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REPENSANDO A COMUNICAÇÃO

Compreender é transgredir
os seis volumes de O Método, Edgar Morin me

N
RESUMO
Desvendando pistas para uma arqueologia da compreen- faz estranhar e, ao mesmo tempo, me reconhe-
são, o artigo problematiza as interconexões entre comuni- cer como indivíduo integrante de uma socieda-
cação e compreensão, a partir da assertiva de Edgar Morin de e pertencente à espécie humana. Estranho e reco-
de que a comunicação não garante a compreensão. nheço também os outros pela mesma relação
indivíduo/sociedade/espécie. Cada um de nós é úni-
PALAVRAS-CHAVE co e vários ao mesmo tempo.
• compreensão A despeito de nossas inúmeras potencialidades,
• comunicação nos comportamos, às vezes, como máquinas triviais,
• mundialização repetindo-nos incessantemente. Talvez seja essa uma
imposição da cultura e do pacto social. Como náufra-
ABSTRACT gos que remam, remam, remam mesmo sabendo que
Triying to unveil tracks to an archaeology of comprehen- continuarão à deriva, sem rumo. Porém, na realidade,
sion, this article renders problematic interconnections somos máquinas não triviais, por dispor de uma possi-
between communication and understanding, from Edgar bilidade de afastamento em relação à norma, de um potenci-
Morin’s assertive that communication does not guarantee al de catálise, de descoberta, de decisão (MORIN, 2002, p.
comprehension. 281).
Toda essa riqueza do antropos vêm à tona pela via
KEY WORDS da comunicação, na maioria das vezes, de uma forma
• comprehension sutilmente implícita. A comunicação, por sua vez, se
• communication constitui num fluir de coordenações consensuais de ações,
• globalization no dizer de Humberto Maturana. Para haver comuni-
cação, nesse sentido mais amplo e fundamental, é
necessário que haja proximidade física ou noológica
entre os interlocutores. Essa proximidade responde à
aptidão humana ao duplo, a objetivar-se, reconhecer-
se a si mesmo como um outro (Paul Ricoeur), mecanis-
mos que Edgar Morin denomina de identificação/
projeção.
Identificação e projeção são mecanismos contrári-
os e complementares ao mesmo tempo. O outro partici-
pa na construção da minha identidade, porque, ao vê-lo,
vejo que é o mesmo: serve-me, então, de espelho, argumen-
ta o etólogo Boris Cyrulnik (s/d, p. 175).
Esses mesmos mecanismos necessários à comuni-
cação estão presentes nos processos de compreensão.
Para Morin, a compreensão é um modo fundamental de
conhecimento antropossocial, que comporta a projeção
(de si sobre o outro) e a identificação (de outro consi-
go), realizando um duplo movimento que se refere à
distinção do eu e do outro, mesmo em conjunção
(1996, p. 139).
Se são assim tão imbricados os fenômenos da co-
municação e da compreensão, por que o primeiro não
garante a efetivação do segundo? Talvez porque, mes-
mo sendo necessário para a minha existência, assim
que aparece no meu campo de consciência, o outro
altera o meu mundo. Um paradoxo assim descrito por
Cyrulnik: assim que me sinto observado por outro inquie-
to-me. A consciência do outro em mim agride-me. A ausên-
cia do outro em mim faz-me morrer. Quando estou só, o
mundo pertence-me, mas morro. Quando aparece outro no
meu mundo, agride-me e permite-me viver (s/d, p. 183).
Margarida Maria Knobbe A comunicação com o outro-mesmo raramente gera
UFRN compreensão. E os conflitos se acentuam com os altos

