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PSICOLOGIA ARGUMENTO ARTIGO

doi: ISSN 0103-7013


Psicol. Argum., Curitiba, v. 31, n. 72, p. 145-154, jan./mar. 2013

[T]

Infância e adolescência e redução de danos/intervenção


precoce: Diretrizes para intervenção
[I]
Childhood and adolescence and harm reduction/precocious intervention:
Ways to the intervention

[A]
Anelize Teresinha da Silva Araújo , Josiéle Cristina da Silva , Fernanda Motta de Oliveira[c]
[a] [b]

[R]

Resumo
[a]
Psicóloga, doutora em
O presente artigo visa discutir a articulação de três noções que entendemos ser de fundamental
Psicologia Clínica pela Pontifícia importância no que se refere ao problema do uso de álcool e outras drogas por crianças e ado-
Universidade Católica de lescentes. Nesse sentido, será discutida a noção de violência estrutural como agente propagador
São Paulo (PUC-SP), vice-
coordenadora e professora do da violação dos direitos da população citada; esta relacionada ao conceito de desenvolvimento
Departamento de Psicologia no território. Em seguida, será trabalhada a introdução da noção de intervenção precoce como
da Universidade Federal
um modo de se alcançar a estratégia da Redução de Danos como direção de trabalho para os dis-
Fluminense (UFF), Niterói - RJ,
Brasil, e-mail: positivos assistenciais e de saúde que acolhem esse público. E, por fim, será abordada a própria
anelizetsaraujo@gmail.com estratégia da Redução de Danos e o modo como ela se insere no contexto das políticas públicas.
[b]
Graduanda do curso de Psicologia Assim, objetivamos apresentar uma reflexão acerca de um determinado contexto – de exclusão,
da Universidade Federal vulnerabilidade e desassistência – em que tais crianças e adolescentes em envolvimento com
Fluminense (UFF), bolsista de
drogas estão inseridos.[#]
iniciação científica, Universidade [P]
Federal Fluminense (UFF), Niterói,
RJ - Brasil, e-mail: Palavras-chave: Infância. Adolescente. Drogas. Redução de danos. Intervenção precoce.[#]
josielec.silva@yahoo.com.br

[c]
[A]
Graduanda do curso de
Psicologia da Universidade Abstract
Federal Fluminense (UFF),
estagiária de Psicologia na Rede This article focuses on discussing the articulation of three concepts that we believe are of funda-
de Saúde Mental e membro
mental importance to the problem of alcohol and other drugs by children and adolescents. Thus,
do grupo da pesquisa “A
clínica com jovens e o uso de we discuss the notion of structural violence as an agent of the violation of rights of the public men-
drogas”, Universidade Federal tioned, which is related to the concept of development in the territory. Will introduce the concept of
Fluminense (UFF), Niterói, RJ -
Brasil, e-mail: early intervention as a means of achieving harm reduction as a working direction for health care
femotta_uff@yahoo.com.br devices and hosting this public. Finally, we address the strategy of harm reduction and how it fits
into the context of policy public. Thus, we attempt to present a reflection on a particular context – of
Recebido: 09/06/2011 exclusion, vulnerability and lack of assistance – like the case of children and adolescents involved
Received: 06/09/2011
with drugs are located. [#]
[K]
Aprovado: 13/10//2011
Approved: 10/13/2011 Keywords: Childhood. Adolescence. Drugs. Damage reduction. Precocious intervention. [#]

