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INTRODUÇÃO

TEMA
Análise do Discurso das campanhas antidrogas.

PROBLEMATIZAÇÃO
Uma das mazelas que aflige o nosso país é o narcotráfico, ou
seja, o tráfico ilegal de substâncias entorpecentes. De acordo com a
pesquisa realizada em 2001 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre
Drogas Psicotrópicas (CEBRID), publicada tanto em seu site1 quanto em
livros, cerca de 7% da população brasileira entre 12 e 65 anos (quase
três milhões e meio de pessoas) já fizeram uso, ao menos uma vez, de
maconha; por volta de 2,3% (pouco mais de um milhão) experimentaram
cocaína. O índice de dependentes da maconha chega a meio milhão, ou
seja, uma em cada sete pessoas que experimentaram tornou-se
dependente da droga. A pesquisa não aponta para o número de
dependentes de cocaína.
Ainda no campo das drogas ilícitas, o crack é notoriamente
conhecido, mas pouco se sabe estatisticamente a respeito de seu
consumo e sua correlata dependência.
Além dessas drogas, as mais conhecidas dentre as ilícitas, a
pesquisa revela também dados concernentes a outros tipos de drogas,
dentre as quais, interessa ressaltar as chamadas ´´solventes´´. São drogas
inaláveis (por serem muito voláteis, evaporam-se rapidamente, o que
facilita a inalação), e é grande a variedade de produtos que contém
substâncias desse gênero (volátil): colas, esmaltes, vernizes, aerossóis,
tintas, removedores, propelentes, graxas, ceras, fluídos para isqueiros,
azeites, resinas, corantes, soluções para lavagens a seco, perfumes,
combustíveis, etc. Lícitos, esses são produtos facilmente encontrados e
de custo muito baixo, o que pode explicar o grande número de pessoas
que já fizeram uso de algum tipo de solvente: dois milhões e setecentas
1
www.cebrid.epm.br

1
mil pessoas, ou 5,8% da população brasileira entre 12 e 65 anos, sendo
que cerca de quatrocentas mil (0,8%) tornaram-se dependentes dessa
droga, segundo a pesquisa do CEBRID.
Como dito, os solventes, nas formas citadas, são substâncias
lícitas, mas nem por isso podem ser desconsideradas, quando se quer
demonstrar um panorama de dependência química de ordem social.
Além delas, outras drogas legais de alto poder de dependência, como o
tabaco e o álcool, foram citadas na pesquisa do CEBRID, de modo que,
pela mesma razão, expor-se-ão seus dados: mais de trinta e dois milhões
de pessoas (68,7%) já experimentaram álcool e mais de quatro milhões
delas (11,2%) ficaram dependentes da droga. No caso do tabaco, quase
vinte milhões de pessoas (41,1%) experimentaram, tornando-se
dependentes pouco mais de quatro milhões ou 9% da população
brasileira entre 12 e 65 anos.
Esses dados, repete-se, servem para entendermos mais
detalhadamente, ao menos em números estatísticos, a situação do
consumo de entorpecentes e da dependência química no Brasil.
Entretanto, o presente estudo se concentrará nos dados referentes
às drogas ilícitas, aprofundando no devido momento seus aspectos
históricos e sociais, uma vez que as campanhas antidrogas, o objeto de
estudo desse trabalho, são contrárias apenas às drogas ilícitas.
Frente ao panorama apresentado acima, os Governos Federal,
Estadual e Municipal pouco têm agido, no que diz respeito ao trabalho
de Comunicação, para amenizar o quadro. Quase todas as campanhas
antidrogas realizadas na década passada, bem como as que estão em
curso nesta, veiculadas tanto na mídia televisiva, radiofônica ou
impressa, são financiadas por Organizações não Governamentais, como
a Associação Parceria contra Drogas (APCD). As campanhas dessa
associação têm como objetivo, de acordo com suas próprias palavras,
´´aumentar a consciência da população sobre os riscos e conseqüências

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do uso de droga ilícitas, através da divulgação de campanhas
educativas de caráter preventivo contra o seu uso.´´
Porém, o que se tem visto é um aumento crescente de jovens que
fazem uso de drogas. Em um outro estudo promovido pelo CEBRID,
desta vez entre estudantes de 1º e 2º graus da rede pública de ensino de
dez capitais brasileiras, é possível perceber esse crescimento durante o
período de 1987 a 2004:

* Estudantes de 1º e 2º graus de escolas públicas de dez capitais brasileiras que já


fizeram uso ao menos uma vez das substancias psicoativas mencionadas.

Vale ressaltar que esse crescimento é pertinente, e de forma


muito mais assustadora, também aos meninos de rua. Na capital paulista,
metade deles, ainda segundo o CEBRID, já fez uso das duas drogas. Em
Recife, esse índice chegava a 90% no ano de 1997.
Muitas são as razões que levam o indivíduo a usar drogas. De
maneira breve, pode-se pontuar questões como a influência do grupo
social em que está inserido, ainda mais se a droga assumir um caráter
positivo, indispensável para a socialização; a droga como subterfúgio de
uma dura e desgraçada realidade, como é para esses meninos de rua;
fuga também de uma realidade vazia, sem sentido, como costuma
acontecer com adolescentes que não conseguiram ainda encontrar um

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rumo para as próprias vidas; droga como instrumento de prazer e de uso
recreativo, hedonista; a droga como mais um objeto do consumismo, em
uma sociedade estruturada por um modelo econômico que se
fundamenta no capital, portanto, no consumo; e tantas mais razões de
caráter pessoal ou social.
Diante desta complexa rede que compõe o problema do auto-
entorpecimento, as medidas atenuantes podem ser de diferentes ordens,
englobando políticas de saúde pública, como criações de centro de
recuperação e apoio ao tóxico-dependente; medidas educativas de
prevenção nas escolas primárias e secundárias; dentre outros
instrumentos complementares que o Estado e a sociedade civil
organizada têm à sua disposição para intervir e diminuir o problema.
Nesse leque complementar, surgem justamente as campanhas de
combate e prevenção ao uso de drogas, que desempenham um papel
importante por terem um alcance populacional enorme, capaz de
disseminar as informações básicas e necessárias para se compreender
melhor a questão das drogas.
Entretanto, nisso que lhes é possível, ou seja, informar a
população acerca das questões que envolvem esse difuso assunto das
drogas, essas campanhas não vêm cumprindo com seus propósitos.
Sendo assim, quais são as falhas desses trabalhos de comunicação?
Nosso estudo pretende responder a essa e outras questões dela derivadas
ou a ela associadas, através da Análise do Discurso de algumas dessas
campanhas.

HIPÓTESES

a) O foco principal das campanhas quanto ao problema do auto-


entorpecimento e do narcotráfico está direcionado para o lado errado,
não sendo a própria droga a vilã, demonizada como é por algumas
campanhas, nem o usuário o maior culpado, como afirmam outras.

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Despreza-se as origens históricas e sociais do problema. Ao retratar uma
realidade dissonante da observada em seu círculo-social, o público-alvo
não se identifica com a campanha.

b) O discurso autoritário das campanhas, bem como a maneira assaz


ingênua (por vezes patética) e até mesmo marginalizada que são
representadas as personagens, fazem com que esses trabalhos de
comunicação também tenham pouca aceitação, identificação com o
público-alvo.

c) As campanhas prestam informações superficiais, sem esclarecer


quanto à prevenção nem oferecer soluções para o problema, focando-se
apenas nas conseqüências deste.

OBJETIVOS
Objetivo Geral
Destacar, através da análise do discurso, as falhas de
comunicação das campanhas antidrogas.

Objetivo Específico
Demonstrar os mecanismos pelos quais se construiu o discurso
aparentemente hegemônico de ´´combate às drogas´´.

JUSTIFICATIVA
Este trabalho tem importância social pelo fato de tratar-se o
nosso tema de um dos mais delicados problemas que vem atravessando
este país, e não somente ele. Um tema que muito tem sido discutido, que
tem gerado muitas reações de setores específicos de nossa sociedade
(des)organizada, mas que poucos resultados têm promovido.
Embora não seja o intento desse trabalho apontar sugestões para
melhorias do trabalho de comunicação das campanhas de ´´combate às

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drogas´´, esta será inevitavelmente uma conseqüência do presente
estudo, ao menos pela lei dos contrários, ou seja: partindo-se da
constatação de que, à maneira torta que vêm sendo feitas as campanhas,
elas não cumprem com o que deveriam, pode-se concluir que, feitas à
maneira contrária, é bem provável que passem a cumprir.

METODOLOGIA
O presente trabalho se apoiou em pesquisas bibliográficas para
fundamentar aquilo proposto, que é fazer uma análise do discurso das
campanhas de combate às drogas. Foi necessária também uma pesquisa
documental a fim de selecionar tais campanhas.

ESTRUTURA DO TRABALHO
O presente estudo está dividido em cinco partes, sendo quatro
capítulos e a conclusão:
No primeiro, são apresentadas as ferramentas teóricas
fundamentais para a realização e compreensão do estudo. Percorre-se
sua formação histórica para melhor definir seus conceitos.
No segundo capítulo, tenta-se delinear a relação milenar que o
homem mantém com as diversas drogas, dando destaque às mais
consumidas, quer sejam lícitas, quer não. No primeiro momento,
descreve-se as variantes formas de consumo e sua evolução, revelando
aspectos próprios da chegada no Brasil de cada uma das drogas
estudadas. No segundo momento, aprofunda-se algumas questões: o
narcotráfico interno como parte de uma rede global de um lucrativo e
disputado negócio.
No capítulo terceiro, o objeto de estudo é delimitado e melhor
caracterizado. Desenvolve-se a abordagem sob três primas: o do
enunciador como produtor-transmissor do discurso; o do receptor
pretendido como público-alvo; e o da mídia utilizada para comunicar-se
com esse público.

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No quarto capítulo, tem-se a análise propriamente dita do objeto
de estudo. Foi determinada uma divisão dos vídeos em grupos,
obedecendo às categorias argumentativas primárias que cada grupo
adota.
Na conclusão, retoma-se as hipóteses levantadas a fim de mostrar
quais puderam ser confirmadas pelo desenvolvimento do trabalho e
quais não. Faz-se, também, comentários do que se pôde concluir a partir
do estudo realizado.

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CAPÍTULO I

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O presente trabalho desenvolver-se-á fundamentado na Teoria da


Análise do Discurso (AD). Eis uma tentativa de percorrer sua origem,
bases teóricas, formação e transformações históricas:

1.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA


Na passagem do século XIX para o XX, os estudos relacionados
à língua partiam de uma abordagem filológica, ou seja, de aspectos da
etimologia, gramática e lexemas de uma dada língua. Pois foi nesse
período que os formalistas russos quebraram com essa dominância
teórica, buscando no texto uma lógica de encadeamentos transfrásticos 2.
Contudo, alguns lingüistas (estruturalistas) que também se apoiaram
nessa mudança não conseguiram deixar de fixar-se somente no estudo da
estrutura do texto ´´nele mesmo e por ele mesmo´´, rejeitando tudo que
lhe é exterior.
Na década de 50, a obra de Harris ´´Discourse Analysis´´
mostrou ser possível, através de procedimentos da lingüística
distribucional americana, fazer uma análise não somente tendo em foco
a frase fechada em si. Foi também nessa década que Romam Jakobson e
Emile Benveniste iniciaram seus trabalhos sobre a enunciação. Esses
estudos foram decisivos para a constituição da análise do discurso
enquanto disciplina (BRANDÃO,1996).
Apesar de anterior e ter como título de marco inicial da análise
do discurso, a obra de Harris não considera o estudo dos enunciados em
sua circunstância histórica de produção, abordagem esta primeiramente
percebida na contribuição teórica de Benveniste. É, portanto, essa

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Que se encontra fora das frases. O formalista russo entende que uma frase não pode
ser analisada separadamente do contexto sócio-histórico em que é expressa.

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vertente européia que indica a importância da exterioridade da frase
como sendo o ponto fundamental da análise do discurso.

1.1.1 A Escola Francesa


Não é de se espantar que a análise do discurso tenha tomado
corpo, nos anos 60, em uma nação que, tradicionalmente, vinha
praticando em suas escolas, do colégio à Universidade, a chamada
´´explicação de texto´´ e que, sobretudo, cultivava a reflexão sobre texto
e história, de modo a agregar uma à outra.
Porém, essa articulação entre o lingüístico (refletir sobre o texto)
e o social (sobre a história), é estendida a outras áreas do conhecimento,
surgindo uma variedade de usos para a expressão ´´análise do discurso´´.
Segundo Brandão (1996), essa

´´polissemia de que se investe o termo ´discurso´ nos


mais diferentes esforços analíticos então empreendidos
faz com que a AD se mova num terreno fluido. Ela
busca, dessa forma, definir o seu campo de atuação,
procurando analisar inicialmente corpus
tipologicamente mais marcados. (...) Sente-se a
necessidade de critérios mais precisos para delimitar o
campo da AD a fim de se chegar a sua especificidade.
Definida inicialmente como ´o estudo lingüístico das
condições de produção de um enunciado, a AD se
apóia sobre os conceitos e métodos da Lingüística. (...)
Se, por um lado, esse pressuposto teórico e
metodológico da Lingüística distingue a AD das outras
áreas das ciências humanas com as quais confina
(História, Sociologia, Psicologia, etc.), por outro lado,
entretanto, não será suficiente para, por si só, marcar a

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sua especificidade no interior dos estudos da
linguagem, sob o risco de permanecer numa lingüística
imanente.´ (BRANDÃO, 1996. p.17-18).

A autora, na tentativa de determinar a tal especificidade da AD,


cita Dominique Maingueneau, lingüista francês, que diz ser necessário
levar em conta também essas outras dimensões:

 O quadro das instituições em que o discurso é


produzido, as quais delimitam fortemente a
enunciação;

 Os embates históricos, sociais, etc. que se


cristalizam nos discursos;

 O espaço próprio que cada discurso configura para


si mesmo no interior de um interdiscurso. (BRANDÃO,
2006. p. 18)

Deve-se, portanto, levar em conta que a linguagem é fenômeno


não somente lingüístico, mas também sócio-ideológico.
Um dos teóricos mais importantes para a AD, Michel Pêcheux,
torna evidente a aliança entre os estudos lingüísticos e os de ordem
sócio-histórica, ao fundamentar seus conceitos nas obras de Althusser e
Foucault.Deste, ele se abastece teoricamente da expressão ´´formação
discursiva´´, oriunda da obra Arqueologia do Saber. Daquele, ele extrai
o termo ´´formação ideológica´´, presente na obra Aparelhos Ideológicos
de Estado. Percebe-se, então, que a AD apóia-se, também, em dois
conceitos elementares: a ideologia e o discurso.

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1.2 PERSPECTIVA TEÓRICA

1.2.1 Conceitos de Ideologia e Discurso

1.2.1.1 Ideologia
Para conceituar ideologia, Marx e Engels distinguem a produção
das idéias e as condições sociais e históricas em que são produzidas. Não
à toa os dados fundamentais às suas formulações são de natureza
empírica: ´´os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de
existência, aquelas que já se encontram a sua espera e aquelas que
surgem com a sua própria ação´´ (BRANDÃO, 2006. p. 19-20)
Assim sendo, ainda segundo o pensamento marxista, não há outra
forma de se produzir idéias senão correlacionada ao comércio material
dos homens, como uma linguagem da vida real. Com isso, tem-se que,
quando das observações empíricas, mostrar que a estrutura sócio-política
mantém ligação evidente com a produção.
O que acontece, contudo, é que as ideologias colocam o homem e
as suas relações de cabeça para baixo, quer dizer, ao invés de constatar a
realidade para se chegar às idéias, faz-se o contrário. É aí, então, que
nasce a ideologia: quando o sistema de idéias e de regras encontra-se
separado das condições materiais de produção, uma vez que quem
determina tais regras e idéias não são os mesmos que produzem o
material de condição de existência. Quem sai ganhando, assim, é o
trabalho intelectual que, sobrepondo-se ao trabalho material, acaba por
ditar as idéias da classe dominante.
A ideologia passa a ser meio de dominação social, onde uma
determinada classe tenta impor as suas idéias para perpetuar seu
domínio. Escondem-se as contradições que surgem dessa divisão social
do trabalho material, de um lado, e intelectual, do outro, para assim criar
a ilusão, ou seja, a abstração e inversão da realidade.

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Ao citar Marilena Chauí, assim explica Brandão (1996) os
mecanismos de criação dessa realidade ilusória:

´´Para criar na consciência dos homens essa visão


ilusória da realidade como se fosse realidade, a
ideologia organiza-se ´como um sistema lógico e
coerente de representações (idéias e valrores) e de
normas ou regras (de conduta) que indicam e
prescrevem aos membros da sociedade o que devem
pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o
que devem sentir, o que devem fazer e como devem
fazer´. (Chauí, 1980:113).´´ (BRANDÃO,1996. pp20)

A ideologia em Marx é, portanto, um instrumento de dominação,


em especial para a configuração daquilo denominado classe dominante.
O filósofo francês Althusser também fala sobre a dominação de classe,
em sua obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado (1970),
quando cita o papel manipulador (de idéias) e intervencionista (na
conduta) que o Estado assume através de seus aparelhos ideológicos (a
Informação, a Igreja, a Escola, a Família, o Direito, etc) e os aparelhos
repressores (Polícia, Exército, prisão, tribunal, etc).
Entretanto, Althusser não se detém apenas à definição de
´´ideologia dominante´´, propondo o conceito de uma ´´ideologia em
geral´´. E formula três hipóteses na tentativa de explicar seu
funcionamento:

1- a ideologia representa a relação imaginária de indivíduos com


suas reais condições de existência.

Se a relação que o homem mantém com sua realidade é


imaginária, simbolicamente e abstratamente representada, então há um

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distanciamento entre o indivíduo e a realidade. E diz Althusser que é
esse distanciamento o responsável pela ´´alienação no imaginário da
representação das condições de existência dos homens.´´(ALTHUSSER,
1980. p. 80)

2- ´´a ideologia tem uma existência porque existe sempre num


aparelho e na sua prática ou suas práticas´´

O comportamento de um sujeito, cujas idéias nas quais crê é


obtida livremente, é fruto dessas idéias que constituem sua crença. Por
isso diz-se que as idéias de um sujeito devem existir nos seus atos.

