Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
Escola de Serviço Social da UFRJ
Outubro de 2009
2
Rio de Janeiro
Outubro de 2009
3
CDD:
4
__________________________________________
Profº. Dr. Eduardo Mourão Vasconcelos, PhD – ESS/UFRJ – Orientador
__________________________________________
Profº. Dr. José Maria Gómez – ESS/UFRJ
__________________________________________
Profª. Dra. Denise Bomtempo Birche de Carvalho – DSS/UFES
__________________________________________
Profº. Dr. José Ignácio Cano Gestoso – DCS/UERJ
__________________________________________
Dr. Marcelo Santos Cruz – IPUB/UFRJ
Suplentes:
Profª. Dra. Ilma Rezende Soares – ESS/UFRJ
Profª Dra. Luciana Boiteux de Figueiredo Rodrigues – FND/UFRJ
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Esta tese revisou a bibliografia da história das drogas, a partir do método marxiano
e de categorias teóricas marxistas, permitindo aclarar, explicitar e questionar certas
posições já produzidas em tal história. A revisão implicou na construção de uma economia
política marxista das drogas enquanto objeto da tese, inscrevendo as novas drogas e o
seu mercado enquanto fenômenos da modernidade transnacional. Especial atenção foi
dada, então, à análise das drogas enquanto mercadorias partícipes das tramas
geopolítico e geoeconômico das disputas imperialistas inciadas no final do século XIX.
O proibicionismo às drogas se mantém na atualidade, sustentado nas relações
internacionais pela “crítica hegemonia” dos Estados Unidos e pelas convenções da área
pactuadas pela Organização das Nações Unidas, todas produzidas durante a Guerra Fria
(1947 a 1989). No entanto, de forma simultânea, existem políticas nacionais em curso,
principalmente, no continente Europeu, que começam a experimentar a despenalização
do uso de certas drogas, porém, ainda tímidas para produzir novas estratégias para o
arranjo mercantil das drogas. As que foram listadas nas convenções continuam como
objeto da regulação dos Estados e, no caso do “tráfico ilícito”, como do Direito Penal
internacional.
No cenário brasileiro, a análise de uma economia marxista das drogas levou-nos a
observar a formação de uma estrutura repressiva própria nacional que tem níveis de
autonomia e dependência com as forças dos organismos internacionais da área,
considerando que estes também não formam um bloco homogêneo na defesa ou na
oposição do proibicionismo às drogas. Forjou-se um “desenvolvimento desigual e
combinado” na política pública nacional sobre drogas, que articula a hegemônica força do
aparato repressivo-militar para “combater” o problema drogas e, de outro, a força das
políticas sociais advindas dos direitos humanos e da saúde mental.
9
ABSTRACT
This thesis has reviewed the bibliography of the history of drugs. Using the
Marxist method and Marxist theoretical categories, it was possible to clarify,
explain and question certain positions already produced in the bibliography of the
history of drugs. This review implied the construction of a Marxist economical
policy of the drugs, as object of this thesis, inserting the new drugs and their
market as phenomena of the transnational modernity. Special attention was drawn
to the drugs as goods, participating in the geopolitical and geo-economical plot in
the imperialist disputes, which began in the end of the 19th century.
The prohibition against drugs remains nowadays supported in the
international relations by the “critical hegemony” of the United States, and by the
conventions in the section of drugs agreed in the United Nations, all produced
during the Cold War (from 1947 to 1989). However, simultaneously, there are
national policies, mainly in the European continent, which have started trying taking
out the penalty of the use of certain drugs, still inexpressive to produce new
strategies or the arrangement of the drug market. The drugs listed in the
conventions remain object under the rules of the States, and in the case of the
“illicit traffic”, as of the international Penalty Law.
The analysis of a Marxist economy of the drugs in Brazil made us observe
the structure which has levels of autonomy and dependency with the power of the
international organisms of the area, considering that they don’t make up a
homogenous block of defense or opposition to the prohibition against drugs. It was
forged an “agreed and unbalanced development” in the national public policy
10
drugs, which lines up the homogenous repressive military apparatus to combat the
drugs problem, and the power of the social policies originated from the human
rights and the mental health as well.
11
Lista de Ilustrações
AA – Alcoólicos Anônimos
ABEAD – Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas
ASEP – Acordo Sul-Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos
CCP – Comitê Central Permanente sobre o Ópio (Permanent Central Opium
Board) / Liga das Nações
CICAD – Comissão Interamericana para o Controle e o Abuso de Drogas /
Organização dos Estados Americanos
CND – Commission on Narcotic Drugs
COCIT – Coordenadoria de Crimes e Ilícitos Transnacionais do Ministério das
Relações Exteriores (MRE)
CONAD (2000-2007) – Conselho Nacional Antidrogas
CONAD – Conselho Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
CONFEN – Conselho Federal de Entorpecentes
DEA – Drug Enforcement Administration
DFSP – Departamento Federal de Segurança Pública
DPF – Departamento de Polícia Federal
DND – Division of Narcotic Drugs
DSB – Drug Supersory Board
Ecosoc – Comitê Econômico e Social da ONU
EUA – Estados Unidos da América
FBN – Federal Bureau of Narcotics / EUA
FEBRACT – Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas Religiosas
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio
JIFE – Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes
LBHM – Liga Brasileira de Higiene Mental
MRE – Ministério das Relações Exteriores
NDC – Narcotic Control Department (Departamento de Controle de Narcóticos) /
EUA
14
Sumário
Lista de Ilustrações
Lista de Tabelas e Quadros
Lista de Abreviaturas e Siglas
Introdução ............................................................................................................17
Estratégias, procedimentos e cuidados éticos no planejamento da
pesquisa .................................................................................................... 26
Estrutura dos capítulos e tópicos da tese ............................................. 34
INTRODUÇÃO
1
Também a revista The Economist, de julho de 2001, trouxe artigos sobre a legalização das drogas como um
caminho para minorar os custos requeridos pelo aparato repressivo e de saúde, bem como para ampliar a base
de tributação estatal sobre o atual mercado ilícito das drogas controladas.
19
2
Pós-Graduação Lato Sensu no Curso de Psiquiatria Social na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz, em 1995, com monografia intitulada “A interlocução histórica entre a psiquiatria brasileira e o
alcoolismo: um arranjo institucional” e Pós-Graduação Stricto Sensu no Curso de Mestrado do Departamento
de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, de 1998 a 2000, com defesa da
dissertação intitulada “Serviço Social e o alcoolismo: uma interlocução com a psiquiatria e o higienismo”.
22
3
Para concepção do Estado e de sua política estarei utilizando na tese os seguintes autores: POULANTZAS,
Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. RJ, Ed. Grall, 2ª ed., 1985, O’CONNOR, James. USA: A crise do
Estado capitalista. RJ, Paz e Terra, 1977 e BEHRING, Elaine e BOSCHETTI, Ivanete. Política Social:
fundamentos e história. SP, Cortez, 2006.
4
Deve-se considerar ainda que tais estudos começaram a ser desenvolvidos no Serviço Social muito
recentemente. A UFRJ, por exemplo, somente no ano passado resolveu implantar um curso de graduação em
Relações Internacionais, embora o estudo do Estado Moderno tenha lançado seus pesquisadores a sua
natureza transnacional. Portanto, minha dificuldade inicial requereu preparar meu solo cognitivo com um
tempo diminuto para receber contribuições iniciais de pesquisadores das relações internacionais, sendo uma
tarefa a seguir na vida acadêmica.
23
superficial, mas situá-la “na realidade social sob o ponto de vista da totalidade
concreta que, antes de tudo, significa que cada fenômeno pode ser apreendido
como um momento da totalidade” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 40). Para
Behring e Boschetti (2006) a relação entre fenômeno social e totalidade se dá com
o seguinte movimento:
Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado
como momento de um determinado todo e desempenha uma função
dupla: definir a si mesmo e definir o todo, ser ao mesmo tempo produtor e
produto, conquistar o próprio significado e ao mesmo tempo conferir
sentido a algo mais (Sweezy). Nesse sentido, todo fenômeno social
analisado, e aqui se inserem as políticas sociais como processos sociais
inscritos na sociedade burguesa, deve ser compreendido em sua múltipla
causalidade, bem como em sua múltipla funcionalidade no âmbito da
totalidade concreta, como princípio estruturante da realidade. A totalidade
concreta é um complexo constituído de complexos que se articulam, é um
campo contraditório de forças que dá vida e movimento à essa totalidade e
uma dimensão de processo, com o que se incorpora a dimensão fáustica
(Goethe) da negação (2006, p. 40).
da Assembléia Geral das Nações Unidas (49ª UNGASS), em março de 2009, foi
se configurando a cada capítulo da tese apenas em um momento final do percurso
histórico da investigação. Houve, então, com o uso do método marxiano a
possibilidade de aclarar, explicitar e questionar certas posições já produzidas na
bibliografia da história das drogas e do seu proibicionismo, e redefinindo o objeto
da pesquisa para o que se poderia chamar de uma economia política marxista das
drogas. Esse objeto histórico foi construído a partir das perguntas: - Estaria em
curso, no Brasil, uma ruptura ou uma atualização – “modernização” – das políticas
públicas da área de drogas aos ditames do proibicionismo internacional? Ou
estaria em curso uma articulação tensa e desigual entre posições distintas e
simultâneas de natureza repressivas e democráticas para a produção das
respostas públicas ao problema drogas? Em que medida o Brasil apresenta uma
estrutura repressiva às drogas não somente advinda da exportação da matriz
proibicionista estadunidense? Essa matriz teria fundado o nosso proibicionismo às
drogas ou apenas nos nutrido ao longo do século XX?
Como determinações do desenvolvimento de uma estrutura repressiva às
drogas no Brasil, busquei articulá-la com o próprio tipo de formação social
nacional e com a força do proibicionismo transnacional. Tal estrutura teria,
também, múltiplas determinações ao tema das drogas no plano nacional:
indiretamente, as relativas à formação social heteronômica e oligárquica da
sociedade brasileira, que inflacionou a resposta repressiva do Estado brasileiro
para vários temas que afetassem as relações sociais de produção; e as
determinações diretas, aquelas relativas à institucionalização da medicina e da
farmacologia no século XIX sob influência do pensamento das correntes
européias. Tal espectro analítico foi pertinente, pois lança desafios para se
qualificar em que medida estamos conseguindo romper e, de forma simultânea,
atualizar a tendência repressiva das políticas públicas de drogas no país, e que
estratégias técnico-políticas favorecem o aprofundamento de um projeto de
sentido político emancipador para essa área. Tal análise foi acompanhada pela
hipótese central de que o Brasil teria forjado uma estrutura repressiva própria
nacional com níveis de autonomia e dependência com as forças dos organismos
27
Trata-se de uma fonte primária que exigiu a busca de fontes secundárias para
melhor qualificar seus pontos temáticos.