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A adolescência e o uso de drogas: um problema ou sob o ponto de vista dos próprios pobres, de
acordo com as investigações de Crespo e Gurovitz
O uso/a venda de drogas e as práticas de vio- (2002, p. 11), que a definem como:
lência daí advindos põem questões à sociedade que
necessitam ser consideradas pelas políticas públi- Pobreza é fome, é falta de abrigo. Pobreza é estar
cas. Pensar sobre as motivações que levam, não só doente e não poder ir ao médico. Pobreza é não
parte da população adulta, mas crianças e adoles- poder ir à escola e não saber ler. Pobreza é não ter
centes a enveredarem para atividades consideradas emprego, é temer o futuro, é viver um dia de cada
ilícitas como uso e venda de drogas e práticas de vez. Pobreza é perder um filho para uma doença
violência pode conduzir a certo maniqueísmo caso trazida pela água não tratada. Pobreza é falta de
não sejam analisados o contexto e as condições de poder, falta de representação e liberdade.
vida contingente a cada um dos indivíduos inseridos
e/ou à margem da sociedade. Inseridos porque en- Nesse sentido, o presente artigo será desenvolvi-
trar no circuito das drogas, seja pelo tráfico ou pelo do articulando três noções:
uso, não deixa de ser uma maneira de inserção, e à
margem porque uma atividade/trabalho ilícita está a) um determinado tipo de violência – a estru-
excluída da organização social institucionalmente tural (Cruz Neto & Moreira, 2000) – tomada
reconhecida. Nesses termos, ao mesmo tempo em como forma de violação de direitos dessa
que é preciso reconhecer os modos de organização parte da população. Essa noção é um anali-
social é também preciso pensar o quanto esses mo- sador fundamental para o entendimento das
dos de organização tornam-se refratários à inserção condições de vida da população desprovida
de certo número de indivíduos. de elementos considerados básicos à sua so-
Faz-se necessário analisar o problema para brevivência. Sejam adultos ou crianças, esse
que não se caia na perspectiva de entender a vio- segmento populacional encontra possibilida-
lência e o uso de drogas como uma “doença” ine- des restritas para o desenvolvimento de mo-
rente ao indivíduo. Como nos lembra Feffermann dos de existência, são quase invisíveis, sem a
(2006, p. 33): garantia de um nome, sem história, com laços
muito precários perambulando de um lugar a
Trata-se de analisar a marginalidade não como outro num tempo de incerteza;
uma manifestação psicopatológica, uma anomia, b) a noção de desenvolvimento no território
mas como manifestação do processo de desestru- (Fagnani, 2011, p. 6) que diz respeito ao de-
tura dos modelos sociais, nas suas tentativas mes- senvolvimento das economias e das condi-
mo que não patentes, de encontrar respostas às ções materiais de vida locais em contraparti-
mudanças nas condições sociais e materiais. da ao desenvolvimento econômico global;
c) para a infância e a adolescência, incluir a no-
Estamos cientes de que o problema do uso de ção de intervenção precoce – que diz respeito
drogas e da violência não afeta apenas uma classe à escuta clínica das queixas e problemas sur-
social específica, mas consideramos que as con- gidos muito precocemente na vida das crian-
dições de violência estrutural contribuem para o ças –, principalmente, nas instituições primá-
problema no segmento populacional com precárias rias: os grupos familiares e as escolas.
condições materiais.
Considerando o segmento populacional despro- A ação e a atenção a problemas surgidos mui-
vido de condições materiais básicas quer seja sob to cedo na vida das crianças que buscam auxílio
o ponto de vista de Amartya Sen (1999, p. 11), que principalmente nos Conselhos Tutelares e nos
define pobreza como “privação de capacidades”, Ambulatórios Públicos1 servem de estratégia para

1
Inserindo-se nas brechas das instituições que não conseguiram servir de referência durante o percurso de desenvolvimento
tanto de crianças como dos adolescentes usuários de drogas (desde a cola de sapateiro até o crack).

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combater e/ou amenizar os efeitos provocados pela ou mais dessas instituições, uma série de agravan-
violência estrutural e o não desenvolvimento do ter- tes podem prejudicar o desenvolvimento e as con-
ritório. E, nos casos de alta possibilidade de vincula- dições de vida das crianças e dos adolescentes. Por
ção (que serão abordados oportunamente), a escuta isso, se torna fundamental um trabalho alicerçado
clínica, via intervenção precoce, possibilita a introdu- na intervenção precoce a fim de amenizar os efeitos
ção dos indivíduos no circuito da palavra e a conse- dessas falhas que vão sendo constituídas durante o
quente ampliação das possibilidades do desenvolvi- desenvolvimento dessa população.
mento dos modos de existência e de subjetivação. Como afirma Cruz Neto e Moreira (1999, p. 51),
Passaremos também pela concepção de redução em um contexto de exclusão, violência e negligên-
de danos que tem sido o carro-chefe das políticas cia não é de admirar que os jovens de classes me-
públicas para as ações relativas ao uso de álcool e nos favorecidas apareçam como os propagadores
outras drogas. da violência. “Quando se olha, porém, o ‘avesso das
coisas’, são, antes de tudo, ‘vítimas preferenciais’ de
uma sociedade onde a ordem de progresso é a con-
Infância e adolescência e o uso de drogas centração de renda e a exclusão de grupos”.
A partir desse contexto e com a referida popula-
Foi a partir da instauração do Estatuto da Criança ção, faz-se necessária uma diferenciação entre uso
e do Adolescente (ECA) que o segmento infanto- de drogas e dependência. Os usuários de drogas
-juvenil passou a ganhar visibilidade nas políticas menores de 18 anos não são considerados toxicô-
públicas sociais. Segundo o relatório da Conferência manos ou drogadictos, pois, até o momento, não se
Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental pode falar em uma dependência à droga propria-
de 2005, é somente em 2002, após indicações fei- mente dita – apesar de, já nesse momento, a droga
tas na III Conferência Nacional de Saúde Mental, fazer seu efeito. A dependência não é apenas quí-
que o Ministério da Saúde passa a reconhecer o mica, pois ela passa mais por aspectos da violência
uso de substâncias prejudiciais à saúde (álcool estrutural. Nesse contexto, o termo que melhor se
e outras drogas) como um problema de Saúde encaixa nos casos de uso de drogas envolvendo jo-
Pública. A partir desse momento é que se constrói vens é “uso abusivo de drogas”. Para compreender
essa questão, utilizaremos a estratégia da Redução
uma política pública para a atenção às pessoas que de Danos.
fazem uso de álcool ou outras drogas, situada no
campo da saúde mental, e tendo como estratégia a
ampliação do acesso ao tratamento, a compreen- Redução de danos: histórico
são integral e dinâmica do problema, a promoção
dos direitos e a abordagem de redução de danos A política de proibicionismo tem como objetivo
(Brasil, 2005, p. 41). a diminuição da oferta e da demanda de drogas, as-
sim como a repressão e criminalização da produção,
Até então, esse serviço era realizado pela segu- tráfico, porte e consumo de drogas. Em contrapon-
rança pública, instituições filantrópicas e religiosas. to, as políticas públicas e programas de redução de
Nesse contexto, o problema do uso de substâncias danos para usuários de álcool e outras drogas têm
psicotrópicas por crianças e adolescentes amplia disseminado intervenções orientadas para a mi-
seu raio de atuação e deixa de ser apenas um pro- nimização dos danos à saúde, à sociedade e à eco-
blema de segurança pública para se inserir também nomia relacionados ao consumo de álcool e outras
como questão de Saúde Pública. drogas sem necessariamente coibi-lo.
Como destaca Cruz Neto e Moreira (1999, p. 43), O proibicionismo está associado tanto ao mode-
o segmento infanto-juvenil “... são extremamente lo moral/criminal quanto ao modelo de doença que
dependentes de pais, irmãos, professores, médicos, tem como finalidade explicar a questão do consumo
condições de habitação e saneamento, ou seja, um de drogas. Para o primeiro, a solução consiste no
vasto rol de pessoas, instituições que já têm sua vida encarceramento, uma vez que o envolvimento com
e existência diretamente afetada pelas políticas pú- as drogas é visto como um ato delituoso, enquan-
blicas”. De tal modo, na falha ou negligência de uma to o segundo prevê o tratamento como solução e a