3- ´´a ideologia interpela indivíduos como sujeitos´´

No momento em que o sujeito insere a si mesmo e a suas ações


em práticas reguladas pelos aparelhos ideológicos, dá-se aquilo que
Althusser chamou de ´´reconhecimento´´. Ora, somente através da ação
do sujeito e do domínio sobre o sujeito que a ideologia pode existir.

1.2.1.2 Discurso
Para se entender o que é e como se dá o discurso, é interessante
definir outros dois termos: enunciado e formação discursiva:
Enunciado é o elemento básico do discurso; difere-se da ´´frase´´,
termo designado pelos gramáticos e da ´´proposição´´, concebido pelos
lógicos; do mesmo modo, difere-se do ato da linguagem, muito embora
o enunciado seja necessário para determinar a existência e a legitimidade
de cada uma dessas estruturas das quais se difere. O enunciado, ao
contrário, não constitui uma estrutura, até mesmo porque ele não é em si
uma unidade, mas uma função capaz de fornecer concretude, no tempo e
no espaço, às unidades e estruturas que cruzam com essa função que
exerce.

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Logo, seria mais adequado conceituar enunciado como sendo

´´uma função de existência que pertence,


exclusivamente, aos signos, e a partir do qual se pode
decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se
eles ´fazem sentido´ ou não, segundo que regra se
sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que
espécie de ato se encontra realizado por sua
formulação (oral ou escrita)´´ (FOUCAULT, 1997 p.
99)

A expressão formação discursiva, cunhada por Foucault,


apresenta-se no momento mesmo em que

´´se puder descrever, entre um certo número de


enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no
caso em que entre os objetos , os tipos de enunciação,
os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir
uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações) (...).´´ (FOUCAULT,
1997 p.43)

O discurso, portanto, é constituído justamente pelo conjunto de


enunciados que se relacionam a uma mesma formação discursiva. Pode-
se dizer que o discurso é a prática que relaciona a língua com uma outra
coisa. É aquilo a que Foucault (1997) chama ´´prática discursiva´´:

´´Não a podemos confundir com a operação expressiva


pela qual um individuo formula uma idéia, um desejo,
uma imagem; nem com atividade racional que pode ser
acionada num sistema de inferência; nem com a

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competência de um sujeito falante quando constrói
frases gramaticais; é um conjunto de regras anônimas,
históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço,
que definiram numa dada época e para um
determinada área social, econômica, geográfica ou
lingüística, as condições de exercício da função
enunciativa.´´ (FOUCAULT, 1997. p. 136)

1.2.2 A Relação Indissociável entre Discurso e Ideologia


Para a AD, o estudo da linguagem está além do sentido literal das
palavras, não podendo ser desvinculada de suas condições de produção,
visto que são justamente os processos histórico-sociais que acabam por
constituir uma dada língua, que, em seu meio social – lugar sem o qual
ela não existe, é modificada a todo o momento pelos seus usuários.
Essas modificações acumuladas constroem todo o corpo lingüístico, um
domínio imensurável, porém finito, de todos os enunciados falados ou
escritos, ´´em sua dispersão de acontecimentos e na instância própria
de cada um´´ (FOUCAULT,1997. p. 30). A linguagem enquanto discurso
não é mero instrumento de comunicação. É um modo de produção
social, fundamentado na interação dos indivíduos. Por isso ela não é
neutra, nem natural, nem inocente, visto que tem uma certa
intencionalidade, um propósito. Daí ser a linguagem o lugar privilegiado
para a ideologia manifestar-se: se é verdade que os usuários de uma
língua invariavelmente modificam o seu caráter a todo o instante,
verdade também é que a língua interfere no meio em que está inserida e,
por conseguinte, interfere naqueles que dela fazem uso. Ora, ela é
depositório de uma linguagem que traz consigo infinitos signos. E como
qualquer signo é marcado por um traço ideológico (Bakhtin, 1986), essa
mudança que a língua opera nos indivíduos é necessariamente
acompanhada de uma ideologia subjacente. Entendamos melhor essa
ligação entre signo e ideologia, apresentada por Mikhail Bakhtin:

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´´Um produto ideológico faz parte de uma realidade
(natural ou social) como todo corpo físico, instrumento
de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário
destes, ele também reflete e refrata um outra realidade,
que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um
significado e remete a algo situado fora de si mesmo.
(...) Tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não
existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio:
não significa nada e coincide inteiramente com sua
própria natureza. Nesse caso, não se trata de
ideologia. No entanto, todo corpo físico pode ser
percebido como símbolo: é o caso, por exemplo, da
simbolização do princípio da inércia e de necessidade
na natureza (determinismo) por um determinado objeto
único. E toda imagem artístico-simbólica ocasionada
por um objeto físico particular já é um produto
ideológico. Converte-se, assim, em signo o objeto
físico, o qual, sem deixar de fazer parte da realidade
material passa a refletir e a refratar, num certa medida,
uma outra realidade.´´(BAKHTIN, 1986. p. 31).

É esta ideologia que revela quais crenças impregnam o discurso


do indivíduo; crenças cujo valor de verdade dependerá da posição de sua
enunciação e também do contexto em que está inserida, ou seja, seus
traços históricos e sociais.
Portanto, se por um lado é na linguagem que a ideologia se
materializa, por outro, o discurso é o lugar social de inscrição do sujeito,
que tem materialidade histórica e ideológica. Discurso e ideologia são
interdependentes, indissociáveis, pois esta não se manifesta sem aquele;
e aquele, o discurso, tem cunho ideológico.

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1.2.3 Objetivo da Análise do Discurso
Para a (AD), é imprescindível identificar qual o domínio maior
(formação discursiva) ao qual o discurso em estudo está ligado; quais
são os outros enunciados que este enunciado em questão mantém franco
ou obscuro pacto. Tal tarefa não implica remeter o discurso à sua
distante e possivelmente inatingível origem; é preciso, isso sim,
considerá-lo no jogo de sua instância.
Numa análise precisa de qualquer enunciado (aqui, grosso modo,
equivalente a discurso), Foucault (1997) propõe a renúncia de certas
verdades admitidas (as quais ele chama ´´temas´´) que somente servem
como garantia de uma ´´infinita continuidade do discurso e sua secreta
presença no jogo de uma ausência sempre reconduzida´´ (FOUCAULT,
1997. p. 28). Dois são os temas: um é justamente este que torna a análise
histórica do discurso fadada a ser uma busca e repetição de uma origem
que não pode ser historicamente situada. E o outro a condena ser mera
interpretação de um ´´já-dito´´ que seria, simultaneamente, um ´´não-
dito´´, um discurso sem corpo, uma voz silenciosa, um discurso cuja
totalidade já estaria articulada nesse meio-silêncio que lhe antecede.
(FOUCAULT, 1997)
Suspendem-se essas formas cristalizadas do saber para que se
tenha um olhar mais apurado daquilo que parece descansar numa
irrefletida aceitação, como se se justificassem por si só, o que não pode
ser tomado como inquestionável, uma vez que essas formas pré-
determinadas de continuidade são frutos de uma combinação de regras
que devem ser conhecidas e cujas justificativas, controladas. Somente
assim poderá se dizer quais os discursos são legítimos e quais são
inadmissíveis.
Falando de outra maneira, uma vez suspensas e questionadas
essas unidades que constituem formas imediatas de continuidade, surge
diante do analista do discurso o ´´projeto de uma descrição dos
acontecimentos discursivos como horizonte para a busca das unidades

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que aí se formam.´´ (Foucault, 1997. p.30. Grifado em negrito por
Foucault). O autor faz assim uma diferenciação da análise da língua
propriamente dita e dessa descrição dos acontecimentos discursivos: se
aquela, na ânsia de determinar um sistema lingüístico, trata de coletar
todo o corpo de enunciados para, então, ditar quais as regras que
subsidiam a construção de novos e infinitos enunciados, esta dita
descrição vai, no entanto, tentar tão-somente enumerar as seqüências
lingüísticas que tenham sido formuladas. Ainda que a enumeração seja
laboriosa e possa passar a fronteira da capacidade de registro, memória e
leitura, ela ao menos tem um fim. Cada uma dessas abordagens gera um
questionamento distinto: para o analista da língua é importante
responder às perguntas: quais as regras determinaram a construção de
um enunciado e, por tabela, segundo que regras enunciados semelhantes
poderiam ser construídos? Ao passo que a descrição dos acontecimentos
discursivos suscita outras questões: como apareceu um determinado
enunciado e porque este e não outro?

1.2.4 Definição de Alguns Termos


Para melhor compreensão do trabalho, alguns termos técnicos
pertencentes à AD serão brevemente definidos.

1.2.4.1 Enunciado x Enunciação


Enunciado é o produto da enunciação. A enunciação é o ato de
produzir um discurso e se apresenta como a instância de um eu-aqui-
agora. O eu instaura-se no ato do dizer e realiza tal ato num determinado
espaço e num determinado tempo (FIORIN, 2005). A enunciação,
portanto, concretiza o enunciado, preenchendo-lhe com pessoas, tempos
e espaços.
O enunciado ´´PARE´´ pode aparecer numa placa de trânsito ou
no gesto de uma mão estendida. A enunciação é a placa, em um, e o
gesto da mão, no outro. Percebe-se que não existe enunciado sem

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enunciação, porque este é que lhe dá forma. A separação ocorre apenas
para a análise da construção do sentido.
Essa distinção entre o que é dito e o ato de dizer faz surgir uma
outra distinção: o eu do enunciado (narrador) que se difere do eu da
enunciação (enunciador).
Em: ´´O gato morreu´´, sabe-se, por pressuposição, que existe um
eu (enunciador) que enunciou tal enunciado. Pode ser um autor literário,
uma criança vinda do quintal ou um repórter sensacionalista!
Em: ´´Lucas disse que o gato morreu´´, temos tanto o eu do
enunciado (narrador Lucas), como o eu da enunciação, que é aquele que
enunciou o enunciado ´´Lucas disse que o gato morreu´´.

1.2.4.2 Enunciador x Enunciatário


O primeiro é o autor do texto. O segundo é o leitor. Mas, como
explica FIORIN (2005), ´´não são o autor e o leitor reais, de carne e
osso, mas o autor e o leitor implícitos, ou seja, uma imagem do autor e
do leitor construída pelo texto.´´ (FIORIN, 2005. p. 56).
O enunciador faz uso de procedimentos argumentativos para
tentar persuadir o enunciatário. Este exerce um fazer interpretativo. A
título de exemplo, o enunciador pode, no afã de querer convencer o
enunciatário, dar voz dentro do seu enunciado a uma outra pessoa (ou
grupo, organização, classe, etc.): ´´Ingerir gordura em excesso faz mal à
saúde, dizem os médicos´´. Os médicos constituem, neste caso, o
narrador.

1.2.4.3 Narração x narratividade


A narração tem a ver com uma determinada maneira de produção
textual, em que se narra acontecimentos, personagens, cenários, etc.
Pertence, então, a uma dada classe de textos.
A narratividade, porém, é componente de qualquer texto. É a
transformação situada entre dois estados sucessivos e distintos (FIORIN,

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2005). Tem-se um estado inicial, uma transformação e um estado final. A
narratividade é a transformação de conteúdo.

1.2.5 Ferramentas de Análise do Discurso


Duas são as maneiras de se abordar um texto (no sentido amplo
do termo). Uma é considerá-lo um objeto cultural, historicamente
condicionado e em relação dialógica com outros textos. A outra é através
da análise dos mecanismos sintáxicos e semânticos responsáveis pelo
sentido produzido pelo texto (FIORIN, 2005). As duas abordagens serão
empregadas neste trabalho. A abordagem que situa o texto como objeto
cultural está reservada ao capítulo dois deste trabalho.
No que diz respeito à outra abordagem, alguns conceitos
precisam ser pontuados para que se compreenda como um sentido
emana de um texto. É o que se chama ´´percurso gerativo de sentido´´.
Três são seus níveis: fundamental, narrativo, discursivo. Em cada nível,
há um componente sintáxico e outro semântico.

1.2.5.1 Nível Fundamental


A semântica desse nível compõe a base da produção textual, por
meio de categorias semânticas. Uma categoria semântica fundamenta-se
numa oposição (FIORIN, 2005). Nos vídeos a serem abordados, essas
categorias, assim se verá, costumam aparecer na oposição Morte / Vida,
Identidade X Alteridade, Responsabilidade X Irresponsabilidade, etc.
Já a sintaxe abrange duas operações: a negação e a asserção
(afirmação), no decorrer do texto, desses elementos opostos que formam
uma categoria semântica.

1.2.5.2 Nível Narrativo


Na sintaxe do nível narrativo, aparecem dois enunciados
elementares: enunciado de estado, onde ocorre a relação de disjunção ou
conjunção entre um sujeito e um objeto. E o enunciado de fazer, onde

20
ocorre a passagem de um estado a outro. Esse enunciado mostra as
transformações do sujeito e do objeto dentro da narrativa (narratividade).
Sujeito e objeto são papéis narrativos, portanto podem ser representados,
tanto um quanto outro, por pessoas, coisas, animais, etc. Sujeito não é
necessariamente uma pessoa, assim como não se pode confundir objeto
com coisa.
Quatro são as fases de uma narrativa complexa (texto):
manipulação, competência, performance e a sanção (FIORIN, 2005).
Na manipulação, um sujeito (na acepção de papel narrativo) age
com o intuito de persuadir o outro. Este outro, então, é lavado a querer
ou dever fazer alguma coisa. Para manipular, o sujeito pode se valer de
vários meios, sendo os mais comuns a tentação (propõe-se uma
recompensa, um objeto de valor positivo); a intimidação (obriga-se a
fazer por meio de ameaças); sedução (quando se faz um juízo positivo
sobre a competência daquele que se quer manipular); provocação
(quando se faz um juízo negativo da competência do sujeito que se quer
manipular). (FIORIN, 2005).
Se na manipulação, o sujeito a ser convencido é impelido a agir
segundo o sujeito manipulador, é na fase da competência que o
manipulado atinge um saber e/ou poder fazer para que tal ação ocorra.
E será na performance que a ação, a transformação central da
narrativa acontecerá. É nessa fase que se dá a mudança de um estado
para o outro. Aqui também os sujeitos entram em conjunção ou
disjunção com objetos.
Na fase da sanção, constata-se a realização da performance (a
mudança central) e o reconhecimento do sujeito operante da
transformação. Pode ocorrer distribuição de prêmios e castigos.
Ao contrário do que se possa ter sugerido, essas fases não
ocorrem necessariamente na ordem apresentada. Tampouco é necessária
a presença de todas na narratividade para dar sentido a um texto,

21
podendo algumas dessas fases serem pressupostas, deduzidas ou mesmo
dispensadas.
Na semântica do nível narrativo, os objetos são revestidos de
valores. Há os objetos modais e os de valor. Os modais são ´´o querer, o
dever, o saber e o poder fazer, são aqueles elementos cuja aquisição é
necessária para realizar a performance principal´´ (FIORIN, 2005
p.37). Os objetos de valor, por sua vez, são aqueles com os quais se dá a
conjunção ou a disjunção, na performance principal. Numa palavra, o
objeto modal é o necessário para se conseguir outro objeto, que é o
objeto valor.

1.2.5.3 Nível Discursivo


Nesse nível do percurso gerativo de sentido, as formas abstratas
do nível anterior passam a apresentar-se em termos concretos. Por ser
aqui o lugar de manifestação concreta dos sujeitos, objetos, bem como
dos motivos de serem uns e não outros os escolhidos, a sua explicitação
será mais extensa e detalhada do que as dos níveis anteriores. Também
aqui a sintaxe e a semântica estruturam o percurso gerativo de sentido.

a) Sintaxe Discursiva

A sintaxe discursiva compreende dois aspectos que se interligam:


 As marcas deixadas pela enunciação no enunciado, ou seja, a
constituição das pessoas, do tempo e do espaço do discurso.
 A relação de persuasão/interpretação entre enunciador e
enunciatário, ou seja, a argumentação.

Para marcar o enunciado com os atores, o tempo e o espaço, a


enunciação faz uso de dois mecanismos básicos: a debreagem e a
embreagem. O mecanismo da debreagem ocorre quando se projeta no
enunciado as pessoas, o tempo e o espaço da enunciação. Da mesma

22
forma ocorre debreagem quando se projeta no enunciado as pessoas, o
tempo e o espaço do enunciado.
Em: ´´Eu vi que o gato morreu ontem no quintal´´, tem-se que o
eu da enunciação está inscrito no interior do enunciado, assim como o
eu do enunciado. Dá-se, então, uma debreagem enunciativa (a
construção do enunciado na 1ª pessoa).
Em: ´´A criança viu que o gato morreu ontem o quintal´´, tem-se
que somente o eu do enunciado está inscrito no interior do enunciado. O
eu da enunciação é pressuposto, visto que alguém haverá de ter dito tal
enunciado. Dá-se, assim, uma debreagem enunciva (a construção do
enunciado na 3ª pessoa).
Por outro lado, o mecanismo de embreagem ocorre quando há
´´uma suspensão das oposições de pessoa, de tempo ou de espaço.´´
(FIORIN, 2005 p.74). E assim exemplifica o autor: ´´(...)quando o pai
diz ao filho ´O papai não quer que você faça isso´, suspende-se a
oposição entre o eu e o ele, empregando-se a terceira pessoa no lugar
da primeira.´´ (FIORIN, 2005 p.74)
Na relação entre enunciador e enunciatário, aquele tenta
persuadir este, construindo sua argumentação através de artifícios
lingüísticos e lógicos. Os artifícios argumentativos mais freqüentes são a
ilustração e as figuras de pensamento.
Na ilustração, o enunciador (através do narrador) enuncia uma
proposição e, para comprová-la, tece alguns exemplos. Ilustra-se,
portanto, através de uma narratividade, a afirmação geral anteriormente
apresentada.