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índices de ansiedade provocados pelas contingênci- Não é igualmente sintomático o fato de que, em
as psíquicas e sociais. Por exemplo, cita Cyrulnik, meio a todo processo de mundialização, inclusive
para os animais dominados, tal como para os seres huma- dos meios de comunicação, se amplifique o mal pri-
nos deprimidos, o encontro não é um enriquecimento, mas mordial da incompreensão humana? (MORIN, 2003, p.
sim uma agressão. No entanto, ainda argumenta o etó- 363). Contra as recusas e o silêncio que copulam com
logo, de todos os organismos, o ser humano é, provavel- os aspectos perversos, bárbaros e viciosos do ser hu-
mente, o mais dotado para a comunicação porosa (física, mano, consubstanciados nas incompreensões, ambi-
sensorial e verbal), que estrutura o vazio entre dois parcei- ções, sede de lucro, poderes e explorações que habi-
ros (s/d, p. 185). tam o nosso mundo, Morin propõe uma reforma do
pensamento, mas também uma reforma do ser huma-
no mesmo. Tal metamorfose supõe uma reforma radical
Vivemos permanentemente dos sistemas de educação, que supõe uma grande corrente de
compreensão... (Id., p. 365).
estressados pelo excesso, pelas A palavra compreensão, contudo, já está presente
como operadora de conhecimento em qualquer pro-
dificuldades de opção, em posta ou nível escolar. É palavra-chave em toda in-
vestigação científica. Compreender, afirma-se, é um
pânico por termos que tomar dos objetivos da ciência, especialmente das ciências
ditas humanas, embora muitas vezes seus resultados
decisões. sejam apenas tentativas de explicação. Às vezes, dis-
sociando meios e fins, criamos técnicas (meios) para
De outra parte, as formas de comunicação que her- explicar o que pretendemos compreender (fim).
damos do século XX nos afastaram tanto da base As técnicas por si mesmas não explicam ou fazem
física quanto da base noológica, primárias, das coor- compreender. Nem a ciência. Nem a arte. Há sempre
denações consensuais de ação. Os vazios se acumu- um ou mais sujeitos cognoscentes por trás e à frente
lam. Há um silêncio em meio a todo barulho. Um desses processos. Penso na técnica/arte do cinema,
silêncio que não se classifica como o intervalo preciso por exemplo. Mais especificamente, penso em Char-
para as modulações da comunicação, a respiração de senti- les Chaplin e em sua capacidade de compreensão do
do (LE BRETON, 1997, p. 75). Não é uma fuga de que ocorria no mundo para criar o filme O grande
palavras, é o dito da recusa. A escuta desse silêncio ditador, em 1940, época na qual muitos governos, in-
não contém a presença do outro. O que conterá? Re- clusive o dos Estados Unidos, eram complacentes e,
sistência? Rancor? Desprezo? Controle? digamos, se faziam de inocentes em relação ao perigo
Talvez pela recusa do outro e pela destruição do que Adolf Hitler representava para a humanidade.
sentido, a linguagem tenha se tornado caduca. Ape- Por que Chaplin atingiu tal compreensão enquanto a
nas o som inteligível das palavras reveste o vazio que maioria da população mundial, mesmo aqueles que
persegue o silêncio. As palavras pronunciadas não possuíam informações privilegiadas sobre os aconte-
esconjuram esse silêncio, não preenchem o abismo de cimentos, precisaram assistir às cenas do genocídio
sentido. É assim porque adotamos as couraças dos como fato consumado, anos depois, para acionar os
mídia, a sua impessoalidade, até na convivência seus mecanismos da compreensão?
familiar. No roteiro da comédia dramática de Chaplin, pro-
É possível observar na vida cotidiana alguns tra- duzido em 1939, enquanto a Alemanha nazista inva-
ços comportamentais que refletem a ascendência que dia a Polônia, nos primeiros passos da Segunda Guer-
as máquinas inteligentes – o computador, a TV e ra Mundial, o grande ditador Hynkel possui todo o
outras caixas pretas – exercem sobre nós, forçando-nos globo terrestre, brinca e dança com ele até explodi-lo.
ao silêncio. Nas palavras do filósofo Jean-Michel Ainda hoje permanece atual a fala do personagem
Besnier: barbeiro judeu: Mais que máquinas, precisamos de huma-
nidade (...) Pensamos demais e sentimos pouco.
uma concepção do mundo é igualmente feita de O que é, então, compreender? É pensar? É sentir?
atitudes estabelecidas como uma segunda natu- Diz Morin que tanto a superioridade quanto a infe-
reza: por exemplo, suportamos cada vez menos a rioridade dos humanos é ter sentimentos, que podem
ambigüidade nas relações humanas, preferindo, ser loucos. Os sentimentos devem mesmo ser impor-
em seu lugar, uma linguagem simplificada (...) tantes nos processos de compreensão/incompreen-
Não é verdade que a informática convivial ou são, mas será que são suficientes para deflagrá-los,
mesmo os sistemas especializados nos prome- para explicá-los e para compreendê-los?
tem uma comunicação sem esforço nem ironia, Morin também afirma que os poderes da compreen-
sem profundidade nem mal-entendidos? (2001, são são insuficientes para compreender a própria
p. 159) compreensão. Para isso, a compreensão deve combi-
nar-se por um lado com processos de verificação (em

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relação aos riscos de erro e de incompreensão), por (2002, p. 42-43). Mas a compreensão é um fenômeno
outro lado com processos de explicação: que mobiliza poderes subjetivos para considerar o
outro também como sujeito. Multiplicamos as formas
Enquanto compreender é captar as significações de comunicação no planeta e não conseguimos com-
existenciais de uma situação ou de um fenômeno, preender próximos e distantes.
explicar é situar um objeto ou um acontecimento Tendo por base as concepções de Morin, Maturana
em relação à sua origem ou modo de produção, às e Atlan, considero que, apesar de terem nascido no
suas partes ou componentes constitutivas, à sua mesmo berço, conhecer não é compreender. Conhecer
constituição, às suas utilidades, à sua finalidade; é é tratar informações; compreender é assumir para si e
situá-lo numa causalidade determinista e numa incorporar o conhecimento. Também suponho que os pro-
ordem corrente (1996, p. 140). cessos comunicativos em nossa sociedade têm distancia-
do cada vez mais a comunicação da compreensão.

