço. A euforia desencadeada reforça e motiva, na maioria dos indivíduos, o desejo por um
novo episódio de consumo. Quanto mais rápido o início da ação, quanto maior a sua
intensidade dos efeitos, e quanto menor a duração destes, maior a chance de o indivíduo
evoluir para situações de uso nocivo e dependência. Portanto, a via de administração é um
importante fator de risco para um comportamento de uso prejudicial e, apesar de não serem
descritas tolerância nem síndrome de abstinência inequívoca, observa-se frequentemente o
aumento progressivo das doses consumidas. No caso do crack, os indivíduos desenvolvem
dependência severa rapidamente, muitas vezes em poucos meses ou mesmo algumas
semanas de uso.
39
Com o uso de doses maiores, observam-se outros efeitos, como irritabilidade, agressividade e
até delírios e alucinações (psicose cocaínica). Pode ser observado hipertermia corporal e até
crises convulsivas, que podem levar à morte se esses sintomas forem prolongados. Ocorrem,
ainda, dilatação pupilar, elevação da pressão arterial e taquicardia (efeitos que podem levar
até a parada cardíaca, uma das possíveis causas de morte por overdose). Deve-se suspeitar de
uso de cocaína em indivíduos que apresentem mudanças em seu comportamento habitual,
tais como irritabilidade, dificuldades de concentração, comportamento compulsivo, insônia
severa e perda de peso. Assim como dificuldade para executar tarefas esperadas associadas ao
trabalho e às atividades domésticas. Os critérios para dependência de cocaína são
semelhantes àqueles para outras substâncias psicoativas: desejo compulsivo de consumo,
tolerância, abstinência, abandono progressivo de outras atividades, persistência do uso a
despeito do prejuízo, entre outros. Seu uso pode produzir complicações agudas ou crônicas. As
manifestações agudas decorrem de seu efeito estimulante, com ação periférica ou central,
tanto psíquicos quanto físicos. Em geral, ocorre a euforia, aumento do estado de vigília,
aumento da autoestima, melhor desempenho em atividades físicas e psíquicas. Pode haver
delírios persecutórios e alucinações, que melhoram após cessar o efeito do uso. Enquanto os
efeitos físicos estão ligados à hiperatividade do sistema autonômico: taquicardia, hipertensão
arterial, taquipneia, hipertermia, sudorese, tremor leve em extremidades, tiques, midríase,
espasmos musculares e vasoconstrição (ENGEL et al, 2006).
40
A merla (mela, mel ou melado) é a cocaína apresentada sob a forma de base ou pasta, um
produto ainda sem refino e muito contaminado com as substâncias utilizadas na extração. É
preparada de forma diferente do crack, mas também é fumada. Os efeitos do crack e da merla,
os riscos associados a seu uso e o potencial de dependência são basicamente os mesmos da
cocaína em pó. Segundo o site “Crack, é possível vencer” (BRASIL, 2013). O usuário de crack
apresenta mudanças evidentes de hábitos, comportamentos e aparência física. Um dos
sintomas físicos mais comuns que ajudam a identificar o uso da droga é a redução drástica do
apetite, que leva à perda de peso rápida e acentuada – em um mês de uso contínuo, o usuário
pode emagrecer até 10 quilos. Fraqueza, desnutrição e aparência de cansaço físico também
são sintomas relacionados à perda de apetite. É comum ainda que o usuário tenha insônia
enquanto está sob o efeito do crack, assim como sonolência nos períodos sem a droga. Os
períodos de utilização da droga prolongam-se até três dias e noites, onde atividades como
alimentação, higiene pessoal e sono são abandonadas, comprometendo gravemente o estado
físico do usuário. Sinais físicos como queimaduras e bolhas no rosto, lábios, dedos e mãos
podem ser sinais do uso da droga, em função da alta temperatura que a queima da pedra
requer. Falta de atenção e concentração são sintomas comuns, que levam o usuário de crack a
deixar de cumprir atividades rotineiras, como frequentar trabalho e escola ou conviver com a
família e amigos.
42
A construção da agenda do atual governo para responder a este desafio foi fundamentada pela
integração das políticas setoriais com a política nacional sobre drogas, a descentralização das
ações, o estabelecimento de parcerias com a comunidade científica e organizações sociais,
além da ampliação e do fortalecimento da cooperação internacional voltados ao tema (SENAD,
2008). A estratégia de governo está definida em três eixos de atuação, articulados e
coordenados pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). As ações emanadas
destes eixos, desenvolvidas em parceria com diversos atores do governo e da sociedade,
permitem: A realização de um diagnóstico situacional sobre o consumo de drogas, seu
impacto nos diversos domínios da vida da população e as alternativas existentes. Este
diagnóstico vem se consolidando, por meio de estudos e pesquisas de abrangência nacional
(vide unidade 1), na população geral e naquelas específicas que vivem em maior
vulnerabilidade para o consumo e o tráfico de drogas. A capacitação dos atores sociais que
trabalham diretamente com o tema drogas, e também de multiplicadores de informações de
44
Em uma perspectiva histórica, Garcia et al. (2008), relatam que o país tem regulamentação
sobre as drogas desde 1938 (Decreto-Lei de Fiscalização de Entorpecentes n° 891/38,
posteriormente incorporada ao artigo 281 do Código Penal de 1941). O Código Penal Brasileiro
surge na gestão do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945), focado nas preocupações com o
trabalhador e do papel do governo em desenvolver ações para conter o comportamento
desviante.
45
46
clandestinidade de determinadas substâncias; por outro, não conseguindo evitar seu uso e
ainda dificultar o seu controle. Surgem inúmeras estruturas governamentais, como o Conselho
de Prevenção Antitóxico do Ministério da Saúde, a Comissão Nacional de Fiscalização de
Entorpecentes Tóxicos do Conselho Nacional de Saúde, o Conselho de Prevenção Antitóxicos
do Ministério da Educação e Cultura e o Sistema Nacional de prevenção, Fiscalização e
Repressão vinculado ao Ministério da Justiça. Todos com funções diversas, desde o
levantamento de dados, informação e orientação, assessoramento e articulação entre as
diversas esferas públicas. Diversas alterações legislativas no curso da história brasileira
culminaram na Lei 6368/76, estabelecida no governo militar do presidente Ernesto Geisel.