Já as figuras de pensamento (ou de linguagem, ou de retórica)


cumprem o papel de prender a atenção do receptor nas argumentações
discursivas. Criam novos efeitos, inesperados, em determinado campo
de informação. Essas são as mais comuns:

23
 Ironia: quando se diz algo, querendo se dizer o contrário. Ou
seja, quando se diz no enunciado e se nega, na enunciação, o que
foi dito.
 Metáfora: quando se cria, no contexto, uma outra possibilidade
de leitura de um determinado texto, e mais, quando entre essas
duas possibilidades houver um cruzamento de traços semânticos,
dá-se a metáfora.
 Metonímia: quando entre duas possibilidades de leitura existir
uma relação de inclusão, dá-se a metonímia.
 Eufemismo: quando aquilo que é dito (enunciado) atenua o que
se quer dizer (enunciação).
 Hipérbole: quando aquilo que é dito (enunciado) intensifica o
que se quer dizer (enunciação).
 Reticência: quando algo é subentendido, apesar de não dito. Ou
seja, se diz na enunciação, mas não aparece no enunciado.

b) Semântica Discursiva
Foi dito que no nível narrativo os esquemas são abstratos e que
ganham concretude no nível discursivo. De fato, é precisamente aqui na
semântica discursiva que os sujeitos e objetos estão suscetíveis a
diferentes formas de aparição. Deve-se dizer que, ainda aqui na
concretização, essas formas obedecem a diferentes graus de abstração,
porém de outra ordem. São os temas e as figuras (não são as figuras de
pensamento). Tematização e figurativização são dois níveis de
concretização do sentido, sendo que todos os textos tematizam o nível
narrativo, podendo este nível temático ser figurativizado ou não
(FIORIN, 2005). O tema (mais abstrato) tem uma função interpretativa e
predicativa do mundo, enquanto a figura (mais concreta) tem por função
descrever, representar a realidade do mundo. Tudo isso, é claro, segundo
a visão do enunciador. O tema é de natureza conceptual, é um

24
investimento semântico; a figura remete a algo do mundo natural, quer
existente, quer construído (FIORIN, 2005).

Esses são, portanto, os três níveis do percurso gerativo de


sentido. Trata-se do plano de conteúdo de um texto. Para que esse
conteúdo lingüístico exista, é necessária uma expressão lingüística
(plano de expressão) capaz de veiculá-lo. Pode ser uma expressão
verbal, gestual, pictórica, etc. O conteúdo lingüístico do material que
será analisado é veiculado por um plano de expressão verbo-visual, o
que lhe confere peculiaridades que, no decorrer da análise, serão
devidamente destacadas.
A escolha de se utilizar o percurso gerativo de sentido para
desconstruir e reconstruir o texto foi arbitrária. Há outros modelos, mas
decidiu-se por esse. Deixemos Fiorin falar:

O percurso gerativo é um modelo que simula a


produção e a interpretação do significado, do
conteúdo. Na verdade, ele não descreve a maneira real
de produzir um discurso, mas constitui, para usar as
palavras de Denis Bertrand, um ´simulacro
metodológico´, que nos permite ler um texto com mais
eficácia. Esse modelo mostra aquilo que sabemos de
forma intuitiva: que o sentido do texto não é redutível à
soma dos sentidos das palavras que o compõem nem
dos enunciados em que os vocábulos se encadeiam,
mas que decorre de uma articulação dos elementos que
o formam – que existem uma sintaxe e uma semântica
do discurso.´´(FIORIN, 2005 p. 44)

***

25
No material a ser abordado pelo presente trabalho, a
fundamentação teórica adotada será esta mesma descrita nos tópicos
antecedentes, de modo que se mostra necessário recuar séculos, milênios
no espaço-tempo e então tentar delinear o caminho dos laços humanos
com as diversas substâncias psicoativas, bem como as maneiras distintas
pelas quais elas foram e vêm sendo usadas, tratadas, mal-faladas,
desejadas, endeusadas, comercializadas, contrabandeadas, surrupiadas,
revestidas, enfim, de significações.
Em um segundo momento, após feita essa descrição dos
acontecimentos discursivos, passar-se-á à fase da análise propriamente
dita dos vídeos. Pretende-se, desta maneira, fazer emergir os múltiplos
sentidos inscritos no cada vez mais questionado, debatido e proliferado
discurso3 daquilo que se adotou chamar ´´combate às drogas´´. Sentidos
inscritos, mas nem sempre, muito menos para todos, visíveis.

3
De fato, o tema ´´drogas´´ é permeado por inúmeros discursos, diferentes na forma e,
por vezes, no conteúdo mas que se aproximam pela abordagem. Distantes uma das
outras, no tempo e no espaço, diversas sociedades compuseram ao seu modo um
discurso único, próprio, a este respeito. E mesmo quando se assemelham na postura
que adotam, bem como no espaço-tempo em que ocorrem, os discursos mantêm uma
heterogeneidade, seja pela distinção do sujeito falante – ou o que escuta, seja pelos
peculiares interesses que envolvem: se um Governo adota uma atitude de proibição a
certas drogas e, por conseqüência, toma para si o discurso de combate a elas, os
interesses em jogo são de outra ordem quando confrontados com os de um pai que
também se faz valer do mesmo discurso proibicionista para tentar manter o controle
sobre os filhos. De modo que, apesar de um tema poder tomar formas discursivas
próximas ou mesmo antagônicas, em qualquer um dos casos, uma pluralidade de
enunciados se apresentará, unidos pelo tema que tratam, separados pelas características
intrínsecas de formação de cada um. Desta maneira, quando se fala de ´´discurso de
combate às drogas´´, deve-se entender que se fala de inúmeros ´´discursos´´, aos quais
aquele nutre obrigatória ligação e dos quais futuros discursos serão tributários.

26
CAPÍTULO II

2 O HOMEM E AS DROGAS

2.1 ESBOÇO HISTÓRICO


O cânhamo é das plantas de mais antigo e amplo registro. Na
farmacopéia chinesa de Shen Nung (Open Tsáo Ching), datada de 2737
a.C, esta planta tinha função medicamentosa. Era uma das cinco plantas
sagradas para o Atharva-veda indiano, por volta do segundo milênio
anterior a cristo. Na Grécia de quatro séculos a.C, Heródoto menciona
seu uso psicoativo em saunas do povo cita, na Ásia menor. A diversidade
de uso do cânhamo vai além do seu efeito psicoativo, tendo sido usado
em diferentes culturas e distintas épocas como fonte nutricional,
medicinal, não raramente em escala industrial para fabrico de remédios,
fibra, papel, óleo combustível, alimento, além do uso religioso em
sacramentos e práticas rituais (no xintoísmo, budismo, hinduísmo,
cristianismo copta, rastafarianismo, etc.) (CARNEIRO; VENÂNCIO,
2005).
Seu valor nutricional está na semente, rica em aminoácidos
essenciais e ácidos graxos. Como fibra, foi principal fonte para feitura de
cordas navais e tecelagem de panos mais finos e telas mais resistentes,
especialmente para o velame dos navios. O papel de cânhamo é
resistente e desde a Bíblia de Gutemberg e o papel-moeda até o texto
original da constituição americana, o cânhamo vinha sendo usado para
produzir as melhores folhas de papel. O óleo que se extrai dessa planta
foi o mais usado para a iluminação, antes das lâmpadas elétricas ou a
gás. Na área médica, tornou-se dos principais sedativos,
antiespasmódicos, analgésicos, relaxantes, estimuladores de apetite e
afrodisíacos (CARNEIRO; VENÂNCIO, 2005).

27
De registro milenar, na Ásia Central, difundiu-se pela Eurásia por
ter múltiplas aplicações, migrou no século XVI para a América através
da Europa e África Oriental. E chegou ao Brasil no final do século
XVIII. Vinda também da África, a planta foi aqui introduzida pela coroa
portuguesa, que buscava ampliar suas atividades econômicas na colônia.
No início, seu uso era mais amplo entre os negros, o que conferia à
droga um estigma pejorativo, moral e socialmente.
Já a folha de coca, planta da qual se extrai o princípio ativo da
cocaína e do crack, é natural dos altiplanos andinos e seu mais remoto
registro data do século X a.C, época em que as civilizações pré-incaicas
a utilizavam, crentes que eram, como instrumento para derrotar um certo
deus maligno. Mais tarde, os incas acreditavam ser a planta um presente
divino para o homem suportar a fome e a fadiga. Apesar de não saberem
tirar da folha seu princípio ativo, esses povos misturavam substâncias
alcalinas à planta, de modo que conservava o seu efeito.
Foi durante a colonização espanhola na América do sul que as
folhas de coca chegaram à Europa. Porém, devido talvez aos estragos
que sofriam durante as longas viagens, as folhas não se popularizaram
entre os europeus, rejeição que durou até o começo do século XIX. No
entanto, a primeira publicação científica acerca do assunto data de 1708,
escrita por Herman Boerhaave, publicada na revista Institutiones
Medicae (CARNEIRO; VENÂNCIO, 2005). Logo na virada do século
XVIII para o próximo, despertou o interesse dos europeus pelas
propriedades farmacológicas da folha de coca: botânicos, médicos e
farmacologistas entusiastas da droga teceram apologias as mais diversas.
Mentes contrárias à euforia da descoberta alertavam sobre o potencial
uso abusivo da coca, comparando esta ao ópio. Somente em 1859,
quando Albert Niemann isolou o princípio ativo puro da planta que a
medicina passou a adotá-la. Como anestésico, foi utilizada no tratamento

28
de dores de dente e garanta, além de ter aberto novas fronteiras nas
cirurgias oftalmológicas.
Nessa época, o psicanalista Sigmund Freud, juntamente com
outro colega de profissão, efetuou testes medicinais com a cocaína, a fim
de substituir a morfina, sendo que as suas propriedades farmacológicas
já eram conhecidas nos Estados Unidos e já era usada em tratamentos
psiquiátricos. Os médicos alemães acabaram aprovando-a para os
mesmos fins. Conseqüentemente, a explosão do consumo da droga
ocorreu no final do século XIX, favorecida pelas descrições de Freud a
respeito dos efeitos ocasionados pela droga: bom humor, sensação de
segurança, autocontrole, grande capacidade de trabalho e lucidez.
(SOMOZA, 1990)
Da medicina para o comércio não levou muito tempo. Na
segunda metade do século XIX, os primeiros produtos cuja fórmula
tinha a substância da cocaína apareceram em forma de chás de folha de
coca, pastilhas para aliviar dores dentárias, tônicos e bebidas, alcoólicas
ou não. Duas bebidas conseguiram se destacar: o Vinho de Coca Mariani
e a Coca-Cola, do boticário norte-americano J.S. Pemberton. Veio a Lei
Seca, Pemberton trocou o álcool por noz de cola (continente de cafeína),
gaseificou a água e a anunciou como ´´a bebida dos intelectuais e
abstêmios´´ (ESCOHOTADO apud CARNEIRO; VENÂNCIO, 2005).
Em 1909, havia nos Estados Unidos 69 tipos de bebidas cuja fórmula
continha cocaína.
Em 1902, só na cidade de Cincinnati, no estado de Ohio nos
EUA, dez mil pessoas estavam viciadas. Em 1942, em Paris, a polícia
calculava algo em torno de oitenta mil viciados, sendo a maioria
representada por crianças e adolescentes. (SOMOZA, 1990)
A chegada da cocaína no Brasil é controversa, porém, sabe-se
que seu consumo chamou atenção na década de 70 e intensificou-se a
partir das décadas seguintes (EVANGELISTA, 2003).

29
Nota-se que a relação que o homem, desde há milênios, vem
mantendo com as inúmeras espécies de droga4 tem sido marcada por
litigiosos e incessantes interesses. Seja por questões religiosas, em nome
do mal ou do bem, seja por mercantis demandas, a difusão escancarada
desta e o boicote sorrateiro àquela outra droga sempre estiveram ligados
à disputa do poder, com a conseguinte manutenção da ordem ou eclosão
do caos.
Pelas especiarias das Índias, as grandes navegações vingaram;
pelo ópio, o império britânico fez duas guerras. Pelo açúcar e pelo
álcool, as colônias no sul da América escravizaram milhões de africanos.
Pela contenção do plantio e comércio da folha de coca e do cânhamo, a
nação que atualmente dita as regras tem investido largas quantias de
dólares.
Colocar lado a lado substâncias aparentemente díspares como o
açúcar, a cocaína, as especiarias hindus (canela, cravo, pimenta, noz
moscada, etc.), o cânhamo, o álcool, dentre outras, tem sua razão de ser:
a distinção entre droga e comida, alimento e remédio é, além de um fato
não comum a todas as épocas e sociedades, uma operação questionável,
vide os fracos parâmetros que tentam separá-los, mas que se revelam
insuficientes na determinação de reais e confiáveis fronteiras. Um chá
pode tanto ser ingerido por ser uma bebida agradável como para acalmar
um estômago embrulhado; uma planta pode servir de anestésico, de
alimento rico em nutrientes ou mesmo como fibras para a manufatura de
cordas ou tecelagem. (CARNEIRO; VENÂNCIO, 2005)

4
´´Do holandês ´droog´, que significa produtos secos. No período que vai do século
XVI ao XVIII costumava designar um conjunto de substâncias naturais utilizadas,
sobretudo, na alimentação e na medicina. Mas o termo também foi usado na tinturaria
ou como substância que poderia ser consumida por mero prazer. Tal noção continua
presente no Dicionário da Língua Portuguesa Recopilada, de Antônio de Moraes Silva,
de 1813, que define droga como: ´Todo o gênero de especiaria aromática; tintas, óleos,
raízes oficiais de tinturaria, e botica. Mercadorias ligeiras de lã, ou seda.”´
(CARNEIRO; VENÂNCIO, 2005)

30
Nos tempos contemporâneos, a corrente e incriminadora
determinação do que é uma coisa e do que é outra suscita a necessidade
da vigilância da produção e do consumo de certas substâncias. O
parâmetro que subsidia as proibições de consumo não pode vir dos
aspectos naturais das substâncias, como o efeito alterador da consciência
que algumas possuem, mesmo porque o álcool e o tabaco, apesar de
inclusas nesse grupo, são substancias lícitas. Muito menos o malefício à
saúde do corpo pode ser base das tais proibições, como argumento de
saúde pública, visto que o açúcar e a gordura, responsáveis por dois dos
grandes males da saúde das sociedades atuais, o diabetes e a obesidade,
não somente são livremente consumidos, como seu consumo é
propagandeado, incentivado.
Evidentemente que aspectos artificiais como o controle político,
jurídico e social são os determinantes do proibicionismo, que teve sua
origem no início do século XX, com a implantação da Lei Seca5 nos
Estados Unidos (1920 – 1933), e que vem se alastrando pelas décadas,
influenciado tomadas de decisões de muitos países. De modo geral, os
Estados sul-americanos e asiáticos que lucram com a produção em larga
escala da matéria-prima de substâncias psicoativas se vêem acuados
perante o cada vez mais influente intervencionismo ianque.

2.1.1 Intervencionismo Ianque


Manutenção da democracia, eis o argumento recorrente do
Governo dos EUA para justificar as intervenções políticas, econômicas e
financeiras realizadas contra nações independentes (RODRIGUES,
2002). A democracia, no discurso ianque, só virá através de atitudes que
´´mantenham a paz social´´. E um dos inimigos apontados pela
moralidade puritana e pelo conhecimento médico-sanitário é justamente

5
Esta lei proibia a produção e o consumo de bebidas alcoólicas em território
estadunidense.

31
o narcotráfico. Soa unânime o discurso de combate às drogas, quaisquer
sejam seus meios apresentados por instituições governamentais,
eclesiásticas ou acadêmicas.
A representação maciça que determinadas organizações puritanas
alcançaram nas classes políticas norte-americanas nos primeiros anos do
século XX coincide com o controle dos hábitos e condutas do seu povo.
Cada vez mais representativo nas camadas sociais do país, o puritanismo
ia ganhando força e influência nos rumos que a nação americana devia
seguir (RODRIGUES, 2002). Entretanto, o proibicionismo reivindicado
pelas vozes puritanas recebeu contornos concretos e, diga-se de
passagem, repressivos primeiramente em território estrangeiro. Em 1909
foi realizado em Xangai6 um encontro de nações que pretendiam discutir
a questão do consumo e tráfico de drogas. A conferência ficou marcada
por ser a primeira da história que determinou diretrizes, ainda que não
proibitivas, para o controle de um mercado até então livre.
Foram três anos depois, em resultado doutra conferência (Haia,
Holanda) patrocinada pelo EUA, que se assinou um documento em que
os países membros da reunião passariam a proibir o uso de opiáceos e
cocaína sem aval médico. O objetivo americano era pressionar o seu
Congresso a aprovar a proposta de lei que determinava não somente a
fiscalização estatal, mas a proibição do consumo dessas duas
substâncias. A promulgação da lei interna ocorreu em 1914 e o acordo
internacional devia, então, ser cumprido nas outras nações. Criou-se a
pressão de fora para influir a decisão interna. Agora a decisão do
Congresso americano é que vai incitar outras nações a seguir o mesmo
caminho, afinal há um acordo assinado.

6
Nessa época, nações européias, em especial a Inglaterra, detinham o controle
econômico e político dessa região asiática, por meio do comércio de ópio. O
proibicionismo americano, pauta da reunião em Xangai, visava, antes de mais nada e
ainda que sob pretextos morais, diminuir o poder europeu na Ásia (RODRIGUES,
2002).