Tentar compreender algo Sem pretender atingir toda a verdade, mimetizo-


me no pretume molar dos antigos ajuntamentos
apenas pelo viés da razão de gente, hoje em extinção, e me transporto para
dentro das desprezadas massas coloridas e mo-
conduz a um estado de inércia, leculares de Peter Sloterdijk. A massa somos to-
dos nós, analfabetos e intelectuais, ricos e po-
à indiferença. bres, homens e mulheres que pactuam com o
permutável e com a indiferença. Falta-nos, como
Há uma dialógica entre compreensão e explicação. sugere Emile Cioran, exercícios de admiração (apud
Para Morin, a compreensão se refere aos aspectos do SLOTERDIJK, 2002, p. 116).
pensamento simbólico/mitológico/mágico: concreto,
analógico, captações globais, predominância da con- Quantas vezes nos escondemos sob o espectro do
junção, projeções/identificações, implicação do su- coletivo para justificar um certo desespero embaçado
jeito, pleno emprego da subjetividade. E a explicação pelo desprezo a nós mesmos? Somos incapazes do
está ligada às características do pensamento empíri- esforço para admirar em um dos nossos pares, princi-
co/lógico/racional: abstrato, lógico, captações analí- palmente no âmbito profissional e intelectual, valo-
ticas, predominância da disjunção, demonstrações, res, talentos e obras que nós mesmos não somos capazes de
objetividade, dessubjetivização. Mesmo sendo neces- produzir, mesmo que tivéssemos trinta e seis vidas (Id., p.
sária à compreensão, a explicação pode traí-la e gerar 117).
incompreensão, porque seus princípios da objetiva- Vivemos permanentemente estressados pelo exces-
ção, determinação e racionalidade estão sujeitos às so, pelas dificuldades de opção, em pânico por termos
cristalizações e erros da racionalização, quando se que tomar decisões. Ao mesmo tempo, cultuamos ce-
julga que tudo é explicado ou explicável por uma lebridades vazias. Exilamos os sujeitos de suas obras
visão de mundo ou uma teoria. e de suas idéias. E aderimos ao discurso da moda que
Além da dialogia entre o pensamento mito-lógico, prega a diversidade, desde que haja consenso do cole-
que abarca a recursividade dos processos de explica- tivo sobre qual diversidade podemos tolerar. Cada
ção e compreensão, viver é conhecer, segundo o biólogo um opta conforme seu capricho, sua ilusão, sua mio-
Henri Atlan. Essa concepção baseia-se na premissa pia, mas responsabiliza a coletividade por suas
de Humberto Maturana de que os sistemas vivos são opções.
sistemas cognitivos, independentemente da existên- Essa propalada diversidade é o túmulo da diferen-
cia de um sistema nervoso nos organismos. Ainda de ça e da compreensão. Seja qual for o grupo de referên-
acordo com Atlan, as propriedades de conhecimento, cia, ser massa significa diferenciar-se sem que se faça ne-
de consciência e de compreensão emergiram das or- nhuma diferença. Indiferença diferenciada é o mistério
ganizações celulares. Não são atribuídos, porém, às formal da massa e sua cultura, que organiza um centro
células isoladas, mas emergem a partir de interações total. Por essa razão, seu jargão não pode ser outro senão o
entre as células, sobretudo os neurônios que podem de um individualismo afiado (Id., p. 107).
se auto-organizar e apresentar propriedades cognitivas, A massa compromete a todos no mesmo fracasso.
mesmo que nenhum destes neurônios conheça, nem compre- Mata toda tentativa individual de fazer-melhor-do-
enda o que quer que seja (ATLAN, 2003, p. 256). que-os-outros. Segundo Sloterdijk, nessas condições o
Nem no âmbito individual nem no âmbito social reconhecimento não pode mais significar alta estima ou
um termo pode ser reduzido ao outro. Considerando homenagem, mas baixa estima ou igual estima no espaço
a comunicação social, também não devemos confun- neutro, justa concessão de uma insignificância que não se
dir comunicação e compreensão. A comunicação, lem- contesta de ninguém (Id.).
bra Morin, é comunicação de informação às pessoas ou A que triste fim estamos empurrando antigos ide-
grupos que podem entender o que significa a informação ais democráticos... ao parlamento das ficções, que