2. Década de 1990 – 47 atas e apenas 7 pautas do CONFEN, distribuídas em
303 páginas, mudando substancialmente a qualidade do material. A despeito
dos limites dos registros de uma reunião de Conselho, a ata já permite a
visibilidade dos atores participantes, do substrato de idéias que estão
orientando as decisões, as deliberações e encaminhamentos tomados.
3. De 2002 até dezembro de 2007 – só formada por atas, no total de dezessete,
já referidas ao CONAD, ou seja, em cinco anos, esse conselho não parece ter
construído uma vida política regular de colegiado no controle social da política
pública sobre drogas.
A expectativa das atas e pautas dos Conselhos do Executivo Federal poder
apresentar um quadro mais amplo dos interesses e atores partícipes da produção
da agenda pública brasileira foi respondida parcialmente, pois, conforme poderá
ser observado, a atividade desses colegiados apresentou intensidade distinta
conforme os períodos históricos e não cobriu de forma mais ampla os possíveis
posicionamentos de atores críticos da sociedade e suas mobilizações fora do
aparato estatal. Os colegiados foram formados por forte concentração de
representantes governamentais, havendo fundamentalmente duas representações
da sociedade – Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de
Psiquiatria. No entanto, como veremos a agenda pública brasileira vem sendo
fomentada por posicionamentos do Estado, que não pode ser tomado como bloco
monolítico de interesses, e com níveis reduzidos de controle social exercido por
representantes diversos da sociedade.
As entrevistas foram realizadas com representantes da SENAD e do
Itamaraty junto ao Conselho, no período, o que permitiu enriquecer a análise das
fontes primárias. Elas foram recursos adequados para colher no âmbito da gestão
“informações sobre o que as pessoas [...] sabem, acreditam, esperam, sentem e
desejam fazer, fazem ou fizeram, bem como suas justificativas ou representações
a respeito desses temas” (VASCONCELOS, 2002, p. 220).
34
O tipo de entrevista adotado foi “por pauta” (2002, p. 221), cujo roteiro com
perguntas foi previamente encaminhado aos entrevistados, quando solicitaram6.
Como requisição ética7, toda entrevista foi precedida do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, onde o entrevistado ciente dos objetivos da investigação e das
obrigações do pesquisador consentiu no uso de suas informações para fins dessa
tese. Foram anexados o roteiro utilizado para a entrevista e o modelo do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. É importante lembrar que somente parte do
material coletado nas entrevistas e nas fontes primárias foi possível de ser
incorporada no presente trabalho, dada a ampliação e centralidade que tomou o
estudo da história e do proibicionismo das drogas.
De forma sumariada, as entrevistas foram compostas por oito informantes,
sendo cinco diretamente realizadas por essa pesquisa e três transcrições cedidas
pela pesquisadora supracitada da UFES. Os discursos das entrevistas aparecerão
neste capítulo com os seguintes códigos:
• CONFEN, E1; CONFEN, E2; CONFEN, E3 – transcrições das entrevistas
com os ex-presidentes do CONFEN;
• COCIT, E1; COCIT, E2 – entrevistados do MRE;
• SENAD, E1; SENAD, E2; SENAD, E3 – entrevistados da SENAD.
A análise das fontes primárias não foi orientada por um exame regular do
tipo análise de conteúdo ou de discurso. O uso dessas fontes documentais e das
entrevistas foi utilizado apenas como suporte empírico ilustrativo ou exemplificador
da análise histórica de cunho marxista mais abrangente, tendo sido concentrado,
principalmente, nos capítulos 4 e 5 da presente tese.
6
Dos cinco entrevistados – 3 na SENAD e 2 no Itamaraty –, os dois últimos solicitaram o envio prévio do
roteiro. Foi-me permitido gravar em fita cassete as três da SENAD, sendo todas transcritas e enviadas aos
entrevistados para revisão. As entrevistas realizadas no Itamaraty não me foi consentido gravar, portanto,
realizei anotações durante a coleta de dados, elaborando, em seguida, um texto que buscasse manter com a
maior fidedignidade o discurso dos entrevistados. Infelizmente, o assessor diplomata que acompanhou e
participou durante a entrevista, acrescentando dados importantes, não revisou o texto, pois, foi exercer suas
competências de diplomata brasileiro na Índia.
7
Um importante marco normativo nacional para regular as relações éticas em pesquisas com seres humanos
foi a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, a qual orientou a produção do instrumento contratual
inicial entre entrevistado e entrevistador na presente pesquisa: o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
35
9
Filho de funcionários da diplomacia espanhola, Antonio Escohotado nasceu em Madri, em 1941, e viveu sua
infância e adolescência no Rio de Janeiro, sendo considerado um dos interessados sobre o tema das drogas.
Foi professor de Direito, Filosofia e Sociologia na Universidade de Madri e possui os seguintes livros na área
de drogas: Historia general de las drogas (3 volumes, 1989, Alianza Editorial); El libro de los venenos
(1990); Para uma fenomenologia de las drogas (1992); Droga: Desde ontem de manhã (1994, Talasa
Edições).
40
10
Como estou trabalhando principalmente com categorias marxistas, a apropriação de Iamamoto e Carvalho
(1988) dos textos marxianos permitem Iamamoto referir que:
[...] as relações sociais, de acordo com as quais os indivíduos produzem, as
relações sociais de produção alteram-se, transformam-se com a modificação e o
desenvolvimento dos meios materiais de produção, das forças produtivas. Em sua
totalidade, as relações de produção formam o que se chamam relações sociais: a
sociedade e, particularmente, uma sociedade num determinado estágio de
desenvolvimento histórico, uma sociedade com um caráter distintivo particular
(IAMAMOTO; CARVALHO, 1988, p. 30).
41
morfina o único caso que sua síntese se deu no primeiro decênio do século XIX –
a partir do ópio. Conquanto, a possibilidade da passagem dessas substâncias de
seu estado in natura para a condição de drogas, de mercadoria, requereu,
seguramente, o desenvolvimento do comércio, da química e da farmacologia.
O crescimento da indústria de remédios acompanhava a evolução da
química orgânica, cuja maior conquista no campo dos medicamentos foi a
descoberta dos vários alcalóides que se encontravam na essência da ação
de plantas milenarmente conhecidas e usadas, como o ópio, a coca, o
café. Essas descobertas significavam um grande avanço para a medicina
uma vez que, podendo dispor das drogas em estado puro, os médicos e
farmacistas não precisariam mais depender do meio vegetal, volúvel às
mudanças de condição e incerto em sua dosagem, para obter os efeitos
desejados sobre os pacientes. Essas descobertas ao mesmo tempo
punham por terra a crença no poder mágico de certas plantas e davam ao
trabalho do médico uma aura mágica, principalmente com o uso dos
analgésicos e dos anestésicos e em especial com o uso da morfina
(ADIALA, 1996, p. 37-8).
11
Como se observará no próximo item, a embriaguez tomada como problema societário apresentou
particularidades em relação às outras drogas e foi forjada já na fase do capitalismo concorrencial.
46
Uma coisa pode ser valor-de-uso sem ser valor. É o que sucede quando
sua utilidade para o ser humano não decorre do trabalho. Exemplos: o ar,
a terra virgem, seus pastos naturais, a madeira que cresce espontânea na
selva etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser
mercadoria. Quem, com seu produto, satisfaz a própria necessidade gera
valor-de-uso, mas não mercadoria. Para criar mercadoria, é mister não só
produzir valor-de-uso, mas produzi-lo para outros, dar origem a valor-de-
uso social (2003, I, 1, p. 62-3).
levadas para a Europa Ocidental para fins comerciais não tiveram uma expressão
como valor de uso, já que este era dado em outro contexto sócio-cultural distinto
das sociedades comunitárias de origem dessas plantas especiais e seus fins não
eram passíveis de ser replicados somente pela força do mercado em outra
sociedade. Cita-se, ainda, que as próprias condições da navegação marítima do
período deterioravam as qualidades primitivas de parte das plantas, o que
contribuía para a não realização do valor de uso na Europa colonialista. Há
registros, porém, do início da alteração do valor de uso nas áreas de origem
nesses séculos, dado à intervenção econômico e cultural dos colonizadores sobre
os nativos da América, África e Ásia.
O debate marxiano, então, sobre a mercadoria requerer a necessária
unidade entre valor de uso e valor de troca é central no âmbito da Economia
Política Marxista. Nesse debate, Marx acrescenta o duplo caráter do trabalho
materializado na mercadoria. Para esta a coexistência do valor de uso e do valor
de troca para sua realização se dá ao mesmo tempo em que o trabalho se
converteu em mercadoria e, portanto, “quando se expressa como valor, não
possui mais as mesmas características que lhe pertencem como gerador de
valores-de-uso” (2003, p. 63). Nessa direção, o valor de uso está diretamente
relacionado ao trabalho útil e não é um atributo particular da sociedade capitalista,
na medida em que o trabalho, como fonte de valores de uso, é imprescindível à
existência da vida humana sob a forma de qualquer sociedade.
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a
natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação,
impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza.
Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. [...] Atuando assim
sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua
própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e
submete ao seu domínio o jogo das forças naturais (MARX, 2003, I, 2, p.
211).
12
Refiro-me ao que se denominou de 3ª Revolução Industrial sob a batuta da acumulação capitalista pós 2ª
Guerra Mundial.
13
Diz-se de substância que age sobre o psiquismo.
14
Diz-se de substância para a qual o Sistema Nervoso Central sofre atração.
51
uma ferramenta que abriu, do ponto de vista simbólico, uma Caixa de Pandora15,
com a qual, teremos que conviver.
A história das drogas, nesse circuito, composta pela hibridez permanente
em ser parte da natureza e produto do trabalho, ao ser levada ao mercado
intercontinenal para sua venda, também, sofreu uma complexificação em suas
feições jurídico-curativas ao longo dos séculos XIX e XX, que para apreensão de
seus significados histórico-sociais particulares requer ser revisitada a bibliografia
da área.