32
Qualquer voz contrária à coibição do uso de drogas passou a
perder força durante essa década. A influência do proibicionismo tomou
tamanho poder que em 1920 não mais eram permitidos a produção, o
transporte, importação e exportação de álcool em território americano,
uma antiga reivindicação puritana, que se punha contra a ´´diabólica´´
tríplice jogo-álcool-luxúria. A conseqüência foi o surgimento de uma
rede, agora ilegal, de tráfico de álcool e, pouco depois, também de
cocaína. Surgiram como marginais aqueles que comandavam esse
comércio lucrativo: italianos, irlandeses, mexicanos, chineses e negros
(RODRIGUES, 2002). Como aplicação dos tratados internacionalmente
firmados, esses grupos bem definidos foram perseguidos por
constituírem o novo inimigo não só americano, mas global: o
narcotraficante. Ressalta-se o caráter estigmatizado que a esses grupos, à
margem da lei, foi incutido. Uma lei apoiada na justificativa da paz
social teve como conseqüências o preconceito e a discriminação de
classes e grupos étnicos.
Nas décadas que se seguiram, os EUA continuaram capitaneando
reuniões que discutissem e determinassem rumos para a questão das
drogas. Uma das mais importantes foi realizada em Dezembro de 1994,
em território americano, chamada Cúpula das Américas. Dentre vários
tópicos, havia um intitulado "A luta contra o problema das drogas ilícitas
e delitos conexos", que pedia às nações da América (exceto Cuba, única
que não participou da reunião) que fiscalizem melhor as transações
financeiras suspeitas de envolvimento com lavagem de dinheiro; que
fossem combatidas as organizações narcotraficantes; que fossem
substituídos cultivos ilícitos nos campos por culturas alternativas; que se
controlasse a circulação de insumos químicos e que se realizassem mais
encontros e acordos internacionais sobre o controle de substâncias
psicoativas (ARNAUD7, 1996 apud RODRIGUES, 2002).

7
ARNAUD, V. – Mercosur, Unión Europea, NAFTA y los procesos de integración
regional. Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1996. apud RODRIGUES, T. M. S. – A

33
As drogas ilícitas, portanto, ainda são apresentadas como um
problema grave que ameaça a sociedade, a economia de livre mercado e
as instituições democráticas do hemisfério, uma vez que o uso de drogas
(as não tributadas) traz um enorme déficit para o Estado e, além do mais,
as organizações que lucram com o mercado estão relacionadas à
violência das cidades e às corrupções das instituições públicas.
(RODRIGUES, 2002).
No Brasil, até a década de 10 do século XX, não havia lei alguma
que proibisse a produção e o consumo de substâncias psicoativas. No
rastro do caminho americano, o governo brasileiro, que participara e
assinara os acordos do encontro na Holanda, adotou em 1921 uma lei
restritiva ao uso de ópio, heroína, cocaína e morfina. Sem prescrição
médica, usar essas substâncias configurava-se crime e os contraventores
deviam ser punidos. Agora, aquilo que no Brasil era socialmente imoral
e condenado por jornais conservadores do moralismo cristão, torna-se
também uma conduta criminosa e passível de punição não só mais
divina, mas também juridicamente humana. E mesmo a romântica
intoxicação dos filhos da Oligarquia da República Velha, que acontecia
livremente nos prostíbulos chics, passou a ser repreendida pelo Governo
no momento mesmo em que esta prática se disseminava nas classes
menos abastardas, como a plebe negra, parda e imigrante
(RODRIGUES, 2002).
A partir daí, o Brasil tornou-se assíduo freqüentador dessas
reuniões internacionais, sempre seguindo a cartilha ordenada por seus
realizadores, como o fez através do Decreto-Lei nº. 891 – 1938, editado
pelo Estado Novo de Getúlio Vargas que se fundamentava nas
determinações antidrogas assinadas nas convenções de Genebra de 1931
e 1936. A título de exemplo, outras determinações seguidas pelo governo
brasileiro foram aquelas decididas pela Convenção Única sobre

infindável guerra americana: Brasil, EUA e o narcotráfico no continente. São Paulo


Perspectiva. São Paulo, v. 16, n. 2, 2002.

34
Entorpecentes, assinadas em 1961 na sede da ONU, que acabou servindo
de base para a reforma brasileira da lei sobre tóxicos, de 1967
(RODRIGUES, 2002). Modificações após modificações, sempre
acompanhando os conselhos internacionais, acabaram por editar a Lei de
Tóxicos, Lei n.º 6386 – 1976 que vigorou, em meio a ocasionais
mudanças, até 8 de Outubro de 2006, quando entrou em vigor a nova Lei
de Tóxicos n.º11.343, instituindo o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas (SISNAD). Mais punitiva para o traficante e mais
branda para o usuário8, essa recente Lei mantém obediência à
Convenção de Viena de 1971, realizada também na sede da ONU, cujos
interesses proibicionistas dos EUA ficam claramente expostos neste
artigo:

´´Art. 2o Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem


como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e
substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas,
ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como
o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre
Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso
estritamente ritualístico-religioso.´´ (BRASIL, Lei n.º 11.343 de 23 de
Agosto de 2006).

Como uma das justificativas para a implantação dessa Lei, o


artigo 4º apresenta, dentre outros, o seguinte princípio do SISNAD:

´´III - a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do


povo brasileiro, reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso

8
Em relação à Lei de 1976, essa nova Lei torna o tráfico de drogas um crime passível
de detenção por maior tempo (no mínimo 05 anos). Ao usuário caberá cumprir penas
sociais, como prestar serviços a hospitais, entidades educacionais, programas
comunitários, dentre outros (BRASIL, Lei n.º 11.343 de 23 de agosto de 2006).

35
indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados;´´
(BRASIL, Lei n.º 11.343 de 23 de Agosto de 2006).

Quais são os valores éticos, culturais e de cidadania do povo


brasileiro? Os mesmos determinados pelas Convenções multinacionais
sobre drogas, cujos interesses já se demonstraram meramente
econômicos e políticos? E o que é, legitimamente, o uso indevido de
drogas? Aquele que não gera lucro para o Estado? Aquele cujos
comportamentos foram recriminados pela moral puritana alhures há
mais de um século? A quem essa Lei atende? Ao povo brasileiro e suas
singularidades ou a outrem?
Esses questionamentos são pertinentes quando se quer entender
de forma mais ampla a passividade do Governo brasileiro diante de
interesses estrangeiros quanto à promulgação de leis referentes ao
consumo e tráfico de drogas.
Um dos principais efeitos do proibicionismo em todas as nações
que o adotaram foi, ao contrário do que se imaginava, senão o aumento,
ao menos pouca variação do consumo de drogas, com o agravante de o
lucro desse gigantesco negócio ficar com organizações criminosas. Não
deixa de ser irônico o fato de uma ação que objetivava conter um ainda
incipiente negócio despertar o interesse de grupos que viam na demanda
agora sedenta por auto-entorpecimento uma oportunidade singular para
obter dinheiro e financiar suas práticas ilegais. Numa palavra, a
proibição ao consumo gerou o aumento do consumo. E por não estar sob
o controle do negócio, quem menos lucra, em todos os sentidos, é o
Estado.

2.1.2 O Narcotráfico Internacional e as Conexões Brasileiras


A Colômbia, grande produtora e distribuidora de cocaína pelo
mundo, era responsável, no final dos anos 80, por 80% da cocaína que

36
chegava aos Estados Unidos e faturava cerca de 200 bilhões de dólares
anuais (SOMOZA, 1990).
Porém, uma vez descoberto como um negócio lucrativo e em
progressiva expansão, outros países aderiram à entorpecente tendência
de mercado, criando-se, assim, uma rede mundial de narcotraficantes.
Para que o narcotráfico aconteça, são envolvidos desde o camponês que
cultiva as plantas que servem de matéria-prima até altos consultores
financeiros americanos e banqueiros europeus, formando uma
verdadeira multinacional, que, segundo o ex-presidente peruano Alan
García, “é a única multinacional de sucesso da América Latina”.
(SOMOZA, 1990).
Na passagem dos anos 80 para a década seguinte, configurou-se
um quadro mundial de tráfico de drogas que ´´permitiu a formação de
uma poderosa corrente que alimenta milhares de pessoas (...) e a
produção de riquezas suficientes para corromper funcionários estatais,
chegando ao paradoxo de financiar abertamente um governo.”
(SOMOZA, 1990).
No Brasil, este quadro despontou-se no final dos anos 60. Nessa
época, por força da ditadura militar, os chamados guerrilheiros urbanos
cumpriam suas penas na penitenciária da Ilha Grande, no Estado do Rio
de Janeiro. As guerrilhas, então, trocavam informações com os
assaltantes e seqüestradores que se encontravam encarcerados na mesma
ala (RODRIGUES, 2002). Com a anistia, os guerrilheiros foram
libertados, deixando para trás um ambiente conflituoso entre as facções
do cárcere. Usando táticas organizacionais aprendidas com a guerrilha,
os presos não beneficiados pela anistia e acuados pelo domínio exercido
por outros grupos da penitenciária, criaram um grupo de autodefesa
nominado Falange Vermelha, embrião do Comando Vermelho (CV).
Esse grupo dominou, no início dos anos 80, o sistema
penitenciário fluminense, facilitando a fuga de alguns detentos que, nas

37
ruas, aplicavam aquilo que em teoria fora aperfeiçoado na Ilha Grande: o
assalto a bancos. Contudo, um novo negócio, lucrativo e em expansão,
desviava os rumos do CV, o tráfico de drogas.
Nesse período, a demanda por cocaína na Europa e nos Estados
Unidos crescia a tal velocidade que foi preciso que países andinos 9
responsáveis por produzir a cocaína aumentassem em larga escala a sua
produção, criando excedentes para exportar. Nesse cenário, o Brasil
surgiu como via de passagem do produto final para os mercados
estrangeiros, com a devida retirada da parcela que abastecia o mercado
interno, é claro. Nos anos 80, sob a chefia do Comando Vermelho, que
dominava os mercados varejistas no Rio de Janeiro, o Brasil entrou de
vez na rota do narcotráfico internacional. O poder dessa organização se
tornou tamanho que as áreas por ela dominadas seguiam leis próprias,
surgindo a figura do ´´dono do morro´´, onde o Estado era desafiado a
entrar. O poder era exercido através da coerção e do assistencialismo, o
que incitava na população das favelas respeito, admiração, dependência
e medo (RODRIGUES, 2002).
Enquanto aqui o narcotráfico ganhava poder, nos Estados Unidos
o então presidente Ronald Reagan editava um documento chamado
National Security Decision Directive on Narcotics and National Security
(NSDD-221), onde o Governo "oficializa sua percepção de que a
principal ameaça aos Estados Unidos e ao hemisfério ocidental passara
a residir na simbiose entre terrorismo de esquerda e narcotráfico (...)
´´(RODRIGUES10 apud RODRIGUES, 2002).
Com o fim da guerra fria, o inimigo americano já não é mais o
comunismo e o narcotráfico assume esse papel, como ficou emblemático

9
Bolívia e Peru ficavam, nesse época, responsáveis pelo processo inicial que é a feitura
da pasta-base. A Colômbia transformava a pasta em cocaína pura e revendia a grandes
atacadistas internacionais.
10
RODRIGUES, T. – Política e drogas nas Américas. Dissertação de Mestrado. São
Paulo, PUC-SP, 2001 apud RODRIGUES, T. – A infindável guerra americana.
Brasil, EUA e o narcotráfico no continente. São Paulo Perspectiva. São Paulo, v. 16,
n. 2, 2002.

38
na captura do presidente do Panamá, Manuel Noriega, realizada na
Cidade do Panamá pela marinha americana. Nesse momento as
acusações que lhe pesavam eram de ´´conspiração por tráfico de drogas
´´, em lugar da agora inútil e desinteressante denúncia de ´´conspiração
ao comunismo´´ (RODRIGUES, 2002).
Na onda norte-americana, o Brasil intensifica suas ações
repressoras ao tráfico e consumo de drogas: constrói a prisão Bangu I,
feita para isolar traficantes; infiltra-se nos morros na tentativa de conter
a venda de drogas; declara guerra ao Comando Vermelho e assiste a um
terrível derramamento de sangue de civis e policiais, que vem
perdurando ao longo desses anos todos. O país, desta maneira, se
incorpora aos ditames da política internacional antidrogas.
Outro momento crucial e justificativo para a intensificação da
repressão foi quando se tornou público o envolvimento de deputados
federais, estaduais e juízes nas negociações narcóticas. Em 1991, uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), formada no Congresso
Nacional, iniciou as investigações que mais tarde demonstraram as
relações do deputado Jabes Rabelo (PTB-RO) com o tráfico. Cinco anos
depois, o nome de outro político, o deputado e policial militar
Hildebrando Pascoal (PFL-AC) surgiu em meios aos inquéritos como
sendo o que comandava um grupo de extermínio a serviço de traficantes
acreanos. Em 1999, já expulso de seu partido, mas ainda com direitos
políticos, Hildebrando foi apontado por outra CPI como líder de uma
rede de narcotráfico que atuava no Brasil, Bolívia e Peru. Provas
suficientes para cassá-lo e prendê-lo. O que de fato aconteceu.
A conseqüência mais expressiva foi uma ementa de Lei 11 que
criou a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), em 1998. Logo no
ano seguinte, o órgão coordenou juntamente com as forças armadas e a

11
O governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, através do Decreto n.º
2.623, fez esta ementa na Lei de Tóxicos de 1976.

39
Polícia Federal, uma ação12 no Estado de Pernambuco, prendendo
camponeses e queimando plantações no chamado polígono da maconha.
Percebe-se que os caminhos trilhados pelo Governo brasileiro
quanto à questão das drogas foram marcados por influências externas,
cujos objetivos aparentes (enfraquecer grupos criminosos; diminuir a
violência; atingir, enfim, a paz social) velavam o interesse maior: o
poder econômico, político e de controle social.
Para os países que mais lucram com o sistema capitalista e para
específicas classes de uma sociedade (inclusive do Brasil) que também
abarcam grande pedaço do bolo, o tráfico ilegal de substâncias
psicoativas realmente surge como um empecilho, digamos, de mercado,
um concorrente ´´desleal´´, quando lealdade significa ter autorização
institucional, da lei para praticar a venda e a compra de um determinado
produto.
Não é de se estranhar que tais países, e suas classes empresariais,
se coloquem contrárias ao uso de drogas, ganhando força e adesão de
políticos e empresários de nações que querem (ou devem) se enquadrar
no atual sistema econômico, por similares interesses daqueles outros.
No entanto, era de se esperar que as deliberações do Governo
brasileiro e da iniciativa civil, religiosa ou empresarial, o que por vezes
se confundem, defendessem o interesse do povo, entendido em sua
organização social. Não se quer sugerir que esses grupos agem de forma
sistemática e predeterminada, como em um maquiavélico complô. São
eles, mais do que autores, vítimas de todo um sujo e disputado jogo de
interesses mais profundos do que suas próprias ambições mercantis,
econômicas e morais. Mas nem por isso deixam de ser responsáveis pela
difusão de uma preconceituosa e discriminatória imagem de tudo que
está ligado às drogas.

12
Ficou conhecido como Operação Mandacaru e custou aos cofres públicos quatro
milhões de dólares (RODRIGUES, 2002.)

40
CAPÍTULO III

3 DO OBJETO DE ESTUDO
Serão analisados alguns vídeos produzidos pela Associação
Parceria Contra as Drogas (APCD), uma organização não governamental
formada por um grupo de empresários do setor privado e parceiros
diversos, como agências de publicidade, emissoras de televisão e rádio,
editoras de jornais e revistas, dentre muitos outros que, mais pra frente,
serão identificados. Esses vídeos, ´´educativos e de caráter preventivo
ao uso de drogas´´13, no dizer da própria associação, têm sido veiculados
nas mídias televisivas desde o ano de 1996 e podem ser encontrados na
rede mundial de computadores, no site oficial14 da APCD. São peças que
duram em média 30 segundos, divididas de acordo com o viés adotado
por cada campanha, como, por exemplo, ligação das drogas com a
violência, a responsabilidade dos pais, os riscos na maternidade e outros.
Há também veiculação de peças radiofônicas e impressas. Porém,

13
Ver site da APCD (acesso em 12/12/2006)
14
http://www.contradrogas.org.br

41
como o material usado no rádio é mera transposição do áudio dos vídeos
apresentados na mídia televisiva, e o conteúdo da mídia impressa faz
referência às peças da televisão, nosso trabalho tomará como objeto de
estudo somente as peças veiculadas por essa última mídia.

3.1 A SELEÇÃO DOS VÍDEOS


A escolha do material a ser estudado obedeceu a critérios como
variedade da temática abordada, objetividade e clareza da mensagem,
grau de importância no julgamento da própria APCD (ver site). O
período de veiculação dos vídeos é variado, contendo peças datadas da
fundação da APCD (1996) até peças mais recentes, como do ano
passado.
3.2 O ENUNCIADOR
Em outro momento, foi dito que para a AD é importante situar
contextualmente aquele que detém a palavra do discurso. Pois bem, já
sabemos que estes vídeos são produzidos pela APCD, porém, ficara em
suspenso dizer literalmente quem são todos os membros dessa
associação. Para tanto, serão transcritos trechos retirados do já citado
site (acesso em 20/02/2007) da APCD, que identificam a completa
formação desse grupo.
Na seção intitulada QUEM SOMOS, desta maneira a associação
se define:

´´A Associação Parceria Contra Drogas é uma ONG sem fins lucrativos, em
operação desde abril de 1996, constituída por vários empresários da iniciativa
privada, cuja missão é aumentar a consciência da população sobre os riscos e
conseqüências do uso de droga ilícitas, através da divulgação de campanhas
educativas de caráter preventivo contra o seu uso.

A APCD existe graças à dedicação de alguns empresários e profissionais da


indústria da comunicação e pela colaboração de muitos outros. Inúmeros
voluntários integram as várias Comissões que cuidam para que as campanhas

42
sejam criadas e comunicadas à população de forma criteriosa e honesta e, ao
mesmo tempo, de maneira interessante. São parceiros estratégicos: as
emissoras de televisão e rádio, as editoras de jornais e revistas e as empresas
de mídia exterior e mídia alternativa pois são elas que, de forma totalmente
gratuita, fazem com que as mensagens cheguem a todos os lares brasileiros.
Também trabalham de forma voluntária os profissionais de agências de
propaganda, produtoras de cinema e gráficas, assegurando que a criatividade
e alta qualidade das peças produzidas se responsabilizem por conseguir a
atenção e memorização das informações veiculadas. Todas as agências de
propaganda podem criar para as campanhas da Parceria.´´

Foi omitida, por não ser de importância para o presente estudo, a


parte final do texto original, cujo conteúdo é o nome de cada um dos
associados, presidente e diretores, sendo-nos importante saber a qual
categoria, setor da sociedade eles estão ligados, informação da qual já
dispomos: são eles todos empresários, ao menos é o que podemos
deduzir a partir do primeiro parágrafo do texto supracitado.