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antes a sociologia chamava de opinião pública. Não Se, para Dostoievski e Kurosawa, a compreensão se
querendo participar das unanimidades, paradoxal- refere à empatia que imobiliza a capacidade de julga-
mente, criamos o humano homogêneo, para suspeitar mento, portanto, se consuma na doença da idiotia,
contra tudo o que é criativo e livre. para Page, a estupidez – renúncia à compreensão –
O termo barbárie me parece aqui justificado. É o que promove uma falsa felicidade. A idiotia poderia ser
George Steiner chama de um mundo absolutamente cha- chamada de hipercompreensão e a estupidez, de hi-
to, no qual tudo se equivale e nada vale nada (apud pocompreensão. Idiotia e estupidez são como duas
MATTÉI, 2002, p. 259). É o que mostra, com um humor doenças que causam sérios prejuízos à saúde social.
fino e sutil, o romance Como me tornei estúpido (2005), São contrários extremos que aniquilam – por excesso
do antropólogo Martin Page, que constata: A inteligên- ou por falta – a verdadeira compreensão que exige
cia torna a pessoa infeliz, solitária, pobre, enquanto o dis- novas emergências de idéias e atitudes.
farce de inteligente oferece a imortalidade efêmera (p. 7). Porém, compreensão é outra palavra polissêmica por
Tentando salvar-se, Antoine, o protagonista da his- natureza. Como reconhecer suas múltiplas faces?
tória, tenta renunciar ao pensamento criador porque O filósofo-médico Álcmeon de Crotona (século V)
tinha poucos amigos, porque padecia dessa espécie de anti- afirma que o homem difere dos outros animais porque
sociabilidade que resulta da demasiada tolerância e com- somente ele tem a capacidade de compreensão, en-
preensão. Depois de tentativas mal-sucedidas para quanto as outras criaturas têm apenas sensações. Para
embriagar-se e suicidar-se, empreende uma jornada o escoliasta Virgílio, cansamo-nos de tudo, exceto de
rumo à estupidez, argumentando que, na natureza, compreender. Mas, na verdade, mesmo que não com-
tudo o que vive muito e contente não é inteligente. preendamos nada, pontifica o poeta Fernando Pessoa:
Com os humanos, em nosso mundo, tentar compreen-
der é um suicídio social. A ânsia de compreender, que para tantas almas
Bem antes de Page, outros escritores já se dedica- nobres substitui a de agir, pertence à esfera da
ram ao tema, provando que a arte é sempre contempo- sensibilidade. Substituir a inteligência à energia,
rânea e real, como afirma Dostoievski. O próprio es- quebrar o elo entre a vontade e a emoção, despin-
critor russo publicou em 1868 a história O idiota, na do de interesse todos os gestos da vida material,
qual o quixotesco príncipe Michkin, acometido de eis o que, conseguido, vale mais que a vida, tão
epilepsia, vai a fundo em todas as questões de que difícil de possuir completa, e tão triste de possuir
trata quando começa a falar, demonstrando uma pro- parcial (1996, p. 243).
funda compaixão humanista por todos os indivíduos.
A compreensão pertence à esfera da sensibilidade e
da ação porque o pensamento também cansa, de acor-
É do seu próprio lugar de do com o poeta. Tentar compreender algo apenas pelo
viés da razão conduz a um estado de inércia, à indife-
observador, com seus rença. Por outro lado, não cansamos de tentar com-
preender porque é dessa forma que, ao esgotarmos os
determinismos e contingências, próprios pensamentos, temos necessidade de sentir o
influxo das opiniões alheias, mesmo que não sigamos
que cada um pode chegar a o seu impulso.
Por sua vez, Diógenes, filósofo cínico (404-323 a.
uma compreensão ou C.), ao tratar dos sentidos, destaca o sensor do pala-
dar – a língua, como um meio privilegiado para obter
objetivação entre parênteses. informações (sintomas) e compreender o prazer e a
dor, a saúde e a doença. Há também quem afirme que
Akira Kurosawa adaptou a narrativa para o cine- uma das manifestações táteis, o arrepio, sinaliza a
ma em 19511 . No filme, Kenji Kameda, um ex-militar conquista da compreensão. O eriçamento da pele sig-
japonês que escapou da morte, passa a sofrer de idio- nificaria, assim, a informação de que a ação pretendi-
tice – amor incondicional à vida e às pessoas. A doen- da ou realizada, a sensação, percepção ou entendi-
ça o enreda numa tragédia. O problema maior de mento alcançados são confiáveis e merecem validação.
Kameda é a sua incapacidade de distinguir e optar Os sentidos, até hoje, são utilizados para compre-
pelo bem ou pelo mal. Enxergando no olhar do outro ender, por exemplo, o vinho. Na técnica da degusta-
todo o sofrimento de sua humanidade, o idiota Kame- ção dos sommeliers, usa-se o termo compreender como
da confunde amor com pena. A empatia incondicio- resultado dos exames visual, olfativo e gustativo, sem
nal acaba causando mais sofrimento. Assim, a com- dispensar a tatilidade e a audição do líquido escor-
preensão extrema de Kameda se torna incompreensão, rendo na taça. Infinitas combinações emergem desse
com o uso inconseqüente do livre arbítrio. No desen- processo, assim descrito por Enrico Bernardo:
rolar das cenas, a maldade acaba assumindo uma A degustação me abriu as portas do prazer e da
valoração positiva porque permite o exercício da li- análise científica. Após anos de aprendizagem,
berdade de escolha. sempre em busca do saber mais exato, misturan-

