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Ressalta-se que a responsabilidade pela atenção

TUTORIA 03. PMSUS à saúde da população em situação de rua como


de qualquer outro cidadão é de todo e qualquer
profissional do Sistema Único de Saúde, mesmo
01.ESTU D A R S O B R E O S C O N SU LTÓ R IO S D E R U A.
que ele não seja componente de uma equipe de
Consultório na Rua (eCR). Desta forma, em
Há muitos anos, essencialmente em cidades de municípios ou áreas em que não haja eCR, a
maior tamanho e número de habitantes, cresce atenção deverá ser prestada pelas demais
a população em situação de rua. São pessoas – modalidades de equipes da Atenção Básica. É
cidadãs – renegadas das estruturas e do ideário importante destacar, ainda, que o cuidado em
sociais, fadadas a um tipo de vivência difícil e saúde da população em situação de rua deverá
morando em pleno espaço urbano, por diversos incluir os profissionais de Saúde Bucal e os Nasf
motivos. do território onde essas pessoas estão
concentradas.
No Brasil, até a década de 80, o Estado não se
responsabilizava por criar estratégias de As equipes podem se organizar nas seguintes
acolhimento, cuidado e outras possibilidades de modalidades:
vida para essas pessoas. Foi necessária a luta
incessante de movimentos sociais e o aumento I – equipe formada minimamente por 4 (quatro)
brusco da precariedade dessas vidas para que profissionais, entre os quais 2 (dois) destes
algo, de fato, pudesse ser feito. obrigatoriamente deverão estar conforme a letra
A e os demais entre aqueles descritos nas letras
A instituição da Política Nacional para a A e B;
População em Situação de Rua seria a primeira
política expressiva a emitir luz sobre essa II – equipe formada minimamente por 6 (seis)
temática, regulamentando o acesso à assistência profissionais, entre os quais 3 (três) destes
pública aos moradores de rua, dentro das obrigatoriamente deverão estar conforme a letra
políticas sociais e de saúde, como algo formatado A e os demais entre aqueles descritos nas letras
em direito. A e B; Modalidade

Passados dois anos deste evento (2011), então III – equipe da Modalidade II acrescida de um
como estratégia de saúde pública de cuidado e profissional médico.
de iniciativa à saída das ruas às populações
marginalizadas, em nova edição da Política
Nacional de Atenção Básica, cria-se a estrutura e Os Consultórios na Rua são formados por
formam-se também as primeiras equipes dos equipes multiprofissionais, podendo fazer parte
delas as seguintes profissões:
primeiros Consultórios na Rua.
A: enfermeiro, psicólogo, assistente social ou
A estratégia Consultório na Rua foi instituída pela terapeuta ocupacional;
Política Nacional de Atenção Básica, em 2011, e
visa ampliar o acesso da população em situação B: agente social, técnico ou auxiliar de
de rua aos serviços de saúde, ofertando, de enfermagem, técnico em saúde bucal, cirurgião-
maneira mais oportuna, atenção integral à saúde dentista, profissional/professor de educação
para esse grupo populacional, o qual se encontra física ou profissional com formação em arte e
em condições de vulnerabilidade e com os educação.
vínculos familiares interrompidos ou fragilizados.

