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A relação adolescente–drogas e as

perspectivas da nova legislação sobre


drogas

Maria Inês Gandolfo Conceição e


Maria Cláudia Santos de Oliveira

Sumário
1. Compreendendo as drogas e o adolescente
em uma perspectiva sistêmica e relacional. 2.
Drogas, adolescentes e violência. 3. Onda jovem
no Brasil. 4. O papel das redes sociais na prote-
ção. 5. Políticas e legislação atual sobre drogas.

“Our youth now love luxury. They have bad


manners, contempt for authority; they show
disrespect for their elders; they contradict
their parents and tyrannize their teachers.”
Sócrates (469-399 a.c.)

A visão pessimista acerca de nossa ju-


ventude não é um fenômeno atual, como
nos faz crer o discurso dos mais velhos.
Suas raízes são muito remotas, como se
pode constatar na epígrafe de Sócrates, da-
tada do século V a.c. O consumo de drogas,
por sua vez, também acompanha o homem
desde tempos imemoráveis. Segundo
Carvalho (1997), há registros de consumo
de ópio e de cannabis que remontam 3.000
a.c. No entanto, o conhecimento acerca do
consumo de drogas nas mais diversas so-
ciedades humanas tem mostrado que o que
antes ocorria em eventos específicos – como
rituais xamânicos – parece ocorrer atual-
Maria Inês Gandolfo Conceição é Doutora mente de forma mais ampla e distribuída
em Psicologia, Professora Adjunta do Depar- entre diferentes grupos etários e atividades
tamento de Psicologia Clínica da Universidade sociais, ao mesmo tempo que adquire novos
de Brasília.
significados. O uso de drogas é influencia-
Maria Cláudia Santos de Oliveira é Doutora
em Psicologia, Professora Adjunta do Departa- do por características que são próprias da
mento de Psicologia Escolar e do Desenvolvi- cultura ocidental, que sugerem priorizar a
mento da Universidade de Brasília. busca do prazer imediato. Por outro lado,

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seria uma análise simplista considerar que mantém com família e amigos, a rede de fa-
todo consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, vores que o consumo impõe em relação aos
justifica-se por essa motivação. Especial- financiadores do produto e fornecedores
mente entre os jovens, tal consumo pode são aspectos sem os quais a compreensão
representar uma estratégia de socialização, do significado da droga é parcial.
de aquisição de uma identidade de grupo, Na perspectiva sistêmica, ainda, o uso
de ocupação do tempo livre e, até mesmo, de drogas é visto como um sintoma, algo
alcance de estados psíquicos propícios ao que tem função estabilizadora, unindo o
pensamento produtivo e à criação artística. sistema e mantendo seu equilíbrio. Assim,
Seja como for, a compreensão das significa- a droga exerce duas funções paradoxais: a
ções em torno da relação entre o jovem e as homeostática (mantenedora de equilíbrio)
drogas no contexto atual exige adotar uma e a de denúncia, o que se dá por meio do
perspectiva sistêmica e crítica. sintoma (SUDBRACK, 2006). A primeira
Assim sendo, o presente trabalho pode ser exemplificada em casos tais como
organiza-se da seguinte forma: na primei- os de famílias em que o casal está a ponto
ra seção, ampliamos a discussão sobre os de se separar e o filho adolescente passa a
fatores psicológicos, sociais, culturais e fazer uso abusivo de drogas. Tal compor-
econômicos que envolvem a relação entre tamento aditivo do adolescente não passa
jovens e drogas; em seguida, abordamos despercebido e, ao se constituir um novo
as inter-relações entre abuso de drogas e foco de atenção dos pais, contribui para que
violência nesse grupo etário, insistindo se unam em torno do problema do filho.
na relevância do papel da comunidade na Ao mesmo tempo em que o uso da
prevenção e proteção da pessoa envolvida droga favorece a manutenção do equilí-
com drogas; na terceira parte, discutimos brio, ou seja, a conservação do sistema, o
os novos horizontes em que se inserem as comportamento de consumo abusivo de
abordagens técnicas, jurídicas e penais para drogas aponta a necessidade de mudança,
o usuário de drogas, a partir das recentes denunciando que algo está disfuncional no
políticas e das mudanças ocorridas nos sistema. A dinâmica entre mudança e cons-
dispositivos legais. tância os converte em fatores inseparáveis
e complementares. Em outras palavras, se
1. Compreendendo as drogas e o por um lado o consumo de drogas dá a
adolescente em uma perspectiva impressão de independência, separação e
crescente individuação por parte do ado-
sistêmica e relacional
lescente, por outro, provoca justamente
Na ótica sistêmica, as drogas não são o contrário, isto é, sua reaproximação do
simplesmente um produto, mas um fe- sistema, à medida que ele começa a ter
nômeno social complexo, que não pode dificuldades com os estudos, o trabalho,
ser estudado e compreendido sem que se os relacionamentos. Trata-se, portanto,
considere na análise todo o seu universo de uma pseudo-individuação, atribuindo
relacional, do qual extrai seu valor e signi- uma dupla função ao consumo de drogas:
ficado. Opondo-se às explicações do tipo distanciar-se da família e, ao mesmo tempo,
causa e efeito, a abordagem sistêmica traz tornar-se dependente dela em relação aos
uma leitura mais ampla dos fatores que cuidados e ao sustento, por exemplo. Fora
envolvem o fenômeno das drogas, procu- de uma abordagem sistêmica, a compreen-
rando compreendê-los na sua complexida- são sobre o consumo de drogas fica limitada
de: os efeitos físicos das drogas, as crenças a uma relação linear de causa e efeito, ne-
do usuário no poder mágico do produto, gligenciando a complexidade das relações
a qualidade dos vínculos afetivos que ele envolvidas no fenômeno. Busca-se atribuir