Tem-se, então, como pressuposto de que o estágio imperialista do
capitalismo monopolista parece se constituir uma chave temporal para o
entendimento da ruptura com uma posição social mais tolerante com o uso
recreativo e ritualístico das drogas, no momento, algumas delas tomadas de
assalto pela norma jurídica transnacional do proibicionismo.
Todos esses pontos, ora selecionados para tematizar da acumulação
primitiva do capital, passando pela fase concorrencial do capitalismo e atracando
na fase superior, o imperialismo, não se deram de forma exaustiva, mas somente
para oferecer o substrato necessário da Economia Política marxista para a
interlocução com a bibliografia já acumulada sobre a história das drogas. Seria
possível revisitar essa história não só com uma abordagem crítica, a qual alguns
autores já o fizeram com reconhecida competência [Escohotado, História General
de las drogas (1989); Adiala, 1996; Rodrigues, 2004], mas imergindo sua análise
com a contribuição da Economia Política crítica? Que posicionamentos ou até
novas perspectivas podem advir da interpretação do significado histórico-social
das drogas em seu passado de pouco menos de um século e meio, e, quiçá,
lançar luz para lutas emancipatórias contemporâneas relacionadas à área das
políticas das drogas? A apreensão delas como mercadoria, portanto, como valor
15
A Caixa de Pandora é uma expressão muito utilizada quando se quer fazer referência a algo que gera
curiosidade, mas que é melhor não ser revelado ou estudado, sob pena de se vir a mostrar algo terrível, que
possa fugir de controle. Esta expressão vem do mito grego, que conta sobre a caixa que foi enviada com
Pandora, filha primogênita de Zeus, a Epimeteu, irmão de Prometeu. Este alertou o irmão sobre o perigo de
aceitar presentes de Zeus. Epimeteu, no entanto, ignorou a advertência do irmão e aceitou o presente do rei
dos deuses, tomando Pandora como esposa. Pandora trouxe uma caixa (uma jarra ou ânfora, de acordo com
diferentes traduções), enviada por Zeus em sua bagagem. Epimeteu acabou abrindo a caixa, e liberando os
males que haveriam de afligir a humanidade dali em diante: a velhice, o trabalho, a doença, a loucura, a
mentira e a paixão.
52
16
Chris-Ellyn Johanson era Doutora em psicologia pela Universidade de Chicago e Professora Adjunta da
Escola de Medicina dessa universidade, quando foi autora da primeira edição em língua inglesa (1987) do
texto Tudo sobre drogas: cocaína. Também foi pesquisadora do Drug Abuse Research Center e ex-presidente
do International Study Group Investigating Drugs as Reinforcers.
17
Marcos da Costa Leite, na época da edição do livro Cocaína e Crack: dos fundamentos ao tratamento, era
Mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), onde era médico
psiquiatra e dirigia o Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA).
18
Arthur Guerra de Andrade, na época da edição do livro Cocaína e Crack: dos fundamentos ao tratamento,
era professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC e coordenador do GREA.
19
Beatriz Resende, na época de edição do livro Cocaína: literatura e outros companheiros de ilusão, era
doutora em literatura comparada e mestre em teoria literária. Atuava como professora adjunta da Escola de
Teatro da UNIRIO e pesquisadora do PACC/UFRJ e do CNPQ.
54
20
O relatório Coca cultivation and cocaine processing: an overview produzido pelo Drug Enforcement
Agency (EUA, 1993) foi citado por Leite e Andrade (1999), quando se referem à resistência do arbusto da
coca à pragas, a sua condição natural de reprodução e que se trata de uma dificuldade para o controle da
produção no século XX: No início dos anos 90, plantações foram manualmente destruídas (arbusto por
arbusto) na Bolívia e na Colômbia, porém a planta costuma renascer após 12 a 18 meses espontaneamente
(1999, p. 16).
21
Foi possível observar entre os autores pesquisados pequenas diferenças no ano da síntese da cocaína: para
Resende, 1860; Johanson, 1862; Leite e Andrade, 1859. A marca temporal adotada no presente texto é a
referida no Atlas Mondial des Drogues (1997), o qual nos oferece algumas informações que podem explicar
tais diferenças. O químico alemão Albert Nieman recebeu do naturalista Karl Von Sherger uma quantidade de
folhas de coca após uma expedição marítima austríaca, entre 1857 e 1859. Nieman trabalhava com o químico
Wilhelm Lossen e veio a falecer em 1862, quando Lossen descreveu o cloridrato de cocaína, porém, o
alcalóide já havia sido descoberto dois anos antes por Nieman.
55
complexa no terceiro livro de O Capital, em que o estado colonial não era redutível
à penetração da acumulação do capitalismo industrial europeu.
Marx e Engels argumentavam que a dominação colonial era necessária
não simplesmente como um meio de ganhar acesso aos mercados e
matérias-primas, mas também como uma forma de excluir nações
industriais rivais, e nos casos em que a reprodução de economias não-
capitalistas era particularmente resistente à penetração capitalista.
Colocaram, assim, a dominação colonial dentro de um contexto econômico
geral de necessidades de mercados, de matérias-primas e de mercados
de investimento, aos quais, contudo, a existência e a atuação do
colonialismo não eram sempre redutíveis (TAYLOR, 1988, p. 67).
22
No caso brasileiro, Ianni (1976 e 1996) demonstrou que a revolução burguesa se deu de forma vertical, de
cima para baixo, e de forma passiva, sem incluir as massas no processo da Independência. Nosso modelo
econômico, marcado pela monocultura, pela agro-exportação e pelo uso do trabalho escravo, foi
fundamentalmente organizado, no período, para o mercado externo, havendo uma debilidade das elites
agrárias em assimilar os preceitos liberais, e, portanto, de formar e de sustentar um projeto coerente de Brasil
Moderno. Apropriando-se da definição de Trotsky de desenvolvimento desigual e combinado, Oliveira (1972)
concluirá que o capitalismo periférico, portanto, tardio, apresenta uma heterogeneidade estrutural e
constitucional que combina a continuidade da formação social tradicional com a ascensão de nova dinâmica
econômica e social, ambas integradas ao circuito hegemônico da acumulação capitalista.
57
longo de um período, na América, o que pode ser útil para estabelecer uma
resposta preliminar à questão: poderia a folha de coca ter transitado de um bem
socialmente útil para receber também valor de troca até o fim do período da
colonização espanhola? Poderia ser ela tratada como uma mercadoria,
considerando o circuito de produção mercantil simples que se organizou com a
colonização?
Para os autores, o uso da planta “mágica” na América sofreu mudanças nas
suas funções sociais ao longo de três períodos, tomados como: pré-dinastia inca;
durante o período Inca propriamente dito e, finalmente, no intercurso da
colonização espanhola.
O primeiro, com registros advindos de até 5.000 anos atrás, quando os
índios nativos das regiões andinas, particularmente, das regiões, hoje, conhecidas
como Valdívia, no Equador (2.100 a.C), Huaca Prieta, no Peru (2.500 a 1.500
a.C), Tiawanaku, na Bolívia (400 a.C) e San Agustín, na Colômbia (900 d.C), a
utilizavam dentro das atividades religiosas e festivas. Tratava-se de formações
sociais comunitárias não constituídas sobre a propriedade privada, havendo uma
base comum de bens coletivos e baixa divisão social do trabalho. As trocas de
bens, portanto, eram efetivadas de forma local e para fins de provisão de
necessidades para o auto-sustento. Não se conhecia ainda formas monetárias
intermediando as trocas desses bens.
Este uso é acompanhado, desde sempre, de funções sociais e rituais que
integram a folha de coca não somente à cultura das populações andinas,
mas, igualmente, à economia específica dessa região. Ela constitui,
notadamente, um instrumento da regulação ancestral das trocas entre as
vertentes orientais dos baixos vales em que ela é cultivada e as terras frias
do Altiplano, onde brota a planta (KOUTOUZIS; PEREZ, 1997, p. 29,
tradução nossa).
Como todo bem utilizado pelas sociedades humanas, a folha de coca nesse
tipo de formação social possuía valor de uso, mas não chegava a se constituir
como mercadoria, pois, não estavam dadas as duas condições para sua
materialidade.
Em primeiro lugar, porque só constituem mercadorias aqueles valores de
uso que podem ser reproduzidos, isto é: produzidos mais de uma vez,
repetidamente. (...) Em segundo lugar, porque a mercadoria é um valor
de uso que se produz para a troca, para a venda; os valores de uso
produzidos para o autoconsumo do produtor [...] não são mercadorias –
58
Por que o uso das aspas para “fins políticos e econômicos”? Segundo os
autores, a conquista de territórios pelo Império Inca na América foi orientada por
interesses de dominação econômica e política de sua elite sacerdotal e nobre.
Estudos étnico-históricos, citados por Koutouzis e Perez (1997), apontam
diferenciadas formas de dominação dos Incas sobre os territórios, porém,
respeitando-se os ecossistemas locais, e deles extraindo os alimentos não
cultiváveis nas altas terras andinas, como o milho, inhame, pimenta e a coca. Ao
longo da costa do Pacífico, os Incas contribuíram diretamente para a expansão do
cultivo da coca, indo até o sul do continente, normalmente anexando parte da
produção como tributo ao deus Sol.
61
A coca, aqui, integrada à formação social e cultural dos Incas, era tomada,
fundamentalmente, como “presente dos deuses” e a eles deviam voltar sob a
forma de tributação. Tanto Johanson (1988), como Escohotado, citado por Leite e
Andrade (1999) referem que o uso da folha de coca ficou até aquele momento,
fundamentalmente, restrito às elites dos incas.
Efetivamente, apenas a oligarquia tinha o privilégio do consumo de coca,
concedendo-a como recompensa a soldados, mensageiros e camponeses.
Mascar sem autorização era considerado crime no Império Inca; sendo
assim, tem-se o primeiro caso na história de controle de consumo de
substâncias psicoativas em determinadas castas da produção (LEITE;
ANDRADE, 1999, p. 17).
Tornou-se, então, uma prática corrente pagar o trabalho dos índios com
folhas de coca (JOHANSON, 1988, p. 41-2).
produtoras em larga escala da planta, como foi o caso da Bolívia e do Peru a partir
da década de 1950 e 60, respectivamente.