Chamamos de Consultório na Rua equipes AÇÕES


multiprofissionais que desenvolvem ações
integrais de saúde frente às necessidades dessa As atividades devem ser realizadas de forma
população. Elas devem realizar suas atividades itinerante, com cumprimento de carga horária
de forma itinerante e, quando necessário, mínima semanal de 30 horas, porém seu horário
desenvolver ações em parceria com as equipes de funcionamento deverá ser adequado às
das Unidades Básicas de Saúde do território. demandas das pessoas em situação de rua,
podendo ocorrer em período diurno e/ou
noturno, em todos os dias da semana.
No processo de trabalho, devem estar garantidas à As equipes de saúde da família que atendam
ações para o cuidado in loco, a partir da pessoas em situação de rua poderão ter sua
abordagem ampliada dos problemas de saúde e habilitação modificada para eCR,respeitados os
sociais, bem como ações compartilhadas e parâmetros de adstrição de clientela e de
integradas às Unidades Básicas de Saúde (UBS). composição profissional previstos para cada
A depender da necessidade do usuário, essas modalidade, nos termos desta Portaria.
equipes também devem atuar junto aos Centros
de Atenção Psicossocial (Caps), aos serviços de à Entende-se por agente social o profissional
Urgência e Emergência e a outros pontos de que desempenha atividades que visam garantir a
atenção da rede de saúde e intersetorial. atenção, a defesa e a proteção às pessoas em
situação de risco pessoal e social, assim como
Diante das especificidades dessa população, a aproximar as equipes dos valores, modos de vida
estratégia de redução de danos deverá ser e cultura das pessoas em situação de rua.
transversal a todas as ações de saúde realizadas
pelas equipes. Os agentes sociais exercerão as seguintes
atribuições:
Todas as ações realizadas pelas eCR devem ser
registradas no Sistema de Informação em Saúde
- trabalhar junto a usuários de álcool, crack e
para Atenção Básica (Sisab).
outras drogas, agregando conhecimentos
básicos sobre Redução de Danos, uso, abuso e
EXTRAS DA PORTARIA Nº 122, DE 25 DE dependência de substâncias psicoativas;
JANEIRO 2011
- realizar atividades educativas e culturais
à As eCR integram o componente atenção (educativas e lúdicas);
básica da Rede de Atenção Psicossocial e
desenvolvem ações de Atenção Básica, devendo - dispensação de insumos de proteção à saúde;
seguir os fundamentos e as diretrizes definidos
- encaminhar e mediar o processo de
na Política Nacional de Atenção Básica.
encaminhamento para Rede de Saúde e
intersetorial;
à As eCR são multiprofissionais e lidam com os
diferentes problemas e necessidades de saúde - acompanhar o cuidado das pessoas em situação
da população em situação de rua. de rua.