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abstinência como principal objetivo. Nesse sentido, No programa de redução de danos, se insere a
nenhum padrão de consumo é tolerado, não haven- premissa de que a relação entre o homem e a droga
do distinção entre o consumo de drogas ocasional e “sempre esteve e sempre estará presente na histó-
a dependência química. ria da humanidade” (Alves, 2009, p. 2312). A partir
Esse modelo proibicionista, que ocorre hegemo- dessa afirmação podemos entender que o consumo
nicamente nos Estados Unidos e também é bastante de drogas não pode ser banido da sociedade e então
influente em alguns países como Brasil, Malásia e se faz necessário que estratégias sejam utilizadas
Suécia, tem o processo de abstinência muitas vezes objetivando a redução dos danos causados pelo uso
como um pré-requisito para o tratamento, já que dessas substâncias psicoativas. Uma das alterna-
não são aceitos na maioria dos programas, usuários tivas encontradas na Holanda, a partir de um mo-
que ainda estejam realizando algum consumo de vimento social dos usuários, foi a disponibilização
drogas. Essa conduta pode se caracterizar como um de seringas e agulhas, a fim de evitar a transmissão
forte obstáculo para aqueles que procuram ajuda, de doenças pelo compartilhamento desse material.
e também um não acolhimento por parte das insti- Essa experiência foi bem-sucedida, uma vez que
tuições àqueles usuários reincidentes. Além disso, resultou na diminuição do índice de contaminação
torna-se contraditório uma vez que prevê a absti- pelo vírus HIV entre os usuários de drogas injetá-
nência total como pré-condição para pessoas que veis. Assim, a ideologia da política de redução de
procuram ajuda justamente por não conseguirem danos foi disseminada por diversos países.
se livrar do consumo da droga. Outra estratégia desse programa é a prescrição
Como alternativa à hegemonia desse mode- de drogas durante o processo de tratamento. Isso é
lo pautado na abstinência, apostando no modelo entendido como uma forma de reduzir os sintomas
de metas intermediárias, foram desenvolvidas em da abstinência e gradualmente os danos relaciona-
alguns países da Europa, como Holanda e Reino dos ao consumo, representando também um atrati-
Unido, iniciativas que culminaram em programas de vo para que o usuário tenha uma maior aderência
redução de danos, como afirma Cruz (2006 p. 14): ao tratamento.
Já na Inglaterra, o programa de redução de da-
a Redução de Danos constitui uma estratégia de nos recebeu apoio da polícia, ou seja, os policiais
abordagem das questões relativas ao uso de dro- trabalham conjuntamente com a Saúde Pública, en-
gas seja no âmbito do coletivo, seja no de cada in- caminhando usuários infratores para tratamento e
divíduo, mas que formula práticas que diminuem dando suporte aos programas de trocas de seringas.
os danos para aqueles que usam drogas e para os Esse programa, por sua vez, se efetivou pela articu-
grupos sociais com os quais convivem. lação com a rede de farmácias, promovendo a distri-
buição gratuita de seringas.
Essa política inicia sua consolidação nos anos Em seus primeiros anos, o processo de redução
1990, tendo como foco principal a prevenção da dis- de danos provocou alguns temores que não foram
seminação de doenças como a AIDS e a Hepatite B confirmados ao longo do tempo, como por exem-
entre usuários de drogas injetáveis. Na Holanda, plo, o aumento deliberado do consumo de drogas.
houve uma distinção entre as drogas “pesadas”, Em verdade, constatou-se um aumento na procura
como cocaína e heroína, e as drogas “leves”, como por tratamento por parte dos usuários atendidos
maconha e haxixe, que traziam menos riscos à saúde. pelos programas de redução e saúde em geral. No
Estas foram liberadas para comércio e consumo em entanto, não há consenso em relação a esse assunto,
locais específicos com o intuito de afastar o usuário e muitas vezes os motivos dessa resistência são a in-
do tráfico e, consequentemente, desestimular o uso compreensão de algumas premissas e a radicalida-
das drogas consideradas mais prejudiciais ao usuá- de presente nos ideais dos atores sociais envolvidos
rio e a suas relações sociais. É importante ressaltar na política sobre álcool e drogas, principalmente no
que as políticas de redução de danos não se opõem que diz respeito à infância e à adolescência.
ao processo de abstinência, apenas não o conside- No século XX, no Brasil, a repressão à venda e
ram meta principal ou pré-condição para o trata- ao consumo de ópio e cocaína previa o regime pri-
mento, sendo classificado como de “baixa exigência” sional para os infratores e a “internação compulsó-
(Alves, 2009, p. 2313). ria em estabelecimento correcional adequado por

