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A DROGA COMO TABU NA SOCIEDADE


AYLLA RODRIGUES VIEIRA 1
FRANCISCO FÁBIO BEZERRA CARNEIRO 2
ROBSON AUGUSTO MATA DE CARVALHO 3

Resumo: O presente artigo aborda a temática das drogas como tabu na sociedade e sua relação nas políticas
brasileiras, com o objetivo de vislumbrar a possibilidade de uma outra alternativa além da criminalização
das drogas. O trabalho foi realizado partir de uma revisão de literatura em bases de dados, sobre o tema
drogas e tabu. Os dados coletados refletem sobre o moralismo do combate às drogas e os desafios
enfrentados pela adoção de políticas de criminalização das drogas. Enquanto isso, a produção de drogas
lícitas e ilícitas aumenta e o consumo também, gerando a necessidade de tornar alternativas das adotadas
atualmente.

Palavras-chave: Drogas. Tabu. Política de Criminalização de Drogas. Política de Redução de Danos.

THE DRUG AS TABOO IN SOCIETY


Abstract: This article deals with the topic of drugs as a taboo in society and its relationship in Brazilian
politics, with the aim of envisaging the possibility of a different alternative than the criminalization of
drugs. The work was carried out from a literature review on databases, on the topic drugs and taboo. The
data collected reflects on the moralism of the fight against drugs and the challenges faced by the adoption
of policies to criminalize drugs. Meanwhile, the production of licit and illicit drugs increases and
consumption also, generating the need to make alternatives to those adopted today.

Keywords: Drugs. Taboo. Drug Criminalization Policy. Harm Reduction Policy.

1
Dentista pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ex-integrante do Programa de Educação para o
Trabalho em Saúde (PET-SAÚDE), Discente do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF). E-
mail: ayllavieira@yahoo.com.br.
2
Graduado em Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Especialista em Direito
Processual Civil pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Defensor Público. E-mail:
fabiobcarneiro@hotmail.com.
3
Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Graduado em Ciências Sociais pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Professor da Faculdade Luciano Feijão (FLF). E-mail: robson-mata@hotmail.com.
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INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, até os dias de hoje, falar sobre drogas constitui um tabu.
Falar da descriminalização das drogas torna-se um assunto, ainda mais, cercado de
preconceitos, receios e moralismo. Segundo GUEIROS (1), a palavra tabu, de origem
polinésia, de início toma o sentido de proibições de caráter sagrado, mas seu significado
estendeu-se para outras proibições ou inconveniências e está atualmente bem difundida
na cultura ocidental. Falar de drogas ainda é um assunto muito evitado e proibido para
algumas sociedades. E quando o tema é abordado de maneira informal, normalmente, são
conceitos repetidos pela sociedade como verdade científica. Mas, não o são.
A presença das drogas na humanidade existe há muito tempo e supõe-se que
sempre existirá. Exigir ou procurar uma sociedade livre de drogas é ilusório e inútil. Não
necessariamente a mesma substância, mas normalmente quando desaparece uma, surge
outra.
A história das drogas vem desde tempos antigos. Há milhares de anos, o homem
faz uso de substâncias psicoativas. Estudos arqueológicos indicam que o consumo do
álcool data de 6.000 a.C., o ópio já era utilizado, no Egito, em 1.000 a. C., na Ásia em
1.300 a. C., se fazia o uso da canabis, os árabes, em 1.600 usavam o haxixe. A primeira
guerra das drogas ocorreu na China, datada em 1.800, contra o ópio e até hoje é possível
observar uma luta contra as drogas, em busca de um objetivo maior, um mundo livre
delas. (Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas [OBID], 2011)2.
Em determinados momentos da história dos processos punitivos, podemos
observar a questão política exercida sobre as drogas. Como por exemplo, na década de
70, em que os Estados Unidos da América (EUA) declaram guerra contra as drogas, não
somente pelos malefícios das drogas, mas também pela perca de dinheiro do governo
ianque. A estratégia do Governo Nixon, com a importante ação da representação dos EUA
nos grupos de trabalho sobre política de drogas Organização das Nações Unidas (ONU),
capitaneada por George Bush, foi a de conduzir a opinião pública a eleger as drogas,
principalmente a heroína e a cocaína, como (novo) inimigo interno da nação
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(CARVALHO, 2014) 3. É iniciado, então, de maneira explicita o discurso moral do uso