à As atividades das eCR incluirão a busca ativa e à Para cálculo do número máximo de eCR
o cuidado aos usuários de álcool, crack e outras financiados pelo Ministério da Saúde por
drogas. Município, serão tomados como base os dados
dos censos populacionais relacionados à
à As eCR desempenharão suas atividades in população em situação de rua, realizados por
loco, de forma itinerante, desenvolvendo ações órgãos oficias e reconhecidos pelo
compartilhadas e integradas às Unidades Básicas Departamento de Atenção Básica da Secretaria
de Saúde (UBS) e, quando necessário, também de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde
com as equipes dos Centros de Atenção (DAB/SAS/MS).
Psicossocial (CAPS), dos serviços de Urgência e
Emergência e de outros pontos de atenção, de à O número de eCR por município será
acordo com a necessidade do usuário. publicado em portaria específica da SAS/MS, de
acordo com os censos populacionais vigentes
à Na composição de cada eCR deve haver, relacionados à população em situação de rua. O
preferencialmente, o máximo de dois parâmetro adotado será de uma eCR a cada
profissionais da mesma profissão de saúde, seja oitenta a mil pessoas em situação de rua.
de nível médio ou superior. Todas as
modalidades de eCR poderão agregar Agentes
Comunitários de Saúde, complementando suas
ações.
Os Consultórios de Rua constituem uma No seu posicionamento, a equipe deve explicitar
modalidade de atendimento extramuros dirigida o propósito da presença do Consultório de Rua e
aos usuários de drogas que vivem em condições quais as características do seu trabalho,
de maior vulnerabilidade social e distanciados da diferenciando-o de outras ações desenvolvidas
rede de serviços de saúde e intersetorial. São na rua, como ações de cunho caritativo. Assim,
dispositivos clínico-comunitários que ofertam gradativamente, vai-se demarcando o lugar do
cuidados em saúde aos usuários em seus Consultório de Rua enquanto um dispositivo do
próprios contextos de vida, adaptados para as campo da saúde.
especificidades de uma população complexa.
Promovem a acessibilidade a serviços da rede Outro eixo ético se refere ao respeito ao modus
institucionalizada, a assistência integral e a vivendi da população atendida. Não cabe à
promoção de laços sociais para os usuários em equipe nenhuma forma de julgamento ou
situação de exclusão social, possibilitando um censura moral aos comportamentos dos
espaço concreto do exercício de direitos e indivíduos, seja com relação ao uso de
cidadania. substâncias psicoativas ilícitas, ou a condutas
delinqüentes ou antagônicas à moral e costumes
Para o desenvolvimento de suas atividades tidos como aceitáveis. O papel dos profissionais
necessita de carro tipo perua (“van”), usado para é exatamente o de acessar um segmento que
fazer o deslocamento da equipe profissional e muitas vezes está à margem da rede de saúde e
dos materiais necessários à realização das ações. social por temer o estigma e a rejeição. A
O carro, além de transportar a equipe e os aceitação de cada um destes usuários enquanto
insumos, tem a função de se constituir como sujeitos e o respeito ao lugar que ocupam na
referência para os usuários. Para isso, a escala social confere ao Consultório de Rua a
caracterização do veículo deve conter sua possibilidade de construção de um vínculo de
identificação institucional, com o nome confiança, base sobre a qual se desenvolverá o
Consultório de Rua - SUS marcando a presença trabalho. A redução de danos é estratégia
do serviço público de saúde. É interessante prioritária no atendimento aos usuários,
também que seu ’’layout’’ esteja de acordo com respeitando seu tempo e escolha em relação ao
a linguagem do público que deverá acessar - consumo das substâncias psicoativas utilizadas,
usuários jovens de substâncias psicoativas em buscando reduzir os danos decorrentes sem
situação de maior vulnerabilidade. Há veículos imposição de condições rígidas para seu
de Consultórios de Rua que foram grafitados ou tratamento.
que portam adesivos de símbolos contendo
alguma significação para este segmento jovem. Etapas preliminares e operacionalização do
Consultório de Rua:
O terceiro aspecto diz respeito a um ponto fixo
onde os Consultórios de Rua devem se instalar O mapeamento da cidade é a primeira etapa que
em cada área de atuação previamente definida. antecede à operacionalização do Consultório de
Considerando o fato de que, em muitos locais Rua, quando se procura identificar locais onde há
escolhidos para a intervenção, a população alvo uma maior concentração de jovens em situação
é flutuante, é necessário que se estabeleça um de risco psicossocial e em uso de drogas. A partir
local, dia e hora para os encontros, mantendo-se da identificação dos locais mais necessitados da
a regularidade da presença da equipe de forma intervenção, a equipe escolhe as áreas
constante, de modo a criar uma referência e prioritárias para a presença do Consultório de
tornar os contatos mais acessíveis para os Rua.
usuários. Outra forma complementar que auxilia a escolha
das áreas é a interlocução com a rede de saúde e
Diferentemente do trabalho dentro de uma intersetorial, que pode sinalizar áreas mais
instituição, quando é o usuário que busca o vulneráveis onde se considera a intervenção
serviço e cujas condições de atendimento já importante para a população alvo.
estão dadas, com toda a ambiência ajudando a
compor o setting terapêutico, incluindo o lugar A etapa seguinte é a abertura de campo. Nesta
que o profissional ocupa na organização do etapa se busca identificar as lideranças do grupo
serviço, na rua esses „lugares‟ precisam ser ou da comunidade, para que, com seu aval, a
construídos a partir do trabalho e da posição em equipe possa se instalar no território sem com
que os profissionais se colocam para os usuários. isso interferir de forma invasiva no seu espaço de
vida.
Uma vez havendo a aquiescência das lideranças, quantidades da substância para atingir o efeito
estas podem influenciar positivamente para a desejado.
receptividade do trabalho pelos membros do
grupo ou da comunidade em torno. Em conjunto Há diferentes padrões de consumo que variam
com a comunidade, os técnicos definem um de intensidade ao longo de uma linha contínua.
ponto fixo para estacionar a Unidade Móvel,
Antigamente, esses padrões de consumo se
criando uma referência de lugar e hora para os
restringiam à dependência ou à não
encontros periódicos.
dependência. Contudo, qualquer padrão de uso
A regularidade da presença do Consultório de pode trazer problemas para o indivíduo. Desse