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tempo indeterminado” (Alves, 2009, p. 2314) para para usuários de drogas injetáveis, eram referentes
os usuários, denominados toxicômanos. Entretanto, aos centros de referência em tratamento, pesquisa
esse cenário muda na década de 1930, quando a Lei e prevenção – na maioria, vinculados às universida-
de Fiscalização de Entorpecentes, Decreto-Lei n. des públicas –, e às comunidades terapêuticas – em
891/1938 (Brasil, 1938), não distingue a penaliza- sua maioria, não governamentais. Esse órgão foi ex-
ção diante de apreensão de drogas ilícitas para con- tinto em 1998, quando foi criado um órgão norma-
sumo próprio da apreensão de drogas para o tráfico, tivo, o CONAD, Conselho Nacional Antidrogas, que
reafirmando ainda mais o modelo proibicionista. mantém os objetivos das ações, e também um órgão
A Lei n. 5.726/1971 (Brasil, 1971), que dispõe executivo, a SENAD, Secretaria Nacional Antidrogas.
medidas preventivas e repressivas ao tráfico e uso A partir dessas mudanças, o Ministério da
de substâncias entorpecentes ou que causem de- Saúde passou a ser representado no CONAD pela
pendência, refere tratamento apenas para os consi- Coordenação de Saúde Mental e também pela
derados “infratores viciados”, isto é, uma “interna- Vigilância Sanitária. Esse fato não extingue a posição
ção em estabelecimento hospitalar para tratamento proibicionista da legislação brasileira, mas amplia a
psiquiátrico pelo tempo necessário à sua recupera- atuação da Saúde nesse contexto. “Uma importante
ção” (Alves, 2009, p. 2314). Estes, por conta do vício, mudança refere-se à distinção feita entre as ativida-
não teriam condições de discernir a gravidade de des antidrogas e aquelas de prevenção, tratamento,
seu ato. As medidas tomadas nesses casos tinham recuperação e reinserção social, conferindo maior
caráter de reabilitação criminal do viciado e não destaque a estas últimas” (Alves, 2009, p. 2315).
eram consideradas questões de saúde do usuário. A partir de 2002, foi decretado pela Lei n.
Isso sofre algumas modificações a partir da Lei 10.409/2002 (Brasil, 2002) que o tratamento de
n. 6.368/1976, quando o tratamento no campo da usuários de drogas, incluindo o núcleo familiar, fos-
Saúde passa a ser considerado para os “dependen- se feito de forma multiprofissional. Isso implica em
tes de substâncias entorpecentes” (Alves, 2009, p. diversas formas de compreensão sobre a natureza
2314). No entanto, os princípios defendidos pela re- do uso de drogas, como por exemplo aspectos bioló-
dução de danos eram tidos como indução e instiga- gicos, psicológicos e socioculturais, uma vez que en-
ção ao uso de drogas, uma vez que uma das estraté- volve profissionais de variados campos de formação
gias utilizadas é a chamada terapia de substituição, e com uma diversidade de concepções.
que propõe uma troca da substância da qual o indi- Essa lei contém ações referentes às políticas de
víduo é dependente por outra que cause menores redução de danos sociais e à saúde e teve vários de
danos. seus artigos vetados, não invalidando completamen-
A Lei n. 6.368/1976 recomenda ainda, sempre te a Lei n. 6368/1976 (Brasil, 1976). Evidenciando
que necessário e possível, a existência de lugares o antagonismo no contexto da política brasileira,
específicos da rede de saúde pública destinados ainda nesse ano, o Decreto n. 4.345/2002 instituiu
ao tratamento de dependentes. Incluem-se nesse a Política Nacional Antidrogas e caracterizou o uso
contexto serviços extra-hospitalares que poderiam indevido de drogas como uma ameaça grave à so-
ser utilizados nos casos em que a internação não ciedade associando-o ao tráfico e à criminalidade.
fosse necessária. Porém, a criação desses serviços No entanto, também propõe que seja feita uma dis-
só foi iniciada na metade da década de 1980, fato tinção entre a abordagem do usuário, o dependente
que, muitas vezes, tornou a internação como única e o traficante, fato que é bastante relevante para os
alternativa. direcionamentos da redução de danos, uma vez que
Na mesma década, foi instituído no país o Sistema mostra uma preocupação em garantir uma atenção
Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão de especializada à saúde do usuário e do dependente.
Entorpecentes (que posteriormente é transforma- No contexto brasileiro, as atividades de Redução
do em SISNAD, Sistema Nacional Antidrogas) que, de Danos surgem também, como na Europa, em polí-
entre outros objetivos, visava formular a Política ticas de prevenção diante da epidemia de transmis-
Nacional de Entorpecentes através do Conselho são do vírus HIV entre pessoas usuárias de drogas
Federal de Entorpecentes (CONFEN). Algumas ini- injetáveis com o apoio do Ministério da Saúde. Isso
ciativas desse órgão, marcadas por um posiciona- implicava, a partir de ações como distribuição de
mento favorável a programas de redução de danos seringas individuais ou devidamente esterilizadas,