Ao longo de todo o século XIX, depois da crise econômica que seguiu a
Independência, a economia das “haciendas cocaleras” dos yungas
bolivianos não pára de se consolidar, com o desenvolvimento do latifúndio,
de 1870, aproximadamente, até a reforma agrária de 1953, que põe fim a
ela. A zona do vilarejo de Coripata, em particular, torna-se famosa pela
renda que ela recebe do cultivo da planta de coca. Ela repousa sobre a
concentração da propriedade: um único proprietário, José M. Gamarra,
possui cinco das mais importantes “haciendas” e uma exploração dos
trabalhadores agrícolas que, se não repousa juridicamente sobre um
status servil, dele apresenta muitas características. Depois da reforma
agrária, essa região continua a produzir, sobretudo, para o uso tradiconal,
ao passo que a produção de Chapare é destinada à fabricação da
cocaína. No Peru, a região de Quillabamba conheceu uma evolução
similar: os sindicatos agrícolas depois das lutas árduas desde o início dos
anos 1960, obtêm a libertação dos camponeses que trabalhavam nas
“haciendas”, através da reforma agrária de 1969. O vale de Huallaga, na
Amazônia, torna-se então o centro da produção ilegal (1997, p. 36,
tradução nossa).
24
Segundo Koutouzis e Perez (1997), as sementes da papaver somniferum foram encontradas nas aldeias às
margens de lagos na Suíssa, Itália e Alemanha há onze mil anos.
73
Morfeu, o deus do sono, a cada noite, ele sacudia a planta sobre os mortais para
lhes oferecer repouso e esquecimento. Também advém da Grécia uma das
possibilidades da origem da palavra ópio: opos, que quer dizer “suco”, no caso, o
“suco da papoula”. Ainda se observou uma ampliação das qualidades do uso da
planta da “alegria”: de uma resposta à atração humana por experiências
transcendentais à fins terapêuticos. Hipócrates (460-377 a.C) mencionou
freqüentemente a papoula como ingrediente de preparados medicinais e
Aristóteles, preceptor de Alexandre (384-322 a.C), como um calmante, anti-
diarréico e sonífero.
A estatueta da deusa das papoulas, de Gazi, que data do XV século a.C,
indicaria as virtudes mágicas e religiosas que eram conferidas a essa
planta. Próximo do século VII, a papoula é preferencialmente utilizada
como medicamento e, enfim, – sem que um uso exclua o outro –, como
psicotrópico, durante o período clássico (KOUTOUZIS; PEREZ, 1997, p.
18, tradução nossa).
25
Não é objeto dessa tese explorar a formação social do Império Romano, mas cabe destacar que povos
distintos compuseram seus domínios, os quais já conheciam as qualidades místicas e terapêuticas do uso da
papoula. A extensão territorial ocupada pelo império margeava a região do mar Mediterrâneo já na
emergência do cristianismo, mas esta se inscrevia num conjunto de outras formas religiosas.
76
27
Inquisição, ou Santo Ofício, foi a designação dada a um tribunal eclesiástico, vigente na Idade Média e
começo da modernidade. Sua origem remonta ao século IV, mas atingiu o auge no século XIII, no combate às
heresias e a outras práticas contra a fé e a unidade do cristianismo. Depois entrou em declínio, até ressurgir,
de forma particular, na Espanha no século XV, com os reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão,
que desejavam a unificação da Espanha e o desenvolvimento da burguesia. No fim do século XVIII, a
Inquisição dirigia sua perseguição aos maçons e aos partidários das idéias da Ilustração. Foi abolida em 31 de
março de 1821, após ter vitimado cerca de quarenta mil pessoas, das quais 1.175 foram queimadas.
28
No poema Histórias de gente alegre (1910), de João do Rio, citado por Resende (2006), a coquete é descrita
a partir da exploração que ela sofre sobre seu trabalho e alude a importância dos vícios para suportar tais
condições:
Sabes o que é a vida em casas de tal espécie. Elas acordam para o almoço, em que
aparecem vários homens ricos. O almoço é muito em conta, os vinhos são
caríssimos. A obrigação é fazer vir vinhos. Desde a manhã elas bebem champagne
e licores complicados. Nesses almoços discute-se a generosidade, a tolice ou a
voracidade dos machos. A tarde é dada a um ou a dois, Às cinco, toilette e o
passeio obrigatório. À noite, o jantar, onde é preciso fazer muito barulho, dança
entre cada serviço, ou mesmo durante, dizer tolices. Depois os passeios aos
musichalls, com os quais têm contrato as proprietárias, e a obrigação de ir a certo
clube aquecer o jogo. Cada uma delas tem o seu cachê por esse serviço, e são
multadas quando vão a outro – que, como é de prever, paga a multa. O resto é
ainda o homem até dormir. Nesse fantochismo lantejoulado há vários gêneros: o
doidivana, o sério, o reservado, o nature, o romântico, e para encher o vazio, os
vícios bizarros surgem. Elas ou tomam ópio, ou cheiram éter, ou se picam com
morfina, e ainda assim, nos paraísos artificiais, são muito mais para rir, coitadas!
(JOÃO DO RIO, 1910 apud RESENDE, 2006, p. 43-4).
78
29
A passagem dos portugueses pelo Cabo de Boa Esperança em direção ao extremo sul da África reorganizou
o comércio internacional das especiarias a partir do século XVI. A rota marítima inaugurada pelos
portugueses permitiu tornar a Índia o centro do comércio da Europa com a Ásia, declinando a importância
comercial do Oriente Médio e de Veneza para a circulação das especiarias, chegando esta cidade a comprá-las
em Lisboa.
79
6500
5200
2735
2400
TONELADAS
ANO
312 360
240
0
1729 1792 1798 1817 1821 1838 1860 1880
O ópio se tornou fundamental para a East Índia Company, pois, suas contas
se encontravam deficitárias frente à balança comercial desfavorável entre o maior
volume de importações da seda e de outros produtos chineses em contrapartida
ao algodão indiano. A demanda por produtos chineses na região e na Europa era
crescente, mas requeria divisas chinesas para seu pagamento. Nesse circuito, o
ópio indiano, monopolizado por tal empresa, entrou como mercadoria capaz de
gerar os recursos chineses, na medida em que sua importação para a China se
tornou crescente a partir do início do século XIX. Koutouzis e Perez (1997)
oferecem as seguintes informações a respeito:
A venda do ópio indiano, que os comerciantes chineses pagam aos
ingleses em divisas chinesas, fornece a solução, permitindo a estes
últimos financiar a compra de produtos locais, que são revendidos, em
seguida, no mercado asiático, e depois mundial (1997, p. 25, tradução
nossa).
30
Apesar da preliminar referência à interdição do ópio no século XIX, a matriz proibicionista internacional
será objeto de análise na Parte II dessa tese, quando se explorará a natureza transnacional da política de
segurança estadunidense em proteção aos seus monopólios no século XX.
91
31
Koutouzis e Perez (1997, p. 12) referem à certa polêmica da introdução do cachimbo à água para o uso
fumado da maconha: pode ter sido pelos iranianos ou por invasões de mongóis à Bagdá no século XII. Cabe
destacar, então, que, antes da África, o uso fumado da cannabis já era realizado por árabes, egípcios, iranianos
e mongóis. No caso dos árabes, essa forma recebeu o nome de “hachîch” – erva –, mas o termo haxixe foi
confirmado mais tarde, com um grupo de assassinos ou “hachîchiyyîn”, que praticava assassinatos políticos
como estratégia contra o poder sunita em Bagdá, entre 1090 e 1272. Os sunitas, em represália, passam a
arrancar os dentes dos fumadores daquele grupo ao final do século XII.
92
que o uso da maconha possa, em parte dos seus usuários, levar a dependência 32,
mas a intensidade da potência para o desenvolvimento da dependência seria
diferente, comparada ao uso do ópio e seus derivados e da cocaína.
Preparava-se, então, o terreno para impingir ao uso de uma mercadoria
pouco cobiçada pelos monopólios farmacêuticos e por outros ramos industriais a
trilha de sua incorporação no rol das drogas controladas no século XX. Além
disso, as construções das associações entre droga e degenerescência, droga e
crime permitiram na formação social estadunidense uma política interna de
proibição da produção, comercialização e uso da maconha33, referida a uma
estratégia de controle coercitivo sobre os imigrantes latinos e seu fluxo imigratório.
Justamente, dos Estados Unidos partiu a iniciativa, no século XX, precisamente,
em 01 de setembro de 1937, de instituir um estatuto jurídico de controle do
mercado da maconha, através do Marijuana Tax Act e, após a 2ª Guerra Mundial,
foi ratificada o controle internacional sobre a produção, distribuição e uso dessa
mercadoria através das convenções contemporâneas da área das drogas.
Mas dos Estados Unidos e, mais precisamente sobre o uso terapêutico da
maconha, vem se assistido a produção de experiências de regulação do Estado
sobre o uso terapêutico dessa droga-planta a partir de meados da década de
1990, havendo a possibilidade de se comprar dosagens da droga em
estabelecimentos comerciais quando o usuário dispõe de receita médica.
Absolutamente não se trata de uma experiência extensa na sociedade
estadunidense, nem a defendida pelo governo central em fóruns internacionais.
A possibilidade em construção, então, de se capilarizar e de se legitimar o
uso terapêutico da maconha no próprio território estadunidense e em outras
regiões do mundo, em particular, na Europa Ocidental, tem sido uma estratégia
32
Posições diferentes de especialistas nacionais podem ser encontradas, por exemplo, em publicações como:
RIBEIRO, Marcelo et al. Abuso e Dependência de Maconha. In. Revista da Associação Médica Brasileira.
ISSN 0104-4230. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
42302005000500008&lng=e&nrm=iso&tlng=e. Acesso 07 out. 2009; CEBRID, maconha. Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeitos_da_maconha_%C3%A0_sa%C3%BAde#Depend.C3.AAncia. Acesso em
07 out. 2009.
33
É conhecida a permissão para se poder produzir e comercializar sementes esterelizadas de cannabis para
fins de nutrição das aves, cujas indústrias foram surpreendidas à época do Marijuana Tax Act, porém, ouvidos
seus representantes a tempo de incluir tal dispositivo no Marijana Tax Act.
