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DROGAS, PERFORMANCE E PSIQUIATRIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

BIRMAN, Joel. Drogas, Performance e Psiquiatrização na Contemporaneidade.


Ágora, Rio de Janeiro, v. XVII, n. spe, p.23-37, Ago.2014.

A intenção principal do texto é estabelecer relações existentes entre a


utilização regular de drogas e a produção de formas de subjetivação dos indivíduos.
Joel Birman, psicanalista, pretende discorrer neste artigo a relação das drogas
ilícitas e lícitas (principalmente os medicamentos prescritos pelos médicos), que os
indivíduos estão usando regularmente por motivos psíquicos. O trinônimo droga,
performance e psiquiatrização, será esmiuçado para enfatizar as formas de
subjetivações dos indivíduos que usam essas drogas na atualidade.

O texto descreve que nas últimas décadas aumentou o uso de drogas ditas
sintéticas, pela oferta de novas modalidades mais baratas e facilitarem o consumo
para os usuários de diferentes classes sociais. Além disso, nos últimos anos não só
se restringe a compulsão ao consumo de drogas, mas se propagou para outras
práticas compulsórias como comida, computador e internet, etc. A compulsão numa
leitura psicanalítica é a tentativa realizada pelo sujeito para desembaraçar e assim
elaborar uma experiência da ordem do trauma, então seria essa experiência que
leva o sujeito à compulsão à repetição

O artigo contribui com uma leitura histórica referindo-se ao fato de que, nos
anos 50, 60 e 70 o que estava em pauta com a utilização de drogas pelo sujeito era
a sua utopia de pretensão de encantamento do mundo, já nos anos 80 e 90 o que
ficou em pauta foi o desencantamento do mundo em decorrência de outras
modalidades de subjetivação da performace do sujeito na atualidade. A performance
do sujeito se fundaria numa atividade permanente e insistente do sujeito, que
enuncia um gozo fálico que coloca em evidencia uma feminilidade inaceitável e
repudiada, colocando em pauta uma afirmação permanente da masculinidade
implicando uma virilidade como valor moral, tanto para homens e mulheres. No que
concerne à virilidade performática a propagação da violência e da crueldade é um
dos efeitos mais expressivos desta modalidade de subjetivação, que se construiu
evidenciando o uso de drogas ilícitas, porém não se restringe a essa modalidade do
uso de drogas, mas sim as drogas prescritas pela medicina.

O texto aponta para o fato de que o tráfico das drogas ilícitas cresceu muito e
a comercialização dos psicotrópicos se transformou em uma das mercadorias mais
valorizadas no mundo contemporâneo, logo a indústria farmacêutica expandiu
bastante seus lucros acumulando riquezas, porém quase não se fala nada sobre
essa expansão, que se justifica pelas finalidades terapêuticas e para a promoção do
bem e não do mal da população, contrariando assim as drogas ilícitas. O uso legal
dos psicofármacos produziu uma diminuição aparente nos sujeitos no que diz
respeito à dor e angustia isso seria, enfim, o que dá garantia ao consumo de
psicotrópicos pelas pessoas hoje. Pode-se dizer que a desconstrução do espaço
público e na inflação correlatas do espaço privado de forma a produzir intimidade na
existência do sujeito em espaços públicos se desdobraria na cultura do narcisismo
como marca fundamental nas formas de subjetivação, que promoveria a corrosão do
caráter do sujeito.

O artigo trouxe de forma positiva uma análise para o fato de que, essas
transformações sociais remeteram a novos processos de globalização da economia
internacional e a constituição do neoliberalismo. O Estado então, se transformou em
mercadoria, a sociedade em mercado e o cidadão em consumidor e neste contexto
social cada indivíduo foi transformado numa microempresa e num empresário de si
mesmo em todos os campos das práticas sociais, como disse Foucault. Em
decorrência do desemprego que cresce acelerado, a rivalidade social entre os
trabalhadores aumentou em nome da disputa dos postos de trabalho que se
reduzem a cada dia e isso vai se desdobrando rapidamente para um mal-estar social
e psíquico gerando angustia e perda da estima de si. O mal-estar foi assim
configurado como condição concreta de possibilidade para promover a
psiquiatrização das individualidades em nossos dias, portanto, é por essa via que os
indivíduos são regulados hoje em dia. O processo de psiquiatrização do mal-estar se
fundou nos discursos da neurobiologia e da psicofarmacologia, por um lado, e na
expansão da psicologia comportamental, pelo outro.

O artigo também aponta para as como ao longo do tempo as diferentes


versões e características do DSM foram constituídas. A primeira característica foi o
despojamento progressivo do registro do sujeito contrapartida ao registro do
comportamento. As referências ao discurso psicanalítico foram silenciados
contraponto a neurociências e o cognitivismo. A segunda característica foi o
progressivo número de categorias e classificação de doenças de maneira detalhada.
A terceira característica é a construção interna de três instancias institucionais que
convergem para o mesmo objetivo: laboratórios de pesquisa avançada em
psiquiatria, as instâncias governamentais de saúde do governo norte-americano e os
laboratórios farmacêuticos. A quarta característica foi à internacionalização efetiva
do código de classificação diagnostica.

As descrições estão cada vez mais particulares e especificas presentes nos


discursos psiquiátricos e assim transferem na construção do DSM categorias de
síndrome e não de enfermidade. A inclusão de um novo sintoma numa síndrome
descrita no discurso psiquiátrico será incorporada a um novo psicofármaco que será
proposto para a regulação da nova síndrome. Enfim, a psiquiatria hoje, psiquiatriza
os indivíduos normais tornando-os dependentes de medicação para enfrentar as
angústias da sociedade atual.

Observa-se com a leitura do texto o quanto a questão da medicamentação se


torna um debate necessário e complexo em nossos dias. Para além das questões
teóricas, temos questões políticas, sociais e éticas que se atravessam no debate, e
nos remetem para um olhar crítico quanto ao esvaziamento da subjetividade do
sujeito e o uso da medicamentação enquanto produção de subjetividades. Insere-se
nesse cenário o fato de que essa produção está norteada por interesses de um
sistema de controle que objetiva produzir identidades que atendam interesses
mercadológicos. Desta forma o patológico passa a ser uma categoria que se
inscreve enquanto identidade, que coloca o indivíduo em uma categoria de interesse
econômico das forças de controle social.

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