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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

Nome da Disciplina: In/Exclusão, governamento e subjetivação


Professor(a) e Instituto lotado(a): Kamila Lockmann - IE
Aluno: Thiago Queiroz Ferreira Cordeiro

A Internação Psiquiátrica Compulsória, na lógica do tratamento da saúde mental,


é um instituto ainda instrumentalizado pelos serviços de saúde como ferramenta de
cuidado. Nos últimos anos, a prática de Internação de caráter Involuntário passou a ser
utilizada principalmente no processo de tratamento de sujeitos drogaditos, como uma
forma viável de tratamento e, talvez, como a principal e única maneira de atenção de
sujeitos drogaditos.
Parece ser dessa forma que muitos operadores jurídicos ainda lidam com as
Internações Involuntárias e Compulsórias, como uma solução. E utilizam de inúmeras
narrativas para chegar a essa conclusão, construções discursivas que são tratadas como
formas absolutas de verdade.
Nesse sentido, o disparador trazido para análise é parte de uma petição
construída e utilizada por um Defensor Público que procura argumentar e fundamentar a
necessidade da Internação Psiquiátrica Compulsória de sujeitos toxicômanos.

De todas as mazelas que nasceram da visão distorcida de democracia e


de direitos humanos, talvez a proliferação do tráfico de entorpecentes seja
a pior. A "Cracolândia", nas grandes Metrópoles, onde centenas de seres
humanos, homens e mulheres, adultos e crianças, se autodestroem às
escâncaras, sem que as autoridades públicas apresentem outra solução que
não a de desalojar dependentes e espalhar o problema para toda a cidade, é
apenas a chaga simbólica da doença que já consome inexoravelmente
todo o Brasil, até mesmo os menores Municípios, como o caso em
questão. Parece evidente que a internação involuntária (ou mesmo a
compulsória) não só é possível como absolutamente necessária. Talvez a
única medida verdadeiramente séria que se poderia inicialmente adotar
para tentar corrigir o triste quadro que hoje vivemos em relação aos
dependentes químicos no país. Não resta dúvida de que a dependência
química é uma doença e, sendo enfermidade, observar se, e até que ponto,
pode comprometer as faculdades cognitivas da pessoa, restando ao
ordenamento jurídico, na hipótese, a internação involuntária ou
compulsória do dependente. O DSM-IV, Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais) da Associação Americana de Psiquiatria (American
Psychiatric Association -APA) define a dependência química como um
"um distúrbio recorrente e crônico", cuja característica essencial é a
"presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e
fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância,
apesar de problemas significativos relacionados a ela". [...] O
comprometimento mental, decorrente do uso prolongado, é claro,
ficando o dependente literalmente incapaz de reagir ao vício, mesmo
ciente de que sua vida está sendo destruída. Mais ainda, quando o
dependente não mais se importa com a própria existência, também não
se importa com a vida alheia, e tudo fará para conseguir o precioso
fármaco, até vender o próprio corpo, roubar ou matar, se necessário. É
a droga estimulando toda a sorte de criminalidade. Nestas condições, é
impossível falar em livre arbítrio, vontade própria ou
autodeterminação e se nos parece extremamente desumano entender
que o Estado deva garantir ao dependente o direito a autoaniquilação ,
que, em última análise, é a única coisa que a hipócrita e cômoda
bandeira dos direitos humanos defende para a hipótese, ao advogar a
tese que o dependente tem direito de escolha. [...] Portanto, indiscutível
que o ordenamento jurídico não apenas reconhece situações onde a
vontade do paciente não pode ser considerada, como autoriza
expressamente a sua internação. Além do perigo que representa para a
própria sociedade, porque inimputável, não há nada mais triste e
degradante que assistir à degeneração física e moral de um dependente
químico. [...] A medida, mais do que acertada, garante a integridade
física e psíquica do paciente e de terceiros próximos. (Grifo meu)