96
39
Segundo Netto, que elabora a apresentação do texto de Engels na edição de 2008, pela Ed. Boitempo, há a
nota –a- da página 35, onde sugere referências originais e do Serviço Social para o debate da questão social,
mas merece ser transcrita a visão daquele sobre como Engels propõe solucionar tal questão:
[...] deixa de estar hipotecada à filantropia, à moralização da sociedade ou à
realização de receitas utópicas idealizadas por mentes generosas; porque
compreendida como implicação necessária do padrão societário embasado na
propriedade privada dos meios de produção fundamentais, sua resolutibilidade é
posta como função da supressão desse mesmo padrão societário (NETTO apud
ENGELS, 2008, p. 31).
108
Para Rosen (1994), sob essa ótica, a epidemia de cólera teria sido uma
benção, na medida em que acelerou medidas de intervenção sobre o pauperismo.
No entanto, em seguida, em 1834, na Inglaterra, o Ato de alteração da Lei dos
Pobres, comumente conhecida como Nova Lei dos Pobres, seguiu o espírito
liberal da nova ordem econômica e as supostas leis universais do mercado, o que,
efetivamente, tornou a assistência aos pobres mais indigna do que as condições
de trabalho fabril oferecidas nos centros urbanos industriais, justamente para
desmotivar qualquer indivíduo a se tornar beneficiário dessa assistência.
Engels (1845 / 2008) também dedicou no último item do seu texto, A atitude
da burguesia em face do proletariado, atenção especial sobre a Nova Lei dos
Pobres. Para o autor, ela é uma aberta declaração de guerra da burguesia contra
o prolateriado (2008, p. 315), considerando que a teoria malthusiana40 da
40
Para Boarani (2003) forjou-se na modernidade uma matriz racionalista que ruiu o edifício do pensamento
teológico da sociedade medieval. A natureza passou a ser objeto do estudo da ciência e esta se incumbiu de
descobrir as leis naturais, existentes a priori, nos fenômenos naturais e sociais. Essa matriz em curso no modo
de produção burguês dessacralizou os dogmas religiosos para, em seguida, entronar um outro deus: a
determinação das leis naturais. Nesse circuito, os séculos XVIII e XIX foram profícuos no campo científico
para naturalizar os fenômenos sociais, tomando, por exemplo, as desigualdades sociais como expressão típica
da competição natural entre os homens. Dos ramos da ciência que contribuíram para essa assertiva, alguns
109
podem ser relacionados: a sociologia, a economia política, a medicina social, com o higienismo e a eugenia, o
darwinismo e o malthusianismo. Para este ramo elaborado por Thomas Malthus (1766-1834), de forma
sumariada, como a Terra está superpovoada, a carência, a miséria e a degradação moral são inevitáveis, daí, a
divisão natural entre fortes e fracos, ricos e pobres.
41
Francis Galton se apoiou no estudo do seu primo Robert Charles Darwin (1809 – 1882), A origem das
espécies por meio da seleção natural ou a Preservação das raças favorecidas na luta pela vida, de 1859, cujo
trabalho deu um golpe fatal na ideologia teológica feudal. Para Darwin, em sua investigação nas ilhas
Galápagos, tanto no reino animal quanto no reino vegetal, a sobrevivência dos indivíduos está diretamente
relacionado àqueles que possuem as melhores condições biológicas para se adaptar ao meio. A luta pela vida
implica a permanente competição entre seus membros na busca de alimentos, territórios etc. Então, a espécie
humana como os outros seres vivos lutariam pela vida e teriam passado por transformações a partir de
espécies inferiores. Esse pensamento confrontou-se diretamente com o dogma religioso sobre a eternidade de
todas as coisas e, sobretudo, a afirmação de que o homem teria sido criado à imagem do Criador. Darwin
ofereceu a natureza e suas leis para compreender os indivíduos que a compõem, sendo seu pensamento um
marco fundamental da biologia moderna.
110
do final do século XIX e início do XX, esboçou um projeto eugênico para promover
o progresso físico e moral das nações publicado sob o título Hereditary genius, em
186942. E Galton, citado por Boarini (2003) adverte: “A nação que primeiro e
conscientemente resolver este grande problema, não só vencerá em todas as
matérias de competência internacional, mas ganhará um lugar de honra na história
do mundo” (2003, p. 28).
As bases ideológicas do projeto eugênico já estavam se forjando em
meados do século XIX, quando Engels produziu A situação da classe trabalhadora
na Inglaterra, não sendo aleatório que ele identifique e relacione a Nova Lei dos
Pobres ao espírito malthusiano.
Mas o projeto eugênico apresentava um leque amplo de preocupação e o
alcoolismo desfilava como uma degeneração moral que deveria ser combatida
abertamente.
Para a elevação moral e o engrandecimento da nação, a eugenia
propunha, basicamente, estimular os nascimentos desejáveis (eugenia
positiva) e desencorajar deliberadamente a união e a procriação dos
tarados e degenerados, considerados nocivos à sociedade. Nessa
categoria estavam incluídas as pessoas tuberculosas, as sifilíticas, as
alcoolistas, as epilépticas, as alienadas e tantos outros indesejáveis
(eugenia negativa) (BOARINI, 2003, p. 29).
42
Antes dessa publicação, Galton antecede dois artigos no Macmillan’s Magazine, em 1865.
43
O Traité de l’herédité (1850), de Prosper Lucas, e, principalmente o trabalho de Auguste Morel, Traité des
degenerescences physiquess, intellectuelles et Morales de l’espèce humaine, et des causes qui produisent ces
variétés maladives (1857) foram fundamentais para dar status de teoria à idéia de degenerescência e dando à
medicina e, nela, a psiquiatria, um instrumental relevante para intervenção civilização urbana e fabril.
111
animal? [...] – mas é exatamente isso que a burguesia não pode admitir. Não
pode admitir que a indústria, da qual tira seus lucros, gerou as grandes
cidades; e, por isso, aceita a idéia de que as grandes cidades se
desenvolveram por si mesmas e que as pessoas se instalaram nelas por livre
vontade, idéia que lhe permite atribuir todos os males a essa causa
aparentemente inevitável. Na realidade, as grandes cidades apenas se limitam
a desenvolver mais rápida e completamente um mal já existente em germe [...]
(ENGELS, 1845 / 2008, p. 159).
45
Para aprofundar o interesse pela biografia do autor, sugiro G. Mayer, Friedrich Engels. Biografia. México,
Fondo de Cultura Económica, 1979.
114
Nessa ordem social, o ato de beber não é tomado por Engels como um
problema para o trabalhador. Compõe as condições de vida e de relações
comunitárias constitutivas da linha de base, que Engels está formulando para
apresentar o quanto o processo industrial alterou todas essas relações. Mas sua
posição à ordem feudal é incisivamente crítica e vislumbra na crescente
exploração do novo modo de produção e da vida aviltantes nos grandes centros
urbanos industriais os germens possíveis de superação da própria barbárie.
De fato, não eram verdadeiramente seres humanos: eram máquinas de
trabalho a serviço dos poucos aristocratas que até então haviam dirigido a
história; a revolução industrial apenas levou tudo isso às suas
conseqüências extremas, completando a transformação dos trabalhadores
em puras e simples máquinas e arrancando-lhes das mãos os últimos
restos de atividade autônoma – mas, precisamente por isso, incitando-os a
pensar e a exigir uma condição humana (2008, p. 47).
oferece sua compreensão para o uso dessas bebidas e do ópio por parte de uma
ótica dos trabalhadores.
Chama a atenção na análise de Engels a centralidade da Revolução
Industrial e a conformação das duas classes fundamentais na nova sociedade. A
Inglaterra e a cidade de Manchester, em particular, tornaram-se as oficinas de sua
observação e, em meados da década de 1840, ele vai se referir a um aparente
paradoxo: as cidades se tornam grandes centros urbanos e industriais, acorrendo
e concentrando milhões de trabalhadores, que passaram a viver em condição
“repugnante, que revolta a natureza humana” (Engels, 1845 /2008, p. 68), porém,
cada qual sob profundo isolamento e atomização social. O autor parece apontar
as bases da formação do individualismo burguês, cuja questão é essencial para
entender a tomada do uso das drogas como um problema novo – individual e
societário.
[...] nos sentimos atordoados com a grandeza da Inglaterra antes mesmo
de pisar no solo inglês.
Mas os sacrifícios que tudo isso custou, [...] esses londrinos tiveram de
sacrificar a melhor parte de sua condição de homens para realizar todos
esses milagres da civilização de que é pródiga a cidade (...). Até mesmo a
multidão que se movimenta pelas ruas tem qualquer coisa de repugnante,
que revolta a natureza humana. [...] Essa indiferença brutal, esse
insensível isolamento de cada um no terreno de seu interesse pessoal é
tanto mais repugnante e chocante quanto maior é o número desses
indivíduos confinados nesse espaço limitado; e mesmo que saibamos que
esse isolamento do indivíduo, esse mesquinho egoísmo, constitui em toda
a parte o princípio fundamental da nossa sociedade moderna, em lugar
nenhum ele se manifesta de modo tão repugnante e claro como na
confusão da grande cidade. A desagregação da humanidade em
mônadas, cada qual com um princípio de vida particular e com um objetivo
igualmente particular, essa atomização do mundo, é aqui levada às suas
extremas conseqüências (1845 / 2008, p. 67-8).
famílias, mas não lhes oferece os meios para que o façam de modo eficaz
e permanente. Qualquer operário, mesmo o melhor, está constantemente
exposto ao perigo do desemprego, que equivale a morrer de fome e são
muitos os que sucumbem (1845 / 2008, p. 115).
Mas a barbárie que para Engels tem sua produção e reprodução motivada
pela guerra social intra e inter-classes sociais, parece ser graduada por níveis de
deterioração. Ele chama atenção da imigração irlandesa, cujos trabalhadores
ocuparam na Inglaterra o “lugar mais baixo da escala social que pode existir num
país civilizado” (1845 / 2008, p. 134).
Por que discorrer sobre essa imigração? Pode ser ela relevante para o
presente trabalho? Justamente porque Engels aborda de forma mais detida o
alcoolismo nesses trabalhadores, aumentando a freqüência de citação sobre esse
fenômeno, e, claramente, dialoga com idéias conservadoras, algumas de natureza
malthuseana, outras advindas do Movimento de Temperança, ambas sob o marco
da programática liberal burguesa.