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a um dos elementos dessa relação (a droga, se este fosse um mal extrínseco à sociedade
o usuário, a oferta ou a procura) a respon- e não inerente a ela. Entretanto, pouco ou
sabilidade pela existência do problema. nada fazem para abordar as drogas que se
O uso abusivo de substâncias psicoati- compram nas prateleiras de supermercado,
vas toma proporção de grave problema de independentemente dos danos que causem
saúde pública no nosso país, refletindo-se às pessoas e prejuízos aos cofres públicos,
nos demais segmentos da sociedade. Suas em virtude de doenças, incapacidades e
conseqüências afetam nações do mundo mortes que ocasionam.
inteiro, avançando por todas as sociedades O fato de a sociedade tolerar as drogas
e envolvendo homens e mulheres de dife- lícitas pode estar contribuindo para o au-
rentes grupos étnicos, independentemente mento do consumo de álcool e tabaco entre
de classe social e econômica, ou idade. os mais jovens. Uma parcela deles experi-
Existe uma tendência mundial que menta drogas muito cedo, com o risco de
aponta para o uso cada vez mais precoce de passar do uso das drogas lícitas para as
substâncias psicoativas, incluindo o álcool, ilícitas, o que nem sempre está relaciona-
sendo que, para uma parcela de usuários, do ao aumento da idade. Porém, é preciso
tal uso também ocorre de forma cada vez considerar que o uso de álcool e do tabaco
mais pesada. No Brasil, estudo realizado não condiciona direta e naturalmente o uso
pelo Centro Brasileiro de Informações de outras drogas como maconha, cocaína e
sobre Drogas Psicoativas (CEBRID) acerca demais substâncias psicoativas.
do uso indevido de drogas por estudantes Por sua vez, o adolescente usuário de
de ensino fundamental e médio, em dez drogas ilícitas tem recebido tratamentos
capitais brasileiras (GALDURÓZ; NOTO; contraditórios, sendo tratado ao longo
CARLINI, 1997), revelou percentual altís- da história ora como doente, ora como
simo de adolescentes que já haviam feito criminoso. Tanto uma como outra forma
uso de álcool alguma vez na vida: 74,1%. de tratamento levam à estigmatização e
Quanto a uso freqüente, o percentual foi de contribuem para mantê-lo na clandes-
14,7%. Também ficou constatado que 19,5% tinidade, limitando nossa compreensão
dos estudantes faltaram à escola após beber do fenômeno. Por isso, as abordagens re-
e que 11,5% brigaram. pressivas e de combate que acompanham
O panorama nacional de consumo de essa visão têm-se mostrado insuficientes e
drogas mostra que as mais consumidas e ineficazes, tendo grande responsabilidade
as que mais causam dependência não são na reprodução da violência, quase sempre
as drogas ilícitas, mas as lícitas, como o associada ao mundo das drogas. Os resul-
álcool e o cigarro, por exemplo. A presença tados das táticas repressivas de combate
de drogas no país não se deve exclusiva- às drogas se refletem nas estatísticas dos
mente aos traficantes internacionais, mas presídios superlotados e nas altas taxas de
obedece a uma lógica intrínseca ao próprio mortalidade de suas vítimas preferidas:
funcionamento de nossa sociedade, carac- os usuários negros e pobres oriundos das
terizada por interesses econômicos e nor- periferias. Paradoxalmente, em nome do
teada pelo consumo em geral. Entretanto, combate às drogas, as medidas repressivas
ainda hoje as drogas ilícitas são vistas como têm provocado mais prejuízos e perdas
substâncias com poderes diabólicos, que humanas do que o próprio efeito deletério
seduzem e corrompem pessoas inocentes das drogas.
e desprotegidas, vendo o problema como Segundo Rodrigues (2002), a unanimi-
centrado no produto. As ações de “combate dade em torno da urgência de se combater
às drogas” orientam-se a eliminar os pro- o tráfico de drogas no continente americano
dutos ilícitos do mercado informal, como está amparada em lastros morais e saberes