E nessa linha, pretende-se analisar este disparador através de como o fenômeno


da drogadição na atualidade perpassa por conceitos que foram trabalhados por Foucault,
como biopoder e governamentalidade. Refletindo sobre como as instituições e os seus
operadores contribuem para políticas públicas segregantes e opressoras no cuidado à
saúde mental dos sujeitos em sofrimento psíquicos.
Foucault (1978), em sua obra intitulada História da Loucura da Idade Clássica,
o autor faz referência aos hospitais psiquiátricos como espaços que assumiram, a partir
do século XIV, uma posição de solução na cultura europeia para um novo “mal” que é
concebido institucionalmente, os chamados loucos. Com o fim das casas para os
leprosos (os leprosários), os países europeus passam a procurar uma solução para outro
grupo de sujeitos indesejados pela sociedade e, novamente há uma devolutiva, através
de uma política de separação e opressão. O “mal” deve ser colocado longe, distante dos
meus olhos, trancafiado para que não possa me tocar.
Foucault se preocupava principalmente com a análise do sujeito moderno, de
como a cultura interroga e limita a criança do sujeito (VEIGA, p 107, 2005). Para isso,
ele precisou interrogar os diferentes discursos que faziam parte do mundo social.
Contestando as regras postas, interrogando a moral e os comportamentos sociais. Seus
estudos se atravessam nas ciências médicas, psicológicas, sociológicas, pedagógicas e
jurídica. Seus pensamentos traziam um desconcerto social, desafiando as posições de
poder e analisava os comportamentos sociais (STROHER, 2014). Mesmo que Foucault
resista a conceitualização dos seus estudos como uma forma de ciência, é possível
percever que acima de tudo, ele foi um grande historiador que procurou analisar a
humanidade e as suas nuances.
Através da sua investigação genealógica ele interroga a sexualidade humana, a
criminologia, os modos de subjetivação e a própria construção e origem do Estado
moderno, pelo viés das relações de poder e como esse conceito se atravessa no
funcionamento do Estado e de seus operadores (biopoder).
Nessa linha, a partir do estudo das obras foucaultianas, é possível reconhecer
como a história se torna uma ferramenta essencial para evitar que a humanidade cometa
erros fatais de tantas ordens. Especialmente acerca dos cuidados à saúde mental,
elemento negligenciado que só passa a receber mais atenção das políticas públicas
brasileiras nos últimos 30 anos (A Lei antimanicomial surgirá apenas no ano de 2001 –
Lei nº 10216/2001).
Com a leitura do disparador, percebe-se claramente a tentativa de enxergar uma
sociedade autodeterminada racional, higienista e moralista. O texto estigmatiza a
relação particular e subjetiva do homem e a droga, colocando a problemática como uma
questão de guerra e delinquência (criminológica).
Esse processo é reconhecido por Foucault como Governamentalidade. Uma
forma de racionalidade, ou um pensamento, que organiza as práticas de governo e
Estado. Estratégias construída com o intuído de delimitar as Políticas Públicas, que
delimitam práticas e ações com o objetivo de controle social e, consequentemente, da
população (LOCHMANN, 2019).
Essa racionalidade estrutura um movimento político e social, no caso do
disparador, uma racionalidade fascista que pauta uma ideologia neoliberal que passa a
desenvolver e fortalecer políticas como a “Guerra às Drogas” e irá utilizar o dispositivo
da Internação Psiquiátrica Compulsória como uma medida de biopolítica.
de todas as mazelas que nasceram da visão distorcida de democracia e de
direitos humanos, talvez a proliferação do tráfico de entorpecentes seja a
pior. A "Cracolândia [...] É a droga estimulando toda a sorte de
criminalidade. Nestas condições, é impossível falar em livre arbítrio,
vontade própria ou autodeterminação e se nos parece extremamente
desumano entender que o Estado deva garantir ao dependente o direito a
autoaniquilação, que, em última análise, é a única coisa que a hipócrita e
cômoda bandeira dos direitos humanos defende para a hipótese, ao advogar a
tese que o dependente tem direito de escolha.
É possível perceber como uma racionalidade de exclusão define os argumentos e
enunciados do disparador. Relacionado a origem da problemática da drogadição na
atualidade com a democratização e os direitos humanos, como esses dois elementos
tivessem flexibilizado certas condutas humanas que acabaram por culminar em uma
epidemia de drogas. Ou seja, os Direitos Humanos e uma Democracia mais sensível e
preocupada com os direitos sociais se tornam permissivos com a situação da drogadição
e o surgimento de Cracolândias.
Essa Governamentalidade é reforçada por uma relação ideológica. A ideologia
neoliberal se caracteriza como um processo pautado em um movimento fascista e de
relação de mercado. Para Wendy Brown (2021), também é possível ver outros
elementos como o conservadorismo, que se torna um dos arquétipos do neoliberalismo.
Uma moralidade tradicional que deve servir como base da legislação e da norma social,
utilizando premissas como a família tradicional, autoridade, direitos individuais
(primazia do individual) e proteção da propriedade privada. Uma política neofascista
que mobiliza o poder e aparato Estatal para definição e compreensão de como um povo
deve se comportar e agir. Assumindo características homogêneas para o povo e tratando
a alteridade através de um projeto discriminatório e opressor.