Os trabalhadores irlandeses afluíram para a Inglaterra ao longo do processo
da Revolução Industrial, atingindo a cifra de 1 milhão de pessoas até a década de
1840. Segundo Engels, anualmente, imigravam, ainda, cerca de 50 mil
trabalhadores da Irlanda, os quais não conheciam “os benefícios da civilização,
habituados desde a infância a privações de toda a sorte, brutais, alcoólatras,
pouco se importando com o futuro” (1845 / 2008, p. 131). Eles se tornaram a
reserva necessária para o desenvolvimento da indústria britânica, estabelecendo
concorrência com os trabalhadores ingleses a um “mínimo de salário” (1845 /
123
46
Expressões como “costumes grosseiros”, “temperamento desleixado e jovial”, “caráter meridional,
frívolo” e outras, citadas por Engels para se referir aos irlandeses, podem ser tomadas como exemplares do
preconceito de natureza étnica que atravessava o autor, e cuja questão é recuperada em certos trabalhos
biográficos sobre ele e Karl Marx. Uma que permite aprofundar a concepção de etnia, inclusive, com
referência à presença de especialistas da frenologia no círculo comunista do período e contemporâneo à Marx
e Engels, é o trabalho de Wilhelm Libknecht, Karl Marx: Biographical Memoirs, tradução de E. Untermann,
Londres, 1901. No entanto, no texto em análise do jovem Engels, a idéia da “mistura de raças”,
normalmente, execrada pelas posições higienista e, sobretudo, a eugenista, é valorizada pelo autor.
Sob muitos aspectos, os irlandeses relacionam-se com os ingleses assim como os
franceses com os alemães e a mescla do temperamento irlandês, mais leve, mais
emotivo, mais caloroso, com o temperamento inglês, tranqüilo, perseverante, refletido,
há de ser, a longo prazo, proveitosa para as duas partes. O egoísmo brutal da
burguesia inglesa estaria muito mais enraizado na classe operária se o caráter
irlandês, generoso ao limite da abnegação, fortemente dominado pelos sentimentos,
não atenuasse, seja pela mistura de raças, seja pelas relações cotidianas, o caráter
inglês, frio e racional (Engels, 1845 / 2008, p. 162).
47
Por opção, nesse momento do texto, não haverá referências diretas aos conceitos e noções da psicanálise,
mas deve-se registrar que as forças poderosas em direção ao prazer, aí, relacionadas, tem alguma
similaridade com as noções de pulsão de vida e pulsão de morte. Na área das drogas há bibliografia extensa
sobre esse debate, mas sugiro duas: OLIEVENSTEIN, Claude et al.. A clínica do toxicômano: a falta da
falta. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989; e GURFINKEL, Décio. A Pulsão e seu Objeto-Droga: Estudo
Psicanalítico sobre a Toxicomania. Petrópolis, Vozes, 1995.
124
presente para vivê-lo no futuro, pois, essa (des)ordem social não lhe assegura
qualquer garantia social como retorno. Como pensar em políticas sociais públicas
que desloque a busca do indivíduo por qualquer prazer no presente em
investimento em outros objetos, em outras formas qualitativas de relações com
objetos da civilidade e para desfrutá-los em outros tempos biográficos e sociais?
Esse é um debate importante para se compreender, de forma retrospectiva,
a receptividade na Europa e nos países por onde passaram os veios
colonizadores e imperialistas para se estruturar o mercado de outras drogas e,
sobretudo, o seu consumo. Devendo-se fazer a ressalva de que, inicialmente, não
nos parece que drogas como a cocaína, morfina e heroína foram signos iniciais da
barbárie. Para a classe médica e industriais farmacêuticos, elas abarcavam
funções terapêuticas; faziam parte do progresso civilizatório que era engendrado
na Europa Ocidental do século XIX. O trabalho de Engels nos antecipa ao
descortinar os porões da barbárie: ela está sendo produzida simultânea ao projeto
civilizatório na ordem burguesa. Nesse terreno, as promessas civilizatórias não se
realizavam de forma universal e mais: podiam criar uma força centrífuga poderosa
e crescente absorvendo quase tudo e quase todos à barbárie. E nesse ponto, a
embriaguez do trabalhador desloca-se de um ritual festivo e de lazer para ser
marca indelével da degradação mais ampla de sua condição econômica, política,
educacional, moral e física.
Engels, ao trabalhar com um material efervescente de variáveis relativas as
condições concretas de vida do trabalhador, inclusive, em alguns momentos,
registrando cartas e histórias pessoais e familiares desses sujeitos, estabelece,
então, um mirante crítico ao ethos burguês individualista, mas, fundamentalmente,
à produção exponencial da exploração e opressão sobre o trabalhador começando
pelo trabalho, mas se estendendo por todas as áreas da vida – habitação,
alimentação, vestuário, saúde etc. Daí, ele inferir idéias sobre o alcoolismo a partir
de um posicionamento ídeo-político que vincula sua análise à possível ótica do
trabalhador.
O tema do excesso dos prazeres não era novo, já que consumiu parte da
atenção dos pensadores50 da Grécia antiga, mas compareceu como poderoso
substrato ideológico na modernidade e pode ser encontrado na história da
invenção do alcoolismo (SANTOS, 1995). Trata-se de uma noção que tinha como
oposto a temperança, marca da moral na ordem burguesa requerida para os
trabalhadores. À classe detentora do capital, por sua própria natureza, a noção de
excesso cabia-lhe perfeitamente.
É interessante atentarmos para um movimento aparentemente
contraditório das classes dominantes, que consistiria em, ao mesmo
tempo, reprimir os prazeres e permitir o seu uso sem excessos. Na
realidade, o que lhes interessava era disciplinar os hábitos das classes
trabalhadoras e não criar uma sociedade “espartana”, com um único
padrão moral valendo para todos (SANTOS, 1995, p. 55).
Capítulo II
51
Para aprofundar o conhecimento sobre os agentes do movimento religioso puritano nos Estados Unidos,
sugiro ler Reis (2007) e Rodrigues (2004). Este no item “A época da venda livre e da ascensão puritana”
menciona os seguintes agentes: em 1869, criou-se o Prohibition Party; em 1873, a Sociedade para Supressão
133
do Vício; em 1893, o Anti-Saloon League; em 1913, ganhou força a campanha pela proibição do álcool no
território estadunidense e, em 1916, cresceu a bancada proibicionista no Congresso Nacional, obtendo os 2/3
necessários para abrir o processo de votação da proposta. O caminho para a Lei Seca ou o Volstead Act,
instituída em 1920, estava aberto.
134
substrato necessário a explorar para apreender qual foi o solo em que a “matriz
proibicionista” estadunidense às drogas encontrou aqui, no século seguinte.
Nessa citação, os referidos autores parecem partir de uma visão ideal sobre
o sentido a ser dado às políticas externas nacionais e elaboram a sua concepção
das relações internacionais brasileiras com a crítica às análises que colocariam no
centro das determinações as categorias econômicas “como explicação monista”.
Cervo e Bueno (2002) não abrem mão de interpor tais determinações em suas
reflexões, mas intencionam articulá-las com as de natureza política, as quais
teriam relativa autonomia com as da economia, embora se materializem de forma
recíproca. Nesse sentido, parece que os autores recolocam a crítica ao teoricismo
formalista na teoria do Estado, na qual esta instância da autoridade coletiva é
colocada unicamente como um instrumento das classes e frações de classe
organizadas no bloco do poder, exercendo funções econômicas e de dominação
política no âmbito das relações de produção. Trata-se de uma crítica já
reconhecida no campo das abordagens marxistas, tendo em Poulantzas (1985)
um de seus principais expoentes.
O Estado constitui, portanto, a unidade política das classes dominantes.
Ele pode preencher essa função de organização e unificação da burguesia
e do bloco no poder, na medida em que detém uma autonomia relativa em
relação a tal ou qual fração e componente desse bloco, em relação a tais
ou quais interesses particulares. A autonomia constitutiva do Estado
capitalista remete à materialidade desse Estado em sua separação relativa
das relações de produção, e às especificidades das classes e da luta de
classes sob o capitalismo, em que essa separação implica
(POULANTZAS, 1985, p. 145-6).
54
Um dos atos liberais da corte portuguesa no Brasil foi a Abertura dos Portos, em 1808, a qual desejada
pelos ingleses, também, foi temida pela possibilidade de diminuir sua área de influência no país. Em reação a
esse risco, a diplomacia inglesa foi agressiva para assegurar privilégios para sua produção industrial. Os três
tratados de 1810 são marcos importantes do enquadramento do Brasil diretamente no sistema internacional da
supremacia inglesa:
Os produtos ingleses entrariam a 15%, o que significou a morte da indústria brasileira que
florescia; introduziam-se franquias recíprocas, num sistema de reciprocidade fictícia;
asseguravam-se aos súditos ingleses no Brasil direitos especiais, que compreendiam uma
justiça privativa, dando-lhes assim, condições de se instalarem e agirem livremente; não
se dava contrapartida aos produtos brasileiros no mercado inglês, onde seus direitos
seriam regulados unilateralmente; e excluíam-se do mercado inglês o açúcar, o café e
outros produtos (Cervo; Bueno, 2002, p. 36).
140
55
Essa assertiva pode lembrar a pressão inglesa sobre a China, a posteriori, no evento da primeira guerra do
ópio (1839-42), que se desdobrou na abertura de cinco portos chineses, sendo destinado o de Hong Kong
somente para as operações comerciais inglesas. Já na segunda guerra do ópio (1856-58), Inglaterra e França
obtiveram a abertura de onze portos chineses para o comércio com a Europa ocidental.
142
56
Aqui, estou me referindo à Revolta da Armada (1893-1894), questão trabalhada por Cervo e Bueno (2002).
143
relações bilaterais e multilaterais de âmbito militar para manter, inclusive, pelo uso
da força, a coesão territorial e política do país.
Tal interdependência com sentidos opostos e, de forma simultânea,
complementares entre os níveis de soberania interna e externa do Brasil foi
aprofundada, então, com o início da República e se deu em meio à emergência de
uma nova economia mundial, os Estados Unidos, cujo país optou por uma
articulação entre o exercício de sua soberania interna e externa através de um
único sentido: o desenvolvimento da acumulação capitalista nacional e a
consolidação de seu Estado moderno, após a Guerra de Secessão, e seu
fortalecimento na liderança do concerto internacional.
