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AULA 1: CURSO JORGE FORBES – FAAP: 12.09.

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AMOR A SI MESMO x DESEJO DO OUTRO
Revoluções científicas e tecnológicas impactam fortemente, e
mais do que nunca na história humana, não só a sociedade como
um todo, mas também cada sujeito em particular.

Nesse passo, encontra-se, dentre tantas outras, a Psicologia


Positiva, que está em sincronia com a ideologia da felicidade plena,
considerando-a dever de cada um, a todos acessível, situada numa
perspectiva de que tudo já estaria planejado e organizado, bastando
seguir certas “dicas” ou “passos” para alcançá-la.

Ora, a Psicologia Positiva, com esse viés, posiciona-se em


prol de uma percepção capitalista que reduz tudo, inclusive afetos,
a mercadorias capazes de atender a quaisquer demandas
humanas, sobremaneira da divinização da ideia de felicidade na
atualidade, reforçando a crença dessa felicidade enquanto um
estado permanente do ser.

Em face do desmoronamento social das grandes causas


(comunismo; catolicismo etc.), originaram-se novas campanhas de
marketing propagando soluções simplistas e imediatistas às
demandas humanas. As naturais dificuldades de viver e a presença
comum do sofrimento existencial foram ignorados ante a concepção
de uma configuração que desconstruiu o que não mais se ajustaria
ao mercado capitalista dos produtos de cura e felicidade.

O novo contexto favorece crenças sem substância, calcadas


em ideias bastante simplificadas e propostas de rápida eficácia.

Comercializa-se a ideia de que se alcança a felicidade como


se chega a um porto, bastando seguir uma espécie de mapa ou
bússola previamente estabelecido, o que tornaria possível atingir a
concretude do Real, prescindindo da mediação da fantasia-
imaginação.

Entretanto, as novas formas de ilusão tornam tudo ainda mais


fugaz, favorecendo o aparecimento de novas formas de sofrer e até
mesmo de novas psicopatologias.

A tirania da felicidade estimula formas de querer ou de


necessitar desvinculadas de efetivas demandas de desejo, posto
que calcadas em ter para expor ao olhar do outro.

O amor, enquanto algo frágil, demanda cuidados; porém,


esse afeto, sob a perspectiva mercadológica, não é o mesmo
propagado pela psicologia positiva, a qual apregoa que a conquista
da felicidade depende apenas do próprio indivíduo, ignorando,
todavia, que o amor dispõe de caráter transcendente, conferindo a
sensação de que estaria saindo de si mesmo. Ora, ao reduzir o
afeto à condição de uma mercadoria de aquisição pessoal, passa-
se a relacionar com essa ideia a partir de uma percepção de
posse, que passaria a fazer parte do patrimônio do seu adquirente,
que se consome até que possa ser descartado ao se tornar
obsoleta, implicando a necessidade de ser trocada por algo mais
atual e eficiente, tal como sói ocorrer com produtos tecnológicos.

O Real, para a psicanálise, é "aquilo que não tem nome e


nunca terá", intangível, e, portanto, não atingível. A felicidade-
objeto, porém, se enquadra na visão de concretude, confundindo-se
com coisas (carro, casa, roupas, dinheiro, aparelhos tecnológicos
etc) ou pessoas.
Concepções como sacrifício pelo outro, adiamento do prazer,
são menos valorizadas, pois que o amor que transcende não é o
mesmo que o afeto sustentado no acumular ou ser bem-sucedido e
admirado, consoante dito pelo palestrante filósofo.

Na própria temática da ecologia, por exemplo, há dois riscos


extremos: primeiro, a continuidade da devastação em prol de lucros
e mais mercadorias para venda e compra; e, de outro, de uma
ingenuidade próxima à divinização da natureza.

No âmbito político, com o fim do comunismo, o fascismo


ressurgiu com maior ênfase e se faz presente com maior evidência
e influência. A esquerda se aproximou a propostas social-
democráticas da centroesquerda, que, comumente, costuma se
alinhar ao centro, o qual se alia à centro-direita, formando um bloco
de poder com interesses mais eleitoreiros, mantendo a economia de
mercado e os seus mitos calcados na crença do ter para ser (feliz).
A insuficiência disso, e o caráter insosso do mesmo, ou seja, do
mais do mesmo, possibilitou o fortalecimento do ideário
conservador e reacionário, conferindo novos sabores e sentidos à
existência. Daí a extrema-direita ganhar mais adeptos por ser mais
instigadora de paixões.