Após três anos de discussão por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso
Nacional, aberta após a morte de duas crianças, vítimas de crimes que tinham relação com as
drogas. Na década de 1980, surgem os Conselhos Antidrogas (Decreto 85.110), chamados
Conselhos de Entorpecentes (Conselho Federal – CONFEN, Conselhos Estaduais – CONENS e
Conselhos Municipais – COMENS), que contribuíram para conduzir o tema das drogas no Brasil
focado no binômio abstinência-repressão. Na década de 1990, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, substituise o Sistema anterior, criando-se o Sistema Nacional Antidrogas
(SISNAD) e a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) diretamente vinculada ao Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República (GARCIA et al., 2008). Até o ano de 1998,
o Brasil não contava com uma política nacional específica sobre o tema da redução da
demanda e da oferta de drogas. Foi a partir da realização da XX Assembleia Geral Especial das
Nações Unidas, na qual foram discutidos os princípios diretivos para a redução da demanda de
drogas, aderidos pelo Brasil, que foram tomadas as primeiras medidas. O então Conselho
Federal de Entorpecentes (CONFEN) foi transformado no Conselho Nacional Antidrogas
(CONAD). A criação da SENAD1 expressou uma estratégia política do governo brasileiro em
mostrar à comunidade internacional uma postura de combate às drogas como prioridade de
governo. Em dezembro de 1998, foi realizado em Brasília o I Fórum Nacional Antidrogas com a
finalidade de elaborar a Política Nacional Antidrogas (PNAD).
Três anos depois, em dezembro de 2001, por ocasião do II Fórum Nacional Antidrogas e com
base nos subsídios provenientes do I Fórum, a PNAD foi formalmente elaborada. Então, em 26
de agosto de 2002, por meio de Decreto Presidencial, foi instituída a Política Nacional
Antidrogas2 (DUARTE, 2008). Em 2003, em seu primeiro mandato presidencial, o Presidente
Lula, em mensagem ao Congresso Nacional, aponta para a necessidade de construção de uma
nova agenda nacional para a redução da demanda de drogas no País, que viesse a contemplar
três pontos principais (DUARTE, 2008, p. 176): Integração das políticas públicas setoriais com
a Política Nacional Antidrogas, visando ampliar o alcance das ações; Descentralização das
ações em nível municipal, permitindo a condução local das atividades da redução da demanda,
devidamente adaptadas à realidade de cada município; Estreitamento das relações com a
sociedade e com a comunidade científica. Ao longo dos primeiros anos de existência da
Política Nacional Antidrogas, o tema drogas manteve-se em pauta e a demanda pelo
aprofundamento do assunto também. Assim, foi necessário reavaliar e atualizar os
fundamentos da PNAD, levando em conta as transformações sociais, políticas e econômicas
pelas quais o País e o mundo vinham passando. Segundo Duarte (2008, p. 177):
A SENAD, como órgão responsável por articular, coordenar e integrar as ações intersetoriais do
governo na área de redução da demanda de drogas, além de implementar, acompanhar e
fortalecer a Política de drogas no País, desenvolveu, em 2004, um processo para o
realinhamento da Política vigente. Para isso, uma série de oito eventos foi realizada: um
Seminário Internacional de Políticas Públicas sobre Drogas, seis fóruns regionais e o Fórum
Nacional sobre Drogas. Devido à intersetorialidade do tema, o processo de realinhamento da
PNAD contou com representantes do governo federal, dos governos estaduais, municipais e do
Distrito Federal, da comunidade científica, das organizações não governamentais, dos
educadores, das lideranças comunitárias, dos profissionais da área da saúde e assistência
social e da segurança pública e justiça.
Contando com a participação popular e subsidiada por dados epidemiológicos e científicos
atualizados, a política nacional passa a chamar-se
48
Política Nacional sobre Drogas (PNAD). Após aprovação pelo Conselho Nacional Antidrogas
(CONAD), em 23 de maio de 2005, por meio da Resolução nº3/GSIPR/CH/CONAD. Onde o
prefixo “anti” da Política Nacional Antidrogas foi substituído pelo termo “sobre drogas”, de
acordo com novas terminologias, baseadas no posicionamento do governo e na demanda
popular (DUARTE, 2008; GARCIA et al., 2008). Em 2006, a SENAD assessorando parlamentares
no processo, aprovaram a Lei n° 11.343 de 23.08.2006, que instituiu o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), substituindo a legislação anterior, de trinta anos
atrás, que se mostrava obsoleta e em desacordo com os avanços científicos na área e com as
transformações sociais. Mobilizado pelo modelo americano que demonstrava “[...] que o custo
de programas de prevenção do uso de drogas e de tratamento de dependentes é muito mais
barato (entre 10 a 20 vezes) e eficaz do que a repressão externa e interna respectivamente”
(GARCIA et al., 2008, p. 270). Concomitante à Política Pública Sobre Drogas (PPD), o Brasil
possui a Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e Drogas do Ministério da Saúde,
com princípios e diretrizes que apontam em direção contrária à PPD. A Política Nacional sobre
o Álcool resultou de um longo processo de discussão. Em julho de 2005, o Conselho Nacional
Antidrogas (CONAD), ciente dos graves problemas inerentes ao consumo prejudicial de álcool
e com o objetivo de ampliar o espaço de participação social para a discussão de tão
importante tema, instalou a Câmara Especial de Políticas Públicas sobre o Álcool (CEPPA),
compostas por diferentes órgãos governamentais, especialistas, legisladores e representantes
da sociedade civil. A Câmara Especial iniciou suas atividades a partir dos resultados do Grupo
Técnico Interministerial criado no Ministério da Saúde, em 2003. Nesta direção, diversas ações
foram efetivadas. Destaca-se a 1ª Conferência Panamericana de Políticas Públicas para o
Álcool, realizada em novembro de 2005, em parceria com a Organização Panamericana de
Saúde (OPAS). Neste evento, representantes governamentais de 26 países discutiram o
impacto, na saúde e na segurança, do consumo indevido de álcool. O resultado deste trabalho
foi a elaboração da Declaração de Brasília de Políticas Públicas sobre o Álcool, que fez algumas
recomendações sobre possíveis medidas a serem adotadas pelos países quando da elaboração
de suas políticas públicas:
49
1. A redução dos danos relacionados ao consumo abusivo de álcool seja considerada uma
prioridade de saúde pública; 2. Sejam desenvolvidas estratégias regionais e nacionais, a fim de
reduzir os danos relacionados ao consumo do álcool; 3. As estratégias devem estar apoiadas
em estudos científicos sobre o impacto do álcool e os efeitos; 4. A política deve contemplar
áreas prioritárias de ação: o consumo geral da população, mulheres (inclusive mulheres
grávidas), populações indígenas, jovens, outras populações vulneráveis, violência, lesões
intencionais e não intencionais, consumo de álcool por menores de idade e transtornos
relacionados ao uso de álcool. Esse processo permitiu ao Brasil chegar a uma política realista
sem qualquer viés de fundamentalismo ou de banalização do consumo, embasado de forma
consistente por dados epidemiológicos, pelos avanços da ciência e pelo respeito ao momento
sociopolítico do País, refletindo a preocupação da sociedade em relação ao uso cada vez mais
precoce dessa substância, assim como o seu impacto negativo na saúde e na segurança. Em
maio de 2007, o Governo Federal, por meio de um Decreto Presidencial (nº 6.117 de
22.05.2007), apresentou à sociedade brasileira a Política Nacional sobre o Álcool, numa clara
demonstração de responsabilidade e vontade política com um assunto difícil, mas de
inquestionável relevância. A Política Nacional sobre o Álcool (BRASIL, 2010a) possui como
objetivo geral estabelecer princípios que orientem a elaboração de estratégias para o
enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, contemplando a
intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à
vida, causados pelo consumo desta substância, bem como das situações de violência e
criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas. Esta política, reconhecendo a
importância da implantação de diferentes medidas articuladas entre si e, numa proposta
efetiva ao clamor da sociedade por ações concretas de proteção aos diferentes domínios da
vida da população, veio acompanhada de um elenco de medidas passíveis de implementação
pelos órgãos de governo no âmbito de suas competências e outras, de articulação com o poder
Legislativo e outros setores da sociedade.