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médico-sanitaristas. Historicamente, as caminho da simplificação e do retrocesso,
políticas voltadas para usuários de drogas, no qual propostas de penas mais duras e
no plano jurídico, baseiam-se no modelo de redução da idade penal ganham adesão.
de tribunais norte-americanos, cuja idéia Por outro lado, poucas são as iniciativas de
central é de que os consumidores, como médio e longo prazo que contribuem para
pena, ficam obrigados a tratar sua suposta resgatá-los, educá-los e implementar suas
doença, a qual é diagnosticada, na maior condições de cidadania, ao enfrentarem
parte dos casos, por uma autoridade jurí- proativamente as condições de risco e vul-
dica. O descumprimento dessa obrigação nerabilidade em que vivem.
implica uma punição legal mais severa e Essa estreita e intrincada relação entre
gera o modelo de tratamento compulsório as drogas e o fenômeno da violência se
em que os usuários passam a ser vistos tan- observa principalmente em contextos co-
to como doentes quanto como criminosos munitários de pobreza e que envolvem o
(BRAVO, 2007). tráfico. Sabemos que, em face da omissão
Bucher (2007) aponta que as visões sobre do Estado e da carência de políticas so-
prevenção, assim como as intervenções na ciais orientadas para a profissionalização
área do uso de drogas, são marcadas por e inserção profissional do jovem, o tráfico
duas concepções diametralmente opostas. de drogas converte-se em importante fator
Tais concepções resultam de éticas diferen- da economia local das comunidades de
tes sobre o papel das drogas na sociedade, baixa renda. Entretanto, o fenômeno da
e também sobre a vida social em si, do ser violência revela-se mais complexo e sua
humano, da visão de homem. A primeira compreensão envolve outros elementos,
avalia as drogas como um mal “externo” à que analisaremos a seguir, com base nos
sociedade, trazidas por traficantes e pro- resultados do Mapa da Violência apontado
dutores. Na segunda concepção, as drogas pela Unesco (WAISELFISZ, 2004):
não são trazidas de fora, mas representam – Os avanços da violência homicida
um mal inerente à sociedade, secretado por no Brasil são explicados exclusivamente
ela devido a desequilíbrios, tornando-se pelo aumento dos homicídios contra a
válvula de escape para sustentar tensões in- juventude.
toleráveis. As drogas, dessa forma, vestem – Hoje, aproximadamente 40% das
a carapuça de bode expiatório moderno, mortes de jovens devem-se a homicídios,
passando a representar novo “mal-estar na enquanto na população não-jovem essa
cultura”, caminhando ao lado da margina- proporção é de 3,3%. No Rio de Janeiro, Es-
lização social. pírito Santo e Pernambuco, essa proporção
ultrapassa 50%.
– Os homicídios vitimam fundamental-
2. Drogas, adolescentes e violência
mente a população de sexo masculino (93%)
É comum associar a juventude à vio- e de raça negra.
lência. Os jovens mantêm com a violência – Nos finais de semana, os homicídios
uma relação contraditória, oscilando entre aumentam dois terços em relação aos dias
a posição de vítima e a de agressores. de semana.
Compreender essa relação é crucial para – Os homicídios vêm crescendo mais
a elaboração de estratégias eficazes de rapidamente no interior dos estados do que
intervenção, que alcancem o objetivo de nas capitais ou regiões metropolitanas.
proteção e prevenção. Ao mesmo tempo, Esses dados evidenciam que, entre os
crescem as discussões sobre a violência jovens, o direito à vida se encontra em
juvenil e o questionamento sobre as possí- risco e necessita de atenção especial, já
veis soluções para a mesma aponta para o que a juventude está sendo desperdiçada