Na internet, por sua vez, radicalismos e ingenuidades e


discussões acaloradas e agressivas, quase sempre destituídas de
fundamentos, predominam ao lado de um imenso mercado global,
comprometendo a pretensão inicial de ser um espaço de aquisição
e ampliação de conhecimentos e de maior intercâmbio cultural que
valorizasse a diversidade.

Tantas buscas, tantas fugas, tantas alienações!


Assim, no contexto mercadológico, fomenta-se mais
individualismos e ingenuidades, proporcionando tanto uma cultura
mais alienada quanto polarizações mais evidenciadas, bem como o
advento de cada vez mais donos de coisas, inclusive da "verdade",
fatores que conferem menos espaço para a subjetividade e a
solidariedade. Tudo, enfim, se resume a relações de poder
verticalizadas. Apenas na horizontalidade é possível a humanização
das relações e das instituições.

Temos o direito de ter derrotas e perdas! E amar-nos em


nossos sofrimentos!

AULA 2: CURSO JORGE FORBES – FAAP: 13.09.22

PSICANÁLISE E SAÚDE MENTAL

Psicanálise está muito além de ser apenas um processo de


autoconhecimento e de garantir ao sujeito uma vida mais genuína.
Ao lidar com o inconsciente e com a palavra, ela situa-se em um
saber que envolve possibilidades e limites, compreensão e
contingência. Em ambos os casos, porém, há um escape, seja do
desejo, seja do incognoscível do humano.

Quando se perde a esperança do saber, é necessário criar,


imaginar, simbolizar. Nessa seara, a psicanálise contribui
enquanto método especializado para lidar com o inefável da
experiência humana. Não sendo explicativa e conclusiva, ela lida
com tudo, com o que assusta, desampara, confunde; contudo, não
atua para estabelecer dogmas ou doutrinas ou leis universais, mas
para instigar a subjetividade a mudanças em sua forma de viver e
sofrer. Dessa feita, ao se relacionar com o que não é previsível,
com aquilo que não é localizável, com o que não é estipulável, ela
não prevê nem estabelece o futuro, mas ajuda o sujeito a se
posicionar em prol de uma criatividade que favoreça uma efetiva
participação em sua construção, libertando-o do condicionamento
dos sintomas.

O mundo atual não confere mais tantas promessas de


certezas como antes era comum encontrá-las. Isso gera a
medicamentalização da vida humana a fim de adequá-la a
padrões entendidos como capazes de apaziguar medos e
dúvidas.

Com frequentes crises de identidade, muitas pessoas entram


em conflito com elas próprias, gerando e sustentando
psicopatologias. Ora, a identidade de cada sujeito não pode
permanecer na constante dependência da resposta do Outro, pois
que, ainda que isso traga alguma espécie de satisfação
momentânea, não assegura a liberdade vital e criativa do humano.

Saúde mental não se resume à medicalização, pois se a esta


for resumida, emplastrará a subjetividade, estancando a pessoa
em um estado fixo de dor-doença-remédio-apaziguamento. Essa
cultura auxilia a sustentação de novas classificações de
sofrimentos, atribuindo-lhes o caráter de doenças. Por conseguinte,
dão gênese a uma profusão de rótulos acompanhados de manuais
de ajustamento de comportamento e, claro, novos receituários
químicos de felicidade.

Remédios, embora realmente necessários em tantas


ocasiões, não representam a solução única e definitiva. Aliás,
soluções padronizadas e de efeitos rápidos geram problemas de
longo prazo. Por exemplo, na melancolia, o indivíduo passa a se
identificar com a perda, o que tem sustentação em processos
psíquicos que naturalmente ocorrem durante tais circunstâncias.
Tratar essa situação natural como algo equivalente a uma doença,
por sua vez, impede o sujeito de lidar com essa comum forma de
sofrer, sincronizando a atuação medicamentosa com a cultura da
cura e felicidade.

Em casos do assim denominado Bernault, que é restrito ao


ambiente de trabalho (fenômeno ocupacional), é possível cuidar
disso também evitando foco e atenção excessivo no trabalho, não
fazendo disso a razão ou o centro de seu viver, isto é, envolver-se
menos naquilo que faz, não o levando tão a sério.

A incapacidade de legitimar novas formas de viver está


relacionada a não admitir a mudança enquanto processo natural da
existência, o que, todavia, se agrava em face de uma sociedade
cada vez mais marcada pela rapidez e diversidade.