50
2.2 A rede de atenção ao uso de álcool e outras drogas no Sistema Único de Saúde
A atenção à saúde mental no Brasil caracterizava-se, sobretudo antes dos anos 1990, por
centrar a atenção nas pessoas com transtornos mentais em serviços hospitalares
especializados, os hospitais psiquiátricos. No ano de 2001, como um dos resultados das
reivindicações de movimentos sociais desde a década de 70, que denunciavam a violência dos
manicômios e a hegemonia de uma rede privada de assistência, foi sancionada a Lei Federal
10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e
redireciona a assistência em saúde mental no país, privilegiando o oferecimento de
tratamento em serviços abertos, não hospitalares, e de base comunitária. Este
redirecionamento do modelo de assistência em saúde mental no SUS teve como principal
objetivo a ampliação e qualificação do cuidado às pessoas com transtornos mentais nos
serviços comunitários, com base no território. Neste novo modelo, a atenção hospitalar deixa
de ser o centro, como era antes, tornando-se complementar. Trata-se de mudança
fundamental na concepção e na forma de como deve se dar o cuidado: o mais próximo da rede
familiar, social e cultural do paciente, para que seja possível a retomada de sua história de vida
e de seu processo de saúde/ adoecimento. Aliado a isso, adota-se a concepção de que a
produção de saúde é também produção de sujeitos. Os saberes e práticas não somente
técnicos devem se articular à construção de um processo de valorização da subjetividade, em
que os serviços de saúde possam se tornar mais acolhedores, com possibilidades de criação de
vínculos. (BRASIL, 2009). Com a Política Nacional de Saúde Mental do SUS houve a redução
gradual e planejada de leitos em hospitais psiquiátricos, com a desinstitucionalização de
pessoas com longo histórico de internações, ao mesmo tempo que implantava uma rede
comunitária de serviços de saúde mental, como os serviços de atenção psicossocial e
reabilitação. A atenção em saúde mental no Sistema Único de Saúde se dá através de diversos
dispositivos, articulados em rede: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRT), Ambulatórios, Centros de Convivência e Cultura, Leitos de
Atenção Integral em Hospitais Gerais, Serviços Hospitalares de Referência para a Atenção
Integral aos Usuários de Álcool e outras
52
Segundo essas diretrizes políticas, a internação de usuários de álcool e outras drogas devem
ser de curta duração e priorizada em leitos de atenção integral em hospitais gerais, com
acompanhamento na rede de serviços extra-hospitalares, sobretudo nos CAPS. Os CAPS são
considerados estratégicos para a mudança do modelo de atenção à saúde mental. São serviços
de saúde municipais, abertos, comunitários, que oferecem atendimento diário às pessoas com
transtornos mentais severos e persistentes, realizando o acompanhamento clínico e a
reinserção social destas pessoas através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É função dos CAPS prestar
atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as internações em hospitais
psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais através de
ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua
área de atuação e dar suporte à atenção à saúde mental na rede básica. Existem CAPS para
adultos com transtornos mentais severos e persistentes (CAPS I, CAPS II e CAPS III, este último,
24 horas), CAPS específicos para crianças e adolescentes com transtornos mentais (CAPSi), e
CAPS para pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas
(CAPSad). (BRASIL, 2004a). Na atenção psicossocial são privilegiadas as formas de tratamento
que visem à inclusão social, à cidadania e garantam o direito ao acesso à saúde integral dos
usuários de álcool e outras drogas, garantindo uma atenção integral, de base comunitária.
Diante da diversidade das características populacionais existentes no país e da variação da
incidência de transtornos causados pelo uso de álcool e outras drogas, a Política do Ministério
da Saúde para Usuários de Álcool e Outras Drogas (BRASIL, 2004b) estabelece e define, no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),
53
54
No Brasil, como um todo, foram encontrados 57% de cobertura CAPS. Sendo que, em 17
estados brasileiros a cobertura CAPS foi considerada boa ou muito boa, e apenas o estado do
Amazonas, com suas características particulares, apresenta cobertura CAPS insuficiente ou
crítica. Os indicadores por região revelaram que a cobertura da Região Sul foi muito boa (76%),
da Região Nordeste (68%) e da Região Sudeste (50%) foram boas, enquanto que da Região
CentroOeste foi regular/baixa (44%) e da Região Norte foi considerada baixa (35%). (BRASIL,
2009).