Dentro do espaço QUEM SOMOS, existem algumas subseções


com a finalidade de dispor cada um dos membros no seu devido lugar,
quais sejam, COMISSÃO TÉCNICA, COMISSÃO DE MÍDIA,
CONSELHO FISCAL, PARCEIROS e APOIADORES. Pelo mesmo
motivo apresentado acima, não será transcrito o conteúdo das subseções
COMISSÃO DE MÍDIA E CONSELHO FISCAL, restando dizer que a
COMISSÃO TÉCNICA é formada por professores, psicólogos,
psiquiatras, um médico e um padre. Quanto às outras duas subseções,
assim estão definidas:

PARCEIROS:

´´Empresas que contribuem financeiramente para a manutenção da entidade:

Antônio Beltran Martinez, Banco Bradesco S/A, Banco Itaú S/A.,


Camargo Corrêa, Colégio Bandeirantes, Colégio Dante Alighieri, Fundação

43
Filantrópica Safra, Klabin S/A, Liberty Seguros S.A - Há 100 anos fazendo
mais por você., Whirlpool S.A - Unidade de Eletrodoméstico, Pfizer, Procter &
Gamble.

Empresas que patrocinaram projetos:

Colégio Marista Dom Silvério, Comad São José dos Campos, Fundação Itaú
Social.´´

Vale ressaltar que algumas dessas empresas-parceiras são ou


estão ligadas a poderosas organizações financeiras, multinacionais
milionárias (algumas bilionárias) ou renomadas instituições de ensino do
Brasil.

APOIADORES:

´´Empresas que contribuem com equipamentos, serviços e produtos:

Alumni, American Airlines, Artfix Digital & Screen Printing, Assist Telefônica,
Atlântica Imobiliária Administradora, Bar des Arts, Best Design Gráfica
Expressa, Brother Internacional Corporation do Brasil, Buffet Collomba, Café
Sachê, Careware Multimídia, Cultura Inglesa, Colégio Índio Peri, DHL,
Editora Gente, Editora Gráficos Burti, Embratel, FIESP - Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, Fuji Films, Gráfica Chesmann, Gráfica
Ribaldo, Gilberto Aronso - G.A. Eletrodomésticos Ltda., Hotel Othon S/A, HP-
Hewlett Packard Brasil, IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
Inal Ind. Nacional de Latex, Inpacel, Infraero, Italian Coffee, Kodak, Label
Participações, L´Hotel, La Terrina Restaurante, Lagoinha Transportadora,
Lindoyana de Águas, Locaweb Soluçoes Completas em Hosting, Mack Color,
Maksoud Plaza, Metro, Microsoft, Mina d`agua, Motorola, Multiservice
Informática, Multipark, MPM Ar Condicionado Refrigeração e Comércio
Ltda, Native Alimentos, Orgânicamix, Paulista Grill Jardins, Papelaria
Tráfego, Personal Despachantes, Pão de Açucar - Teodoro Sampaio, Planalto
Ind. de Artefatos de Papel, Portal Terra, Pousada Maravilha, Prefeitura
Municipal de Jundiaí, Prefeitura Municipal de Praia Grande, Prefeitura

44
Municipal de São José dos Campos, Rede de Hotéis Sofitel, Rimed,
Restaurante Bassi, Restaurante Gigetto, Restaurante São Paulo I, SBJ
Produções, Semp Toshiba, SENAC, SESC, Sistema Banstur de Turismo,
Scientific Post, Speedy, Symantec do Brasil, Shopping Eldorado, Shopping
Iguatemi, Shopping Higiênopolis, Shopping Paulista, Shopping West Plaza,
TelSul, Transamérica Rede de Hotéis, Unidas Rent a Car, Uol, Videolar
Multimídia, Varilog, Vivo, W3 Vídeo e Xerox do Brasil.´´

Eis uma tentativa de condensar o grupo de quem a APCD recebe apoio:

 Setor privado (nacional e internacional) da área de transporte,


comunicação, telecomunicação, turismo, informática (com
destaque para a Microsoft, uma das empresas mais lucrativas do
mundo), alimentos, entretenimento, educação, etc.
 Setor público como prefeituras do interior paulista.
 Entidades como FIESP, SENAC, SESC, IMESP, INFRAERO.

Também aqui cabe chamar a atenção para a importância dessas


instituições no cenário regional, nacional e global, quer por serem
algumas das mais ricas organizações empresariais, o que lhes garante
poder, influência e prestígio, quer por algumas delas terem, de antemão,
credibilidade junto às classes empresarial e política.

Com o intuito de fazer constar outra fonte de subsídio da qual a


APCD foi beneficiária, será transcrita uma informação colhida no
próprio site da Associação (20/02/07), seção IMPRENSA, subseção
NOVIDADES:

´´Consulado Americano doa equipamentos à APCD

Uma estação de trabalho (computador e impressora laser), uma TV 14


´´ e um vídeo cassete foram doados, no último mês, pelo Consulado Geral dos
EUA. Os equipamentos estão sendo utilizados na sede da APCD, em
Pinheiros, São Paulo. A entrega foi feita pelo cônsul Michael N. Greenwald e

45
pelos assessores de imprensa Vivian N. Keller e Carlos Murillo de Oliveira.
Fonte: Assessoria de Imprensa APCD.´´

Pode-se assim resumir o conjunto de pessoas, empresas e


organizações que constituem ou apóiam a APCD:

 Empresas do setor privado


 Instituições públicas e prefeituras brasileiras
 Instituições de educação
 Profissionais liberais
 Entidades religiosas
 Governo dos Estados Unidos da América

Destaque para as agências de publicidade e produtoras de


vídeo/áudio que participaram da elaboração dos vídeos analisados15:

Agências: Master Comunicação (PR); Full Jazz Comunicação


(SP); Ogilvy & Mather (RJ); F/Nazca S&S; Colucci & Associados
Propaganda; Loducca Propaganda; Morya Comunicação e
Propaganda; Age Comunicação; DPZ, Dualibi, Petit Zaragoza
Propaganda;
Produtoras: Cinemacentro; Seven Filmes; Conspiração Filmes
(RJ); Lua Nova (SP); Ó2 Produções; Academia de Filmes; Sentimental
Filmes; VU Studio; Gorila Filmes; Play it Again; No Bell Films; Cia. de
Cinema; Net Filmes;

3.3 O RECEPTOR
Para quem é dirigida a mensagem contida nos vídeos? Qual o
enunciatário visado pelo enunciador? A julgar pelo que diz a APCD
nesta passagem do texto supracitado: ´´(...) cuja missão é aumentar a
consciência da população sobre os riscos (...)´´, o público-alvo das

15
Fonte: site da APCD.

46
campanhas é todo o povo brasileiro, a população em geral. Mas não é
bem assim. Existem aí algumas triagens inseridas na própria composição
do vídeo, das mídias escolhidas, da abordagem do tema. Ora, somente
aqueles que têm rádio ou televisão podem constituir a recepção. Essa é
uma triagem técnica e óbvia. Há outra que é de caráter mais analítico, e
tem a ver com as personagens, o ambiente, o vocabulário, tudo
demonstrando que o público a ser atingido, majoritariamente, são os
jovens, especialmente os de classe média. Em alguns vídeos, existem
mesmo referências literais a eles. Há também, em menor número,
mensagens nitidamente direcionadas para outros públicos, como os pais,
ou empresários, ou gestantes.

3.4 A MÍDIA
A TV é uma mídia de vasto alcance popular e constitui aquilo
que se chama de cena validada, quer dizer, algo já enraizado na
memória coletiva, seja um modelo rejeitado, seja um valorizado
(MAINGUENEAU, 2005). A TV é precisamente uma cena validada de
um modelo valorizado: tudo aquilo por ela transmitido recebe contorno
senão de verdade, ao menos de verossimilhança, ou seja, algo similar
(símile) ao verdadeiro (vero), o que garante a esta mídia certa autoridade
para dizer aquilo que bem (ou mal) entender. É, pois, em função disso
que ela própria se torna uma ferramenta de persuasão, por esse apelo que
se faz à autoridade em que se tornou.

47
CAPÍTULO IV

4 DA ANÁLISE DOS VÍDEOS


Foram selecionados doze vídeos, cujos nomes aqui recebidos são
os empregados pela APCD em seu site oficial. A análise percorrerá os
diferentes níveis gerativos de sentido a fim de demonstrar como se dá a
construção da mensagem. Os vídeos foram separados em quatro grupos
segundo o percurso temático fundamental16 adotado por cada grupo:

 Vídeos que tematizam a responsabilidade que o usuário tem com

a violência: Escola; Seu Dinheiro II.

 Vídeos que tematizam a conseqüência do uso das drogas (perda

de identidade, de memória, problemas de saúde, morte):

Censura; Pedido; Promoção; Crack; Cocaína.

16
Ainda que tenham sido separados pelo tema fundamental abordado, os vídeos podem
apresentar mais de um tema e estes novos temas podem não ser abordados pelos outros
vídeos de seu grupo. Portanto, o que os une não é a concordância em todos os temas,
mas no tema principal.

48
 Vídeos que tematizam a responsabilidade dos pais com seus

filhos: Gustavo Borges; Marília Gabriela; Carro; Xuxa Tom.

 Vídeo que tematiza a responsabilidade que a empresa deve ter

com seus funcionários: Boate.

4.1 TEMA: RESPONSABILIDADE QUE O USUÁRIO TEM COM A


VIOLÊNCIA.
Os vídeos desse grupo apresentam no nível fundamental a
oposição Morte / Vida. Os demais níveis ou se assemelham ou são
próprios a cada vídeo e estão pontuados no decorrer da análise.

4.1.1 Escola
Percurso figurativo: um garoto entre 7 e 9 anos protagoniza o
vídeo, que se passa na favela de um morro. Começa ele entrando numa
casa (enquanto na tela vai se escrevendo AULA DE...), então aparecem
outros meninos da mesma faixa etária ´´bolando´´ cigarros de maconha,
trouxinhas de cocaína (momento em que completa-se a frase:
...QUÍMICA). Ouve-se um sino, semelhante aos de colégio. Muda-se a
cena: o garoto aparece sentado na calçada brincando com outra criança,
quando chega uma pessoa dentro de um carro, que não condiz com a
realidade financeira do ambiente. O garoto entrega um papelote e recebe
uma grana: AULA DE MATEMÁTICA é o que se lê na tela, obedecendo
àquele mesmo esquema de manter em suspenso a revelação da matéria
da aula. Bate o sino. O garoto agora está empinando pipa na rua.
Aparece a polícia (AULA DE...), ele corre, se escondendo nos labirintos
do morro (...EDUCAÇÃO FÍSICA). Toca o sino. Ele chama outros
meninos pra perto de si. É a HORA DO RECREIO e eles acendem um
baseado. Com esta cena em segundo plano, aparece uma tarjeta, em
primeiro plano, com a inscrição: ESCOLA DO CRIME: APROVADO.

49
O locutor, in off17, completa a mensagem: QUEM USA DROGAS,
FINANCIA ESSA ESCOLA. PREPARE-SE: LOGO UM RECÉM-
FORMADO CRUZA COM VOCÊ.

No nível narrativo, a narratividade do texto estanca na fase da


manipulação por intimidação (se você usar drogas, irá financiar o
tráfico; e irá ser vítima da violência dela subseqüente). As seguintes
fases, apesar de não figurativizadas, são dedutíveis: na fase da
competência, espera-se do enunciatário um saber (o uso de drogas traz
malefícios sociais), que o objeto modal da narrativa. De modo que a
transformação esperada (performance) é a de que ele entre em conjunção
com a responsabilidade (objeto valor). A sanção é o reconhecimento do
enunciatário como individuo responsável e conforme a lei. Nesta fase,
tem-se também alguns prêmios: conjunção com vida e a paz.

No nível discursivo, essas formas abstratas responsabilidade,


vida e paz são revestidas, respectivamente, pela ruptura do
financiamento do tráfico e fim da violência gerada pelo tráfico (vida
e paz), dando-lhes forma concreta.

No nível da manifestação, aspectos da construção das imagens e


dos sons completam a construção do argumento, como no caso do
enquadramento da câmera (close, super-close em movimentos rápidos e
sem a preocupação com a clareza total da imagem), que confere ao vídeo
um teor ora de flagra, ora de documentário. Uma confusão visual que
remete à do próprio ambiente e a ressalta. O fundo sonoro é uma batida
de samba, estilo próprio do morro carioca, que se intensifica conforme
as aventuras da personagem, sendo a batida interrompida bruscamente
no momento em que o garoto senta para fumar o cigarro de maconha. O
fim da música alude ao próprio fim da personagem.

17
Expressão em inglês que indica que o locutor não participa da cena, mas tão-somente
a narra ou a comenta.

50
Comentários
O fato de a figurativização do tema ocorrer na favela de um
morro constitui também o argumento da cena validada. A relação das
personagens e a história que é contada naquele ambiente retomam cenas
que cotidianamente são apresentadas pelos meios de comunicação ou
por conversas informais. Por receber esses contornos verossímeis, a peça
publicitária garante à sua mensagem uma força de persuasão que
definitivamente não se encontra na veracidade de seu conteúdo, mas
simplesmente da composição de sua forma.
O sino que se assemelha escolar e que toca a cada mudança de
cena; a inscrição das matérias e da hora do recreio, em giz, na tela; a
tarjeta com a inscrição ESCOLA DO CRIME: APROVADO; o termo
RECÉM-FORMADO na fala do locutor; eis os sinais que constroem a
metáfora, comparando o tráfico de drogas a uma escola. Ocorre também
a ironia: espera-se que uma escola forme um cidadão e não um bandido.
Na construção do texto persuasivo, o sujeito também baseia seu
discurso na manipulação por intimidação: ´´Logo um recém-formado
cruza com você´´ e no raciocínio apodítico, no qual a argumentação
recebe um tom de verdade inquestionável, fechada em si mesma, não
dando ao receptor nenhuma chance de refutação: ´´Quem usa drogas,
financia essa escola´´. Essas são marcas do discurso autoritário, a ´´(...)
forma discursiva em que o poder mais escancara suas formas de
dominação.´´ (CITELLI, 2005)
A maneira como são retratadas e opostas a protagonista (garoto
pobre, que serve ao tráfico) e a antagonista (jovem de classe média, que
se serve do tráfico) cria a ilusão de que aquela é parte invariavelmente
integrante do tráfico de drogas, enquanto esta apenas está integrante,
pois basta parar de usar drogas e sua culpa no jogo social desaparece. Já
o menino pobre, infere-se, não tem jeito, restando a ele esperar inerte e
marginalmente pelo desaparecimento do tráfico.

51
4.1.2 Seu Dinheiro II
Percurso figurativo: num ambiente escuro, aparentando um beco,
um jovem branco, bem vestido, de aparência saudável troca uma quantia
de dinheiro por droga com um jovem negro, encapuzado, de aparência
não tão boa assim. In off, diz o locutor: O QUE VOCÊ FAZ COM SEU
DINHEIRO É PROBLEMA SEU. A cena muda, aparece o traficante
trocando o dinheiro por projéteis de arma. In off, o locutor: ´´O QUE
ELE FAZ COM SEU DINHEIRO TAMBÉM É PROBLEMA SEU´´. E
completa: ´´O TRÁFICO É DEPENDENTE DE VOCÊ. QUEM
COMPRA DROGAS, FINANCIA A VIOLÊNCIA´´. Fecha com a
assinatura da APCD.

Os níveis do percurso gerativo de sentido dessa peça são


semelhantes aos expostos na peça ESCOLA.

No nível da manifestação, algumas características se destacam: o


movimento intenso e rápido da câmera e das personagens; a mudança
constante de enquadramento e de cena; a escuridão do cenário; o som de
suspense e terror no início; as trovoadas (em especial no momento em
que o jovem recebe a droga) e as batidas similares a do coração no
decorrer do vídeo; tudo isso cria um ambiente perturbador que, somado
à fala incisiva daquele que narra, compõe o argumento criado pelo
enunciador: é necessário adentrar num ambiente obscuro e tenebroso
para se conseguir a droga. O sentido é literal, mas pode ser
compreendido em uma acepção figurada. O argumento pode ser
convincente porque a cena é validada: a imagem (memória) que se tem
do ambiente da compra de drogas é justamente esse figurativizado pelo
enunciador.

Comentários:

52
Também neste vídeo o enunciador constrói seu fazer persuasivo
através do raciocínio apodítico (´´o tráfico é dependente de você.´´ e
´´quem compra drogas, financia a violência´´) e manipula o enunciatário,
por intimidação, ao sugerir que a violência gerada pelo tráfico pode
vitimá-lo.
Ao dizer ´´o que você faz com seu dinheiro é problema seu´´, o
enunciatário faz referência, extralingüística, a um dos conhecidos
argumentos (´´meu dinheiro é problema meu´´) daqueles que defendem
o uso de drogas. E ao completar: ´´o que ele faz com seu dinheiro
também é problema seu´´, o enunciatário desconstrói o primeiro
argumento, por meio de um silogismo simples: você financia o
traficante; o traficante gera violência; você será vítima da violência. A
fragilidade das premissas invalida a conclusão.
Esse mesmo processo argumentativo se encontra no término da
peça, pela afirmação categórica: ´´quem compra drogas, financia a
violência´´. Não estão em pauta outros fatores geradores da violência.
Marca de um discurso omisso, falho, apodítico.