Disciplinas comportamentais irromperam em consonância a


uma sociedade cada mais marcada pela diversidade e liberdade. À
tendência de horizontalidade no momento atual, opõem-se reações
opressoras exageradas. Contra diálogos estruturados e
fundamentados, propagam-se monólogos articulados na pretensão
de um saber que se assemelha a crenças fechadas ao contraditório.
Apesar dessas disparidades, o novo de hoje não é mera novidade
ou inovação, pois que transcende as arquiteturas sociais e
relacionais que até então vigoravam.

Para o olhar psicanalítico, vida qualificada difere de qualidade


de vida, pois que a primeira é subjetiva e pessoal, ao passo que a
outra é estabelecida como parâmetro a todos. Ora, a psicanálise
foca na ética, que é singular, distintamente da moral que se situa
mais no âmbito sociocultural, que se porta de forma mais
cosmética, isto é, no aparentar ser. A modelagem das vontades,
porém, pouco se sustenta na pós-modernidade, onde as relações
predominantemente verticalizadas perderam força ante relações
mais horizontalizadas.

Só crenças ou as ciências, sem a consideração do subjetivo –


do humano, demasiadamente humano –, ao restringir a pessoa a
um padrão ou a um dado, entendendo-o como mero membro de
uma coletividade, revelam-se insuficientes em si mesmas. Ambas,
na realidade, poderiam se beneficiar do saber da psicanálise.
Talvez tenha chegado o momento de crenças e ciências irem ao
divã!

AULA 3: CURSO JORGE FORBES – FAAP: 14.09.22

SOCIEDADE DE CONSUMO: DA CAFONICE À SOBRIEDADE

A nova configuração social demanda percepções mais


acuradas tanto do humano quanto de seu entorno; na clínica, é
importante que as abordagens considerem tais novidades, embora
sem se descurar dos fundamentos elementares da psicanálise.

O hiperconsumo envolve tudo e qualquer coisa, desde que


venda. Se vende, há necessidade, ainda que inventada. Tudo,
porém, lida com o vazio, a insatisfação, a incompletude.

O “Kitsch”, o cafona, o desnecessário, o exagero, vai além do


material, tratando-se mais de um estado de espírito que fomenta um
modo de vida. A burguesia é fascinada pela aquisição, pela
exibição, pelo acúmulo para promover uma imagem de sucesso e
riqueza.

Do capitalismo fordiano ao capitalismo pós-fordiano, a


produção passou a centrar-se nos hiperconsumos, com o que
passou a moldar necessidades calcadas na superabundância.
Publicidades, marketing, objetos feitos para ser descartáveis,
necessidade de trocas por algo cada vez mais moderno e
tecnológico, estabeleceram o excesso do consumo e de sua nova
cultura. De uma, a várias tevês; de um telefone familiar, a vários
para cada membro, o mundo se tornou tão descartável, que
englobou pessoas e relacionamentos. Novos e expansíveis
gozos, desconsiderando-se representações ou mediações
simbólicas.

Capitalismo, individualismo, hedonismo, consumismo,


acúmulos; ter para ser; ter para suprir-se ilusoriamente.
Ornamentações e mais elitizações, agravando dificuldades;
civilização do desastre, porque se cuida de um frenesi insustentável
às pessoas e ao planeta. Uma tragédia anunciada; tudo em face do
deserto do gozo.

"Deem-me o supérfluo, porque o necessário qualquer um


pode ter". (Oscar Wilde)

O consumo retroalimenta a ansiedade que o sustenta. Do


outro lado, mas também no mesmo viés do excesso, grupos que
apregoam odes ao viver na natureza, desqualificando formas de
viver que não se encaixem nessa opção existencial. Em ambas as
situações, falta sobriedade.
“A simplicidade é o nível mais elevado da sofisticação”. (Da
Vinci)

Por trás de excessos, há sempre sintomas.

A condição do gozo será sempre a novidade. Isso porque


repetir muitos tipos de produtos se tornou inaceitável; entretanto,
isso também se insere no ciclo psíquico de repetição, busca algo
aparentemente diferente, mas que se assemelha ao que já se teve.
O ter sempre foi um substituto da falta. Na sociedade de
hiperconsumo, isso se potencializou, fazendo do consumismo uma
miscelânea entre ideologia e crença, incrementando as vias de fuga
da contingência humana, tornando-o nova modalidade de
alienação. Em resumo, a neurose compulsiva concebida por
Freud adquiriu status de sistema político, econômico e social,
tornando a sociedade psicopatologizada. Aprender a renunciar
ao gozo imediatista, tal como recomendado pela clínica
psicanalítica, pode se mostrar mais do que nunca necessário para
se romper com condicionamentos sociais calcados no consumismo,
libertando-se para obter efetivo e mais consistente prazer.