Rua sempre no mesmo local e horário permitirá modo, o padrão de uso pode ser classificado em
às pessoas manter um vínculo com os um consumo de baixo risco, uso nocivo ou
profissionais, buscando-os sempre que sentirem
dependência. O consumo de substâncias em
necessidade. É a partir dessa dinâmica de
funcionamento que a relação de confiança vai se baixas doses, cercado de precauções necessárias
constituindo, estabelecendo-se de forma à prevenção de acidentes relacionados, faz deste
gradativa a aproximação da clientela, e um consumo de baixo risco. Há indivíduos que
possibilitando que os mesmos exponham seus fazem uso de substâncias ocasionalmente, mas
problemas e busquem ajuda, dando início ao são incapazes de controlar ou adequar seu modo
funcionamento cotidiano do Consultório de Rua
de consumo, o que pode levar aproblemas
02. EPIDEMIOLOGIA DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
sociais (brigas, falta no emprego), físicos
(acidentes) e psicológicos (heteroagressividade).
O consumo de álcool, tabaco e outras drogas Diz-se, então, que tais indivíduos fazem uso
está presente em todos os países do mundo. nocivo. A presença de abstinência exclui este
Mais da metade da população das Américas e da diagnóstico. Por fim, quando o consumo se
Europa já experimentou álcool alguma vez na mostra compulsivo e destinado à evitação de
vida e cerca de um quarto da população é
sintomas de abstinência, e cuja intensidade é
fumante. O consumo de drogas ilícitas atinge
4,2% da população mundial. capaz de ocasionar problemas sociais, físicos ou
psicológicos, fala-se em dependência. O
A maconha é a mais consumida, seguida pelas diagnóstico de dependência a uma determinada
anfetaminas, cocaína e os opiáceos, incluindo-se substância requer a presença de compulsão para
heroína. As complicações clínicas e sociais
o consumo, aumento da tolerância, síndrome de
causadas pelo consumo de tais substâncias são
abstinência, alívio ou evitação da abstinência
hoje bem conhecidas e consideradas um
problema de saúde pública. pelo aumento do consumo e consumo da
substância em detrimento de outras áreas de
O tabaco é o maior fator responsável pelas interesse da pessoa (trabalho, p. ex.).
mortes evitáveis no mundo, contribuindo
substancialmente para as mortes relacionadas a Pode haver coexistência de dois ou mais
neoplasias, doenças cardiovasculares, doenças transtornos mentais, denominada comorbidade.
pulmonares, baixo peso ao nascimento e
Esta pode se dar com o uso de duas ou mais
queimaduras. O aumento do consumo de álcool
está diretamente relacionado à ocorrência de substâncias e/ou uso de substância e outro
cirrose hepática, transtornos mentais, síndrome transtorno mental, como por exemplo depressão
alcoólica fetal, neoplasias e doenças e uso de cocaína. Nestes casos, a melhora do
cardiovasculares. O abuso e a dependência de transtorno psiquiátrico associado pode ser
substâncias, de uma forma geral, são mais benéfica para a evolução do quadro de
comuns nos homens que nas mulheres. dependência estabelecido.
Substâncias com potencial de abuso são aquelas
O consumo de álcool é considerado atualmente
que podem desencadear no indivíduo a
um dos principais problemas de saúde pública no
autoadministração repetida, que geralmente
mundo. Estima-se que quase 14% da população
resulta em tolerância, abstinência e
americana preencha os critérios de dependência
comportamento compulsivo de consumo.
ou abuso de álcool em algum período da vida. O
Tolerância é a necessidade de crescentes
uso de álcool constitui a terceira causa de a substância. Nos 30 dias anteriores à pesquisa,
mortalidade que poderia ser prevenida. Esses 0,3% dos entrevistados afirmaram ter feito uso
dados são alarmantes e, uma vez que nos da droga.
deparamos diariamente com pacientes com
problemas relacionados ao uso de álcool na Outro dado destacado pelos pesquisadores diz
respeito ao uso dos analgésicos opiáceos e dos
prática clínica, justifica-se a importância de um
tranquilizantes benzodiazepínicos. Nos 30 dias
conhecimento mais aprofundado por parte dos anteriores à pesquisa eles foram consumidos de
médicos e dos profissionais de saúde em geral forma não prescrita, ou de modo diferente
sobre o assunto. àquele recomendado pela prescrição médica,
por nada menos que 0,6% e 0,4% da população
Entre maio e outubro de 2015, pesquisadores brasileira, respectivamente.
entrevistaram cerca de 17 mil pessoas com
idades entre 12 e 65 anos, em todo o Brasil, com Com relação às drogas lícitas, uma boa notícia: o
o objetivo de estimar e avaliar os parâmetros consumo do tabaco parece estar diminuindo.
epidemiológicos do uso de drogas. “Outras pesquisas têm mostrado que há um
declínio com relação ao uso do cigarro
O 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de convencional. Por outro lado, têm chamado
Drogas pela População Brasileira foi coordenado atenção para formas emergentes de fumo, com
pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e contou a ascensão de aparatos como cigarros
com a parceria de várias outras instituições eletrônicos e narguilés’’, ainda assim, cerca de
um terço (33,5%) dos brasileiros declarou ter
Os entrevistados responderam a questões fumado cigarro industrializado pelo menos uma
quanto ao uso, o abuso e a dependência de vez na vida. E, nos 30 dias anteriores à pesquisa,
numerosas substâncias: tabaco, álcool, cocaína, foram 13,6%, o que corresponde a 20,8 milhões
maconha, crack, solventes, heroína, ecstasy, de pessoas.
tranquilizantes benzodiazepínicos, esteroides
anabolizantes, sedativos barbitúricos, Grande parte dos dados considerados mais
estimulantes anfetamínicos, analgésicos alarmantes com relação aos padrões de uso de
opiáceos, anticolinérgicos, LSD, quetamina, chá drogas no Brasil não estão relacionados porém às
de ayahuasca e drogas injetáveis. substâncias ilícitas, e sim ao álcool. Mais da
metade da população brasileira de 12 a 65 anos
Outros questionamentos tinham relação declarou ter consumido bebida alcóolica alguma
com violência (perpetrada ou sofrida), a vez na vida.
percepção sobre o risco do uso de drogas e
a opinião dos entrevistados sobre políticas Cerca de 46 milhões (30,1%) informaram ter
públicas para a área. Além disso, eles consumido pelo menos uma dose nos 30 dias
responderam a perguntas gerais sobre saúde e a anteriores. E aproximadamente 2,3 milhões de
informações sóciodemográficas. pessoas apresentaram critérios para
dependência de álcool nos 12 meses anteriores
Drogas, homens e jovens: à pesquisa, atrelados ao aumento de violência.