Mais ainda, quando o dependente não mais se importa com a própria


existência, também não se importa com a vida alheia, e tudo fará para
conseguir o precioso fármaco, até vender o próprio corpo, roubar ou
matar, se necessário. É a droga estimulando toda a sorte de
criminalidade. Além do perigo que representa para a própria
sociedade, porque inimputável, não há nada mais triste e degradante
que assistir à degeneração física e moral de um dependente químico.
[...] A medida, mais do que acertada, garante a integridade física e
psíquica do paciente e de terceiros próximos.

É uma agenda política que visa a docilização dos corpos, ou até mesmo, sua
eliminação. Esse disparador mantém uma episteme focada na exclusão do diferente,
reverberando o discurso que a alteridade é perigosa e precisa ser controlada. Um perigo
para o próprio drogadito e para a coletividade. São narrativas colocadas como
enunciados que precisam ser seguidos para um bem comum e proteção social.
Assim, novamente, o Estado e os seus operadores, através de discursos ditos
científicos (médicos e jurídicos), institucionalizam uma política de controle e opressão
através de uma operação de “guerra às drogas” a todos que orbitam esse núcleo,
mormente quem as utiliza. E, como em toda a guerra, os indivíduos que lidam com a
droga são despersonalizados e ressignificados como indesejáveis para quem se oferecerá
puramente a guerra, a morte ou o aprisionamento.
Para o médico Eduardo Kalina (1999), a droga sempre fez parte da história
humana. Na antiguidade egípcia – outrora considerada armarinho de remédios do
mundo, o Papiro de Ebers (1.550 a. C), um tratado médico no qual diversas substâncias
eram reportadas, a citar o Ópio, era elucidado ali como um remédio capaz de
harmonizar sintomas de ansiedade e dor; do outro lado do mundo, na América Antiga,
Incas e Maias também apuravam substâncias psicotrópicas que apreciavam em ritmo de
adoração. Gerações e culturas em busca da comunhão com seus deuses e iluminação
espiritual.
Portanto, as drogas eram admitidas como instrumentos terapêuticos ou objetos
para uma finalidade espiritual. Apenas a partir do século XX, as “drogas” tornam-se
propriamente drogas, instrumentalizadas e processadas dentro de laboratórios como
meios que possibilitam a harmonização e controle da vida. A partir desse momento a
humanidade começa de fato, a manipular e estudar cada vez mais as substâncias
psicoativas. A droga assume um signo, um elemento constitutivo social e se traduz cada
vez mais como elemento aderente as pessoas – de modo que se torna extremamente
difícil conceber uma sociedade diferente dessa relação entre o “homem e a sua droga”:
sejam os ansiolíticos para atenuar os sintomas a ansiedade, os hipnóticos para ajudar a
dormir, as anfetaminas como estimulantes, ou até o cafezinho durante a jornada de
trabalho.
Todavia, aparentemente no passado, o uso de drogas não apresentava uma maior
ameaça à coletividade. No Brasil apenas em 1938, com o decreto Lei nº 891/38, surge
um processo de criminalização e controle das drogas. Ou seja, o processo de proibição
e tratamento dessa demanda através de questões jurídicas sob a perspectiva criminal é
algo novo comparado com toda a história humana.
Essa política criminal responde a uma nova forma de “racionalidade particular,
orientada e conduzida por determinados princípios considerados verdadeiros [...] até
esse ponto, Foucault tentava analisar de que maneira cada época organiza práticas de
governamento específicas com o intuito de conduzir as condutas dos outros”
(LOCHMANN, p 50/51, 2019).
Nesse sentido, Kalina (1999) concorda com a posição que o uso ritualístico e o
uso das drogas tradicionais não acarretava danos sociais mais sérios, se comparado com
o seu uso nas sociedades contemporâneas - especificamente nas sociedades ocidentais
que adotam uma política liberal, onde consumo das drogas psicoativas se torna
problema social e de saúde pública, reverberando altos custos à saúde, ao poder
judiciário e ao setor penitenciário.
Para isso, dois conceitos são desenvolvidos com a premissa de cuidado, mas se
tornam elementos essenciais para controle e dominação do sujeito, fazendo parte de
forma intrínseca da Governamentalidade. Os dois conceitos são: população e estatística.
No disparador, o operador jurídico vai utilizar o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais para argumentar na necessidade do tratamento dessa
questão enquanto doença. E assim, pela cronicidade desta situação, o tratamento deve
acontecer independente da vontade do “doente”. Definindo-o como incapaz de
(re)conhecer o melhor para si mesmo. O autor do disparador descreve o drogadito como