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em conseqüência da violência que a atin- da população juvenil na reprodução do
ge. Indicam também que esse problema, fenômeno, considerada a população mais
que há tempos era exclusivo dos grandes exposta e atuante no sistema de distribuição
centros urbanos, talvez em decorrência de drogas. Essas concepções traduzem-se
do incremento das políticas de segurança em posicionamentos tais como:
pública, começa a migrar para as pequenas – Eles (os jovens) são pobres e não têm
cidades do interior do país. Nesse contexto, do que sobreviver – justificando a inserção
o lazer passa a constituir fonte de risco, no tráfico pelas condições de pobreza.
demonstrado pelo aumento das mortes nos – Eles (os jovens) são infelizes e preci-
fins de semana. sam de drogas para se alienarem – justi-
O fenômeno endêmico de mortalida- ficando o consumo por uma demanda de
de juvenil revela um quadro desolador, alívio do sofrimento gerado pela condição
que mantém nossos jovens sob constante de exclusão social.
ameaça, fazendo com que se alternem nos – Eles (os jovens) são violentos por na-
papéis de vítimas e de algozes, situação que tureza e em virtude de falhas na educação
necessita ser imediatamente revertida. É familiar – justificando a marginalização em
preciso vencer o silêncio, a apatia, a falta de função de falhas na família.
perspectiva, a ausência de projeto de futuro – Matam porque não dão valor à vida –
e a resignação ante a tamanha barbárie, que justificando as práticas de violência como
compromete o projeto de futuro de um país aventuras em busca de se expor às situações
cuja população ainda é constituída predo- de risco.
minantemente de jovens. – Matam e morrem sob o efeito des-
De acordo com Sudbrack e Conceição controlado das drogas – justificando os
(2005), associar drogas à violência é uma homicídios pela supressão de consciência
das formas mais comuns de abordar e decorrente das drogas, que privam a pessoa
justificar ambos os problemas nos dias de auto-controle.
atuais, o que escamoteia as especificidades Mesmo considerando o aumento no
de cada problema e contribui sobremaneira que diz respeito às estatísticas de crimes
para a construção da violência. Freqüen- ligados aos efeitos das drogas, não pode-
temente essa associação é feita de forma mos esquecer o contexto mais amplo em
linear e parcial, resultando no aumento que a criminalidade ocorre, sob o risco de
das demandas por políticas repressivas de incorrermos em diferentes formas de redu-
segurança e de controle em detrimento das cionismo. Fatores como violência, tráfico e
políticas de saúde, assistência e educação. consumo de drogas se apresentam numa
Na realidade, poucas vezes se considera o relação estreita e impossível de ser sepa-
fenômeno das drogas em sua amplitude e rada, sobretudo nas camadas mais pobres
complexidade: ou se cai em alguma forma da população. Em função disso, o desen-
de reducionismo sociológico, abordando-se volvimento de ações sistêmicas em relação
a relação violência–tráfico como fenôme- ao abuso de drogas torna-se ineficaz sem o
no social, ou se peca pelo reducionismo amplo envolvimento e comprometimento
individualista da questão, que passa a ser da comunidade.
abordada como a doença dos dependentes
de drogas. Segundo as autoras, quando
3. Onda jovem no Brasil
se inclui a participação dos usuários na
construção do fenômeno, essa participação Como tem sido constatado em estudos
se reduz a perspectivas que reforçam a anteriores (Conceição & Oliveira, no prelo),
relação supostamente linear entre violên- a partir da década de 1980, a sociedade
cia e pobreza, com destaque para o papel brasileira empreendeu grandes esforços na

