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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

CURSO: Especialização em Saúde Mental.


DISCIPLINA: As Psicoses Ordinárias e os Novos Sintomas.
PROF.: Maria Wilma S. de Faria. (mwilma62@gmail.com)
DISCENTE: Bryan Willian Mizael.

TRABALHO FINAL – “Droga não é demônio” ; “Fora de si”

Há muito o que se construir diante do enfrentamento do uso abusivo do álcool


e das substancias psicoativas, que frente diversas nomenclaturas, delimitam uma
questão que passa distante das possíveis soluções e aproximações de quem deve
ser nosso interesse de trabalho: o usuário, e não a droga. Quando se reduz
orçamentos para o enfrentamento, intervenções para prevenção e serviços de
tratamento para toxicomania, revela-se o desentendimento sobre a ilusão do sujeito
em estar completo, e de se realizar sem a intervenção do Outro simbólico.

O consumo de substancias sempre esteve presente desde civilizações


antigas e sob regulação social, usados por diferentes grupos sociais, para rituais,
para contrapor efeitos de eventos naturais, nas formas de repressão e estímulo ao
consumo – reduzido a apenas dois discursos: ou é caso de polícia/segurança ou é
caso de saúde pública, ou de ambos, que não dá conta da complexidade da
questão. Inclusive Freud (1930, p.48), em O Mal-Estar na Civilização, afirma que ‘a
vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona muitos
sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos
dispensar as medidas paliativas’. A saída desse mal estar inclui a via do toxicômano
de extrair algum prazer da vida.

Esse ‘amortecedor de preocupações’ – termo usado por Freud – torna


possível afastar-se da pressão da realidade, buscando refúgio num mundo próprio,
onde é possível se sentir melhor. É nesse ponto que a droga inserida em uma
sociedade em que a própria insatisfação se tornou mercadoria, torna-se objeto de
culto do sujeito em toxicomania que diante da promessa de um gozo pleno e sem
furos, que muito seduz todos os neuróticos, recorra a ela na esperança de obtenção
fácil e intensa de prazer.
O uso de ilícitos levanta a representação da moralidade social e a
marginalização do consumo associa a violência, ao perigo de estar sob esse efeito
inebriante e de conviver com esses usuários, cabendo discursos como “é só parar”,
“não para quem não quer”, “só consome quem é vagabundo” – o dito “Diga não as
drogas” ainda retrata que, se fosse possível negar a esse desejo, a questão seria
resolvida instantaneamente. Ribeiro em entrevista para Revista Época aborda essa
questão apontando que se elege a droga como a causa do mal e os traficantes
como os agentes promotores deste mal, na tentativa de que se for ‘possuído’ por
esse mal, o corpo perecerá da desintoxicação e abstinência.

O usuário de crack, por exemplo, é um usuário estereotipado: com maior


visibilidade, é alguém que expõe tudo o que nossa sociedade quer evitar:
descontrole, desamparo, vulnerabilidade, improdutividade, laços sociais frágeis,
ausência de projeto de futuro. E há correntes voltadas a esse público na tentativa de
normatizar através de aparato repressivo.

Na contemporaneidade, o consumo de objetos que alteram a consciência


impressiona não por ser uma prática nova, mas pelo grande impacto social que
promove nas relações e nos laços sociais vigentes, pelo notável discurso de
mercado de algumas drogas socialmente aceitas, como o álcool e os psicotrópicos,
e em contrapartida, a marginalização e estigmatização dos usuários de substâncias
ilícitas, principalmente das camadas sociais mais vulneráveis.

O documentário ‘Fora de Si’ aponta as dimensões da realidade de sujeitos


acometidos pela dependência química e dos entornos de seu convívio. As fronteiras
que são ultrapassadas para além dos limites de consumo alcançam alterações na
produtividade e consequentemente, na ideia de capacidade desses sujeitos (ideal
coletivo). Inclui a discussão sobre a consciência coletiva frente as diversas formas
de tolerância, legalidade e rituais que abordam as alterações de consciência frente a
estimulação, a depressão e perturbação do seu funcionamento de acordo com o
discurso adotado.