um sujeito sem razão, com problemas cognitivos que está ausente de aparentemente
qualquer humanidade. “Não mais se importa com a própria existência, também não se
importa com a vida alheia, e tudo fará para conseguir o precioso fármaco, até vender o
próprio corpo, roubar ou matar, se necessário. É a droga estimulando toda a sorte de
criminalidade.”, é um processo total de despersonalização.
A Governamentalidade como está hoje só é possível com a emergência do
conceito de população, um corpo múltiplo com suas regularidades e características. Um
conjunto de indivíduos homogêneos que produz processos coletivos próprios da vida em
sociedade e que começam a ser calculados e sistematizados por um saber específico
(LOCHMANN, 2019). O DSM é um manual preparado e sistematizado para agir como
um elemento reforçador da Governamentalidade. Por outro lado, a “estatística como um
saber fundamental para o governamento da população na atualidade” (LOCHMANN,
2019, p. 68).
A psiquiatria, como categoria de verdade científica ganha um status de poder
quase incontestável. Ela passa a colocar quais condutas devem ser permitidas através do
signo de normalidade, e alocando os anormais em um espaço de patologia para
tratamento. Isso tudo, inclusive, de maneira involuntária já que os anormais perdem a
característica de racionalidade que supostamente permeia os sujeitos em um processo de
dessensibilização que expressivamente pode afastá-los do direito à dignidade intrínseco
até aos sujeitos em sofrimento.
É mister refletir que a Droga, além de uma questão individual, na atualidade
assume um problema de caráter social. Para além de toda discussão acerca da violência
que se atrela ao comércio ilegal, compreende-se que da relação do sujeito com a droga,
inviável a indivisibidade de ações para conduzir a esfera da saúde pública e demais
demandas que a droga protagoniza na sociedade.
Porém, ainda sim, algumas narrativas são enfatizadas para reforçar a importância
da Internação Compulsória e Involuntária, com o discurso moralizador de que a
drogadição é um problema social e que ameaça a harmonia da sociedade, legitimando o
argumento de contenção para o bem de todos. Premissas que parecem trazer um caráter
sensacionalista, difusor de pavor e medo - obstaculizam o olhar da população e de
outros profissionais sobre outras formas de políticas relacionadas às drogas,
solidificando um imaginário que identifica o problema da droga como um grande mal
social e para o qual não há solução, como sendo a própria personificação de todos os
males do Estado, que também, agora parece encontrar um inimigo para reforçar a
necessidade de sua própria existência.
Tal postura se encontra com o sistema político e ideológico do Neoliberalismo.
Entre os princípios destacados pelo liberalismo está a liberdade. Porém, a liberdade
fabricada pelo liberalismo está relacionada sempre a uma questão de segurança, “isso
significa dizer que a liberdade dos sujeitos não pode ser tal que coloque sob ameaça os
demais sujeitos da população, colocando como um administrador, produtor e
organizador da liberdade” (LOCHMANN, 2019, p. 73).
“É a droga estimulando toda a sorte de criminalidade. Nestas condições, é
impossível falar em livre arbítrio, vontade própria ou autodeterminação e se nos parece
extremamente desumano entender que o Estado deva garantir ao dependente o direito a
autoaniquilação”, o discurso da criminalidade sendo colocado como simples resultado
do uso da droga. É uma equação reducionista e cheio de preconceito que vende
facilmente na nossa sociedade.
Por outro lado, o sujeito não pode ter o direito de se autoaniquilar, apenas o
Estado possui o poder punitivista e o poder de polícia para exercer a atividade de
aniquilação, como a privação da liberdade através da Internação Psiquiátrica
Compulsória. “Enfim, por toda parte vocês vêem esse incentivo ao medo do perigo que
é de certo modo a condição, o correlato psicológico e cultural interno ao liberalismo.
Não há liberalismo sem cultura do perigo” (FOUCAULT, 2008, p.91). O jogo da
liberdade e segurança está sempre em jogo no novo imperativo da governamentalidade.
O liberalismo trata a temática da drogadição através de um mecanismo arbitrário
que poderá sempre ameaçar a segurança dos seus indivíduos, assumindo a função de
gestor dos perigos com os mecanismos de segurança e liberdade. Por isso, a drogadição
é tratada como uma questão de segurança pública e não de saúde pública.
Ainda nesse sentido, o sujeito toxicômano é um improdutivo para a Lei do
mercado, se colocando a margem do imperativo de gozo do mercado financeiro e
econômico, fazendo com que seja urgente o seu extirpe social.