das drogas, com a ideia de uma relação causal linear impulsionada pelo impacto
econômico do tráfico de drogas.
Os reflexos do projeto externo norte-americano incidiram diretamente nas
políticas de segurança pública dos países da América Latina (CARVALHO, 2014) 3, bem
como, no início do século XIX, vários países adotaram, no que tange às drogas ilícitas,
medidas referentes ao campo da segurança e da Justiça. Tais medidas tinham como
modelo de intervenção a repressão, o proibicionismo e a estratégia de guerra às drogas.
Essa estratégia priorizou a redução da oferta de drogas e relega a segundo plano a
prevenção ao uso, tendo como principais pilares o modelo moral e criminal, que preconiza
o enfrentamento das drogas pelo encarceramento dos usuários, e o modelo de doença,
segundo o qual a dependência de drogas é tratada como uma patologia de origem
biológica (Alves, 2009)4.
Isso nos ajuda a entender a atual política proibicionista das drogas no Brasil e suas
antecessoras como a Lei 5.726/71, que é consequência direta dessa assertiva e que reflete,
ainda hoje, na Lei 11.343/06, as ações punitivas de integração legal, judicial e executiva.
A política de guerra às drogas do nosso país é influenciada pela política dos EUA. Com
proibição absoluta das drogas e ações baseadas no medo à repressão, na persuasão moral
e na intolerância ao uso de drogas, não admitindo outras alternativas. Mantém-se até os
dias atuais esse descompasso histórico entre as políticas punitivas sobre drogas e o
discurso de diferenciação e políticas de redução de danos, com predominância daquelas
de cunho proibicionista.
O resultado dessa estratégia, no Brasil, é o fracasso. É nítido o contraste do
combate ao crack com a sua disseminação aumentada. Por esses motivos, tais políticas
passaram a ser questionados e o tabu começa a ser quebrado, visto que o consumo de
drogas continuava crescendo em nível mundial e nada é feito, nem preventivo para
redução de incidências, nem curativo para redução das prevalências aos usuários
desejantes de livra-se do vício. Pelo contrário, essas pessoas são estigmatizadas e as
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políticas de tratamento nessa perspectiva são negligenciadas, mesmo o governo já


sabendo do caráter devastador das drogas.
Ganha, então, espaço a adoção de outras alternativas diferentes da punitiva, como
a descriminalização das drogas e a estratégia de saúde denominada redução de danos.
Entre a penalização e a descriminalização, entre a repressão e o liberalismo pode existir
um meio termo, a regulamentação e o controle.
Esta pesquisa não tem intenção de fazer apologia ao uso de drogas. O objetivo do
presente trabalho é de vislumbrar a possibilidade de uma outra alternativa além da
criminalização das drogas. Como a adoção de uma política de redução de danos e o
abandono da visão moralista do combate às drogas ilícitas com a quebra do tabu.

METODOLOGIA

Sabendo que a pesquisa bibliográfica é uma caixa de ferramentas para as ciências


humanas, como afirmam Booth, Colomb e Williams (2005, p. 94) 5, o presente trabalho
foi realizado partir de uma revisão de literatura em sítios de domínio público e bases de
dados disponíveis na internet, utilizando artigos de autores brasileiros e estrangeiros sobre
o tema drogas e tabu. Os dados coletados refletem sobre o moralismo do combate às
drogas e os desafios enfrentados pela adoção de políticas de criminalização das drogas.
Para a seleção das publicações consideradas neste estudo, utilizamos como critério
o descritor drogas e tabu, priorizando artigos que versassem sobre outas estratégias além
das punitivas, principalmente a da política de redução de drogas.
Após a leitura e a análise da literatura consultada, destacamos as principais
informações que permitiram levantar as discussões sobre a necessidade de adoção da
diferenciação do traficante e usuário e da política de redução de drogas para os
dependentes dessas substâncias, bem como esclarecer que a guerra as drogas é algo
incessante e que certamente ela continuará acompanhando a história da humanidade,
sendo um tabu ou não. Apresentamos na sequência essas discussões.
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DESAFIO DO COMBATE À DROGA