Há que se considerar que, embora as disputas imperialistas entre as
potências européias e os Estados Unidos fossem acirradas a partir do último terço
do século XIX, Cervo e Bueno (2002) destacam, mais uma vez, que no caso da
Revolta da Armada, o aparente unilateralismo estadunidense em lutar ao lado do
governo brasileiro interessou à Inglaterra em termos de política econômica
externa.
É preciso, todavia, advertir que a cartada decisiva do governo norte-
americano a favor de Floriano não foi contestada pela diplomacia
européia, a Grã-Bretanha em particular. É bom lembrar que a primeira
intervenção na revolta fora consumada pelas potências da Europa e pelos
Estados Unidos [...]. Os interesses dos Estados Unidos e dos países
europeus envolvidos, principalmente a Grã-Bretanha, não eram, no caso,
colidentes (2002, p. 175-6).
Está posto ainda a própria concepção do Estado e das políticas sociais públicas
emanadas dessa instância, e a articulação entre as requisições das agendas
internacional e nacionais.
No caso da constituição da soberania política brasileira, pode-se observar
que o Estado utilizou preferencialmente o uso da coerção nos conflitos internos
até a década de 1930, mantendo essa via de controle da ordem em posteriores
períodos históricos, enquanto que, no plano externo, observou-se forte tendência
ao uso da negociação, o que expressaria uma inversão à tendência ideal de
regulação do uso da autoridade política, segundo Pistone (2003).
Seria, então, o tema das drogas e das políticas sociais públicas referidas à
questão, em particular, as brasileiras, um exemplar entre a despotencializada
soberania no plano externo de países no entorno das economias centrais e um
mote articulado para o exercício de políticas nacionais de natureza repressiva?
Portanto, o fato de que a colônia passou a ser governada “de dentro” com o
centro do poder real sediado no Brasil implicou na entrada gradativa do território
brasileiro no circuito da circulação mercantil capitalista das drogas, associado ao
desenvolvimento das forças produtivas referidas à medicina e farmacologia.
A panacéia químico-farmacêutica de poder anestesiar a dor com o uso de
novas drogas em procedimentos cirúrgicos e analgesiar o sofrimento de
patologias, acidentes e intervenções médicas, a partir de meados do século XIX,
foi “rapidamente introduzidas no Brasil no processo de modernização terapêutica”
(ADIALA, 1996, p. 52) e serviu para diferenciar as tradicionais práticas de cura –
dos jesuítas e dos silvícolas – com as executadas pelos novos médicos através de
“métodos científicos”. Conforme discorre Adiala (1996):
57
CARVALHO, Francisco Teixeira de. Clorofórmio em seus efeitos terapêuticos. [S.l. : s. n.], 1883.
148
58
Adiala (1996) está se referindo ao parto da rainha Vitória, quando foi utilizado o clorofórmio para fins
anestésicos.
59
As capitanias do Rio de Janeiro e da Bahia contavam com as academias médico-cirúrgicas nos moldes da
Universidade de Coimbra, desde 1813, as quais ficaram subordinadas à autoridade do cirurgião-mor e do
físico-mor do reino até 1826. O ano da criação, de fato, das faculdades de medicina nas duas cidades somente
se deu em 1832, após a Independência do Brasil.
149
60
O Código Penal Republicano foi antecedido pelo Código Criminal do Império do Brazil, de 1830, que foi
profundamente influenciado por um discípulo da Escola Antropológica Criminal Italiana, onde se discutia as
idéias de Cesare Lombroso (1835-1909) sobre a delinquência. Tratava-se do penalista pernambucano João
Vieira de Araújo, membro da Escola Intelectual Antropológica Criminal, sediada na Bahia.
152
63
Cesare Lombroso (1835-1909) foi médico e cientista italiano. Trata-se de uma importante referência da
Medicina Legal, inclusive, tendo ministrado a cadeira de Higiene e Medicina Legal da universidade de Turim.
Suas principais idéias foram veiculadas no livro “O homem delinqüente”, de 1876.
155
64
É importante registrar que Morel participava da corrente mais liberal entre os alienistas franceses,
conhecida como “no-restraint”, que defendia o uso mínimo dos meios coercitivos com os alienados.
65
Um importante texto histórico sobre a constituição da higiene mental no Brasil é CALDAS, M. A Hygiene
Mental no Brasil. ABHM, 1930, III (3): 69 – 77.
156
creditado uma certa confiança que competia explorar até onde fosse
possível (1989, p. 113).
66
Os trabalhos referidos foram:
LAFEBER, W. The Amercian Age: U.S foreign policy at home and abroad 1750 to the present. 2ª ed. WW
Norton and Company, 1994.
SCHLESINGER, Jr. A. M. Os ciclos da história americana. RJ, Civilização Brasileira, 1992.
HUNTIGTON, S.P. American ideals versus American institutions. In: IKENBERRY, G. J. (Org.) American
foreign policy-theoretical essays. 2ª ed. New York: Haper Collins Publishers, 1996.
160
67
Benjamim Rush (1745-1813), médico, congressista da Pensilvânia, consta sua assinatura na Carta da
Independência dos Estados Unidos.
68
Para aprofundar, ver SCHLESINGER, Jr. A. M. Os ciclos da história americana. RJ, Civilização
Brasileira, 1992.
161
em particular, o das Convenções da área das drogas, além das forças presentes
no cenário nacional brasileiro e suas respostas públicas para essa área.
a. primeiro, referente à formação transnacional do proibicionismo, que adveio
do início do século XX, indo até a Segunda Grande Guerra, percorrendo
duas importantes políticas externas de segurança estadunidense – o Big
Stick (1904-1933) e a Política da Boa Vizinhança (1933-1945);
b. o segundo, a consolidação do proibicionismo ao longo da Guerra Fria
(1947-1989), sob os marcos da corrida armamentista e o direito
internacional estabelecidos com as Convenções de 1961, 1971 e 198869;
c. o terceiro, o aprofundamento da matriz proibicionista após a Guerra Fria,
através de uma resposta bélica estadunidense, tornando o narcotráfico um
objeto da retórica do combate aos movimentos insurrecionais e justificativa,
portanto, para a contínua intervenção militar na América, em particular,
sobre os chamados “países produtores” da coca e maconha. Tal retórica,
como veremos, vem escamoteando os reais interesses geoeconômicos e
geopolíticos sobre a manutenção da América sobre área de influência
estadunidense;
d. o quarto, a sustentação de uma hegemonia crítica da matriz proibicionista
dos EUA, quando as potências européias e parte da América começam a
despenalizar o uso das drogas controladas, a partir da década de 1990,
embora mantendo sob controle regulatório e repressivo a produção, a
distribuição e a oferta dessas mercadorias.
Ao longo dessa periodização, será reconstruído o processo de regulação do
Estado brasileiro sobre o uso das drogas controladas, analisando-o com a
historiografia marxista sobre a formação social do país; com a história da medicina
social, cujos atores, idéias e interesses compunham o cenário nacional para forjar
uma certa forma de apreensão do problema drogas. De forma simultânea, tal
análise das políticas públicas brasileiras para a área de drogas se dará com a
interlocução sobre as influências externas que o país recebeu, emergindo no texto
69
Refiro-me às três convenções diretamente sobre o tema das drogas em vigor, todas pactuadas no período da
Guerra Fria: a Convenção Única sobre Entorpecentes, datada de 1961; seguida pela Convenção sobre
Substâncias Psicotrópicas, de 1971; e a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de
Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988.
168
70
Para aprofundar o estudo sobre o Movimento de Temperança sugiro a leitura do item 1.2 do capítulo I desta
tese.
178
71
O pensamento de Morel e o de Kraepelin terão repercussões sobre os movimentos da higiene mental no
final do século XIX, nos EUA, onde o médico neurologista suíço, Dr. Adolf Meyer (1866-1950), funda a
primeira sociedade destinada a “profilaxia das doenças mentais e a pregar a necessidade de higienização do
espírito”, no ano de 1908. Tratou-se de uma área especializada da higiene, a qual propiciará ao alienista uma
expansão na sua atuação e um reforço na sua respeitabilidade profissional. No Brasil, o movimento de higiene
mental teve na fundação da Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), no Rio de Janeiro, em 1923, o seu
principal veículo de articulação e comunicação das idéias de cruzada contra a doença mental. Nesta Liga
havia representantes políticos do mais alto escalão do Estado brasileiro. Refiro-me ao Presidente da República
Arthur Bernardes; três Ministros de Estado (Felix Pacheco, João Luiz Alves e Pires de Albuquerque), dois
Deputados (Carlos Maximiliano e Clementino Fraga), o Prefeito do Distrito Federal (Alaor Prata), dois
Conselheiros Municipais (Cesario de Mello e Mario Piragibe), um representante do Funcionalismo Público
(Pereira Jr.) e três representantes da Indústria e Comércio (Guilherme Guinle, Affonso Vizeu e Antônio
Gomes Pereira) (VASCONCELOS, 2000).
179
ares de cruzada, não só para levar os EUA à guerra, mas também para
fazer a paz (ITUASSU, 2004, p. 694).
lobby nos Estados Unidos contava com o apoio dos grupos puritanos, agora com
foco sobre as drogas ilícitas – a Lei Seca havia sido revogada em 1933 – e com o
cidadão estadunidense preocupado com a ocupação dos postos de trabalho por
latinos, em particular, os mexicanos.
Era um período de saída de uma onda longa recessiva da economia e,
nesse contexto, a rejeição aos fluxos imigratórios compôs o debate político e
cotidiano da sociedade estadunidense. No caso dos mexicanos, o fumo da
cannabis sativa, a maconha ou marijuana, permitiram o mote nacional para ser
aprovada a Marijuana Tax Act, em 1937, também, com o respaldo das resoluções
das convenções de Genebra em 1925 e 1931.
No plano internacional, em 1936, deu-se nova conferência sobre drogas em
Genebra, no caso, com foco mais rigoroso sobre o controle do tráfico ilícito e com
a pressão estadunidense para incluir medidas de controle sobre os usuários
recreativos. “Na abertura das sessões, Anslinger, novamente chefe da delegação
norte-americana, propôs a criminalização não só de toda a produção e a
distribuição não médica de drogas, como também do uso pessoal” (RODRIGUES,
2004, p. 58).