4.2 TEMA: CONSEQÜÊNCIAS DO USO DE DROGAS


No nível fundamental, apresentam-se as oposições
Identidade /Alteridade , Liberdade / Dominação ou Vida / Morte. Os
demais níveis são próprios a cada vídeo e estão detalhados no decorrer
da análise.

4.2.1 Censura
Percurso Figurativo: em uma rua de aparência ruim, um garoto
mulato entre 10-12 anos, de trajes rasgados, tem o rosto encoberto por
um daqueles mosaicos cuja função normalmente é não revelar o rosto de
menores que cometeram algum crime. Diz o garoto: ´´AÍ, MANO, É
MUITO FÁCIL DE ENTENDER O FUTURO DE QUEM USA

53
DROGAS E O FUTURO DE QUEM NÃO USA. QUER VER, Ó?
PRESTA ATENÇÃO´´. Então, mantendo-se por atrás do mosaico, ele
diz: ´´USANDO DROGA´´. No momento seguinte ele se curva para um
lado, deixando o mosaico onde estava, revelando assim seu rosto, no que
diz: SEM USAR DROGA. E passa a alternar entre o disfarce do
mosaico e a fuga dele, repetindo a fala própria de cada instante: ´´COM
DROGA´´, ´´SEM DROGA´´. E conclui: ´´AÍ, CARA, SE VOCÊ
QUISER TER FUTURO, NÃO USE DROGAS, FALÔ?´´.

Tematiza a perda de identidade e de tempo daqueles que usam


drogas, em especial a criança.

No nível fundamental, tem-se a oposição /identidade/ versus


/alteridade/.

No nível narrativo, o enunciador constrói sua persuasão por meio


da manipulação por intimidação (se usar drogas, não vai ter futuro) e ao
mesmo tempo por tentação (´´se quiser ter futuro, não use drogas´´). As
fases seguintes são dedutíveis: na fase da competência, o sujeito
operante é dotado de um saber (droga não dá futuro), que é o objeto
modal da narrativa, cuja finalidade última é alcançar o objeto valor
(conjunção com a identidade), que se dá na fase da performance. Na fase
da sanção, o sujeito encontra um futuro livre do crime.

No nível discursivo, o termo abstrato identidade é revestido de


concretude através do não usar drogas, não ser criminoso
(simbolizado pelo mosaico).

Na manifestação do conteúdo lingüístico alguns aspectos


interessantes são realçados:

54
 A câmera em movimentos lentos confere certa tranqüilidade ao
vídeo. O plano americano que emoldura o garoto cria um
distanciamento eqüidistante entre a intimidade e a indiferença, o
que proporciona um caráter ao mesmo tempo seguro e
aconchegante.
 A empatia do garoto (sorriso, piscada,) reforça esses caracteres.
A sua linguagem, coloquial, e preenchida de gírias (´´mano´´,
´´cara´´, ´´falô´´), ao sugerir uma leveza e informalidade, tenta
aproximar o enunciatário do enunciador.
 O ritmo da música (animado, lembra um samba) enfatiza o
caráter de descontração. Por isso, também tenta aproximar o
enunciatário do enunciador.

Comentários
A oposição identidade / alteridade sugere que o indivíduo que se
droga o faz por ser fraco, por não ter opinião própria, por ser
influenciável por outrem (alter). Esse recurso argumentativo constitui,
assim, uma agressão à inteligência e ao caráter do indivíduo.
Percebe-se que o mosaico, empregado como símbolo da
marginalidade, é invariavelmente concedido àqueles que usam drogas.
Assim, aproxima-se o usar drogas à prática do crime18. A relação é
apresentada pelo enunciador de maneira inquestionável, como verdade
absoluta. Desconsidera-se as inúmeras e distintas maneiras de se fazer
uso de drogas e coloca todos aqueles que se drogam em um só patamar:
o marginal.
O raciocínio apodítico, marca do discurso autoritário, aparece na
fala (até mesmo carismática) do garoto: ´´aí, cara, se você quiser ter
futuro, não use drogas, falô?´´. Fica clara a idéia de que o uso de drogas
implica, necessariamente, a perda de um futuro promissor.

18
O uso de drogas por si só é um crime, previsto em lei. Porém, alude-se aqui a outras
práticas criminosas, de caráter mais danoso, talvez mesmo hediondo.

55
4.2.2 Pedido
Percurso figurativo: a família reunida à mesa. O pretenso genro
toma a palavra e, referindo-se aos pais de sua namorada, diz que gostaria
de aproveitar o momento para pedir em casamento a sua mão, porém,
por mais que se esforce, não consegue se lembrar do nome dela. O pai
da jovem moça, com voz pesada, recorda-lhe o nome da filha e se
levanta da mesa. A situação fica claramente desconfortável para todos. O
locutor, in off, enfatiza: ´´A MACONHA MATA... DE VERGONHA.´´

Tematiza a perda da memória causada pelo uso de maconha.

No nível fundamental, tem-se a oposição Vida / Morte.

No nível narrativo, o enunciador manipula por intimidação (se


você usar maconha, vai perder a memória, vai passar por momentos
vexaminosos). Na fase da competência, o objeto modal do enunciatário é
o saber (a maconha faz mal, provoca a perda de memória, mata). Na
performance ele deve entrar em conjunção com a vida (objeto valor). A
sanção será a saúde do corpo.

No nível discursivo, os termos abstratos vida e saúde são


concretizados, respectivamente, no deixar de usar drogas e
conservação do bom funcionamento do organismo (memória).

No nível da manifestação, o cenário é escuro e os rostos das


personagens aparecem constantemente entre sombras e em close19 (o que
confere à cena um aspecto de intimidade, própria do ambiente familiar).
Não há som algum além das falas das personagens, o que as torna mais
evidentes. A voz pesada do pai da garota, o barulho dos talheres jogados
por ele na mesa no momento em que se levanta e, apressado, se retira da
19
Recurso de enquadramento em que a câmera focaliza a imagem em detalhe.

56
sala revelam seu sentimento de contrariedade e indignação. O
sentimento de vexame por parte do pretenso genro é expressado em seu
rosto cada vez mais aflito e quando se coloca cabisbaixo. O uso da droga
colocado como causa de um momento humilhante é manifestado, além
de o tudo mais, pela oposição entre a felicidade aparente das
personagens no começo do vídeo (troca de sorrisos, olhares tenros) e o
visível mal-estar que se encontra no final.

Comentários
No seu construir persuasivo, ao expressar uma ligação inexorável
de causa e efeito entre o consumo de droga e situações de mal-estar, o
enunciador não oferece ao enunciatário o poder de reflexão, mas
simplesmente a ele impõe sua mensagem, característica do discurso
autoritário.
Quando diz o locutor: ´´A maconha mata... de vergonha´´,
reforça-se, num primeiro momento, a idéia da ligação entre o uso de
drogas e a morte. Vale ressaltar que, por colocar o termo maconha como
sujeito da ação matar, ele transfere do indivíduo para a droga a ação
ativa, como se esta última tivesse vida própria, sendo que, não custa
lembrar, a ação ativa pertence ao indivíduo (consumir droga), e a droga
age passivamente (é consumida). Essa distorção contribui para aquilo
que este trabalho decidiu chamar de ´´demonização das drogas´´.
Num segundo momento, com o complemento da frase (´´de
vergonha´´), o enunciador modifica o sentido anteriormente proposto,
dizendo agora que o consumo da droga coloca o indivíduo em situações
vexaminosas. A modificação do sentido repousa na interpretação que se
faz do verbo matar, que assume duas acepções (a literal e a figurada), o
que constitui, essa ambígua interpretação, uma metáfora, um

57
deslocamento de um significado para outro, coexistindo as duas
acepções.

4.2.3 Promoção
Percurso figurativo: um homem de terno e gravata, por trás de
um balcão, em um tom debochado, simula a venda de drogas. Para
conseguir os clientes, ele aponta as ´´vantagens´´ de seus produtos e
mostra adolescentes em situações patéticas em função do uso dessas
drogas. Assim é construída sua fala: GRANDE LIQUIDAÇÃO DE
NEURÔNIOS! APROVEITE: COMPRANDO AGORA OS NOSSOS
PRODUTOS, VOCÊ SE TRANSFORMARÁ NUM IMBECIL
FUMADO, OU UM IDIOTA CHEIRADO OU MESMO UM DÉBIL-
MENTAL PICADO. MANDE TODO SEU DINHEIRO AGORA.
DEPOIS O DO SEU PAI, DA SUA MÃE E DE QUEM MAIS VOCÊ
CONSEGUIR. NÃO TEM DINHEIRO PARA DROGAS? QUE
VERGONHA! NÓS ACEITAMOS TOCA-FITAS, RELÓGIOS, TÊNIS.
USE DROGAS. VOCÊ SÓ NÃO SERÁ UM JUMENTO PERFEITO
PORQUE NINGUÉM É PERFEITO.
In off, o locutor completa: SEJA BURRO: USE DROGAS. A peça
finaliza com a marca da APCD e a inscrição: DROGAS. NEM MORTO!

Tematiza a perda da liberdade, do autodomínio daqueles que


usam drogas. Tematiza também a perda da identidade dessas pessoas.

No nível fundamental, tem-se a oposição liberdade / dominação


e a conseqüente oposição identidade / alteridade. Quando livre, o
individuo tem identidade própria; quando dominado, sua identidade
pertence a outro (alter).

58
No nível narrativo, a construção da narratividade se apóia na
ironia. Portanto, há uma oposição entre aquilo que é dito (enunciado) e
aquilo que se quer dizer (enunciação). Analisando a enunciação, temos
que a performance, ou seja, a transformação central da narrativa é fazer
com que o enunciatário entre em conjunção com a liberdade (objeto
valor). Para isso, é preciso que na fase da competência ele seja dotado de
um saber (as drogas prejudicam a saúde, levam a situações ridículas),
que é o objeto modal. A manipulação se dá por meio de provocação
(como eu sei que você é burro e jumento o suficiente para comprar
drogas, eu lhe ofereço drogas). A sanção vem através da constatação de
que o enunciatário não usa mais drogas, logo, está livre.

No nível discursivo, a forma abstrata liberdade é concretizada no


não usar drogas.

No nível da manifestação, o cenário (balcão com produtos e um


vendedor por trás) alude aos programas de TV de venda a varejo. A
entonação do narrador e as inscrições na tela ´´grande liquidação de
neurônios´´, ´´aproveite´´, ´´ligue já´´ reforçam a alusão.

Comentários
A ironia construída pelo enunciador é marcada por termos
ofensivos: imbecil, idiota, débil-mental, jumento, burro.
As cenas em que são representadas as personagens adolescentes
lhes conferem uma aparência ridícula, patética e ingênua: o jovem que
bate com o sorvete na própria testa; o outro jovem em roupa de super-
herói com cara de bobo, e o rapaz que tenta se eletrocutar com o abajur e
a tomada.
O enunciador apresenta na fala do narrador uma ´´grande
liquidação de neurônios´´, aludindo aos efeitos negativos do consumo de
droga. Desta maneira, ele constrói um argumento fechado e simplista,

59
sem explicar que esses efeitos vêm com o consumo prolongado e intenso
de drogas. Por meio da generalização apressada, ele tenta persuadir o
enunciatário.
No seu fazer persuasivo, o enunciador é contunde ao relacionar o
uso de drogas unicamente a uma suposta (e imposta) estupidez do
indivíduo: ´´comprando agora os nossos produtos, você se transformará
num imbecil fumado, (...)´´. Desconsidera, assim, de forma
absolutamente agressiva os inúmeros motivos que podem levá-lo a se
entorpecer.
Ao pedir ao enunciatário que este mande todo seu dinheiro, o de
sua família e tudo mais que ele conseguir, o enunciador sugere que o
consumo de drogas invariavelmente leva ao vício, à prática do crime
para sustentá-lo, à perda de valores morais, à perda de si mesmo. Coloca
o individuo contra a sociedade.
No final, o narrador diz que o enunciatário só não será um
jumento perfeito porque ninguém é perfeito. Percebe-se que ser jumento
é um constante invariável, modificada ou não pelo adjetivo perfeito, o
que compreende a um raciocínio apodítico, sem margem a
questionamento. Marca do discurso autoritário.

4.2.4 Crack
Percurso figurativo: a droga é personificada 20 no corpo de uma
mulher sedutora e sensualmente vestida. Inicialmente, ela se apresenta
bem maquiada, de batom e vestido vermelhos. Com voz também
sedutora, em um ambiente escuro, ela diz: ´´MUITO PRAZER, MEU
NOME É CRACK. LEVO APENAS QUINZE SEGUNDOS PRA
CHEGAR AO SEU CÉREBRO. QUINZE MINUTOS DEPOIS...´´.
Então a cena muda: a câmera em movimentos rápidos e incertos percorre
um fechado ambiente de terror com fogo e sombras, até focalizar a

20
Processo pelo qual se transforma algo originalmente não humano em corpo de
humano.

60
mulher acuada num canto de parede e grade. Seu rosto, agora sem
maquiagem, assume uma feição de desespero e, com voz amedrontadora
e ofegante, a mulher completa o que deixara em suspenso: ´´...VOCÊ
´TÁ ME QUERENDO DE NOVO, PRA ACABAR COM A
DEPRESSÃO PROFUNDA! DEPRESSÃO PROFUNDA! EU SOU
BEM POPULAR. MUITO POPULAR: BÓIA FRIA, MOLEQUE DE
RUA, ATE QUEM NÃO TEM ONDE CAIR MORTO SEMPRE
ARRUMA UMA GRANINHA PRA PODER ME CONSUMIR. EU TO
FELIZ, EU TO TÃO FELIZ. VOCÊ VAI ME FUMAR DIA E NOITE,
NÓS SÓ VAMOS NOS SEPARAR QUANDO EU PROVOCAR
DANOS CEREBRAIS IRREVERSÍVEIS.´´ Nesse trecho, a peça se
torna ainda mais aterrorizante, com a personagem assumindo feições ora
agonizantes, ora ameaçadoras, em meio a cenas sombrias. A mulher,
então, ressurge como aparecera no início e finaliza: ´´MAS AÍ EU JÁ
TO EM OUTRA, OU OUTRO. MEU NOME É CRACK!´´ A peça
termina com o locutor, in off, pedindo a colaboração financeira daqueles
que querem a continuação das campanhas contra drogas.

Tematiza o perigo e as conseqüências do uso de drogas.

No nível fundamental, tem-se a oposição Vida / Morte.

No nível narrativo, o enunciador manipula o enunciatário,


primeiro, por meio da sedução (a droga personificada em corpo de uma
bela mulher) para, assim, intimidá-lo (se você consumir drogas, terá
problemas de saúde, vai se viciar). No final, tem-se a provocação (como
eu sei que existem pessoas sujeitas a consumir drogas, afirmo que depois
de vitimar você, estarei em outra, ou outro). Na competência, o objeto
modal da narratividade é um saber (a droga, apesar de sedutora, é
danosa, vicia, mata). Dotado desse saber, o enunciatário deve entrar em
conjunção com a vida (objeto valor). Essa é a performance, a

61
transformação central que, apesar de não figurativizada no vídeo, é
dedutível. A sanção é o reconhecimento do indivíduo longe das drogas,
portanto, nos moldes morais e legais.

No nível discursivo, a conjunção com a vida (termo abstrato) se


dá por meio do não usar drogas.

No nível da manifestação, o cenário assombroso e as feições


assustadoras e aflitas da protagonista reforçam o quadro de demonização
das drogas. No momento da sedução, a voz da mulher é suave; e o fundo
musical assemelha-se aos de uma danceteria. Quando se passa para a
intimidação, sua voz se torna ofegante, embargada e ameaçadora. E o
fundo musical apresenta o som de ventos, uivos e batidas abafadas de
tambor. No final, quando volta sedutora, suas marcas são as mesmas do
início.

Comentários
O enunciador personifica a droga em corpo de mulher sedutora
aludindo aos prazeres que a droga pode proporcionar. Logo em seguida,
ele apresenta os malefícios da busca desse prazer e por fim afirma que
outras pessoas estão sujeitas a se drogar. É um discurso que situa o
indivíduo como o sujeito passivo, sem poder de decisão e altamente
influenciável pela sedução das drogas. A droga mais uma vez assume o
papel da ação ativa, aqui levada ao extremo da personificação. Por
deixar se seduzir, o indivíduo invariavelmente sofrerá as conseqüências
maléficas e, por isso, passa a ser ridicularizado na irônica frase ´´eu to
feliz, eu to tão feliz´´.
Ao apresentar as conseqüências do uso de drogas, o enunciador
lança mão do raciocínio apodítico, dizendo que não muito tempo depois
de consumir a droga o indivíduo entrará em depressão e vai se drogar de
novo para sair dela, entrando num círculo vicioso.

62
A droga, como se sabe, vicia. Porém, destacar, demonizando, o
poder do vício e não assumir em seu discurso as múltiplas facetas da
droga é marca de um pensamento restrito, apodítico. Além do mais, o
discurso acentua as decorrências do uso de drogas, mas não aponta as
causas nem a solução.
A repetição de termos (´´depressão profunda´´, ´´eu to feliz´´) é
uma forma de persuasão do discurso autoritário.
O enunciador aponta aqueles que fazem uso de crack, aos quais é
dirigida a mensagem: bóia-fria, moleque de rua, até quem não tem onde
cair morto. Mas como podem essas pessoas ter acesso às informações
veiculadas na televisão, rádio ou jornal, dado a sua paupérrima
circunstância social? O discurso, além de autoritário, constrangedor e
agressivo, é inútil, porque não atinge seu pretendido público-alvo.