Os modos de produção também precisam ser transformados


para se alinhar a uma perspectiva produtiva compatível com as
prementes necessidades ecológicas. Sobriedade que, para atingir
os consumidores, necessitará também se estender aos setores
produtivos e comerciais; todos implicados e responsabilizados pela
humanidade e pelo planeta. Daí a relevância da psicanálise, a quem
compete interpretar mediante a interpelação, o que significa dizer
que ela não explica, mas implica o sujeito. Assim como em relação
à arte: antes de interpretá-la, primeiro, deve ser interpelado por ela.
AULA 4: CURSO JORGE FORBES – FAAP: 15.09.22

COMPORTAMENTO NO SÉCULO XXI E A PSICANÁLISE

Como diferencial entre modernidade e pós-modernidade há a


ruptura com grandes narrativas cujas teses pretendiam dar conta do
todo do mundo, da vida, de grupos sociais, do humano. É ela,
ainda, efeito de um cansaço no que tange a tradições de cunho
doutrinário. Como parte de um processo histórico com múltiplos
centros, caracteriza-se, ainda, pela mudança do eixo de
identificação (com a natureza, fé, ciência) vertical para uma
realidade mais variada e múltipla e, assim, horizontal, não se
sujeitando com facilidade a rígidos padrões normativistas. Esse
processo favorece a mudança de perspectiva social, isto é, de um
viés centrado na disciplina e na tradição para a responsabilidade
e criação.

Ainda assim, a lógica do mercado, captando os lucros que


poderia advir dessa nova perspectiva, transformou a imagem de
ruptura em mercadorias, incrementando vendas e lucros. O perigo,
porém, está na conjugação de uma realidade mais libertária com
as incansáveis pretensões mercadológicas, que tudo tende a
deturpar, sobretudo a liberdade e a solidariedade, convertendo-as
em estratégias de marketing e em ações estéticas. Nisso, laços são
comprometidos, ou ao novo se unindo o velho modo de
funcionamento da sociedade, ou às transformações socioculturais
se contrapondo tradições que negam os processos históricos que
sempre demandam mudanças e novos olhares.
Quanto à denominada Inteligência Artificial, que se torna cada
vez mais comum e presente no cotidiano das pessoas, essa
interação também acaba por modificar modos de viver,
percepções e sensações, criando até expectativas de libertar o
humano da linha de produção e encaminhá-lo ao mundo da
criação; contudo, isso pode conferir uma nova noção de tempo,
algo de maior duração, já que não se consegue ser criativo ou
ocioso a todo tempo. Obviamente, outro problema será o
desenvolvimento de I.A. capaz de substituir o humano no processo
produtivo. Assim, pode criar outras atividades ou eliminar
empregos e aumentar a inatividade, com efeitos sociais e
psicológicos de grande monta. Haverá formação e especialização
técnica suficiente aos que forem substituídos por robôs ou
processos automatizados?

No campo da “saúde mental”, o capitalismo e a próspera e


gigantesca indústria farmacêutica igualmente avançaram,
estabelecendo-o como lucrativo nicho de diagnósticos
medicamentosos. Ademais, incrementaram a perspectiva do
humano pela marca da saúde enquanto meio de capacitação da
produtividade, visando ao aumento de desempenho, de seu grau de
competitividade e de empenho irrestrito com as metas fixadas, fato
gerador de novos ciclos de diagnósticos, processos de
adoecimento e mais medicamentalização, sustentando-se a
eficiência pela química e ciências. Com essa base científica,
enfocando o humano como ser mera ou principalmente um ser
lógico e racional, fortaleceu-se o capitalismo do conhecimento,
desorganizando percepções e esfacelando subjetividades para,
ao fim do processo, controlar mais e estabelecer o "novo normal".
O humano, restringido a uma condição de racionalidade cientificista,
passa a ter comprometida a sua capacidade de escolhas, de ser
criativo e livre, enquadrando-se e emparedando-se em uma
maneira de ser e viver totalmente padronizada, com sério prejuízo
de sua subjetividade. Assim, a chamada “saúde mental” adoece e
aliena o humano, condicionando-o a uma função ou condição
para a produção e o lucro, a performance maximizada e a
eficiência.