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contato com o usuário, juntamente com a oferta de privilegia uma política orientada pela lógica da re-
tratamento tanto para o uso de drogas quanto para dução de danos.
a saúde em geral, em uma redução dos danos pro- Muitas mudanças continuam ocorrendo e é pos-
vocados pelo uso da droga e não necessariamente sível perceber que a questão do uso de drogas passa
uma interrupção no consumo. Diante disso, uma a ser abordada de outra forma: não mais como uma
pergunta se faz importante: o que são esses danos? ameaça, mas sim como um problema social que pre-
Segundo Pinheiro (2006, p. 27), “a noção de danos cisa ser considerado pelas políticas públicas. Assim,
engloba ameaça à preservação da vida, dano orgâ- é importante lembrar que a Redução de Danos tem
nico direto, dano decorrente da dependência, dano em suas diretrizes “pragmatismo, tolerância e res-
psíquico, dano determinado pelas vias de consumo, peito à diversidade” (Cruz, 2006, p. 18), ou seja,
dano decorrente das condições em que se dá esse não trata a todos como se fossem iguais e tivessem
consumo”. Afirma ainda que: “A RD pode ser consi- a mesma relação com as drogas e mantém-se firme
derada mais como uma estratégia de intervenção do enquanto prática do campo de Saúde.
que um programa” (Pinheiro, 2006, p. 27). Além das mudanças ocorridas nos nomes dos
Em 2002, é formulada a Política do Ministério da órgãos da estrutura político-organizacional, “o
Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Sistema Nacional Antidrogas passou a ser deno-
Outras Drogas, que incluiu o SUS como responsável minado Sistema Nacional de Políticas Públicas so-
em garantir assistência especializada para os usuá- bre Drogas 39; o Conselho Nacional Antidrogas,
rios. Está inserida nessa determinação a criação de Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas; e a
uma rede que ofereça tratamento territorializado e Secretaria Nacional Antidrogas, Secretaria Nacional
esteja articulada com diversos dispositivos comuni- de Políticas sobre Drogas” (Alves, 2009, p. 2317),
tários sociais e de Saúde, contando também com a também foi criada a nova legislação brasileira sobre
implementação do Centro de Atenção Psicossocial drogas, a Lei n. 11.343/2006, que revoga a Lei n.
Álcool e Drogas (CAPSad) . Além disso, espera-se 10.409/2002 e a Lei n. 6.368/1976.
que essa assistência esteja orientada pela política Entre as modificações significativas dessa nova
de redução de danos, garantindo aos usuários o di- lei estão a possibilidade de penas alternativas para
reito à cidadania. o crime de porte de drogas para uso pessoal e a
transversalidade da lógica de redução de danos que
Devem acolher, sem julgamento, o que em cada entre seus objetivos tem a reorientação das ideolo-
situação, com cada usuário, é possível, o que é ne- gias do proibicionismo que ainda se encontra pre-
cessário, o que está sendo demandado, o que pode sente na legislação brasileira.
ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimu-
lando a sua participação e o seu engajamento …
Aqui a abordagem da redução de danos nos ofere- Violência estrutural e intervenção precoce
ce um caminho promissor (Pinheiro, 2006, p. 28).
Segundo Cruz Neto e Moreira (1999, p. 35),
Dois anos após, o CONAD aprova a Política o Estado é “responsável direto pelo estabeleci-
Nacional sobre Drogas. Esta “… se orienta para a re- mento das condições de vida de uma população.
dução da oferta (ações de prevenção e repressão ao Direitos básicos dos indivíduos como os acessos
tráfico de drogas ilícitas), a redução da demanda de à alimentação, educação e saúde são por ele in-
drogas (prevenção, tratamento, recuperação e rein- fluenciados, definidos e implementados”. Assim,
serção social) e a redução de danos” (Alves, 2009, p. ao gastar “bilhões de reais em políticas que privi-
2316). Nessa política, o enfoque em alcançar uma legiam grupos restritos…, o Estado vitimiza o res-
sociedade que não faça uso de drogas é substituí- to da população, infligindo-lhe violências como a
do por outro objetivo: “uma sociedade protegida do fome, a miséria e a exclusão social…” (Cruz Neto &
uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas Moreira, 1999, p. 35). Constata-se que a violência
lícitas” (Alves, 2009, p. 2316). Essa política também estrutural atinge toda a população; embora dire-
incentiva a diversidade e a coexistência de aborda- tamente direcionada ao segmento menos favore-
gens no tratamento dos usuários de álcool e outras cido da sociedade, não deixa de produzir efeitos
drogas, diferentemente do Ministério da Saúde que em toda a sociedade.