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do profundamente a volúpia da degustação à ter-se. Portanto, pressupõe o sujeito criador plena-


experiência, descobri quanto uma garrafa pode mente inserido em sua condição unitas multiplex2 .
ser a síntese de um perfeito equilíbrio entre a Essa recriação, de acordo com Humberto Matura-
natureza, a mão do homem, as tecnologias e a na, sempre está condicionada ao padrão de cada su-
história vinícola. A degustação não é outra coisa jeito. É do seu próprio lugar de observador, com seus
senão a expressão desse conhecimento criador determinismos e contingências, que cada um pode
de harmonia (2006, p. 20). chegar a uma compreensão ou objetivação entre parên-
teses. Essas contingências não são apenas individu-
Ou seja, a compreensão é um conhecimento criador ais; são também culturais. Um exemplo: o cineasta
de harmonia, situado às portas do prazer e da análise espanhol Carlos Saura3 conta que, na época da dita-
científica. dura franquista em seu país, ia assistir na França aos
A história da palavra compreensão é longa e poli- filmes – proibidos na Espanha – de seu compatriota
fônica. Hans-Georg Gadamer atribui ao termo alemão Luis Buñuel. Em uma dessas vezes, na exibição de
Verstehen o significado original de compreender (1998, Él4 , apenas Saura e mais uns dois ou três espectado-
p. 394, nota 174). Verstehen, no sentido jurídico, quer res riram durante a sessão. Ao final, Saura percebeu
dizer representar uma causa perante um tribunal; que aqueles que manifestaram ter compreendido o hu-
causa essa que necessita ser compreendida, ou domi- mor de Buñuel eram todos espanhóis. Os franceses, por
nada, até o ponto em que se possa fazer frente a toda sua vez, experimentaram, segundo Saura, uma com-
possível objeção da parte contrária. preensão pela via do silêncio e da seriedade em res-
A compreensão, assim, é encarada como auto-só- peito ao cineasta que admiravam.
cio-conhecimento e pressupõe a partilha do senti- Mesmo que os padrões de cada sujeito fujam da
mento de verdade. A linguagem é o meio no qual se repetição em direção a bifurcações, variâncias, con-
realiza o acordo dos interlocutores para o entendi- forme aposta Ilya Prigogine, a compreensão, ainda
mento da causa. assim, será entre parênteses porque diz respeito àque-
Martin Heidegger, ainda segundo Gadamer, utili- le sujeito. Como afirma um antigo adágio, um leopar-
za o termo compreender como tomar posição a favor do nunca pode mudar as suas pintas...
de...: Nesse sentido, vale para todos os casos que aquele que
compreende se compreende, projeta a si mesmo rumo a
possibilidades de si mesmo (p. 394). Hermann Hesse No filme Babel, a
parece concordar com essa assertiva quando diz: Nin-
guém pode ver nem compreender nos outros o que ele pró- decomposição das relações
prio não tiver vivido. Nessa concepção, há congruên-
cia de padrões de experiência; há acoplamento. familiares e a hierarquia de
A concepção jurídica, contudo, não encontra eco
em outros autores. André Malraux, por exemplo, afir- cidadania se projetam sobre as
ma: Se compreendêssemos nunca mais poderíamos julgar.
Isso porque participamos juntos de um mesmo senti- solidões individuais que
do. Já Baruch Spinoza, praticamente higieniza o que
quer que seja compreender das emoções: Não rir, nem formam nichos culturais.
lamentar-se, nem odiar, mas compreender. E Jean Piaget
atribui à compreensão o segundo estágio do conheci- Apesar do meu universo de pertencimentos, acre-
mento, que ocorre quando o indivíduo se apropria da dito que a compreensão é um desafio que minha men-
informação para, em seguida, engajar-se num com- te pode e deve ultrapassar em algumas questões pon-
prometimento (1977). tuais, através de um diálogo constante com as próprias
Gadamer, anti-dogmaticamente, em sua hermenêu- mutações que consigo identificar em meus padrões de
tica filosófica não busca as causas, mas a história pensamento. Isso significa não estar à procura de
efeitual do que se quer compreender. Entende a com- soluções, mas de interrogações, principalmente dado
preensão como um processo ativo, de confronto e que não há solução definitiva se encaramos o pensa-
resposta, mediatizado através de uma estrutura com- mento como um sistema aberto.
plexa. Portanto, para ele não basta encarar o compre- Talvez seja o que Heidegger chama de aletheia, en-
ender como um método. Muito mais que isso, o com- tendida como desvelamento, diferentemente da ver-
preender é o modo pelo qual temos acesso à realidade dade do pensamento, que traduz como certeza. Em
social. E – concordando com Piaget – a compreensão suas próprias palavras: A aletheia é o impensado digno
da realidade social exige comprometimento. de ser pensado, é o objeto por excelência do pensamento
Dessa forma, o funcionamento último de toda com- (apud STEIN, 2001, p. 57). Nesse sentido, a compreen-
preensão terá que ser sempre um ato adivinhatório de são pode ser a própria memória do ser que compreen-
congenialidade, cuja possibilidade repousará sobre a de, porque carrega toda a história dos avanços e retro-
vinculação prévia de todas as individualidades. Em cessos do seu aprendizado, do seu conhecimento,
última instância, compreender é recriar e comprome- num movimento recursivo.