Os resultados revelam, por exemplo, que 3,2%


dos brasileiros usaram substâncias ilícitas nos 12 03. REDUÇÃO DE DANOS
meses anteriores à pesquisa, o que equivale a 4,9
milhões de pessoas. Esse percentual é muito à A redução de danos é um conjunto de
maior entre os homens: 5% (entre as politicas, programas e praticas cujo objetivo é
mulheres fica em 1,5%). E também entre os reduzir o uso de danos associados ao uso de
jovens: 7,4% das pessoas entre 18 e 24 anos drogas psicoativas em pessoas que não podem
haviam consumido drogas ilegais no ano anterior ou não querem parar de usar drogas. Por
à entrevista. definição, redução de danos foca na prevenção
aos danos de uso, ao invés da prevenção do uso
A substância ilícita mais consumida no Brasil é a de drogas em si.
maconha: 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já
a usaram ao menos uma vez na vida. Em segundo
lugar, fica a cocaína em pó: 3,1% já consumiram
à Essa nasceu na Holanda na década de 70, São conteúdos necessários das ações de
onde havia politicas proibicionistas do uso de informação, educação e aconselhamento:
substâncias no mundo, onde reinava estratégias
simples para a diminuição da prevalência. I - informações sobre os possíveis riscos
e danos relacionados ao consumo de
à Os usuários de drogas injetáveis da cidade produtos, substâncias ou drogas que
sem ter qualquer tipo de assistência, sofriam causem dependência;
com o aumento de transmissão de IST’s e morte
por uso abusivo de drogas ilícitas.
II - desestímulo ao compartilhamento
à Com o aumento da pressão popular dos de instrumentos utilizados para
usuários para com o governo, houve um consumo de produtos, substâncias ou
programa de trocas de seringas, em que drogas que causem dependência;
diminuiu a transmissão de IST.
III - orientação sobre prevenção e
à Além disso, em outros países surgiram os conduta em caso de intoxicação aguda
locais de uso assistido, em que as pessoas podem (“overdose”);
utilizar substancias ilícitas de maneira segura, em
que há injetáveis descartáveis e profissionais IV - prevenção das infecções pelo HIV,
aptos para: hepatites, endocardites e outras
patologias de padrão de transmissão
- acesso a materiais de redução de danos similar;
- oferecer tratamentos
V - orientação para prática do sexo
- reverter overdoses seguro;

- mitigar crises VI - divulgação dos serviços públicos e


de interesse público, nas áreas de
Esses espaços são portas de entrada para a assistência social e de saúde; e
assistência e serviço de saúde.