É bastante contraditório entendermos porque o uso de drogas ilícitas tem


aumentado continuamente na população, apesar de todas as medidas repressivas. O
combate ao uso de drogas se torna um desafio, não apenas pela sua força econômica e
pelo mercado ser rentável, sendo hoje um dos maiores setores econômicos mundiais. O
combate ao uso de substâncias ilícitas se torna maior desafiante, devido ao seu alto
consumo. Muitas são as razões para o uso de drogas, também foram várias as formas que
a sociedade adotou para avaliar esse consumo. Um dos maiores problemas é como
diminuir o consumo, se não existem políticas públicas eficazes para isso.
O Estado concentra forças para reduzir e combater a produção de drogas, pela
apreensão das substâncias ilícitas, pela punição de usuários e traficantes e pouca ou
nenhuma atitude educacionais e médicas para viabilizar a incidência e a prevalência do
consumo. Gasta-se muito menos com a prevenção e a educação.
Um exemplo disso, são os EUA, que investem dinheiro para combater o tráfico
internacional de drogas, vindas de países latinoamericanos. E os culpam pela produção
de narcóticos, e por não conseguirem combater as drogas.
A síntese do discurso pode ser visualizada no informe do Congresso dos EUA
sobre O Tráfico Mundial de Drogas e seu Impacto na Segurança dos Estados Unidos
(1972), em que se percebe a culpabilização dos países produtores pelo consumo interno,
ou seja, a criminalização do estrangeiro reforça a vitimização doméstica (CARVALHO,
2014) 3. Os EUA, esqueceu que só há vendas de drogas, porque existe um mercado
consumidor no país. O problema não está só na oferta, mas também na demanda. Além
disso, existem uma interpelação direta de setores legais a ilegais. Tais setores interagem
frequentemente na economia, tratando de compras legais e obtendo lucro vinda do tráfico
de drogas, como por exemplo armas compradas legalmente nos EUA, obtidas com
dinheiro arrecadado por uso de drogas ilícitas.
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Trazendo esse contexto para o Brasil, o nosso governo não deve se preocupar
apenas no combate da produção e entrada de drogas no país. Deve-se tentar reduzir o
consumo, tratar os usuários e prevenir o consumo. A Escola de Chicago, uma das teorias
criminológicas, tida como conservadora, propõe posturas preventivas e não repressivas,
como solução para redução da criminalidade – esta, intimamente ligada ao uso de drogas.
Algumas propostas de prevenção à criminalidade estão atreladas à redução do
consumo de drogas da população mais carente e também à proposta preventiva de
políticas públicas minimizadoras da miséria e de resgate da cidadania. Segundo Shaw e
Mckay, nenhuma redução de criminalidade é possível se não houver mudanças efetivas
das condições socioeconômicas e sociais das crianças. (SHAW, 1929) 6.
A rejeição de medidas preventivas e adoção de políticas de repressão estatal leva
a um ciclo vicioso de menos educação, menos prevenção, mais consumo de drogas, mais
crimes, mais prisões e pouca ou nenhuma solução.

O DISCURSO MORALISTA CONSERVADOR E A CRIMINALIZAÇÃO DAS


DROGAS

No século XX, a maconha ainda era uma droga lícita e economicamente positiva
no Brasil. Houve um período em que a droga era compreendida como um remédio, uma
vez que tinha a capacidade de eliminar a dor e de afastar os problemas (OBID, 2011)2.
Vale destacar que, até então, colonizadores, senhores de engenho e Agentes do Império
Lusitano já estavam habituados com o cultivo e uso da erva (A história da maconha, a
droga mais polêmica do mundo, 2012)7.
Mas, no decorre dos anos se tornou pouco aceita por representar as baixas classes
sociais, pois a erva representava as raízes culturais do continente africano. No início do
século XX, com a industrialização e urbanização, o hábito de uso da maconha ganha
adeptos, além de ex-escravos, mestiços, índios e imigrantes rurais, os moradores dos
meios urbanos também passaram a utilizar a cannabis. Apesar da planta ser utilizada
como matéria-prima para fibra têxtil, principalmente da elite, sua imagem ficou marcada
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e associada pelos pobres, negros e indígenas. É aí que autoridades começam a se