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Ou, como quer David Bohm, a compreensão é parte nosso cérebro triúnico6 ), que situações ameaçadoras
de um fluxo universal de onde podem ser abstraídos deflagram, fazendo cair o nível de adrenalina e redu-
inúmeros padrões. Quando diferentes fatores se ajus- zindo a tensão. Num sentido contrário, a angústia é a
tam e se relacionam como aspectos de uma totalidade, compreensão do nada.
acontece um lampejo de compreensão, proporcionado A metáfora e o riso são brechas abertas – ou que-
por atos de percepção (1992, p. 34). É o que acontece bras de padrões – na lógica dedutivo-identitária, que
tanto nos insights científicos como nos artísticos. Num possibilitam a compreensão. Ou seja, compreender é
lampejo de compreensão, por exemplo, Newton elabo- transgredir. Da mesma forma que, para a escritora
rou a teoria da gravitação universal: assim como a maçã Lya Luft, refletir é transgredir a ordem do superficial.
cai, o mesmo acontece com a lua e, de fato, com todas as Ainda segundo ela, amadurecer serve para isso: o novo
coisas. Em outras palavras: compreender é descobrir o olhar, na lucidez de certo distanciamento, permite compre-
imensurável através do impensado digno de ser pensado. ender aspectos nossos e alheios antes obscuros. Por vezes
Disso se compreende que toda compreensão é fugaz. promove-se uma espécie de anistia. Partindo dela podem-se
reconfigurar padrões (2004, p. 68, 153).
A reconfiguração de padrões, em termos individu-
A metáfora bíblica da torre ais e sociais, também lembra a letra da música Da lama
ao caos, de Chico Science: desorganizando posso organi-
de Babel sintetiza essa zar; me organizando posso desorganizar...
Transgredir, amadurecer, anistiar, desorganizar/
impossibilidade da organizar são termos que evocam um sujeito autor de
si mesmo, que está em processo, em viagem, em curso.
compreensão absoluta. Em viagem significa estar em constante construção e
desconstrução da própria identidade, confrontando-
A compreensão pode também ser vista como uma a com as alteridades. Assim como a identidade, a
bissociação, segundo termo utilizado por Arthur Ko- compreensão também se constrói por complementari-
estler para designar o ato de criação. Essa bissocia- dade, como sugere Teresa Vergani: todo o sistema de
ção, Koestler localiza no humor, nas ciências e nas compreensão é um sistema de intercompreensão alicerçado
artes, e diz respeito à produção de novos insights, na reciprocidade das diferenças (1995, p. 29). Qualquer
além do contrabando de idéias e sentidos, como no ato de compreensão é, igualmente, uma escolha, cons-
processo metafórico (apud SWANWICH, 2003). ciente ou não. Um ato de liberdade axiomática, radical-
E é a metáfora, para Keith Swanwich, que permite mente oposto a qualquer processo de dogmatização.
melhor compreender. Para ela, a metaphorá – que sig- Não há apenas uma compreensão válida acerca de
nifica transporte de um lugar para outro – é um fenô- um fato, de um fenômeno, de um processo. Portanto, a
meno dinâmico configurado pela interseção de dois compreensão é sempre construída a partir da escolha
ou mais domínios, que nos permite ver as coisas dife- de um ou mais princípios existentes num universo de
rentemente, para pensar novas coisas. Swanwich não diversidade de princípios. A compreensão, então, é
se refere apenas à metáfora lingüística. A autora de- sempre relativa, e se justifica pela autenticidade do
fende a tese de que a metáfora é um processo genérico relativismo assumido no momento de se decidir a
fundamental, inclusive quando a música informa a vida escolha. Ou, como já cantou o compositor Lobão, a
do sentimento. Em seu livro Ensinando música, musical- compreensão é a maravilhosa precariedade na
mente, ela identifica a metáfora com a música, como permanência7 .
um elemento de novidade que surge das relações potencial- Por outro lado, quando o sentimento de certeza ser
mente dissonantes (Id., p. 25). arvora à condição absoluta – o que não é nada raro
Essa novidade, diz o neurocientista Itzhak Fried, ocorrer, pois a certeza dá prazer –, a compreensão se
responde à capacidade mental do humano em dire- torna loucura. A certeza enlouquece: se afoga narciso!8
ção a outra perspectiva. Fried localiza no humor a Como mostra esse rápido panorama, embora seja
viagem exploratória e criativa da compreensão. Se- utilizado como sinônimo de diversos processos sen-
gundo a teoria da incongruência, o humor se baseia soriais e cognitivos, como informar, conhecer, expli-
na percepção de uma incoerência, de um paradoxo, car, interpretar etc., o próprio sentido do compreender
frente ao qual o cérebro abandona todas as expectati- ultrapassa todos os termos.
vas e passa a perseguir novas idéias. Ocorre, então, Comungo da idéia de Gilles Deleuze e de Félix
uma mudança de perspectiva. Passando de uma so- Guattari (1992) de que todo conceito, toda noção se
lução logicamente antecipada a um cenário descon- esvanece, adquire novos componentes, se reordena.
certante, rimos porque descobrimos que esse novo Por isso não há um conceito único que se amolde a
não é ruim nem uma ameaça5 . uma única coisa. Toda noção possui um contorno
O riso liberta o pensamento lógico. Ele nos desar- irregular, heterogêneo, e sempre remete a outros con-
ma, inclusive no sentido biológico, porque rompe a ceitos em seu devir. Além disso, o pensamento cientí-
reação de lutar ou fugir (herança animal impressa em fico, por mais que tentemos limitá-lo a uma rígida