4.2.5 Cocaína
Percurso figurativo: nesta peça também se personifica a droga em
um corpo feminino sedutor. Vestida de branco e com batom vermelho, a
mulher se oferece apresentando seus encantos. Mas logo revela o preço a
ser pago por quem a quiser consumir. De um estado de beleza admirável,
seu rosto vai aos poucos se desfigurando, com sangramentos nas narinas
que escorrem por todo o corpo. O ambiente, em tons prateados,
acompanha a desfiguração da personagem, tornando-se obscuro e
manchado de vermelho. Paredes ondulam, a personagem grita, rola pelo
chão, asfixia-se, vomita. Sua fala é marcada por entonações que vão da
sedução à ameaça, com frases que são mantidas em suspenso para logo
receberem um complemento que modifica o sentido imaginado, criando
um intenso clima de sugestão: ´´QUER SABER MEU NOME? MEU
NOME É COCAÍNA, TO LOUCA PRA VOCÊ ME CHEIRAR
INTEIRINHA. COMIGO VOCÊ VAI SE SENTIR O DONO, O DONO
DO MUNDO! VOU TE DEIXAR BONITO, MUITO BONITO.

63
DEPOIS VOCÊ VAI PERDER O SONO, O APETITE. EU VOU
DEVORAR O SEU NARIZ. QUANDO A GENTE ESTIVER BEM
ÍNTIMO, EU PROMETO A VOCÊ UMA PARADA CARDÍACA,
PARADA RESPIRATÓRIA, OU UM COLAPSO NO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL. AÍ, MEU BEM, VOCÊ VAI VER NO QUÊ DÁ
METER O NARIZINHO AONDE (sic) NÃO É CHAMADO. MEU
NOME É COCAÍNA!´´ A peça termina com o locutor, in off, pedindo a
colaboração financeira daqueles que querem a continuação das
campanhas contra drogas.

Tematiza o perigo e as conseqüências do uso de drogas.

No nível fundamental, tem-se a oposição Vida / Morte.

No nível narrativo, o enunciador apresenta a droga como


sedutora, (corpo de uma bela mulher), mostra suas vantagens,
manipulando por tentação (se você se drogar, vai se sentir o dono do
mundo, o mais bonito) para, desta maneira, uma vez seduzido o
enunciatário, intimidá-lo (se você se drogar, irá perder o sono, o apetite.
Terá seu nariz devorado, uma parada cardíaca, respiratória, colapso
nervoso). Para realizar a performance (conjunção com a vida), o
enunciatário deve ser dotado, na competência, de um saber (a droga faz
mal, vicia, mata), que é o objeto modal. A sanção é o reconhecimento de
um indivíduo longe das drogas, em conjunção com moralidade e
legislação vigentes.

No nível discursivo, a conjunção com a vida vem através do não


usar drogas.

No nível da manifestação, as imagens e os sons reforçam o


conteúdo da fala da personagem: no momento em que seduz, a mulher

64
aparece bem maquiada e com voz suave. O som de fundo é rápido e
assemelha-se ao de uma boate; a passagem de uma cena para outra é
marcada por flashes21 prateados, a coloração dominante no início.
Conforme a mulher (droga) apresenta seus efeitos colaterais, sua voz se
torna ameaçadora, ela sangra e mancha de vermelho seu vestido e o
cenário. O som acelera mais ainda e recebe efeitos da batida de um
coração; soam gritos e sopros macabros.

Comentários
É a intimidação o papel manipulador central da narratividade. A
sedução e a tentação representadas compõem aquilo que o enunciador
julga como causas do indivíduo usar drogas (autoconfiança). Ele ironiza
essas causas, ao mostrar a qual situação o indivíduo acaba sendo
invariavelmente levado. Onde ele meteu o narizinho.
O argumento do enunciador é marcado pelo raciocínio apodítico,
destacado dos seguintes casos:
´´Quando a gente estiver bem íntimo (...)´´. O uso do termo
´´quando´´ configura um argumento persuasivo por pressuposição, ou
seja, não está em discussão se ele pode ou não se viciar. Pelo contrário,
determina que o indivíduo, necessariamente, irá se viciar. Ao assegurar
conseqüências danosas ao enunciatário, o enunciador não dá margem
para discordância.
O discurso apresenta traços condenatórios ao uso de droga,
ridiculariza os efeitos no indivíduo, porém, somente apresenta como
causas do entorpecimento o que convém à construção do discurso
autoritário/agressivo e, ademais, não oferece soluções ao problema
apontado.

21
Termo em inglês cuja tradução literal pode significar brilho, relâmpago, instante,
momento. Significa também a luz emitida pelas máquinas fotográficas no momento de
captar a imagem.

65
O enunciador constrói seu fazer persuasivo demonizando a
droga, ao colocá-la como causa invariável de diversos males e na
posição ativa da ação. O indivíduo é passivo e nada pode fazer para
evitar.

4.3 TEMA: RESPONSABILIDADE DOS PAIS COM OS FILHOS NO


QUE DIZ RESPEITO ÀS DROGAS.
No nível fundamental, têm-se as oposições Responsabilidade /
Irresponsabilidade e Liberdade / Dominação. Os demais níveis são
próprios a cada vídeo e estão detalhados no decorrer da análise.

4.3.1 GUSTAVO BORGES


Percurso figurativo: a peça narra uma passagem da infância do
atleta de natação, dando a entender, no início, que o menino usava
maconha. Porém, no desenrolar da narração, explica-se que os indícios
(olhos vermelhos e fome) na verdade eram fruto do esporte que a criança
praticava. As imagens são do álbum de família e, num segundo
momento, de competições em que o atleta aparece vitorioso. Eis a
locução, in off, na íntegra:
´´AOS ONZE ANOS, GUSTAVO COMEÇOU A CHEGAR EM CASA
COM OLHOS VERMELHOS E UMA FOME SEM FIM. SUA MÃE
LOGO DESCONFIOU QUE ELE ESTAVA DEPENDENTE... DA
ADRENALINA DAS COMPETIÇÕES. O DIÁLOGO EM CASA,
DESDE CRIANÇA, FEZ DO GUSTAVO BORGES UMA PESSOA
SEGURA PARA VIVER INTENSAMENTE. SEM DROGAS.
CONVERSE COM SEU FILHO, INCLUSIVE SOBRE DROGAS.
FUNCIONOU NA FAMÍLIA DO GUSTAVO, VAI FUNCIONAR NA
SUA´´.

66
Tematiza a importância e a responsabilidade que os pais têm na
educação dos filhos com relação às drogas. Tematiza também a
determinação do caráter em não usar drogas.

No nível fundamental, têm-se as oposições responsabilidade /


irresponsabilidade e liberdade / dominação.

No nível narrativo, duas são as performances esperadas: uma que


pretende persuadir os pais e outra, o filho.
Tendo como enunciatário os pais, o enunciador manipula por sedução
(você é tão capaz quanto os pais do Gustavo e pode afastar seu filho das
drogas). A performance esperada (objeto valor) é que os pais entrem em
conjunção com a responsabilidade. Para tanto, eles precisam de um
objeto modal, que o saber (as drogas fazem mal). A sanção é o ter o filho
afastado das drogas.
Analisando como enunciatário o filho, tem-se que a fase da
manipulação se dá por meio da tentação (se você se mantiver afastado
das drogas, terá um futuro vencedor). As outras fases, não
figurativizadas, podem se deduzidas: na fase da competência, o objeto
modal é um saber (as drogas prejudicam o futuro da pessoa). Na fase da
performance, a transformação que o enunciatário deve operar é a de
entrar em conjunção com a liberdade (objeto valor). A sanção é um
futuro glorioso.

No nível discursivo, a forma abstrata responsabilidade


concretiza-se no conversar com os filhos. A liberdade ganha concretude
através do afastamento das drogas e a forma abstrata glória, através do
reconhecimento que a sociedade tem por aqueles considerados
vencedores.

67
No nível da manifestação, o movimento leve da câmera em zoom
in22 diante das imagens do álbum de família passa a sensação de
proximidade cada vez mais íntima com a protagonista. A locução em
tom sereno reforça esse ambiente descontraído, familiar, pretendido pelo
enunciador.

Comentários
As imagens de álbum de família e de competições vitoriosas do
esportista reforçam o argumento por serem cenas validadas: a instituição
família e a vitória profissional e pessoal.
Ao construir seu fazer persuasivo, o enunciador se utiliza de
alguns recursos retóricos: o argumento pelo exemplo, que é a base da
construção do vídeo, sintetizado pela frase final ´´funcionou na família
do Gustavo. Vai funcionar na sua´´. Essa frase é estruturada por meio de
um raciocínio ao mesmo tempo apodítico (não dá chance de contrariar o
que se diz) e falacioso (generalização apressada), quer dizer, aquilo que
é dito constitui uma verdade questionável. Apelo à autoridade: Gustavo
Borges é um esportista vitoriosamente reconhecido e por isso sua
determinação e seu caráter são tidos como modelo reforçador da conduta
que se espera do indivíduo.
Ao dizer que a protagonista tornou-se segura o suficiente para
viver intensamente sem drogas, o enunciador sugere que a fragilidade do
caráter é uma causa do uso de drogas, constituindo uma dissimulada
ofensa que, por sua vez, é rastro de um discurso autoritário.
Percebe-se que apesar do vídeo ter, num nível mais superficial, a
aparência serena, familiar, como foi apontado no começo da análise, o
conteúdo fundamental revela-se justamente o contrário: agressivo e
autoritário.

22
Movimento no qual o foco da câmera se aproxima mais e mais de uma mesma
imagem, normalmente em um ponto fixo.

68
4.3.2 MARÍLIA GABRIELA
Percurso figurativo: num ambiente sombrio, a protagonista diz:
´´HOJE VOU CONVERSAR COM UMA PESSOA MUITO
ESPECIAL: VOCÊ. E VOCÊ VAI PERCEBER QUE O TRABALHO
QUE EU FAÇO, QUE É CONVERSAR COM AS PESSOAS, PODE
AJUDAR SEU FILHO A FICAR LONGE DAS DROGAS. DIÁLOGO
É MUITO IMPORTANTE. QUANDO VOCÊ NÃO DÁ ATENÇÃO A
ELE, A RELAÇÃO FICA ASSIM... DISTANTE. E AÍ NÃO DÁ PRA
ENTENDER O QUE ELE ESTÁ SENTINDO E PENSANDO.
QUANDO A GENTE CHEGA PERTO, O RELACIONAMENTO FICA
MAIS INTENSO. PONHA OLHO NO OLHO, ESCUTE,
COMPREENDA, RESPEITE OS SENTIMENTOS. QUANTO MAIS
PRÓXIMO VOCÊ FICAR DO SEU FILHO, MAIS AS DROGAS VÃO
FICAR LONGE DELE. DIÁLOGO E CARINHO: E ELE VAI FAZER
ASSIM (ela estende a palma da mão em direção à lente do vídeo) PRAS
DROGAS.´´

Tematiza a importância e a responsabilidade que os pais têm na


educação dos filhos, em especial no que diz respeito às drogas.

No nível fundamental, tem-se a oposição responsabilidade /


irresponsabilidade.

No nível narrativo, a fase da manipulação se dá por meio da


tentação (se você conversar com seu filho, ele não usará drogas). Na fase
da competência, o enunciatário deve ser dotado de um saber (o diálogo é
importante na educação dos filhos), que é o objeto modal da narrativa,
cuja finalidade última, na fase da performance, é alcançar o objeto valor
(conjunção com a responsabilidade).

A sanção será fazer o filho entrar em conjunção com a liberdade.

69
No nível discursivo, a forma abstrata responsabilidade
concretiza-se no ato de conversar com o filho a respeito das drogas. A
liberdade concretiza-se no afastamento delas e de seu vício.

No nível da manifestação, as cenas escuras e a câmera que


constantemente focaliza o rosto desfigurado da protagonista criam um
ambiente de obscuridade, aludindo à imagem que a memória traz
daquilo que se chama de ´´mundo das drogas´´.

Comentários
A protagonista do vídeo apresenta-se como alguém que quer
conversar com o enunciatário, papel que desempenha no seu cotidiano
profissional. Ao colocar Marília Gabriela interpretando ela mesma, o
enunciador utiliza-se de uma cena validada, que é o programa de
televisão da protagonista, para persuadir o enunciatário.
O recurso do apelo à autoridade, aqui na pele da jornalista
Marília Gabriela, tenta dar verossimilhança à mensagem do vídeo. Sua
palavra tem poder de verdade, ainda mais por sua imagem estar
constantemente ligada à televisão, uma mídia que, como foi explicado,
também detém de antemão a inquestionabilidade daquilo que diz.
O enunciador constrói seu fazer persuasivo também com base
nos valores ligados à família: fraternidade, diálogo, compreensão,
respeito; e se utiliza do imperativo para convencer o enunciatário. A
família e seus valores compõem uma cena validada.
O enunciador utiliza-se do raciocínio apodítico, não dando
margem à dúvida, ao dizer que o diálogo é muito importante. Essa é
premissa maior. A premissa menor aparece quando se diz que, ao não dar
atenção ao filho, a relação com ele fica distante. A conclusão é a de que
não se pode entender o que o filho pensa ou sente. Desse silogismo,
surgem outras afirmações: a de que a aproximação com o filho torna o

70
relacionamento mais intenso e, com isso, mais distante das drogas ele
vai ficar.

4.3.3 CARRO
Percurso figurativo: dois adolescentes bem vestidos, de aparência
saudável, tentam quebrar o vidro de um carro parado em uma rua. Eles
estão aflitos e, quando finalmente conseguem abrir a porta do carro, um
deles alerta da chegada da mãe do outro. Pego em flagrante, o filho se
desculpa. A mãe diz: ´´PAULINHO! MEU FILHO! COMO VOCÊ FAZ
UMA COISA DESSA? EU JÁ FALEI, EU JÁ FALEI TANTAS VEZES,
MEU FILHO: NÃO É PRA SAIR DE CASA SEM O AGASALHO.´´
O locutor in off completa: ´´SE VOCÊ ACHA NORMAL SEU FILHO
FUMAR MACONHA HOJE, AMANHÃ VOCÊ VAI ACHAR
NORMAL CRIMES MUITO MAIORES.´´

Além da responsabilidade dos pais, esse vídeo tematiza a


condescendência deles diante do uso de drogas por parte dos filhos.
Tematiza, ainda, a idéia de que o uso de drogas leva, mais cedo ou mais
tarde, à prática do crime.

No nível fundamental, tem-se a oposição responsabilidade /


irresponsabilidade.
No nível narrativo, a narratividade estanca na fase da
manipulação por provocação (você é incapaz de educar seu filho). As
outras fases, apesar de não figurativizadas, podem ser deduzidas: na
competência, o enunciatário deve ser dotado de um saber (o uso de
drogas leva à prática do crime); esse saber é o objeto modal que, na
performance, alcançará o objeto valor (fazer o filho entrar em disjunção
com o crime), que é também a sanção da narratividade.

71
No nível discursivo, o conceito abstrato crime ganha
revestimento concreto no uso de drogas e no roubo de carro.
No nível da manifestação, o posicionamento da câmera, por trás
de uns pilares, e o seu movimento despreocupado com o foco nítido da
imagem dão ao vídeo um caráter de flagra, que é também parte da
narratividade do texto (o filho flagrado pela mãe).

Comentários
Na construção da personagem da mãe, o enunciador a coloca
como ingênua, condescendente por não perceber que tem em casa um
criminoso. Desta forma, seu discurso se torna agressivo.
Ao passar a sensação de flagrante, o enunciador confere à cena
(roubo de carro) um valor negativo. E pelo roubo ser apresentado como
conseqüência inevitável do uso de maconha, este também passa a ter um
aspecto negativo.
O argumento constrói-se sobre os pilares do raciocínio apodítico,
explicitado na frase ´´se você acha normal seu filho fumar maconha
hoje, amanhã você vai achar normal crimes muito maiores.´´, sem deixar
espaço ao questionamento. O silogismo é simples: o uso de maconha
leva à prática do crime. Seu filho usa maconha. Seu filho vai cometer
crimes.
Interessante perceber que o enunciador coloca o usar maconha e
o roubar um carro próximos na criminalidade, ainda que em graus
distintos. Isso dá margem ao contra-argumento que defende a
descriminalização do uso de drogas como meio de reincorporar à
sociedade, moral e legalmente, o individuo que se entorpece com
substâncias ilegais. Portanto, não deixa de ser irônico, além de frágil, um
discurso que se pressupõe contrário às drogas (logo, contrário à sua
descriminalização), mas que em suas mensagens deixa escapar subsídios
para se argumentar o oposto.

72
4.3.4 Xuxa Tom
Percurso figurativo: em um quarto de bebê, colorido em suaves
tons pastéis, a protagonista, gestante e vestida de cetim, passeia pelo
ambiente afagando as roupinhas, os brinquedos, o berço, enfim, tudo que
remete ao bebê que estar por vir. Como fundo musical, uma canção
infantil suaviza ainda mais a peça: ´´VENHAM TODOS, MEUS
AMIGOS, VAMOS TODOS FESTEJAR O NENÉM MAIS
BONITINHO QUE ACABA DE CHEGAR. É BEM-VINDA SE É
MARIA, É BEM-VINDO SE É JOÃO, NA PALMA DA MINHA MÃO
´´. A protagonista, então, afirma: ´´TEM PRAZER QUE A DROGA
NÃO PROPORCIONA´´.

Tematiza a responsabilidade que a gestante deve ter consigo e


com o bebê, mantendo-se afastada das drogas. Tematiza também a
determinação de caráter de quem não quer usar drogas.

No nível fundamental, ocorrem as oposições responsabilidade /


irresponsabilidade e identidade / alteridade.

No nível narrativo, tem-se a fase da manipulação por tentação (se


você não se drogar, terá prazeres de outra forma). Na fase da
competência, o enunciatário deve ser dotado de um saber (tem prazer
que a droga não proporciona), que é o objeto modal da narrativa, cujo
objetivo é alcançar, na performance, o objeto valor (conjunção com a
responsabilidade). A sanção virá pelo prazer e pela conjunção com a
identidade própria.

No nível discursivo, os termos abstratos responsabilidade e


prazer são concretizados, respectivamente, através do não usar drogas e

73
da satisfação da maternidade. A concretização da identidade própria se
dá pela decisão pessoal de não usar drogas.