AULA 5: CURSO JORGE FORBES – FAAP: 16.09.22

COMPLEXO DE ÉDIPO: O SOFTWARE FREUDIANO

Há sintomas na pós-modernidade que aparecem em razão da


dificuldade do sujeito em situar-se num mundo alicerçado em novos
laços sociais, de modo que a persistência da angústia cria
condições favoráveis à depressão. A análise, por sua vez, auxilia
quem está em sofrimento, favorecendo novos posicionamentos
diante das atuais circunstâncias da vida.

Muitos procuram a análise sem saber identificar ou descrever


o que de fato buscam. Para Lacan, nas entrevistas iniciais,
processa-se uma retificação subjetiva, fato que está além do
sintoma e da queixa difusa. O anúncio do analisando de encontrar-
se depressivo ou ansioso, por exemplo, é superficial, destituído de
maior profundidade e consistência. Daí ser preciso instigar o sujeito
a se incluir em sua queixa, só com o que a análise propriamente
dita terá início.

O hiperconsumo é algo sem limite, capaz de legitimar


qualquer coisa vendável, o que gera angústia relacionada à
escolha. Antes, ou se rebelava ou se adequava. Hoje, há uma
multiplicidade de formas de gozo, o que demanda lidar com riscos
mais acentuados e indefinidos, fato que dilui ou mesmo obstrui o
desejo.

O excesso (kitsch) de produtos e atividades atinge a essência


vazia da pessoa, aquilo que não tem representação, de modo que
aquilo leva o sujeito a sempre visar algo a mais.

Felicidade não é um bem que se merece, como se fosse uma


medalha ou troféu, pois que essa perspectiva tão difundida apenas
objetiva satisfazer a autoimagem excessiva do narcisismo
egoico. Para a psicanálise, o que importa enquanto felicidade são
os momentos em que a pessoa se torna capaz de sair de si mesma,
de seus condicionamentos neuróticos, permitindo-se encontrar
surpresas no inesperado. Isso, portanto, não se relaciona com o
merecimento, nem advém de receituários prontos e vendáveis de
felicidade.

Na interpretação daquilo que é apresentado em clínica, é


vital ao analista evitar enunciados ou terminologias por demais
técnicas aos seus analisandos, como é o caso do “lacanês”, que
pode ser descrito como “doença” do lacanismo, de maneira que
compete àquele comunicar-se de modo que não se mostre obscuro
demais a quem se encontra em sofrimento. Aqui, vale a máxima
freudiana de que se alguém não o entendesse era porque ele,
Freud, não sabia expor adequadamente o que pronunciava. Por
esse motivo, diante de novas causas de sofrer na pós-
modernidade, que a análise evite outras desnecessárias a muitos
que se encontram perdidos diante das transformações sociais
aceleradas que ocorrem.
No campo lacaniano, há duas clínicas: uma, pelo viés da
linguística, que busca conferir explicações; outra, pelo viés do que
não é significável, do Real, onde é impossível a tudo significar.

No âmbito da assim denominada saúde mental nem tudo se


trata com medicação, mesmo porque almejar que todos sejamos
curáveis significa negar as diversas especificidades do humano.
Manter atordoado o sofrimento prejudica bastante a subjetividade
da pessoa assim “tratada”, afinal nem tudo implica a medicação.
Para dores advindas da paixão, do amor, de perdas, por exemplo,
não há remédio. Amortecer seus efeitos, e assim os manter, passa
ao largo daquilo que os constituiu psiquicamente. Ademais, “saúde
mental” não pode se referir a técnicas que são aplicadas visando à
“normalização” ou padronização de comportamentos e afetos. O
ser humano não é um autômato reprogramável, nem um produto
feito em série.

Da mesma maneira, a sessão de análise não comporta


formato padrão. O setting não é uma relação arquitetônica ou
estética, mas um espaço de fala.

Entretanto, na psiquiatria subserviente ao DSM e ao CID, a


estética do comportamento normatizado demanda ações
cosméticas centradas no alívio de dores e controle de
pensamentos, desejos, ações e reações do paciente, a isso
direcionando o “tratamento”.

Ora, o desejo humano não tem a ver com padronizações,


pois cada um responde e se implica em consonância à sua
singularidade, daí ser importante abandonar a ação segura para ir
até a práxis responsável.
A globalização escancarou a falta de plenitude do humano e
a ausência e impossibilidades de seguranças objetivas. Para
responder a esse crescente número de insatisfeitos à cata de
ilusões e garantias fugazes, são oferecidos cardápios variados
para nutrição do vazio.

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