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consolidação de políticas públicas voltadas Entre as ações, encontramos o Estatuto
à redução da mortalidade na primeira in- da Juventude, discutido em 2004 na Co-
fância. Doenças como a poliomielite e gran- missão Especial de Políticas Públicas para
de parte das viroses infantis foram erradi- a Juventude da Câmara dos Deputados.
cadas. Um importante trabalho de saúde Esse Estatuto, que tem o objetivo de propor
da família foi desenvolvido nas diferentes e acompanhar a consolidação de políticas
regiões do país para reduzir as mortes por nas áreas de saúde, educação, trabalho e
desidratação, problemas da água e baixa justiça, entre outras, foi o ponto de partida
qualidade nutricional. Essas ações, aliadas para a construção da Política Nacional da
à universalização da educação básica (em Juventude.
1996 alcançou-se o recorde brasileiro de A prioridade dada às questões da ju-
matrículas escolares, com 96% das crianças ventude pelo Governo brasileiro teve como
em idade escolar na escola), contribuíram marco importante o ano de 2005, quando
para que o Brasil, durante a década de 1990, foram criados simultaneamente a Secretaria
alcançasse a chamada onda jovem. Nacional da Juventude, o Conselho Nacio-
Esse fenômeno ocorre quando certo nal da Juventude e o Programa Nacional de
país atinge, como resultado do aumento da Inclusão de Jovens (ProJovem), em atenção
qualidade e expectativa de vida, um ponto à Política Nacional da Juventude.
ótimo na relação entre população jovem e O ProJovem trata de forma integrada e
idosa, de tal forma que a economia nacional criativa temas como escolaridade, profis-
pode contar com um número expressivo de sionalização e cidadania. Esse programa
trabalhadores jovens, bem qualificados e tem por objetivo ampliar o acesso e a per-
de mais baixa remuneração que os profis- manência na escola, a erradicação do anal-
sionais mais experientes, quando a geração fabetismo, geração de emprego e renda;
anterior ainda se encontra em idade produ- promoção dos direitos humanos e estímulo
tiva, o que dispensa altos investimentos em à participação social do jovem. Já está im-
previdência social. plantado em todas as capitais e no Distrito
Diferentemente de outros países, como Federal, além de 34 cidades metropolitanas,
os chamados tigres asiáticos, cujo acelerado atendendo mais de 163 mil jovens.
desenvolvimento econômico se deu em fun- Outros exemplos de políticas públicas
ção da gestão adequada da onda jovem, no para a juventude em realização, em ações
Brasil deixamos de aproveitar essa oportu- paritárias de governo e sociedade, são: os
nidade, não apenas em decorrência da falta Consórcios Sociais de Juventude, o ProUni,
de postos de trabalho para o jovem, fruto da o Soldado Cidadão, o Pontos de Cultura, o
economia recessiva, mas também por estar- Rondon, o Nossa Primeira Terra e o Escola
mos perdendo uma parte de nossos jovens de Fábrica.
pelo acirramento da violência e das práticas Entre eles, destacamos o ProUni, que
de risco, que não conseguimos evitar. busca retirar o Brasil da posição que ocupa
Esperamos ver esse quadro alterado como país da América Latina com menor
com as recentes ações de valorização da número de jovens de 18 a 24 anos cursando
juventude implementadas nos últimos o ensino superior. Esse é o maior programa
anos. As propostas aprovadas pela IV Con- de bolsas de estudo da história da educação
ferência Nacional dos Direitos da Criança brasileira, que objetiva possibilitar o acesso
e do Adolescente (2002) se resumem no de jovens de baixa renda à universidade.
“Pacto pela Paz”, que envolve uma agenda Outro marco significativo da atenção
de enfrentamento da violência, da qual à juventude e do reconhecimento de seu
crianças e adolescentes são considerados as importante papel na transformação da re-
maiores vítimas. alidade social brasileira foi a retomada do