No nível da manifestação, o enunciador cria um ambiente


aconchegante. São suas marcas: o colorido e os tons pastéis, a
luminosidade matutina, a canção infantil, o caminhar lento e as carícias
da protagonista. O movimento também lento da câmera e a troca de
cenas em fusão de imagens23 reforçam essa característica.

Comentários
Ao criar esse cenário acolhedor, belo e rico, o enunciador tenta
persuadir o enunciatário, por meio do exemplo, de que há outras formas
de se obter prazer que não usando drogas. Entretanto, desconsidera que a
realidade apresentada não é a mesma vivida pela imensa maioria das
pessoas que compõe o público-alvo da campanha24, em um país onde a
desigualdade social é marcante25.
O argumento pelo exemplo, neste caso, é reforçado pelo apelo à
autoridade (a protagonista Xuxa é uma pessoa reconhecida
profissionalmente e seu carisma com as crianças é notório). Xuxa
interpreta ela mesma, o que confere um poder de verossimilhança à
realidade ali representada.
Quando coloca na fala da protagonista o dizer ´´tem prazer que a
droga não proporciona´´, o enunciador alude à satisfação da
maternidade, porém, deixa implícito que podem existir prazeres

23
Fusão de imagem ocorre quando a passagem de uma cena para a seguinte não se dá
de supetão, mas aos poucos a primeira vai sumindo da tela enquanto a próxima assume
o lugar, tendo um breve momento em que as duas se fundem.
24
Segundo o Instituo Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), as classes
que mais assistem televisão são as C e D.
25
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), referente ao ano de 1999, o Produto Interno Bruto per capita (que corresponde
a uma estimativa de toda a riqueza produzida pelo país divida entre os seus habitantes)
é de R$ 5.844,00. Contudo, segundo a mesma pesquisa, o rendimento médio mensal da
população com mais de 10 anos situa-se na faixa de R$ 313,00.

74
proporcionados pela droga, o que contradiz outras mensagens da
campanha de combate às drogas, onde estas são apresentadas tão-
somente como danosas ou demoníacas (Pedido, Crack, Cocaína). A
contradição não faz cair por terra a idéia de que as drogas prejudicam a
saúde, fato esse inquestionável. Porém, a incoerência dos discursos
deixa claro que, conforme aquilo que convém ao enunciador, este revela
ou esconde aspectos da droga. Prática que demonstra a despreocupação
do em passar completa e verdadeiramente as informações.

4.4 TEMA: RESPONSABILIDADE QUE A EMPRESA DEVE TER


COM SEUS FUNCIONÁRIOS, NA QUESTÃO DA VIGILÂNCIA,
PREVENÇÃO E COMBATE AO USO DE DROGAS.
A base da construção desse vídeo é a oposição entre
responsabilidade / irresponsabilidade.
4.4.1 Boate
Percurso figurativo: uma jovem mulher, de bela aparência,
protagoniza a peça, dançando em uma boate. Em um jogo rápido de
imagens, nos intervalos entre as cenas aparecem inscrições em branco
numa tela de fundo preto. No vídeo as frases aparecem aos poucos,
criando o clima de suspense. Eis o texto completo: ´´EM POUCOS
MINUTOS, ELA VAI DESMAIAR. SEUS AMIGOS VÃO LEVÁ-LA
AO HOSPITAL. MAS ELA VAI MORRER. E TUDO ISSO PELO
USO DE DROGAS. NÃO DELA. DELE: O MÉDICO QUE A
ATENDEU. A MAIORIA DOS USUÁRIOS DE DROGAS ESTÃO
EMPREGADOS (sic). SE VOCÊ É EMPRESÁRIO, VOCÊ TAMBÉM
É RESPONSÁVEL´´. O locutor, in off, completa: ´´PARA CRIAR UM
PROGRAMA CONTRA DROGAS, ACESSE O NOSSO SITE´´.

Tematiza a responsabilidade que as empresas devem ter com seus


funcionários, na questão da vigilância, prevenção e combate ao uso de
drogas.

75
No nível fundamental, tem-se a oposição responsabilidade /
irresponsabilidade.

No nível narrativo, a manipulação se dá por intimidação (se você


empregar um usuário de droga, sofrerá riscos na empresa). Na fase da
competência, o enunciatário deve ser dotado de um saber (empregar
pessoas que consomem drogas acarreta problemas para a empresa), que
é o objeto modal da narrativa. Na fase da performance, o enunciatário
deve entrar em conjunção com a responsabilidade (objeto valor). A
sanção é a imagem de uma empresa politicamente correta26.

No nível discursivo, o termo abstrato responsabilidade ganha


contorno mais concreto, através do ato de rejeitar (não contratar ou
demitir) funcionários que usam drogas. E o politicamente correto
aparece na condição em que a empresa se coloca de não contribuir
com o consumo de drogas de seus funcionários e suas conseqüências.

No nível da manifestação, o enunciador cria uma alternância


entre as cenas da personagem e a narração escrita, tudo muito rápido, o
que confere ao vídeo um caráter festivo, concordando com o ambiente
em que se passa a cena, uma boate. A música de fundo tem um ritmo
acelerado de instrumentos clássicos. No momento em que aparece
escrito na tela o termo ´´dele´´, a música é bruscamente interrompida por
uma batida forte. Os termos em negrito no texto do percurso figurativo
(morrer, drogas, dele) são realçados no vídeo em tamanho maior. O
realce que esses termos recebem configura, além de uma atenção que o

26
Esse é um termo cunhado recentemente e designa a condição de algo ou alguém
cujas atitudes estão em conformidade com determinada moral, lei. No caso, por conta
de o consumo de droga ser imoral e ilegal, não seria politicamente correto para a
empresa fazer vistas grossas (ou, de certa forma, financiar) ao entorpecimento de seus
funcionários.

76
enunciador quer para eles, uma relação de interdependência: a droga
consumida pelo médico tem ligação direta com a morte da paciente.

Comentários
O enunciador é incisivo ao fazer o elo entre o consumo de droga
por parte do médico e a morte da paciente, não possibilitando o
enunciatário refletir a respeito, marca de um raciocínio apodítico, que
por sua vez é instrumento do discurso autoritário. Esse raciocínio é a
base da construção do texto, uma vez que narra-se a história como se
fosse a realidade ali representada, ou seja, aquilo tudo que se diz recebe
um aspecto verossímil. Conforme o desenrolar dos acontecimentos, cada
ato parece justificar o anterior (uma garota na boate, que desmaia, que é
levada pro hospital, que morre...), o que reforça a conclusão apresentada
pelo enunciador: o médico matou a garota por ter usado droga.
Ao determinar essa ligação, o enunciador sugere que a empresa
deve punir o funcionário, porque ela também é responsável pela atitude
dele. Desta maneira, o discurso revela-se também agressivo 27, ao incitar
o conflito entre empresa-funcionário.
O discurso é silogístico: premissa maior: empregar usuários de
droga traz malefícios sociais. Premissa menor: você emprega usuário de
drogas. Conclusão: você é responsável pelos males sociais. A falha do
argumento encontra-se na premissa maior, cuja veracidade é no mínimo
discutível. Quantos casos semelhantes aconteceram? Como provar a
relação entre consumo de drogas e a morte da paciente? E ainda que se
consiga de fato comprovar, seria caso mesmo de simplesmente
demitir/punir o funcionário, prejudicando um profissional,
marginalizando-o, incitando ressentimentos, ou seria caso de se tentar
ajudá-lo?
O discurso também apresenta falhas de outra ordem: diz que a
maioria dos usuários de drogas está empregada. Porém, não há estudo

27
A agressão, no caso, não se dá diretamente com o enunciatário (empresário), mas faz
com que este tome atitudes agressivas.

77
algum no Brasil que aponte para esses dados. Percebe-se que o
enunciador tenta, através da generalização apressada, convencer o
enunciatário de que há uma situação de extrema urgência, visto o
panorama terrível apresentado.

CONCLUSÃO
No início do trabalho, ao ser constatada a ineficácia das
campanhas antidrogas, foram levantadas algumas causas hipotéticas que
tentaram explicar o porquê do não cumprimento de seus propósitos.
Aqui, elas serão, uma a uma, confirmadas. À medida que for sendo
avaliada cada hipótese, serão acrescentadas algumas considerações
finais acerca do que se pôde inferir do presente estudo.

Hipótese (a): O foco principal das campanhas quanto ao


problema do auto-entorpecimento e do narcotráfico está direcionado
para o lado errado, não sendo a própria droga a vilã, demonizada
como é por algumas campanhas, nem o usuário o maior culpado,
como afirmam outras. Despreza-se as origens históricas e sociais do
problema. Ao retratar uma realidade dissonante da observada em
seu círculo-social, o público-alvo não se identifica com a campanha.

78
De fato, constatou-se que peças como Pedido, Crack e Cocaína,
enfatizam as conseqüências danosas do uso de droga e dão a entender
que ninguém escapa desses malefícios. Quando destacam os prazeres e
as vantagens da droga, o fazem de forma irônica para desqualificá-los e,
ainda, ridicularizam o indivíduo que se deixa levar por esses falsos
benefícios. Ao construir em seu discurso essa imagem da droga, a
campanha reflete e refrata a disseminada idéia de que o auto-
entorpecimento invariavelmente só pode fazer mal ao indivíduo,
tornando a droga uma figura desprezível, demoníaca. Em alguns casos,
tem-se até mesmo a personificação da droga: sedutora e destrutiva, ela
parece ter vida própria e está à espera dos ingênuos e tolos para furar-
lhes com seu tridente.
Também se pôde constatar que as peças Escola e Seu Dinheiro II
querem convencer o usuário, e assim jogá-lo contra a sociedade, de que
a estância última do tráfico de drogas (que é a venda nas chamadas boca-
de-fumo) é a maior culpada, senão única, do funcionamento dessa
organização multinacional que é o narcotráfico. Foi mostrado no
desenvolvimento do trabalho como as disputas de poder entre nações
que lucram com o comércio de drogas e aquelas que, por ora, não
conseguem lucrar são peças-chave para se compreender a gênese e a
consolidação do discurso de combate às drogas.
Omitir esse aspecto é, além de fraudar a realidade, sintoma de um
discurso simplista, por julgar a origem da violência somente pela ótica
silogística e unilateral da culpabilidade do usuário, desconsiderando as
razões históricas, sociais e políticas que geram essa violência.
A configuração da droga como um mal em si próprio não condiz
com o que o indivíduo encontra em seu círculo de amizades, onde a
droga recebe aspetos positivos e o seu consumo é até incentivado. Temos
que, diante desses dois extremos (demonizar e endeusar a droga), o
indivíduo tende a discordar daquele discurso que não lhe parece

79
verdadeiro e, sobretudo, o condena. A campanha não consegue adesão
do público-alvo.

Hipótese (b): O discurso autoritário das campanhas, bem


como a maneira assaz ingênua (por vezes patética) e até mesmo
marginalizada que são representadas as personagens, fazem com
que esses trabalhos de comunicação também tenham pouca
aceitação, identificação com o público-alvo.

O discurso autoritário, como se viu, foi empregado na construção


de todos os vídeos analisados, com exceção de Xuxa Tom. As marcas de
autoritarismo que emergiram da análise são: raciocínio apodítico,
manipulação por intimidação e uso de verbos no modo imperativo.
A representação ingênua, patética ou marginalizada das
personagens pôde ser constatada, de forma mais evidente, na análise das
peças Promoção, Pedido, Censura, Crack, Carro e Cocaína. A partir
dessa confirmação, pode-se dizer que as campanhas antidrogas têm um
discurso agressivo, porque retrata o enunciatário em situações
vexaminosas, ofensivas ao caráter e à inteligência; é preconceituoso,
porque associa o uso de droga ao vício e à prática do crime; é
discriminador, porque coloca o indivíduo à margem da sociedade,
responsabilizando-o pelo mal que é a violência; é ingênuo e ineficaz,
porque, construindo sua mensagem dessa maneira, torna-se incapaz de
persuadir, de convencer o sujeito a quem é dirigida a campanha.

Hipótese (c): As campanhas prestam informações


superficiais, sem esclarecer quanto à prevenção nem oferecer
soluções para o problema, focando-se apenas nas conseqüências
deste.

80
Informações superficiais compuseram a característica geral de
todos os vídeos analisados. A construção da mensagem se baseia em
alguns poucos aspectos da realidade do narcotráfico e consumo de
drogas. Daquele, limita-se a dizer que sua consolidação e sua
conseqüente violência só são possíveis porque o dinheiro do usuário os
sustenta. Não leva em conta todas as outras razões exaustivamente
reivindicadas e apontadas pelo presente estudo. Quanto ao consumo de
drogas, o discurso é taxativo ao condenar de forma ofensiva o usuário,
colocando-o como criminoso nocivo à sociedade. No entanto, não
apresenta formas de se evitar o consumo28, muito menos apresenta
solução para o problema29.
O foco na conseqüência do uso de drogas também foi uma
constante do discurso de todas as peças, exceto em Xuxa Tom. Prevenir o
consumo apontando as conseqüências ruins é uma forma aparentemente
boa de convencimento. Porém, quando entendida a questão em sua
totalidade, quer dizer, quando entram em cena os motivos pessoais e
sociais do uso de droga, quer sejam moralmente aceitos ou não, tais
como os prazeres sensoriais, a alienação como fuga de uma dura
realidade, o relacionamento em grupo, a aceitação em grupo, o uso
recreativo e festivo, a figura do traficante como benfeitor da comunidade
e, portanto, conferindo à droga um aspecto positivo; quando, enfim, a
questão é levada a sério, parece razoavelmente claro que o problema não
é tão simples como aparenta.
O discurso antidrogas, até mesmo pelo seu posicionamento
radical, tende a reafirmar a existência do chamado ´´mundo das drogas´´.
O ´´mundo das drogas´´ é um conceito que generaliza todos aqueles que,
de um modo ou de outro, por esta ou aquela razão, consomem drogas,
28
E quando apresenta, como nos casos das peças direcionadas aos pais, o faz ou de
maneira ameaçadora ou os ridicularizando.
29
A aparente exceção é a peça Boate, que no final diz existir no site da APCD um tal
´´programa de combate às drogas´´. No entanto, no período de realização deste trabalho
(segundo semestre de 2006 até abril de 2007) nada foi encontrado que dissesse a esse
respeito. Foi encaminhado um e-mail para a APCD, através da sessão CONTATO em
seu site oficial, solicitando o conteúdo desse programa. Porém, até o fechamento do
presente trabalho, não foi obtida a resposta.

81
colocando todos à margem da lei e da moral vigentes. São vistos como
seres de um mundo à parte do mundo idealizado, como um tumor, um
câncer social que deve ser prontamente curado, no melhor dos casos, ou
renegado, entregue a sua própria desgraça nas clínicas, presídios,
cemitérios. Uma vez sucumbido a esse submundo, o indivíduo só pode
dele sair quando as drogas largar, que é o caminho para a conformidade
moral estabelecida.
Porém, para efeito de análise, peguemos uma situação em que a
droga pode assumir um caráter assertivo, como no caso dos círculos de
amizade, nos quais ela pode funcionar como instrumento de interação do
grupo, por vezes indispensável e até mesmo exigido: a moral cultivada
pela sociedade aparenta uma abstração distante e condenatória, enquanto
seu grupo de amigos é uma realidade próxima e acolhedora (nesse
ambiente ele é aceito e ninguém o recrimina por usar drogas, pelo
contrário, incentiva). Diante desse quadro, a sociedade moralista passa a
ter um caráter negativo, enquanto o seu grupo de amizade (e o consumo
de drogas) recebe um caráter assertivo. Nas drogas, o individuo
marginalizado (que se encontra à margem moral e legal da sociedade)
pode deixar de obter somente um momento de recreação para encontrar
um refúgio que lhe acalente dos males que sobre suas costas recaem.
Cria-se, dessa maneira, um círculo vicioso, aparentemente labiríntico,
cuja saída parece distante, improvável. Se do raciocínio acima
desenvolvido puder se concluir que a sociedade cria os mecanismos e
um ambiente favorável para a alienação do indivíduo através do auto-
entorpecimento, não deixa de ser terrível perceber que a condenação
legal e moral é uma forma perversa, desumana e covarde de transferir
toda a culpa social ao indivíduo, sua criatura.
Se o problema da dependência química não é simples, sua
solução parece também não sê-lo. Dentre as diversas frentes
potencialmente capazes de amenizar essa questão, uma delas são as

82
campanhas informativas sobre drogas que, no entanto, apresentam-se
ineficazes.
O presente trabalho, como dito no início, não tem o propósito de
apresentar as soluções para as falhas dessas campanhas. Foi dito também
que tais soluções poderiam emergir da constatação dos erros, bastando
evitar sua perpetuação. E, a partir daí, procurar alternativas funcionais
para se atingir o objetivo comum, que é, senão acabar, ao menos atenuar
o problema da dependência química, sintoma de uma intricada rede que
envolve aspectos pessoais, psicossociais, econômicos, políticos, etc.
Situação em que as campanhas de prevenção e controle sobre o
uso de drogas podem colaborar de maneira importante, por serem
instrumento disseminador de uma ferramenta poderosa na estrutura das
sociedades atuais: a informação. Mas que, como se viu, não somente se
omitem a prestar todas as informações, como aquilo que informam é
carregado por tom autoritário, preconceituoso, discriminador,
condenatório.
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de bolso. Editora Tecnoprint S.A. 290 p.

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intertextualidade. São Paulo. 2º Ed. Editora da Universidade de São
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BELLENGER, L. – A persuasão. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor


LTDA. 1987. 101 p.

DUARTE, D. F. – Uma breve história do Ópio e dos Opióides. Revista


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EVANGELISTA, H. A. – Rio de Janeiro: violência, jogo do bicho e


narcotráfico segundo uma interpretação. Rio de Janeiro. Editora
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Diadema: Nepaids, 2002.

KOCH, I. G. V. – Argumentação e Linguagem. São Paulo. 2ª Ed.


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ZALUAR, A. – Introdução: drogas e cidadania. In: ZALUAR, A.


(Org.) Drogas e cidadania: repressão ou redução de danos. São Paulo:
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86

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