preocupar com a repercussão da droga. Já com a ONU formada, em 1961, as maconhas,
junto com a heroína, foram consideradas as drogas mais perigosas e nocivas. (A história
da maconha, a droga mais polêmica do mundo, 2012)7.
Nos anos 60, na mesma década que a maconha foi considerada nociva, o
movimento hippie fez as drogas serem mais difundidas e vistas como combustível
criativo. Nos anos 70, no Brasil, o uso das drogas era uma atitude política. E hoje, a droga
continua sendo elemento cultural, presente na música, propagandas, filmes e costumes,
mesmo que com menor frequência.
As drogas continuam sendo um elemento de integração entre grupos, podendo, até
mesmo, ser um ritual ancestral e sagrado.
Na América Latina, um efeito bélico exemplar ocorreu com o etnocídio resultante
da inclusão da folha da coca nas listagens de drogas ilícitas a eliminar, com a destruição
de culturas seculares entre os povos andinos (CARVALHO, 2014)3. Isso cria dificuldades
às agências de controle penal, pela multiplicidade do uso e a dinâmica das situações
sociais, existindo múltiplos significados dos atores sociais utilizarem tais substâncias.
Não sendo consumida por uma única classe social e nem apenas por um único motivo.
O processo de criminalização de drogas é produto eminente moralizador. A
desinformação e os preconceitos, acumulados durante as décadas de uma política
repressiva, não tem ajudado encontrar soluções inovadoras e mantêm a droga no patamar
de tabu, tornando a visão moralista conservadora de combate às drogas uma questão
política e ideológica. Não é negável os malefícios que esses narcóticos trazem ao
indivíduo e à sociedade, no entanto é perceptível a forte influência do discurso moralista
para descriminalizar as drogas. Isso explica o fato do álcool, que é mais danoso que a
maconha, ser lícito, e, esta, não.
O processo de criminalização das drogas é visto como uma luta do bem contra o
mal, criando o estereótipo moral do consumidor, onde o usuário deve ser punido,
dificultando, com isso, a prevenção.
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Não se realiza uma análise científica da criminalização de drogas e apenas opta-


se por colocar o usuário, doente, no mesmo grau do traficante. Isso aumenta o número de
presos e não resolve o problema. Gerando ainda mais gastos para o governo.
Enviar o usuário para a cadeia não é uma alternativa resolutiva. É nesse local que
o uso dos entorpecentes é intensificado. E no local em que não deveria ter nenhuma
presença da droga, acontece exatamente o contrário, faz-se o uso exacerbado das
substâncias ilícitas.