55
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situados em hospitais de pequeno porte e pessoas com longo histórico de internação foram
desinstitucionalizadas. (BRASIL, 2010c). Considerados como leitos integrantes de uma rede de
leitos de atenção integral à saúde mental, os leitos em Hospitais Gerais devem, segundo a
Política Nacional de Saúde Mental, ser acolhedores e estar em articulação com outros
equipamentos de referência dos pacientes. A rede de leitos em Hospitais Gerais conta hoje, no
Brasil, com cerca de 2.500 leitos, devendo crescer nos próximos anos. Existem critérios
específicos para a abertura de leitos para álcool e outras drogas nos Hospitais Gerais, em
Serviços de Referência para Álcool e Outras Drogas. Em 2009, ainda tínhamos um total de 208
hospitais psiquiátricos no Brasil, sendo 4 na Região Norte, 50 na Região Nordeste, 114 na
Região Sudeste, 25 na Região Sul e 15 na Região Centro-Oeste. Na relação do número de leitos
SUS por 1.000 habitantes, o Rio de Janeiro, com 0,42, é o estado com o maior índice. Em
seguida vêm: Pernambuco com 0,31 e São Paulo com 0,26. Os estados de Rondônia, Roraima e
Amapá não têm nenhum leito disponível (BRASIL, 2010c). Contudo, em relação à distribuição
geográfica, 58,69% dos leitos disponíveis se encontram na região sudeste, seguida da região
nordeste (23,23%) e apenas 0,86% de leitos disponíveis na região norte. O número de leitos e
hospitais psiquiátricos tende a cair ainda mais nos próximos anos, assim como devem
aumentar o número de CAPS e outros dispositivos da rede de atenção psicossocial. Dados do
Ministério da Saúde revelam que ainda existem no Brasil 11 Hospitais Psiquiátricos com mais
de 400 leitos (BRASIL, 2009). Os dados ainda demonstram a concentração de leitos em
hospitais psiquiátricos nas unidades federativas. O estado do Rio de Janeiro segue
apresentando a maior concentração de leitos por habitante, resultado das políticas públicas do
séc. XIX e da primeira metade do séc. XX. Contudo, a expansão e qualificação de leitos de
atenção integral à saúde mental nos Hospitais Gerais ainda é um grande desafio para a rede de
saúde mental. Estes leitos, articulados aos CAPS III, às emergências gerais e aos Serviços
Hospitalares de Referência para Álcool e Drogas devem oferecer acolhimento integral ao
paciente em crise, em diálogo com outros dispositivos de referência para o usuário. A
regulação desses leitos de atenção integral é
57
58
Fonte: Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS O PEAD também
busca qualificar os Hospitais Gerais na atenção às pessoas que fazem uso prejudicial de drogas
e necessitam eventualmente de atenção hospitalar. O Plano também investe em pesquisas
para investigar o perfil do consumo de crack, os riscos associados e as intervenções clínicas
que são eficazes na saúde pública.
Exercício 5
Em caso de necessidade de usuário de álcool ou drogas ser tratado, caso não haja um CAPSad
no município, devem se seguir os procedimentos abaixo. Indique qual a sequência correta
destes procedimentos: I. Em caso de desintoxicação, encaminhar para leito psiquiátrico. II.
Passar por avaliação multiprofissional para identificação de problemas. III.
Reencaminhamento para CAPS para acompanhamento terapêutico individual ou em grupo. IV.
Procurar uma unidade básica de saúde ou CAPS que existir. a) II / IV / I / III b) IV / III / II / I c) I /
II / IV / III d) IV / III / I / II e) IV / II / I / III
Segundo o Ministério da Saúde (2013), a política de atenção a álcool e outras drogas prevê a
constituição de uma rede que articule os CAPSad e os leitos para internação em hospitais
gerais (para desintoxicação e outros tratamentos).
59
Estes serviços devem trabalhar com a lógica da redução de danos como eixo central ao
atendimento aos usuários/dependentes de álcool e outras drogas, pautado na realidade de
cada caso, o que não quer dizer abstinência para todos os casos. A atual Política do Ministério
da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas traz recomendações
básicas para ações na área de saúde mental: 1. Promover assistência em nível de cuidados
primários; 2. Disponibilizar medicamentos de uso essencial em saúde mental; 3. Promover
cuidados comunitários; 4. Educar a população; 5. Envolver comunidades, famílias e usuários; 6.
Estabelecer políticas, programas e legislação específicos; 7. Desenvolver recursos humanos; 8.
Atuar de forma integrada com outros setores; 9. Monitorar a saúde mental da comunidade;
10. Apoiar pesquisas científicas.
Os CAPSAd, criados a partir de 2002, têm como objetivo central oferecer atendimento a
pacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento
terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada e também comunitária (BRASIL, 2004b;
CARVALHO, 2008). Suas atividades vão desde o atendimento individual (medicamentoso,
psicoterápico, de orientação, entre outros) até atendimentos em grupo ou oficinas
terapêuticas e visitas domiciliares. Também devem oferecer condições para o repouso, bem
como para a desintoxicação de pacientes que necessitem desse tipo de cuidado e que não
demandem atenção clínica hospitalar. Em relação às políticas de prevenção ao uso indevido de
drogas, Carvalho (2008, p. 188) coloca:
O CAPSAd pode constituir um espaço privilegiado para a implementação de ações educativas,
com o fornecimento de informações sobre os danos do consumo, alternativas para lazer e
atividades livres de drogas, além de ser uma porta aberta para a
60
Vale destacar, ainda, que a política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários
de Álcool e outras Drogas deve se articular internamente com outros programas com enfoque
no município e nas comunidades locais e, principalmente, na realidade da família, sobretudo
com o Programa Saúde da Família (PSF), que incorpora e reafirma os princípios básicos do SUS:
universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade. Como principal
ação do SUS, o Programa Saúde da Família (PSF) é parte de uma estratégia mais ampla de
reorientação do modelo de atenção à saúde, responsáveis pelo acompanhamento de um
número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. Importante
aliado na realização das diretrizes e orientações contidas na Política Nacional Sobre Drogas,
em especial nos campos da prevenção e do tratamento. Pois, por meio do trabalho
desenvolvido pelas equipes interdisciplinares, é possível conhecer a realidade das famílias
atendidas, realizando um diagnóstico de suas características sociais, demográficas e
epidemiológicas. Essencial para identificar os principais problemas de saúde e situações de
risco aos quais a população está exposta, e com isto, subsidiar o processo de formulação e a
implantação de ações de educação preventiva ao uso de drogas, com foco tanto no indivíduo,
quanto na família. Pela portaria nº 2.841, de 20 de setembro de 2010, ampliou-se a rede de
CAPS no SUS, com a criação de Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas/24
horas - CAPS AD III. Sua criação foi mobilizada pela portaria nº 1.190/GM/MS, de 4 de junho de
2009, que instituiu o Decreto Nº 7.179, de 20 de maio de 2010, que institui o Plano Integrado
de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, em especial para atender à programação do Plano
Integrado de Enfrentamento do Crack, e considerações epidemiológicas, que mostravam a
expansão no Brasil do consumo de algumas substâncias, especialmente álcool, cocaína (na
forma de cloridrato e de pasta-base, crack, merla) e inalantes. O CAPS AD III assemelha-se ao
modelo de CAPS III, mas destina-se a proporcionar atenção integral e contínua a pessoas com
transtornos decorrentes do uso abusivo e da dependência de álcool e outras drogas, com
funcionamento durante as 24 horas do dia, inclusive nos feriados e finais de semana.