Nesse contexto, os toxicômanos despertam a reflexão sobre o retorno da exclusão da


subjetividade a partir da política de manicomialização – que oferece a internação compulsória.
A autora utiliza da noção de Biopolítica, criada por Michel Foucault, para descrever como esse
mecanismo de poder centraliza uma prática governamental de controle e vigilância. Nesse
sentido, a forma como é colocada dentro dos aparatos institucionais jurídicos está longe de ser
uma prática de cuidado.

A política na atualidade, possui meios mais eficientes de controle entrelaçando


dispositivos com argumentos que o definem como necessário e bons para a melhoria da
sociedade. Uma nova gestão toma conta das relações sociais - cálculo da vida. O
conceito trazido por Foucault (2008) chamado de Biopoder – cálculo da vida biológica
parece permeável aos assuntos governamentais para além do disciplinamento do corpo,
mas como um controle ainda maior da população. Com a mudança dos processos de
controle do morrer para o viver, a saúde também passa a ser um dispositivo utilizado
para disciplinaridade do sujeito. O poder sobre a morte aparentemente não cabe mais
para uma sociedade reconhecida como evoluída e essa narrativa deve ficar no passado, é
de um momento bárbaro que não mais pertence ao Estado. Agora, o poder se coloca
sobre a vida. Ou melhor, o governo da vida a partir de instâncias políticas, jurídicas e
médicas.
Nesse sentido, a vida passa a ser um bem jurídico. E não faz mais parte do
sujeito enquanto indivíduo, agora ela pertence a todos – ao passo que pertence à
coletividade e, inclusive, ao Estado. Por isso, esse processo de estatização da vida é um
elemento necessário para a construção do Estado da forma como ele é posto na
atualidade. Porque não existiria Estado moderno sem essas vidas que fazer parte de sua
manutenção e legitimação.
A vida humana é uma propriedade, mesmo que dentro do ordenamento jurídico
brasileiro ainda não seja o bem mais precioso. Foucault (2008) constrói a ideia da
estatização do corpo/biológico e transborda as ideias referentes à tomada do poder sobre
a vida humana.

VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

FOUCAULT, Michel. Aula de 17 de março de 1976. In: Em defesa da sociedade: curso no


Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999. (p. 285 – 315).

FOUCAULT, Michel. Direito de morte e poder sobre a vida. In: História da sexualidade 1: a
vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007a. (p. 145 – 174).

LOCKMANN, Kamila. A governamentalidade como lente teórico-metodológica. In:


LOCKMANN, Kamila. Assistência Social, Educação e governamentalidade neoliberal.
Curitiba: Editora Appris, 2019. (Capítulo 2: p.47 -86)
LOCKMANN, Kamila. A erosão da democracia e a emergência de uma formação neofascista
no Brasil contemporâneo. In: RIBEIRO, Paula Regina Costa; MAGALHÂES, Joanalira Corpes;
BOER, Raphael Albuquerque de. (Org.). (Re)existir, (re)inventar, pesquisar: entrelaçamentos de
corpos, gêneros e sexualidades. 1ed. Rio Grande: FURG, 2022, v. 1, p. 204-230.
BROWN, Wendy. E agora, que o neoliberalismo está em ruínas? Entrevista IHU Online,
Unisinos, 2020. Disponível em: E agora, que o neoliberalismo está em ruínas? - Instituto
Humanitas Unisinos - IHU Acesso em 16 de dezembro de 2021.

SÃO PAULO. Tribunal de justiça de São Paulo. TJSP. Antecipação de tutela / tutela específica
Processo e procedimento Direito processual civil e do trabalho Liminar Tutela provisória.
Juiz Victor Trevizan Cove. Foro de Ribeirão Bonito, SP. 2016. < Petição - Ação Antecipação de
Tutela / Tutela Específica contra e a Fazenda Pública do Estado de são Paulo - 2016.8.26.0498
(jusbrasil.com.br)>

“O biopoder, o poder sobre a vida, por sua vez, nasce para contrapor o poder
sobre a morte, o poder soberano. Em termos históricos o biopoder coincide com
o liberalismo, que traz em seu escopo antropológico a ideia de que o homem
possui uma dignidade natural a ser respeitada pelo contrato social, a ideia de
que o homem possui uma natureza universal, possui direitos universais que
precisam ser acatados e respeitados pelo Estado. A proclamação dos Direitos do
Homem na Revolução Francesa de 1789 é um documento ilustrativo dessa
concepção liberal de homem. A citação abaixo de Foucault deixa claro que o
biopoder nasceu e se desenvolveu dentro dos marcos históricos do liberalismo
político e econômico:”

Pareceu-me que não se podia dissociar esses problemas do quadro de


racionalidade política no interior do qual surgiram e adquiriram sua acuidade.
Ou seja, o “liberalismo”, já que é em relação a ele que se constituíram como um
desafio. Num sistema preocupado com o respeito aos sujeitos de direito e à
liberdade de iniciativa dos indivíduos, como será que o fenômeno “população”,
com seus efeitos e seus problemas específicos, pode ser levado em conta? Em
nome de que e seguindo quais regras é possível geri-lo? (FOUCAULT, 1997; 89)

FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 1997. Tradução de Andrea Daher.

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