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Podemos compreender, então, a violência estru- essa população está exposta apresenta-se como
tural como uma defasagem na estrutura que cerceia barganha para jogos de poder (seja da política, da
parte da sociedade e restringe-lhe o acesso, por di- igreja, do tráfico de drogas, da mídia etc.). A vulne-
reito, a bens e serviços básicos. Assim, nas comuni- rabilidade social que a violência estrutural promove
dades em que estão alocadas as populações menos
favorecidas, e que não recebem a atenção do gover- Constitui-se em um indicador das frustrações,
no quanto à melhoria das condições de vida dessa desrespeito e privações que a sociedade impõe a
população, o tráfico, na figura do traficante, muitas determinados cidadãos sinalizando para ela que
vezes, cumpre um papel que deveria ser de respon- a interação e a acumulação dessas situações vão
sabilidade do Estado. Como nos mostra Amorim ao longo da existência individual e do processo
(2003, p. 35) e é de domínio público: histórico, deteriorando as condições de vida de
extensos segmentos populacionais (Cruz Neto &
O crime organizado ocupa as lacunas de assistên- Moreira, 2000, p. 28).
cia social que o Estado vai deixando para trás, ao
sabor da crise econômica ou da insensibilidade O quadro de ineficácia de grande parte dessas
política. A dominação sobre as comunidades po- políticas que envolvem a camada mais pobre da po-
bres passa quase que necessariamente por esse pulação os afeta diretamente e de forma mais grave,
tipo de estratégia, até porque o bandido mora na posto que:
favela e é mais permeável às reivindicações do
morador. ... A marginalização produz esse fenôme- Não possuem recursos para procurar instituições
no social, ético e político. privadas que supram a rarefação pública: educa-
ção, saúde, lazer, habitação, renda, condições de
Vale ressaltar que o interesse aqui não é avaliar salubridade ... o acesso a esses direitos é cercea-
se é mérito do tráfico dar assistência à população, do e até mesmo negado a um grande contingen-
até porque é preciso pensar a que custo isso se tor- te de cidadãos que assistem à dramática redução
na possível, mas dar visibilidade a determinado tipo de suas oportunidades de ascensão social, sendo
de fato que ocorre quando o Estado negligencia um obrigados a viver sob condições indignas e de ex-
segmento específico da sociedade. trema vulnerabilidade (Moreira, 2000, p. 29).
Buscando meios para sair de uma condição, por
vezes, degradante, de descaso e desassistência, a Tal configuração corrobora toda uma prática de
população recorre a diversos meios: trabalhando violência estrutural que já, ao não assegurar a toda
como camelô, vendedor ambulante, lavando e to- população o acesso a bens e serviços e condições de
mando conta de carros, trabalhando para o tráfico vida dignas, limita o leque de escolhas da população
etc. Os jovens são as principais vítimas desse des- menos favorecida, levando-a a optar pela mendicân-
caso, posto que necessitam ajudar no orçamento da cia, tráfico de drogas, crime em diversos casos.
família, ou mesmo porque são impelidos a consumir É de fundamental importância ressaltar que:
produtos que a mídia divulga, inclusive drogas. Para
isso, precisam trabalhar; e para trabalhar, talvez, ... o fato desses adolescentes serem tradicionais
precisem deixar de estudar; e deixando de estudar, vítimas da violência estrutural não estabelece
diminuem suas chances de ascender socialmente uma relação determinista, que explicaria por si
ou, ao menos, melhorar suas condições de vida. E, só e univocamente sua entrada para o tráfico de
assim, esse círculo se propaga. É nesse contexto que drogas. O que se pretende demonstrar é que a
o tráfico de drogas se constitui como uma das pou- baixa qualidade de vida e a dramática restrição
cas chances para que esses jovens consigam uma de possibilidades cria neles uma instabilidade
posição de inserção na sociedade, visto que o mon- psíquica, física, material, e social que associada às
tante de dinheiro que o jovem ganha nessa ativida- incertezas, dúvidas e reações de rebeldia típicas
de costuma ser maior do que em outro trabalho no de seu momento etário psicológico, deixa-os mais
mercado formal. vulneráveis à interferência daqueles que tencio-
Expor determinada população a essas condições nam aproveitar-se de seus problemas ... (Moreira,
não ocorre sem motivo: a vulnerabilidade à qual 2000, p. 30).