61
Para sua implantação, o município deve ter uma população mínima de cobertura de 200 mil
habitantes ou ser município polo regional, que reúna outros municípios de referência na
região, cujo somatório populacional (da região) seja igual ou maior que 200 mil habitantes. O
CAPS AD III deve:
63
baixar instruções de caráter geral ou especial sobre proibição, limitação, fiscalização e controle
da produção, do comércio e do uso de substâncias entorpecentes ou que determinem
dependência física ou psíquica e de especialidades farmacêuticas que as contenham.
Figura 12 - Controle da prescrição de medicamentos Fonte: http://migre.me/dDb5s
2.3.1 Tratamento
Como relação ao tratamento, o Estado deve estimular, garantir e promover ações para que a
sociedade (incluindo os usuários, dependentes, familiares e populações específicas), possa
assumir com responsabilidade ética, o tratamento, a recuperação e a reinserção social,
apoiada técnica e financeiramente, de forma descentralizada, pelos órgãos governamentais,
nos níveis municipal, estadual e federal, pelas organizações não governamentais e entidades
privadas (BRASIL, 2013). O acesso às diferentes modalidades de tratamento e recuperação,
reinserção social e ocupacional deve ser identificado, qualificado e garantido como um
processo contínuo de esforços disponibilizados, de forma permanente, para os usuários,
dependentes e seus familiares, com investimento técnico e financeiro de forma
descentralizada. As ações vinculadas a pesquisas científicas para que se possibilite avaliação e
incentivo daquelas que tenham obtido resultados mais efetivos, garantindo a alocação de
recursos técnicos e financeiros. No Orçamento Geral da União devem ser previstas dotações
orçamentárias, em todos os ministérios responsáveis pelas ações da Política Nacional sobre
Drogas, distribuídas de forma descentralizada, com base em avaliação das necessidades
específicas para a área de tratamento, recuperação,
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66
indicações de uma internação, por exemplo, são baseadas em uma série de critérios, como:
Condições médicas ou psiquiátricas que requeiram observação constante (estados psicóticos
graves, ideias suicidas ou homicidas, debilitação ou abstinência grave); Complicações
orgânicas devidas ao uso ou cessação do uso da droga; Dificuldade para cessar o uso de
drogas, apesar dos esforços terapêuticos; Ausência de adequado apoio psicossocial que
possa facilitar o início da abstinência; Necessidade de interromper uma situação externa que
reforça o uso da droga. É uma das principais modalidades utilizadas no nosso meio, mas, como
toda internação, seu custo é mais elevado, exigindo cuidados intensivos e produzindo ônus
indiretos como o afastamento do paciente do seu meio social e do trabalho.
Comparativamente a outros tratamentos ambulatoriais, não se comprova uma maior
efetividade resolutiva, contribuindo para a estigmatização dos pacientes. O tratamento
medicamentoso é baseado em inúmeros princípios farmacológicos sobre a dependência
química, funciona com a prescrição de medicamentos por profissionais da área médica, tanto
em hospitalizações, para tratar sintomas de intoxicação e abstinência, quanto no tratamento
ambulatorial. As estratégias medicamentosas aceitas e eficazes têm como finalidade: Tratar
sintomas da intoxicação; Tratar sintomas de abstinência; Substituir o efeito de uma
substância (por exemplo, adesivo de nicotina no tratamento do tabagismo ou da heroína pela
metadona); Antagonizar os efeitos da droga (como o naltrexone, no tratamento do
alcoolismo); Causar aversão à droga (como o dissulfiram que provoca vermelhidão facial, dor
de cabeça, palpitação, enjoo e sensação de morte, quando o indivíduo ingere álcool).
67
Sobre o tratamento farmacológico, Fonseca & Lemos (2011, p. 33), consideram que:
Compreender os mecanismos que determinam a ação das drogas de abuso sobre o organismo
não é suficiente para tratar a adicção, uma vez que a dependência química não depende
apenas da droga. Existe o risco da expectativa exagerada dos pacientes em relação aos
medicamentos disponíveis, dificultando que assumam a responsabilidade na participação do
tratamento e fazendo com que deleguem, como na ideologia de usar drogas, sua vida a
substâncias químicas. Essa é uma atitude mais fácil, que reflete a da sociedade, a qual busca
soluções rápidas para suas tensões. Esse comportamento também ocorre com outros
pacientes, como hipertensos e diabéticos, que têm dificuldade em adotar medidas não
farmacológicas. Além disso, o uso de terapia de reposição como a de nicotina, parece gerar em
algumas pessoas uma sensação de impotência: “Só posso parar de fumar se usar o adesivo?
Não posso sequer reduzir sua dosagem?”. Embora essa atitude represente uma redução de
danos, obviamente não é desejável. Conhecer a farmacologia das drogas de abuso significa
obter ferramentas para compreender este órgão que tem maravilhosa complexidade: o
cérebro, e apenas esse objetivo já justifica seu estudo.
O tratamento psicoterápico utiliza inúmeras abordagens teóricas, desde a psicanálise até
técnicas cognitivas ou cognitivo-comportamentais, com resultados variados de acordo com as
abordagens e os diferentes sujeitos. São utilizadas inúmeras modalidades de intervenções
como: Individual; Grupal; De caráter breve ou sem duração limitada; Intervenções
envolvendo parceiros (terapia de casal) ou toda sua família; Intervenções com envolvimento
do ambiente de trabalho. Além dessas modalidades, outras podem ser associadas ao
tratamento, como o aconselhamento, laborterapia, arteterapia, com destaque especial para os
grupos de mútua-ajuda como os Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. A efetividade
dos tratamentos contra o uso abusivo de drogas e a dependência é considerada baixa, devido
a inúmeras questões, como a própria droga e seus mecanismos de ação (a maioria dos
trabalhos são baseados no tratamento do alcoolismo), questões individuais, familiares e
sociais. Além de
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Com relação à efetividade do tratamento, devem ser considerados o tempo em que uma
modalidade de tratamento foi aplicada e os recursos disponíveis para o tratamento, e em
especial, características pessoais da personalidade do paciente e questões estáveis, como
idade, sexo, condições socioeconômicas, entre outras. De acordo com De Bon & Kessler
(2008), as primeiras abordagens terapêuticas para o tratamento de dependentes químicos
datam do século XIX. Não há um consenso sobre o melhor tipo de tratamento, que deve ser
norteado por pesquisas científicas, pois os profissionais envolvidos com o tratamento de
substâncias psicoativas devem conhecer os efeitos agudos e crônicos das drogas de abuso,
suas formas de uso, a prevalência e os padrões de uso mais típicos, assim como a
heterogeneidade dos sujeitos e diferentes abordagens de tratamentos, devido à dependência
química ser resultado da interação de vários aspectos da vida do indivíduo: biológico,
psicológico e social. As intervenções devem ser diferenciadas para cada indivíduo e devem
considerar todos os aspectos envolvidos.