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Projeto Rondon. O Rondon recruta jovens transformação social de seu meio imediato
nas universidades para que desenvolvam, (ROLDAN, 2001). Algumas ações nessa
durante as férias universitárias, trabalhos direção podem ser:
em vários estados do Brasil, nas suas áreas – Oportunidades de estudo, trabalho e
de estudo. Assim, a juventude brasileira de inserção sociopolítica que possibilitem
é levada a conhecer a realidade do país e ao jovem concretizar um projeto de vida
tem a oportunidade de contribuir para o e intervir nas ações e programas que lhes
desenvolvimento social e econômico. dizem respeito;
Agora, o Governo Federal quer ampliar – Controle efetivo do comércio de drogas
o diálogo internacional na área de juventu- legais e ilegais, aliado às ações educativas e
de. Recentemente foi assinada pela Presi- ao aprimoramento dos canais de reflexão
dência a proposta de adesão do Brasil como quanto ao significado e função do uso de
membro pleno na Organização Iberoameri- drogas pelos jovens e sua relação com ou-
cana de Juventude (OIJ), o que compromete tros comportamentos transgressivos;
ainda mais nosso país com as políticas em – Incentivos ao envolvimento dos jovens
desenvolvimento para a área. em serviços comunitários;
– Realização de campanhas e ações que
promovam o cumprimento das normas e
4. O papel das redes sociais na proteção
leis pelos jovens;
A comunidade tem um papel funda- – Implementação de espaços de reflexão
mental na proteção de crianças, adoles- crítica sobre o papel das mídias na constru-
centes e jovens contra o envolvimento ção de valores em torno do consumo, do
com drogas e outros comportamentos de prazer e da competição, entre outras.
risco. Em primeiro lugar, a escola deve Compreendendo a drogadição como
ter papel protagônico entre as ações pre- um sintoma, que revela sobre disfunções
ventivas e interventivas em relação às entre subsistemas da pessoa, da família e
drogas. A escola deve constituir também da sociedade, e não como uma doença em
um espaço privilegiado de acolhimento ao si mesma, consideramos que a demanda
adolescente, especialmente em situações de desses jovens às drogas representa um mo-
crise como as que acompanham o abuso de vimento de busca de solução para as tantas
drogas, nas quais ele deve se sentir seguro dificuldades vividas em sua condição de
e confiante de buscar apoio e proteção no vida, caracterizada por diferentes formas
ambiente escolar. Ademais, as iniciativas de exclusão. Nem sequer em contextos
recomendadas para aumentar os fatores caracterizados por condições adequadas
de proteção devem aproveitar os recursos e dignas de vida é possível considerar, a
disponíveis na comunidade, considerando priori, a demanda de drogas exclusivamente
as características socioculturais de seus res- do ponto de vista da busca do prazer, sendo
pectivos contextos e ativando outras redes necessário buscar compreender outras mo-
de apoio social. Ao mesmo tempo, dadas tivações potencialmente presentes. Quando
as peculiaridades locais, todas as iniciativas se trata de adolescentes de baixa renda, em
devem ser norteadas pelo princípio da cria- especial, o consumo de drogas, além de
tividade e do aproveitamento do potencial também atender às demandas típicas dos
inovador, tanto dos jovens quanto das processos de desenvolvimento da adoles-
diferentes esferas comunitárias. As ações cência (curiosidade, aventura, afirmação
implementadas devem ainda contribuir perante os pares), parece representar uma
para o desenvolvimento comunitário, au- busca de alívio diante de formas de sofri-
mentando a auto-estima da comunidade e mento psíquico já fortemente instaladas em
comprometendo o jovem na perspectiva de suas vidas: baixa auto-estima, insucesso na