Psicol. Argum. 2013 jan./mar., 31(72), 145-154


152 Araújo, A. T. S., Silva, J. C., Oliveira, F. M.

Com a sanção da Lei n. 8.069, de 13 de julho de O trabalho da intervenção precoce também pre-
1990, o ECA foi promulgado e a infância e a adoles- vê grandes desafios. É preciso certo cuidado para
cência passaram a ter maior visibilidade dentro da que não se estigmatize os jovens logo que cheguem
sociedade com uma lei que prevê proteção integral. aos dispositivos que os assistem. Porém, é preciso
Para assegurar o cumprimento dessa lei, elege-se os estar atento aos indícios que vão se apresentando
conselheiros tutelares, escolhidos mediante eleição e se delineando, e às especificidades de cada caso,
direta. bem como os traços recorrentes que podem ser
De acordo com o artigo 227 da Constituição úteis na formulação de estratégias e alternativas ao
Federal brasileira: caminho dramático que pode vir a se apresentar.
Assim, pode-se dizer que a estratégia de interven-
É dever da família, da sociedade e do Estado as- ção precoce propõe não um trabalho alicerçado na
segurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com proibição, mas na escuta clínica social quando do
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à aparecimento do problema.
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionali- A estratégia de redução de danos e a de interven-
zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber- ção precoce é também um modo de buscar ameni-
dade e à convivência familiar e comunitária, além zar os prejuízos causados pela violência estrutural,
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, bem como pela violação de direitos que tais jovens
discriminação, exploração, violência, crueldade e sofrem pelas instituições que deveriam cuidar deles.
opressão (Brasil, 1988).

Nesses termos, e a partir do que foi abordado Intervenção precoce nas situações de alta, média e
até aqui, observamos que tais direitos das crianças baixa possibilidade de vinculação
e adolescentes não têm sido cumpridos em muitos
casos, trazendo um peso difícil de suportar. Muitas A título de conceituação operacional, diferen-
vezes, a família não consegue ou não tem condições ciaremos os tipos de caso relacionados ao uso de
de dar a assistência necessária, visto que ela própria drogas em alta, média e baixa possibilidade de
não recebe nenhum tipo de assistência do Estado. vinculação.
Assim, entender a violência estrutural como for- A alta possibilidade de vinculação engloba os ca-
ma de violação de direitos não só das crianças e dos sos de jovens que chegam aos dispositivos de assis-
adolescentes, mas também dessa população desas- tência social, saúde mental ou conselhos tutelares,
sistida aponta a necessidade de uma estratégia de espontaneamente ou levados pela família, solicitan-
trabalho voltada para a redução de danos no senti- do tratamento para uso de drogas e que conseguem
do de pensar a intervenção precoce. Isso porque, ao manter seus vínculos sociais. Nesses casos, o uso
considerar esses jovens usuários de álcool e outras de drogas é apenas mais um elemento do caso e a
drogas – principalmente, o crack – como violadores problemática nomeada de “risco social” está ligada,
de direitos, é preciso lembrar que em sua trajetória principalmente, a problemas referidos à adolescên-
de vida eles tiveram grande parte de seus direitos cia e a seu contexto sociocultural.
violados em um momento muito anterior. Nesses Os casos de média possibilidade de vinculação
termos, pensar redução de danos para crianças e abarcam jovens que conseguem realizar algum pe-
adolescentes torna-se mais complexo, pois tal tare- dido de ajuda decorrente dos danos físicos e sociais
fa não se restringe à distribuição de insumos; além provocados pelo uso de drogas. Eles não chegam
disso, sua aplicação esbarra no proibicionismo pre- por meios próprios aos dispositivos da Saúde ou da
sente nas leis e nos moralismos presentes na socie- Assistência Social, sendo levados pelas equipes de
dade em geral. Abordagem de Rua do CREAS, famílias ou PMF, en-
Pensando nisso, a proposta da redução de danos tretanto permanecem vinculados aos serviços para
para essa população seria um trabalho voltado para os quais foram encaminhados ou frequentando de
a intervenção precoce, ou seja, uma intervenção que maneira irregular. Geralmente, encontram-se em
se dê antes do período crítico possibilitando-lhe um risco de vida em razão do envolvimento com o trá-
lugar para que possa avançar na consolidação de fico. Em tais casos, a questão da droga é o mediador
sua subjetivação.