69
Um dos modelos para tratamento, baseado na motivação, é o descrito por Prochaska & Di
Clemente (1983 apud DE BON, KESSLER; 2008), e tem sido bastante discutido entre os
profissionais envolvidos no trabalho com pacientes com dependência química. O modelo
sugerido apresenta fases, nem sempre sequenciais e a possibilidade de estratégias de
abordagem para o cuidado.
Précontemplação
Contemplação
O indivíduo percebe os problemas relacionados ao uso, mas não toma nenhuma atitude em
direção à abstinência. Pensa em parar nos próximos seis meses.
Preparação
Utiliza SPA, porém já fez uma tentativa de parar por 24 horas, no último ano. Pensa em entrar
em abstinência nos próximos 30 dias.
70
Às vezes, para atingir estes objetivos, é necessário propor objetivos intermediários que
possibilitem o comprometimento e cumprimento das metas, como a redução da quantidade
de substância a ser utilizada. Outra questão de extrema importância, como nos aponta de De
Bon & Kessler (2008), é a definição de “quem precisa de tratamento”. Neste sentido, os
profissionais envolvidos devem realizar uma avaliação cuidadosa e ampla do indivíduo. Desde
perguntas sobre as substâncias utilizadas, o tipo de consumo de cada uma delas (se o uso é
experimental, recreacional, abuso ou dependência); tratamentos anteriores; comorbidades
clínicas e psiquiátricas; história familiar e o perfil psicossocial. Lembrando-se que:
Como descrito no final da 1ª Unidade, ao descrever o transtorno mental pelo uso de cocaína,
devemos avaliar possíveis comorbidades psiquiátricas, pois o uso de drogas pode ser causa
e/ou consequência de sintomas psiquiátricos. Que pode, se presente a comorbidade, ser uma
dificuldade para a adesão ao tratamento a ser utilizado, por não responder bem “[...] a
abordagens terapêuticas direcionadas apenas a um dos transtornos, tornando-se necessário
combinar medicações e modificar as terapias psicossociais, incluindo abordagens para ambos.”
(DE BOM; KESSLER, 2008, p. 155). Antigamente, havia poucas opções disponíveis (internação,
grupo de autoajuda e encaminhamento a especialistas), contudo, como as pesquisas têm
demonstrado que tratamentos breves, como aconselhamento e intervenções breves,
conduzidos por não especialistas, apresentam resultados significativos e com baixo custo,
essas técnicas vêm sendo amplamente difundidas também em nosso meio. Contudo,
indivíduos com maior dificuldade de adesão ou pouca melhora no tratamento breve devem ser
encaminhados a especialistas como psiquiatras ou psicólogos. Um tratamento mais
especializado será necessário sempre que houver a suspeita de outras doenças psiquiátricas,
ou quando não melhorarem com tratamentos anteriores ou quando tiverem múltiplas
recaídas. “A determinação dos diversos padrões de uso de substâncias psicoativas é
importante para estabelecer o melhor programa terapêutico para esses indivíduos, além de
permitir diagnóstico e classificação acurados.” (DUARTE; MORIHISA, 2008, p. 48).
a) Algumas Formas de Tratamento A intervenção precoce é uma estratégia terapêutica que
combina a detecção precoce do uso perigoso ou prejudicial de substâncias e o tratamento das
pessoas com esses padrões de uso. O tratamento é oferecido ou proporcionado antes que os
pacientes se apresentem por vontade própria e, em muitos casos,
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antes que eles estejam conscientes de que o uso dessas substâncias pode causar problemas. É
dirigida particularmente a indivíduos que não desenvolveram dependência física nem grandes
complicações psicossociais. A intervenção precoce é, portanto, um tratamento pró-ativo, é
iniciado mais pelo agente de saúde do que pelo próprio paciente. O primeiro estágio consiste
em um procedimento sistemático de detecção precoce. Há várias abordagens: um inquérito de
rotina, durante a história clínica, do uso de álcool, tabaco e outras drogas e o uso de testes de
triagem em locais de cuidados primários de saúde, por exemplo. Fazem-se perguntas
suplementares para confirmar o diagnóstico. O segundo componente, o tratamento,
geralmente é breve e ocorre em locais de cuidados primários de saúde (durando, em média,
de 5 a 30 minutos). O tratamento pode ser mais prolongado em outros locais. A desintoxicação
pode ser realizada em três níveis com complexidade crescente: tratamento ambulatorial,
internação domiciliar e internação hospitalar. No tratamento ambulatorial e na internação
domiciliar, sempre que necessário, utilizamse medicamentos para o alívio dos sintomas
(benzodiazepínicos, antipsicóticos, entre outros). Em qualquer uma das opções, os objetivos da
desintoxicação são: Alívio dos sintomas existentes; Prevenção do agravamento do quadro
(convulsões, por exemplo); Vinculação e engajamento do indivíduo no tratamento. Os
grupos de autoajuda são programas populares, como os dos 12 passos empregados pelos
Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) e, segundo pesquisas, costumam ser
bem sucedidos como programas de recuperação para os transtornos por uso abusivo de álcool
ou outras drogas. Caracterizam-se por serem gratuitos e amplamente disponíveis em todo o
País. Seu trabalho é orientado por ex-dependentes, que servem de apoio ao dependente
químico, pois se orientam pela experiência dos demais participantes e pela identificação com
eles. Os resultados obtidos também são provenientes do contato e apoio social obtido, e de
treino para lidar com as pressões da vida diária. Os grupos de ajuda mútua no campo do álcool
datam dos Washingtonianos de 1840 e incluem grupos baseados na Europa, como Blue Cross,
Gold Cross, grupos Hudolin e Links. A abordagem de alguns desses grupos possibilita uma
orientação profissional ou semiprofissional. No campo do álcool, algumas pensões
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droga. A abordagem básica da TCC pode ser resumida em “reconhecer, evitar e criar
habilidades para enfrentar” as situações que favorecem o uso de drogas. As sessões seguem
uma estrutura padronizada e os indivíduos têm papel ativo no tratamento. Após a motivação e
a implementação de estratégias para interromper o uso da droga, surge uma tarefa tão ou
mais difícil, que consiste em evitar que o indivíduo volte a consumi-la. Dentro do modelo de
prevenção de recaída, além da incorporação dos aspectos cognitivo-comportamentais são
treinadas habilidades/estratégias de enfrentamento de situações de risco, além de promover
amplas modificações no estilo de vida do indivíduo. Um conjunto de procedimentos
terapêuticos empregados para ajudar indivíduos com problemas relacionados ao álcool ou a
outra droga a evitarem ou enfrentarem uma recaída ou deslize. Os procedimentos podem ser
usados em combinação com outros tratamentos e abordagens terapêuticas, desde que
baseados na moderação e na abstinência. Através desta técnica é possível ensinar o paciente,
estratégias de enfrentamento para evitar situações consideradas como perigosos precipitantes
de recaída e, através de repetição mental e de outras técnicas, a fim de minimizar o uso da
substância uma vez que um deslize tenha ocorrido.