O vazio construído através do processo identificatório atual, remete-nos a


dimensões narcísicas de um sujeito encurralado por ideais performáticos que
envolvem discrepâncias sociais construídas pela própria desigualdade social
promovida pelo capitalismo, em que ser famoso, ser poderoso e ser satisfeito com
imediatismo se tornam a medida do homem. Este, por sua vez, não encontra outra
forma de aplacar este vazio senão pela efêmera satisfação de consumir os gadgets.
(BIRMAN, 2009; GIACOBONE ; MACEDO, 2013).

Nesta dimensão da cultura em que a instância da castração é cada vez mais


rechaçada segundo o discurso capitalista, fica difícil uma melhor descrição da falta
de referência com relação à função paterna do que o incentivo de um gozo sem
limites, sem máculas, sem cifragem, “como um Mercedes Mc Laren, iPhone, ‘I Pode’
tudo”. (BALBI, 2012, p.82). Assim, além de não conseguir a saciedade prometida, à
aceleração temporal, social e subjetiva no contemporâneo faz com que não
integralizamos as experiências e sensações. Referente à insatisfação que
caracteriza a dinâmica toxicômana, podemos compreendê-la como uma fome de
consumo voraz, representada por um gozo mortífero que expressa a ideia “de que a
vida parece não seguir sem”. Por sua vez, tal gozo também corresponde à perda da
relação com o limite organizador do laço social.

Ainda no documentário, o psiquiatra e psicanalista Evaldo Melo levanta


discussão sobre o paradigma do ‘drogado’ e seu prazer em consumir. O consumo da
droga é vinculado a saída de um estado negativo e partir a outro de elevação, de
fuga, alívio e satisfação. O que nos permite abrir diálogo sobre outros produtos: o
chocolate, o café, tabaco também embarcam na compulsão, no vício, no excesso.
Por mais que o sujeito reconheça isso, não lança mão. Entra nessa discussão a
psicose ordinária, que prescinde do desencadeamento e dos fenômenos produtivos
que se colocam em marcha como a alucinação e o delírio. Em particular, expressam
novas organizações de gozo, como a anorexia, a bulimia, a melancolia, a
toxicomania, os fenômenos psicossomáticos, a depressão psicótica e a melancolia,
que se constituem como modalidades subjetivas, compensando e estabilizando o
real2 da psicose. Ainda, há um consumo massivo de drogas lícitas, na forma de
antidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos, adquiridos através de receitas médicas
que respondem a lógica capitalista – para ser feliz, para ficar calmo, para dormir,
perder o apetite e aumentar o desejo sexual. Participam da discussão fatores que
intercalam todas essas substancias que uma incita a outra, ignorando a lógica do
sujeito, da substância e do ambiente. Culpabilizam a substância pela dependência,
sem reaver o sujeito que transforma esse elemento em droga. Já sabemos que
criminalizar não é a solução. Ribeiro completa na entrevista que “para se
estabelecer uma dependência, alguém decidiu usar drogas”.

A rede de redução de danos realiza trabalho de conscientização de que é


possível o uso sem maiores prejuízos, de forma que não se use a repressão como
estratégia de tratamento diante desse desafio. A avaliação do consumido deve ser
dada pelos efeitos que essa prática produz na vida de cada sujeito, e não pela
quantidade e frequência do uso. O que nos interessa é a dimensão do inconsciente,
do sujeito da linguagem, marcado pela falta e atravessado pelos seus sintomas, sua
posição frente ao Outro. Deve-se ter uma discussão sobre as drogas, diminuindo
sua importância, fazendo com que elas deixem de ser vistas como solução de todos
os problemas ou como causadora de todos os males.

A discussão desse tema vinculado à prática clinica leva a reflexão de adotar


estratégias diferentes das mais comuns adotadas principalmente pelo saber médico
e pelo discurso manicomial desses sujeitos, levando em conta principalmente a
subjetividade de cada um e o valor que é dado a essa ‘troca’. No Caps em que
trabalho é uma discussão sempre presente, uma vez que ainda há a percepção de
que por ali, curamos o vício por parte da população e até mesmo por alguns
membros da equipe técnica, e cabe sempre negar tal demanda.

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