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escola, fracassos reiterados nas tentativas caracterizando-os como sujeitos de direitos
de ascensão social, conflitos nas relações e opinião.
familiares, falta de apoio e compreensão Alinhada com a perspectiva da redução
dos pais de suas necessidades adolescentes. de danos, que hoje domina a reflexão inter-
Tais dificuldades vêm agravar as angústias nacional sobre a abordagem do uso abusivo
naturais em relação ao futuro, às tarefas de drogas, e que está presente no artigo
sociais e às suas responsabilidades como 196 da Constituição Brasileira, a Política
membros de uma comunidade. Nacional Anti-Drogas/2005 (PNAD) está
Assim, as especificidades da relação comprometida com a promoção de uma
entre risco social e uso abusivo de dro- sociedade protegida do uso abusivo de
gas nos solicita uma reflexão consistente drogas, lícitas e ilícitas. Tem como pressu-
sobre como, historicamente, a sociedade postos fundamentais: a) a clara distinção
brasileira tem considerado o adolescente entre, de um lado, as diferentes categorias
usuário de drogas. A compreensão sobre de usuários e, de outro, o traficante; b) a
o fenômeno do consumo de drogas esteve, prioridade da prevenção sobre a repres-
por muito tempo, limitada a uma relação li- são; c) a realização de ações coordenadas
near do tipo causa e efeito e se negligenciou e integradas entre os diferentes órgãos e
a complexidade das relações envolvidas setores da sociedade, no desenvolvimento
no fenômeno. Essa perspectiva identifica, de estratégias de enfrentamento e supera-
nos fenômenos relacionados com o uso de ção dos problemas sociais decorrentes do
drogas, uma trama complexa de fatores, tráfico e do consumo de drogas ilícitas; d)
que se estende além do usuário e da droga o desenvolvimento de uma base de dados
(SUDBRACK; SEIDL; SILVA, 2003). acadêmico-científicos, que aglutine os re-
sultados já alcançados pela experiência bra-
sileira e internacional, nas ações orientadas
5. Políticas e legislação atual sobre drogas
à prevenção, acompanhamento e repressão
No Brasil, a referência teórica e práti- do uso abusivo de drogas.
ca em que se baseia a implementação de As diretrizes de ação da PNAD-2005
políticas públicas relacionadas ao uso de dividem-se em cinco eixos de intervenção,
drogas é o modelo das políticas de redução em face da problemática do uso abusivo
de danos. A proposta de redução de danos de drogas: prevenção; tratamento, recu-
tem como princípio aliar os interesses da peração e reinserção social; redução de
sociedade aos do usuário abusivo. As ações danos sociais e à saúde; redução da oferta;
têm por ponto de partida o desconforto e estudos, pesquisas e avaliações.
do próprio usuário com sua condição de Outro recente dispositivo jurídico im-
dependência e objetivam apóia-lo no pro- portante de ser destacado é a nova lei de
cesso de reduzir o consumo e substituir a drogas (Lei 11.343/2006). Esta lei prevê a
droga por outras de menor dano e menor descriminalização da posse de drogas para
potencial de indução de dependência, até uso pessoal, o que não significa, em absolu-
a completa superação da dependência, to, a sua legalização. Em outras palavras, o
se for o caso. A redução de danos supõe porte de drogas para consumo pessoal per-
não só uma forma diferenciada de abor- deu seu caráter de “crime”, mas continua
dagem terapêutica, quando comparada às sendo uma infração para a qual, portanto,
tradicionais, como também concede um cabe a aplicação de outras sanções, que
status jurídico e político diferente para os não mais a pena de prisão. Desse modo, do
usuários de drogas e para a comunidade, a ponto de vista legal, o usuário já não pode
quem se destina um lugar de protagonistas ser chamado de “criminoso”. A utilização
do planejamento e execução de medidas, de tal rótulo, além de contrariar a nova lei