A Terapia de Grupo é uma alternativa para atender um maior número de pessoas, num menor
tempo, e, portanto, com um custo mais baixo. É considerada uma alternativa viável e também
efetiva. O tratamento em grupo de dependentes de álcool e de outras drogas vem ocupando
um espaço amplo, mas o seu estudo ainda é restrito, pois exige uma metodologia de avaliação
muito rigorosa.
Dica de Aprofundamento
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Dica de Aprofundamento
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Com isto, o Consultório de Rua é uma proposta de clínica na rua, especializada para o
atendimento de problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas. A perspectiva
de uma oferta programada, tal como se modela este dispositivo, implica em ofertar onde
ainda não há uma demanda de ajuda explicitada. Não havendo as condições prévias
estabelecidas, tudo está por se fazer. De modo que o ‟lugar” do profissional é construído a
partir do momento em que se coloca no contexto do trabalho, assim como o ‟lugar” do
Consultório de Rua. Diferentemente do trabalho dentro de uma instituição, quando é o
usuário que busca o serviço e cujas condições de atendimento já estão dadas, com toda a
ambiência ajudando a compor o setting terapêutico, incluindo o lugar que o profissional ocupa
na organização do serviço, na rua esses “lugares” precisam ser construídos a partir do trabalho
e da posição em que os profissionais se colocam para os usuários. No seu posicionamento, a
equipe deve explicitar o propósito da presença do Consultório de Rua e quais as características
do seu trabalho, diferenciando-o de outras ações desenvolvidas na rua, como ações de cunho
caritativo. Assim, gradativamente, vai-se demarcando o lugar do Consultório de Rua enquanto
um dispositivo do campo da saúde. (BRASIL, 2010b, p. 11).
Caso o usuário opte por fazer o tratamento mais especializado, será encaminhado para uma
rede de serviços da Política Nacional de Drogas.
c) A Internação compulsória Em janeiro de 2013, o Governo do Estado de São Paulo deu início
à parceria com o Ministério Público, o Tribunal de Justiça e a OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) para plantão especial no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas
(CRATOD, 2013), para atendimento diferenciado aos dependentes químicos. Em casos
extremos, a Justiça passou a decidir pela internação compulsória do dependente. Segundo a
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania (CRATOD, 2013), quando uma pessoa não quer
se internar voluntariamente, pode-se recorrer
Dica de Aprofundamento
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Casos de internação compulsória continuarão a ser exceção e não regra. A política prioritária
continua sendo a internação voluntária, através do convencimento do dependente por
agentes de saúde, assistentes sociais e integrantes das políticas de consultório de rua, além de
outras formas de tratamento. Apesar da polêmica gerada, alguns estados norte-americanos,
como a Califórnia, possuem leis específicas sobre a internação compulsória ou involuntária. O
Canadá permite o tratamento forçado no caso de viciados em heroína, assim como a Austrália
e a Nova Zelândia, em especial quando representem riscos para si próprios ou para terceiros.
Em geral, as leis são utilizadas principalmente para menores de idade. A Organização Mundial
de Saúde no documento “Principles of Drug Dependence Treatment”, de 2008, considera que
o tratamento de dependência de drogas, como qualquer procedimento médico, não deve ser
forçado. Mas admite, que em situações de crise de alto risco para a pessoa ou para outros,
pode ser determinado sob condições específicas e por período determinado por lei. (Vide:
http://www.unodc.org/documents/drug-treatment/UNODC-WHO-Principles-of-
DrugDependence-Treatment-March08.pdf).
Exercício 6
c) Está amparada pela Lei nº 10.216, de 2001. d) É a internação solicitada por um familiar. e) É
um ato arbitrário no país, sem exemplos em outros países.
2.4 Prevenção ao consumo de álcool e outras drogas e a política de redução de danos Antes
até de se pensar em tratamento, deveríamos basear muitas das ações na prevenção, seja qual
for o seu nível, pensando naqueles indivíduos que ainda não utilizaram drogas, onde o
processo de educação seria o norteador dos trabalhos. Sem nos esquecer daquele usuário que
não deseja parar com o uso de uma substância química, a fim de evitar prejuízos severos a sua
saúde (redução de danos).
2.4.1 A Prevenção Segundo as Políticas sobre Drogas (BRASIL, 2013), a prevenção para o uso
de drogas deve ser um comprometimento e parceria entre diferentes segmentos da sociedade
brasileira e dos órgãos governamentais, em todos os âmbitos (federal, estadual e municipal),
fundamentada na filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”, com a construção de redes
sociais que visem à melhoria das condições de vida e promoção geral da saúde. Mas sua
execução deve ser descentralizada e executada nos municípios, com o apoio dos Conselhos
Estaduais de políticas públicas sobre drogas e da sociedade civil organizada, adequada às
peculiaridades locais e priorizando as comunidades mais vulneráveis, identificadas por um
diagnóstico prévio. Todas as ações preventivas devem ser pautadas em princípios éticos e de
pluralidade cultural, orientando-se para a promoção de valores voltados à saúde física e
mental, individual e coletiva, ao bem-estar, à integração socioeconômica e à valorização das
relações familiares, considerando seus diferentes modelos. As ações preventivas devem ser
planejadas e direcionadas ao desenvolvimento humano, para o incentivo à educação para a
vida saudável, acesso aos bens culturais, incluindo a prática de esportes, cultura, lazer, a
socialização do conhecimento sobre drogas, com embasamento científico, o
84
O uso indevido de álcool e outras drogas é fruto de uma multiplicidade de fatores. Nenhuma
pessoa nasce predestinada a usar álcool e outras drogas ou se torna dependente apenas por
influência de amigos ou pela grande oferta do tráfico. Nós, seres humanos, por nossa
humanidade e incompletude, buscamos elementos para aliviar dores e acirrar prazeres. Assim,
encontramos as drogas. Algumas vezes experimentamos, outras usamos sem nos
comprometermos, e outras ainda abusamos.