Psicol. Argum. 2013 jan./mar., 31(72), 145-154


Infância e adolescência e redução de danos/intervenção precoce 153

social entre as relações existentes, mas seu uso não dificuldade das diversas instituições que perpas-
é o que verdadeiramente os coloca em risco. sam a vida desses jovens e da população em geral,
Na baixa possibilidade de vinculação encontram- tais como a família, a escola, o exercício das leis, a
-se os jovens que estão em risco social e de vida de- falta de acesso etc.
corrente do uso de drogas e do envolvimento com Tendo em vista a noção de violência estrutural
o tráfico. Muitos são expulsos de suas comunidades apresentada, é possível articulá-la com a questão da
e chegam aos Conselhos Tutelares e às Casas de violação de direitos, posto que é preciso considerar
Passagem levados por terceiros; não conseguem que, antes de violadores de direitos, os jovens usuá-
permanecer em tais dispositivos por períodos maio- rios de álcool e outras drogas, em muito casos, são
res que uma ou duas semanas. Alguns também tra- sujeitos que tiveram seus direitos violados em uma
çam seu percurso pela Justiça através de medidas ou diversas situações anteriores.
de Liberdade Assistida ou semiliberdade. Possuem Os casos de adolescentes usuários de crack e ou-
suporte familiar frágil e permanecem a maior par- tras drogas deslocam-se do lugar de um problema
te do tempo vivendo pelas ruas da cidade. Nesses de Segurança Pública – em que a punição não dá
casos, o risco de vida é diretamente ligado ao uso conta do problema – para situar-se como problema
compulsivo da droga. de Saúde Pública. Porém, não se pode perder de vis-
Assim, na categorização proposta, fica explícita ta que esse é um problema que pede o envolvimen-
a diferenciação relativa ao uso de drogas na catego- to de diversos segmentos que assistem esse público.
ria de alta possibilidade de vinculação, em que esse Nesses termos, o combate à violência estrutural de-
uso está associado à adolescência e a seu contexto pende da intervenção do Estado no desenvolvimen-
sociocultural, e na categoria baixa possibilidade to socioeconômico cultural do território.
de vinculação, em que há risco de vida diretamen- Nesse contexto, pensar redução de danos com
te ligado ao uso compulsivo da droga. Nos casos de jovens e crianças deve caminhar na direção de se
alta possibilidade de vinculação, o tratamento faz- fazer a intervenção antes do período crítico – inter-
-se mais efetivo porque a droga é utilizada no sen- venção precoce. Para a efetivação de tal proposta,
tido de dar suporte aos problemas do contexto da faz-se necessário que, de fato, haja uma articulação
adolescência. entre os segmentos que atravessam a vida dessa
O grau de possibilidade de vinculação de cada população (educação, família, assistência social,
caso delimita também o tipo de intervenção a ser saúde, justiça etc.). A mais efetiva redução de danos
feita. Nesse sentido, a redução de danos é realizada com crianças e adolescentes se dará quando houver
justamente no intervalo entre o uso, buscando in- uma reforma na estrutura dos meios aos quais essa
troduzir outro objeto além da droga, ou seja, é uma população tem acesso e no desenvolvimento do ter-
tentativa de deslizamento do objeto “droga”, tiran- ritório no qual essa população está inserida.
do o foco desta. A intervenção precoce – principal-
mente, executada pelos agentes dos programas de
medicina de família e pelos ambulatórios públicos, Referências
considerando que tais agentes estão organicamente
inseridos no território – se torna o recurso para o Alves, V. S. (2009). Modelos de atenção à saúde de usuários
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no tráfico não está alicerçada apenas numa con- Brasil. Brasília, DF. Recuperado em 16 jan. 2013, de
dição individual que denuncia uma questão psi- https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
copatológica, mas antes numa ineficiência, numa -lei/1937-1946/del0891.htm

Psicol. Argum. 2013 jan./mar., 31(72), 145-154


154 Araújo, A. T. S., Silva, J. C., Oliveira, F. M.

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