à A redução de danos é uma estratégia de VII - divulgação dos princípios e


cuidado ao uso de drogas, fortalecendo o garantias fundamentais assegurados na
protagonismo e autocuidado, além do respeito a Constituição Federal e nas declarações
autonomia. universais de direitos.

àPor ser uma estratégia de baixa exigência, Mais um retrocesso na Política sobre Drogas. O
adequa-se aos desejos do usuário, há uma Governo Federal assinou nesta quinta-feira (11),
contraposição ao cuidado promovido pelo viés decreto que institui a nova Política Nacional
proibicionista, pautado na abstinência. sobre Drogas (PNAD), extinguindo a Política
Nacional de Redução de Danos. O decreto põe
à No Brasil, a redução de danos nasce no final fim à Redução de Danos (RD), colocando a
da década de 80 de 1989 na cidade de Santos, abstinência como única política pública para
iniciando pela troca de seringas p/ usuários de as(os) usuárias(os), reafirmando a prioridade das
drogas ilícitas, sendo proibido em 1990 pelo comunidades terapêuticas e incentivando o
Ministério público. retorno à lógica manicomial.
à Nos anos subsequentes, a redução de danos
No ano de 2019, uma das primeiras medidas do
foi se expandido novamente. Essa estratégia de
governo foi extinguir a política nacional de
cuidado é descrita no art 20 e 22 da Lei
redução de danos. Por meio de decreto o
11.343/06 e na Portaria 1028 de 01 de julho de
ministério da saúde coloca a abstinência na
2005.
direção do tratamento. Tal política visava um
conjunto de ações e medidas de saúde pública
com objetivo de minimizar as consequências
adversas do uso e abuso de drogas. A ideia era
não colocar a abstinência como condição para o
vínculo terapêutico e o acesso à saúde.
A modificação da forma de trabalho aponta para avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o
o caminho da abstinência e a redução de danos padrão de uso e na hipótese comprovada da
visava até então minimizar qualquer dano de impossibilidade de utilização de outras
natureza biológica, psicossocial, econômica, com alternativas terapêuticas previstas na rede de
intervenções respaldadas. Na perspectiva da atenção à saúde”.
Redução de Danos o abandono das drogas é um
objetivo, mas não pode ser uma existência, visto O documento indica que a internação
a impossibilidade momentânea e da ruptura com involuntária deveráocorrer no prazo de tempo
a droga que envolve diversas questões. necessário à desintoxicação do paciente, “no
prazo máximo de 90 dias, tendo seu término
A lógica da redução de danos é o princípio básico determinado pelo médico responsável; e que a
de respeito ao sujeito, sua condição, sua família ou o representante legal poderá, a
autonomia preservada, para que ele possa qualquer tempo, requerer ao médico a
ressignificar a sua relação com a droga, ela não interrupção do tratamento”.
se opõe à alcançar abstinência
A lei prevê também que todas as internações e
LEI 13.840/2019, QUE PROMOVEU altas deverão ser informadas, em, no máximo, de
72 horas, ao Ministério Público, à Defensoria
ALTERAÇÕES NA LEI DE DROGAS Pública e a outros órgãos de fiscalização, por
meio de sistema informatizado único”.
A Lei nº 13.840, de 5 de junho de 2019, que
prevê, entre outras medidas, a internação A Lei nº 13.840/2019 prevê em seu texto a
involuntária de dependente de drogas, está possibilidade da internação compulsória dos
publicada no Diário Oficial da União. Ela foi usuários de drogas, permitindo que o usuário
sancionada pelo presidente da República, Jair seja recolhido em instituição mental sem o seu
Bolsonaro, e dispõe sobre o Sistema Nacional de consentimento, desde que haja o requerimento
Políticas Públicas sobre Drogas e as condições de de um familiar, responsável legal, servidor
atenção aos usuários ou dependentes e para público da área de saúde, da assistência social ou
tratar do financiamento das políticas sobre dos órgãos públicos integrantes do Sistema
drogas. Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas –
Sisnad.
No seu artigo 23-A, o texto diz que o tratamento
do usuário ou dependente de drogas deverá ser A redação da Lei nº 13.840/2019 prevê a exceção
ordenado em uma rede de atenção à saúde, com de servidores da área de segurança pública, que
prioridade para as modalidades de tratamento constatem a existência de motivos que
ambulatorial, incluindo "excepcionalmente justifiquem a medida, como, por exemplo, a
formas de internação em unidades de saúde e impossibilidade de utilização de alternativas
hospitais gerais nos termos de normas dispostas terapêuticas previstas na rede pública de saúde
pela União e articuladas com os serviços de ou quando os recursos de caráter
assistência social e em etapas". extrahospitalares forem insuficientes. Neste
sentido, há de ser ressaltada a necessidade da
Entre essas etapas, está a que trata da prescrição de tal medida pelo médico
internação do dependente, que somente deverá responsável, porém, a lei se omite sobre a
ser feita em “unidades de saúde ou hospitais especialidade do médico apto a efetuar o pedido
gerais, dotados de equipes multidisciplinares e de internação.
deverá ser obrigatoriamente autorizada por
médico devidamente registrado no Conselho Outro ponto que merece destaque é que com o
Regional de Medicina (CRM) do estado onde se advento da Lei nº 13.840/2019 a internação
localize o estabelecimento no qual se dará a involuntária pode ser realizada mediante
internação”. requerimento de servidores de saúde ou órgãos
integrantes do Sisnad, o que anteriormente só se
dava por meio da solicitação de um familiar ou
De acordo com a lei, serão consideradas dois
responsável legal do dependente químico.
tipos de internação: voluntária e involuntária. Na
internação involuntária, o texto diz que ela deve
ser realizada após a formalização da decisão por
"médico responsável e indicada depois da
Nota-se claramente que o governo, ao chancelar
a referida lei, busca tão somente “mascarar um
problema”, ou seja, erradicar o número de
dependentes químicos das ruas, sem cumprir
com o seu dever de dar o devido amparo a essas
pessoas vulneráveis, como um tratamento digno
composto por uma estrutura adequada e por
profissionais multidisciplinares, que vise à cura e
a reinserção desse indivíduo na sociedade.