Existem fatores que contribuem para a construção das circunstâncias do uso abusivo,
chamados de fatores de risco, que tornam a pessoa mais vulnerável a ter comportamento que
pode levar ao uso ou abuso de drogas. Assim como existem fatores que colaboram para que o
indivíduo, mesmo tendo contato com a droga, tenha condição de se proteger, são os
chamados fatores de proteção. Para Sodelli (2005 apud ZEMEL, 2008, p. 95):
86
de todos os segmentos sociais disponíveis, buscando atuar, dentro de suas competências, para
facilitar processos que levem à redução da iniciação no consumo, do aumento deste em
frequência e intensidade, e das consequências do uso em padrões de maior acometimento
global. Para tanto, a lógica da redução de danos deve ser considerada como estratégica ao
planejamento de propostas e ações preventivas. Devemos lembrar que fatores são próprios do
indivíduo (Quadro 6), ou estariam ligados à família (Quadro 7) ou à sociedade em que se vive
(Quadro 8).
Habilidades sociais; Cooperação; Habilidades para resolver problemas Vínculos positivos com
pessoas, instituições e valores; Autonomia; Autoestima desenvolvida.
Zemel (2008), lembra que mesmo a curiosidade, que é essencial para o desenvolvimento
humano, no sentido de aquisição de seu conhecimento, pode também ser essencial para a
experimentação e uso nocivo de uma substância psicoativa. A família por sua vez, um dos
pilares de nossa personalidade, tem por função proteger e favorecer o desenvolvimento de
competências, assim como ser o principal veículo da introdução dos limites e regras.
Fonte: http://migre.me/dE8qc
Muitas vezes, como parte do desenvolvimento humano, o adolescente como forma de firmar
sua identidade, rompe com a autoridade familiar ou se utiliza
87
de substâncias psicoativas por não saber lidar com as ansiedades e frustrações inerentes à
fase. Quanto à família, vemos que o uso de álcool e outras drogas pelos pais é um fator de
risco importante, assim como a ocorrência de isolamento social entre os membros da família.
Também é negativamente influente um padrão familiar disfuncional, bem como a falta do
elemento paterno. São considerados fatores de proteção a existência de vinculação familiar,
com o desenvolvimento de valores e o compartilhamento de tarefas no lar, bem como a troca
de informações entre os membros da família sobre as suas rotinas e práticas diárias; o cultivo
de valores familiares, regras e rotinas domésticas também deve ser considerado, e viabilizado
por meio da intensificação do contato entre os componentes de cada núcleo familiar. Quadro
7 - Fatores familiares De proteção De risco
Pais que acompanham as atividades dos filhos; Estabelecimento de regras de conduta claras;
Envolvimento afetivo com a vida dos filhos; Respeito aos ritos familiares; Estabelecimento
claro da hierarquia familiar.
Pais fazem uso abusivo de drogas; Pais sofrem doenças mentais; Pais excessivamente
autoritários ou muito exigentes; Famílias que mantêm uma cultura aditiva (forma de viver
adotada por uma família na qual as resoluções são dadas como formas de impedir a reflexão).
Fonte: SENAD (2006)
Com relação à sociedade em que vive, se referindo ainda aos jovens, Zemel (2008, p. 98),
pontua:
Se o jovem vem de uma família desorganizada, mas encontra em sua vida um grupo
comunitário que faz seu asseguramento, oferecendo-lhe alternativas de lazer e de
desenvolvimento de habilidades pessoais, pode vir a ter sua formação garantida, aprendendo
a criticar e se responsabilizar por si próprio e pelo seu grupo social.
No domínio das relações interpessoais, os principais fatores de risco são pares que usam
drogas, ou ainda que aprovem e/ou valorizam o seu uso; a rejeição sistemática de regras,
práticas ou atividades organizadas também é aqui
88
considerada como um sinalizador. Ao contrário, pares que não usam álcool/drogas, e não
aprovam ou valorizam o seu uso exercem influência positiva, o mesmo ocorrendo com aqueles
envolvidos com atividades de qualquer ordem (recreativa, escolar, profissional, religiosa ou
outras), que não envolvam o uso indevido de álcool e outras drogas.
Zemel (2008) finaliza ainda, que alguns fatores de proteção ou fatores de risco podem estar
relacionados com a droga, como informações contextualizadas sobre os efeitos e regras e
controle para o consumo adequado ou a disponibilidade para a compra, propaganda que
incentive o uso, assim como o prazer obtido com o uso, respectivamente. Como frisa a OMS, o
objetivo da prevenção é reduzir a incidência de problemas causados pelo uso indevido de
drogas em uma pessoa e em um determinado meio ambiente. Superando o antigo modelo das
categorias de prevenção primária, secundária e terciária do modelo biomédico tradicional.
Prevenção primária: evitar que o uso de drogas se instale, dirigindose a um público que não foi
afetado. Prevenção secundária: efetuar ações que evitem a evolução do uso para usos mais
prejudiciais. Prevenção terciária: tratar os efeitos causados pelo uso da droga, melhorando a
qualidade de vida das pessoas afetadas. A prevenção deve se organizar focando o indivíduo ou
a população em que estão implícitos os conceitos de fatores associados à proteção e ao risco,
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Intervenção global: são programas destinados à população geral, supostamente sem qualquer
fator associado ao risco.
Intervenção específica: são ações voltadas para populações com um ou mais fatores
associados ao risco de uso de substâncias.
Intervenção indicada: são intervenções voltadas para pessoas identificadas como usuárias ou
com comportamentos violentos relacionados direta ou indiretamente ao uso de substâncias,
como, por exemplo, alguns acidentes de trânsito.
Intervenção indicada: em programas que visem diminuir o consumo de álcool e outras drogas,
mas também a melhora de aspectos da vida do indivíduo como, por exemplo, desempenho
acadêmico e reinserção escolar. Fonte: Zemel (2008, p. 101)
Inúmeros materiais educativos são disponíveis nos sites já citados, abrangendo educadores,
familiares, crianças e adolescentes.
A redução dos danos relacionada ao uso de drogas tem origem no Comitê Rolleston, em 1926,
que concluiu que a manutenção de usuários por meio do emprego de opiáceos era o
tratamento mais adequado para determinados usuários. Com o aparecimento da AIDS, o tema
voltou à tona devido à possibilidade de contágio por drogas injetáveis e o compartilhamento
de seringas e agulhas. (INFODROGAS, 2013). Embora as políticas de redução de danos tenham
inicialmente se destacado a partir da distribuição de agulhas e seringas para usuários de
drogas injetáveis, como estratégia para prevenir a transmissão do vírus da AIDS, não é limitado
apenas a isso. Um exemplo da redução de danos, com relação ao consumo de álcool, são as
campanhas do tipo “se beber não dirija” e em caso do consumo, o uso de táxis ou a condução
do veículo por sujeito abstinente de álcool. Fonte: http://migre.me/dFT4z
91
PALAVRAS FINAIS