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configuração, se entrelaça, sem operar uma síntese, às Em inglês, explicar – to explain – também se refere a
proposições e às percepções da filosofia e da arte. justificar, ilustrar, motivar e fundamentar. Tomando
A palavra compreensão, como tantas outras dos por base essas significações, considero, como David
vocabulários de todos os idiomas, serve também para Bohm, que, ao reforçar continuamente o hábito frag-
manipulações dissimuladas da linguagem. George mentário de pensar, acabamos tomando o conteúdo
Orwell, em seu profético livro 1984, nos alerta contra do nosso pensamento por uma descrição do mundo
o totalitarismo da novilíngua, criada pelos poderes como ele é. Ora reduzimos a compreensão à explica-
para nos obrigar a pensar como eles. Cabe a cada um ção; ora estabelecemos que uma compreensão dá con-
de nós o esforço de, frente a cada discurso que prega e ta de toda a complexidade da realidade. Porém, na
fala de compreensão, perguntar sobre a ideologia ca- maioria das vezes, a compreensão é unicamente uma
muflada nas palavras. teoria, uma forma de insight (ou introvisão), ou seja, um
Assim, toda compreensão é uma viagem sem fim: modo de olhar para o mundo, e não uma forma de conheci-
chega a alguns portos, se reabastece e volta a partir. mento de como ele é. Por outro lado, não há nenhuma
Toda compreensão é pontual, parcial, provisória, la- razão para supor que existe ou existirá uma forma de
cunar e inacabada. insight final (correspondente à verdade absoluta), ou mes-
Etimologicamente, compreender, nas suas raízes mo uma série uniforme de aproximações dessa forma final
latinas, é formada pela junção do prefixo com mais o (BOHM, 1992, p. 22, 24).
verbo prehender ou praehendere, formando comprehen- A metáfora bíblica da torre de Babel sintetiza essa
dere ou compraehendere, que significa: impossibilidade da compreensão absoluta. Porém, não
são os diferentes idiomas que mais atrapalham a co-
1. com as mãos agarrar, prender, tomar ou apoderar- municação entre os seres humanos. Nem tanto a au-
se de, pegar; sência de algum sentido, como a audição ou a fala9 .
As muralhas intransponíveis são as emoções e as
2. apanhar em flagrante, surpreender; questões culturais, sociais e políticas. Atualizando o
mito bíblico, o filme Babel (2006), do mexicano Alejan-
3. então tomar conjuntamente, pelo todo, abrangen- dro González Iñárritu, mostra como essas muralhas
temente; ainda atar juntamente, ligando; se fortaleceram no planeta mundializado. Um labi-
rinto de histórias conecta pessoas que vivem no Mar-
4. tomar pela raiz, na base; rocos, nos Estados Unidos, no México e no Japão. O
enredo10 compõe-se de pequenos atos que se transfor-
5. conceber um bebê (dar à luz, sacar, ter um insight). mam em grandes tragédias, numa demonstração ine-
quívoca da ecologia da ação, sugerida por Morin: toda
No idioma inglês, compreender completamente ou ação escapa, cada vez mais, à vontade do seu autor na
corretamente (to comprehend completely or correctly) é medida em que entra no jogo das inter-retro-ações do meio
realizar – to realize –, concretizar, perceber, dar-se onde intervém (2005, p. 41). E é esse jogo do qual todos
conta: to make real; to convert from the imaginary or fazemos parte, mesmo sem consciência do nosso pa-
fictitious into the actual; to bring into concrete existence. pel de jogadores, que compromete qualquer tentativa
Todas essas significações corroboram as caracte- de chegarmos às formas absolutas de compreensão e
rísticas elencadas por Morin sobre o processo da com- de comunicação.
preensão – que se refere aos aspectos do pensamento
simbólico/mitológico/mágico: concreto, analógico,
captações globais, predominância da conjunção, pro- Não são os diferentes idiomas
jeções/identificações, implicação do sujeito, pleno
emprego da subjetividade. A etimologia também con- que mais atrapalham a
firma as diferenças entre compreender e explicar. Ex-
plicação é formada pelo prefixo ex, com idéia de saí- comunicação entre os seres
da, de conclusão, acabamento, mais o verbo plicare
que quer dizer dobrar, enroscar, formando explicatio, humanos.
que pode ser entendido como:
No filme Babel, a decomposição das relações famili-
1. ação de desdobrar, desenrolar, estender, desenfar- ares e a hierarquia de cidadania (os norte-americanos
dar; são tratados como se fossem mais cidadãos do que os
habitantes de outros países) se projetam sobre as soli-
2. esclarecimento e interpretação; dões individuais que formam nichos culturais, soci-
ais e políticos de coletivos magoados que, por sua vez,
3. expor pormenorizadamente, narrando; transformam as vidas cotidianas em apocalipse. Não
há compreensão quando a turista norte-americana
4. desembaraçar, livrar, acabar, terminar, concluir. precisa de atendimento médico no interior do Marro-
(BRAGAMICH, 2003)