Pode-se afirmar que a sociedade


brasileira está vivendo um verdadeiro
retrocesso, pois o Estado ao invés de cumprir e
honrar com o seu dever de amparar, cuidar e
assistir os usuários de drogas, seres vulneráveis,
fecha os olhos para as necessidades desses
indivíduos e busca tão-somente segregá-los da
sociedade ao impulsionar a internação
involuntária como forma de tratamento.

Dentre as alterações trazidas pela nova lei


destaca-se a internação involuntária, que impõe
restrições aos direitos de liberdade e ao direito
de disposição sobre a própria vida o que fere o
princípio da dignidade da pessoa humana. É
notável, ainda, que a Lei n° 13.840/2019 adota
uma abordagem punitiva e proibicionista em
substituição à legislação que priorizava a política
de redução de danos.

Ademais, a nova lei abre espaço para o


cometimento de violações aos direitos humanos,
como práticas de tortura, tratamentos cruéis,
desumanos e degradantes amplamente
utilizados no passado e que foram
veementemente combatidos pelo movimento da
reforma psiquiátrica que resultou na edição da
Lei nº 10.216/2001.

Sendo assim, conclui-se que a Lei nº 13.840/2019


representa um retrocesso no processo de
consolidação dos direitos humanos dos
pacientes com transtornos mentais, gerando
impacto negativo no sistema de saúde e nas
políticas públicas norteadas pela Lei nº
10.216/2001, pois não contribui para a
erradicação do tratamento baseado na
internação e segregação, obstaculizando o
processo de inclusão do paciente
usuário/dependente com transtornos mentais
no seio da sociedade.

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