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e expressar grave preconceito, também in- mente toleradas e seu consumo é parte
valida qualquer preocupação preventiva e integrante e importante das festividades
não-punitiva em relação ao usuário. e do lazer. Para um grande segmento dos
Assim, ao se considerar a questão das adolescentes atuais, da forma como se
drogas, é importante diferenciar o usuário representam e organizam seus diferentes
do traficante. O usuário é a pessoa que sistemas de atividades e redes de socia-
adquire a droga para consumo próprio, lização, as drogas lícitas e ilícitas fazem
seja por dependência química, ou não. O parte de diferentes esferas da vida social,
traficante é aquele que produz ou comer- de comemorações, de sua inserção no gru-
cializa drogas ilícitas. Para a Justiça deter- po. Em geral, o adolescente que consome
minar se a droga destina-se ao consumo drogas tem resistência em admitir que essa
pessoal, é necessário analisar a quantidade prática pode lhe causar problemas, gerar
da substância, as condições da apreensão dependência, o que dificulta a abordagem
e as circunstâncias sociais e pessoais do da questão e a mudança comportamental.
portador. Além disso, a grande carga de preconcei-
A legislação brasileira anterior sobre to social em torno do usuário contribui
drogas, datada da década de 1970, não fazia para reforçar a clandestinidade em que se
a diferenciação entre traficantes, usuários e inserem as práticas de consumo, além de
dependentes, para efeitos criminais. A nova levá-lo a isolar de sua identidade social
Política Nacional sobre Drogas (PNAD- pública, os aspectos relativos à relação
2005) e demais legislações têm gerado com as drogas ilícitas. Como efeito, nossa
uma mudança de paradigma na aborda- compreensão mais global do fenômeno e
gem daqueles caracterizados como meros as possibilidades de intervenção efetiva se
usuários ou dependentes. Em lugar da tornam limitadas.
pena de prisão, serão submetidos a penas É preciso cultivar valores de solidarie-
alternativas e encaminhados a tratamento dade, tolerância e respeito na construção
médico gratuito, não compulsório. Nesse da cidadania plena. Os caminhos que se
aspecto, as propostas da Organização delineiam são os de promover políticas e
Mundial da Saúde – OMS e as políticas pú- estratégias que estimulem a inserção e um
blicas brasileiras convergem, ao passarem papel protagônico para os jovens, que se
a tratar o dependente como “doente” e não articulem esforços e iniciativas do setor
como “delinqüente”. Assim, os usuários e público (federal, estadual e municipal),
dependentes de drogas, que foram outrora da esfera privada, das organizações não-
tratados como bandidos, passam a ser con- governamentais e dos próprios jovens.
siderados pessoas que precisam de ajuda É preciso promover o conhecimento, a
ou orientação. revalorização e o fortalecimento de nossos
Embora a nova abordagem contribua jovens, tornando-os agentes de processos
para uma visão mais humanitária dessas intencionais orientados para a construção
pessoas, é importante salientar que as de novas rotas de desenvolvimento huma-
concepções da sociedade sobre os usuários no e inserção social, mediadas por outros
de drogas ilícitas pouco se alteraram e se valores sociais, mais éticos, responsáveis e
continua a considerá-los como criminosos, comprometidos com a saúde.
moralmente desajustados, cúmplices e fi-
nanciadores do crime de tráfico de drogas.
É interessante notar que essas concepções Referências
expressam, no mínimo, um posicionamento
social moralmente ambíguo, numa cultura BRASIL. Conferência Nacional da Juventude.
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