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cos. O governo de seu país, inferindo ter sido ela desenvolvimento extraordinário com o neocórtex
vítima de um ato terrorista, não permite o envio de (MORIN, 1996, p. 90).
uma ambulância marroquina. Não há compreensão
quando a babá mexicana precisa cruzar a fronteira 7. Música Samba da caixa preta.
com as crianças norte-americanas, para levá-las de
volta para casa. Não há compreensão quando os me- 8. Idem.
ninos marroquinos tentam explicar à polícia de seu
país que não são terroristas. Não há compreensão 9. Para Boris Cyrulnik, a linguagem é o sexto sentido
quando a japonesa surda-muda tenta demonstrar que humano.
tudo o que quer é ser aceita como é e amada.
Apesar da incomunicação verbal, são possíveis al- 10. Um caçador japonês oferece a espingarda ao seu
guns tênues entendimentos: uma idosa marroquina guia marroquino, que a vende a um pastor. Esse,
acalma a dor da norte-americana ferida; a jovem japo- por sua vez, a dá aos filhos para protegerem os
nesa surda-muda demonstra toda a sua vulnerabili- rebanhos dos chacais. Os meninos entretêm-se a
dade a um estranho; as crianças norte-americanas disparar contra um ônibus de turismo e atingem
sabem o que a babá mexicana lhes diz em espanhol. uma norte-americana, em viagem de reconciliação
Dessa forma, Iñárritu destrói a babel das línguas e com o marido. Os filhos do casal estão aos cuida-
constrói outra, a de um mundo absurdo – porém real – dos de uma empregada mexicana, imigrante ile-
onde reina o desamor, como se repetisse os versos de gal. Sem ter com quem deixá-los, atravessa com
Renato Russo sobre poema de Luís de Camões: Ainda eles a fronteira, para assistir ao casamento do
que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos filho. No regresso, conduzidos pelo sobrinho da
anjos, sem amor eu nada seria11 . Ou, posso acrescentar: mexicana, têm problemas com a polícia fronteiriça
sem amor eu nada compreenderia... Mas como causar e as crianças acabam perdidas no deserto. A mexi-
pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão con- cana é extraditada. O caçador japonês, cuja espo-
trário a si é o mesmo amor?nFAMECOS sa suicidou-se, tem uma filha surda-muda que
tenta integrar-se aos grupos jovens de Tóquio, fre-
NOTAS qüentando bares e boates e fazendo uso de drogas.

1. Filme Hakushi, o idiota. 11. Letra da música Monte Castelo.

2. Como Morin designa a unidade genérica, unida- REFERÊNCIAS


de complexa ou unidade múltipla humana e a
tríade complexa indivíduo-sociedade-espécie. ATLAN, Henri. Vida, conhecimento e ética. In:
Unidade que gera a multiplicidade que regenera Polifônicas idéias – por uma ciência aberta.
novamente a unidade. Orgs. ALMEIDA, M. C.; KNOBBE, M. M.;
ALMEIDA, A. Porto Alegre: Sulina, 2003.
3. Em entrevista ao canal de TV Globonews, em ja-
neiro de 2006. BERNARDO, Enrico. Aprender a gostar de vinho pelo
melhor sommelier do mundo. Trad. Luís Horta.
4. Produzido em 1952, o filme é um estudo do com- São Paulo: Editora Nacional, 2006.
portamento paranóico de uma pessoa neurótica e
autoritária. Consta que Jacques Lacan teria con- BESNIER, Jean-Michel. A inteligência artificial nos
fessado haver utilizado as situações vividas pelo torna superficiais? In: PESSIS-PASTERNAK,
personagem em suas aulas de psiquiatria (In: www. Guitta. A ciência: deus ou diabo? São Paulo:
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bro – Revista de Psicologia, Psicanálise, Neuro- Mauro de Campos Silva. SP: Cultrix, 1992.
ciências e Conhecimento – Ano XIII – n. 141, out./
2004, p. 34-39. BRAGAMICH, Rubens. Digressões acerca da idéia de
compreensão. Texto apresentado na seção
6. A partir das pesquisas de Mac Lean, Edgar Morin Temas Livres do XI Simpósio Internacional
elabora a versão complexa do cérebro triúnico: da Associação Junguiana do Brasil, realizado
uma unitas multiplex cerebral humana de uma he- em 2003.
rança animal ultrapassada, mas não abolida; uma
trindade, e não uma tripartição, que comporta o CYRULNIK, Boris. Memória de macaco e palavras de
paleocéfalo reptiliano; o mesocéfalo dos antigos homem. Trad. Ana Maria Rabaça. Lisboa:
mamíferos, e o córtex que, no homem, alcança um Instituto Piaget, s/d.

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