A RESPONSABILIZAÇÃO DE TODOS OS ATORES ENVOLVIDOS NO


CONSUMO DAS DROGAS

O uso das drogas não é um problema individual do usuário. A atitude dele destrói
uma família inteira, com o abandono dos laços sociais, repercutindo diretamente na
sociedade. Isto gera efeitos devastadores, com o crescimento das atividades criminais, o
aumento do sentimento de insegurança e a manutenção de um caríssimo aparato de
repressão.
Além disso, vira um problema de saúde pública, necessitando do tratamento dos
viciados e das doenças infecto-contagiosas, adquiridas pelo uso de drogas injetáveis. Bem
como provoca um problema econômico, uma vez que as drogas ilícitas constituem uma
fonte de renda informal, que faz parte do novo ambiente social, econômico e cultural.
Com essa análise, vislumbramos que uma atitude individual reflete todo um drama
público e isso abre espaço para apresentar formas alternativas de punição para combate
às drogas, bem como reduzir os danos ao uso.
Deve-se estabelecer a ideologia de diferenciação. Traçar a nítida distinção entre
consumidor e traficante, ou seja, entre doente e delinquente. Iniciar o discurso médico-
psiquiátrico, de tratar o usuário como doente que necessita de ajuda profissional médica
e psicológica observando que a responsabilização da disseminação das drogas é bem mais
complexa do que a simples punição de encarceramento. Não apenas responsabilizar o
usuário, o traficante e a família do usuário, mas principalmente saber que é dever do
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governo evitar esse uso de maneira mais ampla e que o encarceramento não é a única
opção. É uma responsabilização de todos os atores envolvidos. São os usuários, os grupos
sociais, o criminoso e o governo por meio da política, saúde, educação e trabalho.
Além da distinção, deve-se tratar, de maneira adequada, os usuários. Estes,
normalmente, não têm informação intelectual, não estão preparados para o mercado de
trabalho e não se empregam. Devem ter apoio psicológico, médico e educacional, assim
como fornecer condições para a existência de empregos formais e bem remunerados, para
que o tráfico não seja uma opção vantajosa.
Além disso, aplicar a lei, de forma vaga, não diferenciando a quantidade de porte
de drogas, não distinguindo o tráfico do consumo, tende apenas a favorecer os
dominadores do poder, da maneira que os convêm. A lei deve ser aplicada de maneira
universal e não de acordo com a vontade individual do representante do governo. Mas,
sim, de maneira clara, sem deixar espaço para interpretações diferentes.
Vera Malaguti Batista faz essa abordagem, da aplicação da lei vaga:

aos jovens de classe média, que a consomem [cocaína], aplica-se o estereótipo


médico, e aos jovens pobres, que a comercializam, o estereótipo criminal (...)
processos de criminalização de jovens pobres que hoje superlotam os sistemas
de atendimento aos infratores. (BATISTA, 2003. p.74).8
Afirmando a mesma linha de pensamento, Rosa del Olmo fala sobre a maconha
da seguinte maneira:
(...) tudo dependia na América Latina de quem a consumia [droga]. Se eram os
habitantes de favelas, seguramente haviam cometido um delito, porque a
maconha os tornava agressivos. Se era os ‘meninos de bem’, a droga os
tornavam apáticos. (OLMO, 2004 p. 46).9

O DISCURSO PROIBICIONISTA E A REDUÇÃO DE DANOS

O Brasil adota uma política de drogas nacional alinhada ao discurso proibicionista,


“repressivo-moralista” da Lei nº. 11.343/2006 (Brasil, 2006)10. No entanto, ao longo de
seu contexto histórico, as legislações sofreram grandes mudanças, de um proibicionismo
radical para mudanças significativas no conteúdo da legislação brasileira sobre drogas,
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em que a atenção à saúde do usuário de entorpecentes se torna um tema cada vez mais
relevante.
A partir da década de 2000, as políticas públicas de drogas brasileiras têm-se
apresentado permeáveis ao enfoque da redução de danos, podendo ser observada uma
importante mudança, referente à distinção feita entre as atividades antidrogas e aquelas
de prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, conferindo maior destaque a
estas últimas (Brasil, 2000)11.
Embora estratégias, como a redução de danos, tenham conquistado espaço na
agenda pública brasileira e mudanças estarem ocorrendo na legislação, estamos longe de
chegar aos modelos ideais. Existe uma incongruência nas propostas do Ministério da
Saúde de se posicionar em favor da construção de uma política de redução de danos e a
Política Nacional sobre Drogas baseada em uma abordagem de erradicação das drogas
ilícitas.
Nesse cenário, fica claro que as drogas devem ser reconhecidas como um
problema social complexo, a ser enfrentado com políticas públicas, mas elas devem ser
adotadas de uma maneira clara, em que o usuário de drogas deve ser visto como um
doente e não um delinquente, abandonando o julgamento moral do mesmo, com o
afastamento da visão moralista do combate às drogas ilícitas e com a quebra do tabu.
Deve-se fazer com que o usuário busque tratamento e não se afaste da solução
pelo medo da prisão. A política de criminalização de drogas dificulta a prevenção, visto
que trata o usuário como delinquente, pois culpabiliza-se, na concepção dessa política
nacional, o usuário de drogas pelos crimes relacionados ao tráfico.
A solução não é a prisão de doentes, mas sim prevenção, educação, valorização
do trabalho, descriminalização da droga (pela qual continua punindo, mas não com a
prisão), organização e controle de vendas de entorpecentes, acesso e acompanhamento do
viciado à rede de serviços e rede de suporte social, repressão à produção e ao tráfico de
drogas, atenção à saúde e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e adoção
de política de redução de danos. Cuidando do doente e reduzindo o dano da droga no
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usuário, para evitar outros riscos relacionados ao uso de drogas como infecções causados
pelo HIV, hepatite C e overdoses. Oferecendo um local limpo, seguro. E que o usuário
vá ao encontro do médico e de ações sociais, como educação e sensibilização, mesmo que
para isso seja oferecido a própria droga pelo governo.
A droga também deve ser vista como uma medicação. A dose, que o usuário não
sabe administrar, deve ser feita pelo profissional médico, permitindo tratar o doente
viciado e também favorecendo uma melhor qualidade de vida a pacientes, que necessitam
do uso de algumas drogas tidas como ilícitas, como pacientes com câncer, esclerose
múltipla e pacientes com tiques nervosos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas públicas sobre drogas refletem o contexto histórico vivenciado pelo


País, atrelado ao modelo da ideologia norte-americana da guerra às drogas e das políticas
proibicionistas. Sendo assim, todo o debate atual, decorrente da possível falta de clareza
sobre a redução de danos e do moralismo da criminalização das drogas, dificulta o debate
do tema, de maneira mais racional e menos estereotipada. E, por consequência, impede a
elaboração de soluções efetivas e inovadoras, inibindo uma série de atuações mais
científicas, mais bem apuradas, devido à ideias pré-concebidas.
Apesar dos avanços ocorridos nas legislações, a respeito da política de
criminalização das drogas, há ainda muito o que ser mudado e revisado. É claro que
solucionar os problemas atrelados à droga, tanto no contexto sócio jurídico como na
questão de saúde pública, é um desafio complexo e incapaz de ser solucionado com uma
única ação punitiva. É preciso lançar um olhar mais acurado sobre a configuração atual
do cenário das drogas no p aís e responder às atuais demandas no campo da prevenção.
Infelizmente, o Brasil não está pronto para a descriminalização das drogas, visto
que o pensamento moralista da população impede que o usuário busque ajuda. Além
disso, é uma questão de educação e prevenção, a qual estamos longe de alcançar.
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Porém, nada impede que isso comece hoje, com as ações de base, para, no futuro,
enfrentemos a droga de uma maneira mais aberta, quebrando todo o tabu histórico.

REFERÊNCIAS

ALVES, V. S. “Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos,
saberes e práticas”. In: Cadernos de Saúde Pública, 25(11), 2009. p. 2309-2319.

BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio
de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 2003.

Booth, W.C., Colomb, G.G., & Williams, J.M. A arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CARVALHO, Salo de. A política Criminal de drogas no Brasil - Estudo criminológico e drogmático da
Lei 11.343/06. Editora Saraiva, 2014, p. 70 e 71.

Decreto nº. 3.696 de 21 de dezembro de 2000. Dispõe sobre o Sistema Nacional Antidrogas, e dá outras
providências. Diário Oficial da União 2000; 22 dez.

GUEIROS, R. F. Mansur. Tabus linguísticos. Rio de Janeiro: Simões, 1956.

História da maconha, a droga mais polêmica do mundo. 2012. Acessado em 16 março, 2017, disponível
em: http://psicodelia.org/noticias/a-historia-da-maconha-a-droga-mais-polemica-do-mundo.

Lei nº. 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006;24 ago.

Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – (OBID) 2011. Acessado em 3 março, 2017,
disponível em:
http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/conteudo/index.php?id_conteudo=11288&rasto=INFORMA
%C3%87%C3%95ES+SOBRE+DROGAS%2FTipos+de+drogas/%C3%81lcool#historico.

OLMO, Rosa Del. A América latina e sua Criminologia. Rio de Janeiro: Revan: ICC: 2004 (Pensamento
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SHAW, Clinfford, Frederick M. Zorbaugh, Hery D. Mackay, and Leonard S. Cottrell. Delinquency Areas.
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Recebido em 12/05/2017. Aprovado em 31/10/2017.

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