Tal pressão foi rejeitada pelos países da Europa Ocidental, sede de
importantes empresas de fármacos, e pelos países de economia periférica, que
tinham na produção das plantas e em certos níveis de sua manufatura um fomento
de sua economia e de sua cultura. Mas um conjunto de medidas de penais foi
pactuado entre as nações:
Cada uma das Altas Partes contratantes se compromete a baixar as
disposições legislativas necessárias para punir severamente, e sobretudo
com pena de prisão ou outras penas privativas de liberdade, os seguintes
atos:
a) fabricação, transformação, extração, preparação, detenção, oferta,
exposição à venda, distribuição, compra, venda, cessão sob qualquer
título, corretagem, remessa expedição em trânsito, transporte, importação
e exportação dos estupefacientes, contraria às estipulações das referidas
Convenções;
b) participação internacional nos atos mencionados neste artigo;
c) sociedade ou entendimento para a realização de um dos atos acima
enumerados:
d) as tentativas e, nas condições previstas pela lei Nacional, os atos
preparatórios (Convenção de 1936, Artigo II).
190
Rodrigues (2004, p. 64), e sua comercialização não sofria um controle estrito por
parte dos agentes estatais. A defesa de Aslinger sobre a livre comercialização dos
barbitúricos e anfetaminas estava assentada na posição favorável à ação
psicoativa delas pelo Drug and Food Administration – criado em 1930, enquanto
instância superior de regulamentação pública sobre drogas e alimentos para a
sociedade estadunidense. A metadona, inicialmente exaltada como droga capaz
de tratar os dependentes de heroína, foi observada como mais uma substância
psicotrópica capaz de induzir a nova dependência. “Era a troca de um opiáceo
com fórmula e modo de produção de “domínio público” por outro sintético e
patenteado”, conforme afirma Rodrigues (2004, p. 64).
Essa nova geração de drogas emergiu já como uma mercadoria no circuito
de produção mercantil capitalista, quando o estágio monopolista do capitalismo
estava consolidado, as indústrias farmacêuticas se tornaram importantes
corporações internacionais e se aproximava a fase madura desse estágio, a partir
dos idos de 1940. O cenário da eclosão da Segunda Guerra Mundial beneficiou,
inclusive, a produção de metanfetaminas, a pedido dos órgãos de defesa dos
Estados europeus e dos Estados Unidos envolvidos no conflito, considerando a
qualidade estimulante dessa substância, superior à da cocaína, para fins de
provocar “coragem e disposição nos soldados” (RODRIGUES, 2004, p. 65).
O ritmo dos lançamentos dos novos medicamentos acompanhou a
tendência de Proibição ao comércio internacional de ópio e derivados,
cocaína e maconha. Ao mesmo tempo em que as conferências de
Genebra iam se realizando e suas diretrizes sendo consagradas em
convenções, a pesquisa e a produção de drogas sintéticas cresciam,
contando, nos Estados Unidos, com amplo apoio governamental
(RODRIGUES, 2004, p. 65).
Cabe, ainda, destacar que a política externa dos Estados Unidos utilizava
outra estratégia para o alinhamento das posições das outras nações as suas
internas: o financiamento.
Uma que ficou conhecida foi a Diplomacia do Dólar, proclamada no final da
gestão do presidente William Howard Taft (1857-1930), em 1912, sucessor de
Theodore Roosevelt.
Tratava-se de uma política externa atenta às estabilidades financeira e
política na América, a fim de assegurar “a expansão e manutenção da supremacia
norte-americana na região” (SANTOS, 2007, p. 30).
Em geral, os dólares são usados para garantir a subserviência das elites
latino-americanas, facilitando a influência e o controle das economias e
dos mercados latino-americanos. Além disso, os dólares podem ser
usados para reformar economias, evitar e sufocar revoluções ou distúrbios
sociais que coloquem em risco os interesses norte-americanos, etc
(SANTOS, 2007, p. 30).
75
Segundo McNamara (1968), o Departamento de Defesa foi uma requisição por integração das forças
militares da terra, mar e ar, a partir da experiência da Segunda Grande Guerra: “...nas futuras guerras, as
fôrças combatentes terão que ser empregadas como equipe, sob direção estratégica unificada” (1968, p. 116).
195
76
Houve dissenso entre a informação de Adiala (1996) e a de Rodrigues (2004), quanto à representação
brasileira na Conferência de Haia. Para o primeiro, o Brasil não esteve presente, vindo a assinar o “protocolo
das nações não representadas”, em 1914; enquanto para Rodrigues (2004), o país esteve presente e aderiu as
suas resoluções em 1914. A despeito dessas informações desencontradas, que se intencionava esclarecer, o
documento referente às resoluções da conferência, onde ao final se registra os países que a subescreveram foi
procurado no site da ONU e no Itamaraty. No primeiro, essa convenção da antiga Liga das Nações não estava
disponível e na biblioteca do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, fui informada de que
“documentos históricos” das relações internacionais podem ser encontrados no Palácio Itamaraty do Rio de
Janeiro. No entanto, não foi possível acessar essa fonte primária, pois, a biblioteca do Palácio do Itamaraty
encontrava-se em obra.
199
Assim, o Ministro Rio Branco não desaprovou a política do Big Stick nem o
poder de “polícia internacional” liderado pelos Estados Unidos sobre o continente,
porém, não foi ingênuo quanto às pretensões de dominação desse país. Para
Cervo e Bueno (2002), tratava-se de uma visão realista da política externa
brasileira em reconhecer o poder de intervenção – econômico, político e militar –
da nova potência e dela intencionar obter prestígio para assegurar interesses
nacionais nas relações com os países sul-americanos, sobretudo, no que se
referisse aos conflitos de fronteiras. Deve ser lembrado que um dos legados da
liderança de Rio Branco na política externa brasileira foi completar a unidade
territorial do Brasil, sem, contudo, recorrer ao uso da força do Estado.
Recco (2004), também, utilizando-se de Cervo (2002), caracterizou a
relação bilateral entre Brasil e os Estados Unidos, no período, como de “relação
útil”, reconhecendo haver uma reciprocidade de interesses entre as partes.
O barão elevou a arte de fazer política exterior ao nível da perfeição
pragmática e aplicou-a a algumas grandes causas, como a solução das
questões de fronteira, a relação útil com os Estados Unidos, a paz e o
entendimento político com os vizinhos, a prevalência do direito sobre a
força e a apropriação de meios adequados de defesa e segurança para o
país (RECCO, 2004, p. 45).
Como se pode depreender, para os que não fizessem “uso legítimo” das
substâncias “venenosas” a pena era privação da liberdade e, no caso do ópio,
cocaína e seus derivados, o tempo dessa pena era mais extenso e sem a
possibilidade de pena pecuniária. A derivação dessa diferenciação expressava o
alinhamento do país às resoluções da Conferência do Ópio. De forma simultânea
e articulada, revelou, também, a crescente tendência nacional por recrudescer a
intervenção pública sobre os usos e a circulação autorizados dessas mercadorias,
pauta dos temas defendidos por médicos e, em particular, os psiquiatras.
O decreto-lei de 1921 condensa os juízos morais sociais contra as drogas,
transpondo o nível dessa condenação do âmbito religioso para o universo
79
Mais uma vez houve dissenso entre as nomenclaturas jurídicas adotadas por Adiala (1996) e Rodrigues
(2004) sobre a legislação de 1921. Adiala a nomeou de Decreto-lei nº 4.294, enquanto que Rodrigues citou
dois dispositivos jurídicos: a Lei Federal nº 4.294, de 14 de julho de 1921, e o Decreto nº 14.969, do mesmo
ano, que a regulamentou. A tese adota a posição encontrada nas fontes primárias que confirmam a posição de
Rodrigues (2004, p. 135).
204
Para Rodrigues (2004), numa análise mais refinada, o que estava posto era
o risco do uso lúdico e hedonista das drogas controladas, realizado por segmentos
da elite brasileira, democratizar-se pelos trabalhadores urbanos. Como evitar que
o rol dessas mercadorias não atingisse níveis de produção que implicasse em
diminuição do seu preço final na comercialização e, por conseguinte, do aumento
de sua circulação no tráfico ilícito, aquele desprovido do monopólio da autoridade
médica?
Torna-se evidente que o discurso sanitário contra a automedicação
ocultava uma questão mais cara à elite política e social, que era a
Proibição do uso hedonista, motivado pelo prazer, e as anomalias que a
difusão deste hábito trariam para a ordem econômica e disciplinar
burguesa (RODRIGUES, 2004, p. 134).
parece ter se tornado uma unidade em qualquer momento histórico, pois, trata-se
de forças com identidade própria: cada qual, com histórias, agentes, objetos de
intervenção, teorias e interesses distintos. O que deu a possibilidade, então, de
articulação entre as forças médico-psiquiátrica e jurídico-penal na área das
políticas públicas de drogas foi o substrato ídeo-político, de natureza conservador,
que essas forças compartilharam para a definição e ação sobre um problema que
ameaçava a ordem burguesa: se por um lado a produção e comercialização
dessas mercadorias especiais geram lucros vultuosos seja no mercado lícito ou no
ilícito; as conseqüências do seu uso indevido geram perdas relevantes ao Estado
em diversas áreas das políticas sociais públicas – previdência social, saúde,
assistência social, justiça, educação etc. – e ao indivíduo em suas relações
familiares e comunitárias. As determinações, então, que informaram tal
articulação, devem ser localizadas na história das corporações profissionais e
disciplinares da medicina e da justiça; no substrato ídeo-político dos projetos
societários em disputa nas nações e nas tramas geopolítico e geoeconômico que
envolvem a área das drogas.
Deve-se, ainda, pontuar que entre o movimento pendular, que discriminou a
polarização entre o “uso legítimo” e o uso “ilegítimo” das drogas, estes como
“louco” ou como “criminoso”, abriu-se uma arena de atritos entre as forças médico-
psiquiátrica e jurídico-penal, cuja tensão se constituiu simultânea às alianças e
cooperação entre elas. A articulação desse aparente “sistema” trouxe para si o
desafio de operar as próprias contradições que implicaram a fundação do estatuto
médico-jurídico das drogas, o qual irá recrudescer no país ao longo do Governo
Vargas, no período entreguerras.
Tratava-se das reformas legislativas de 1932, 1936 e 1938, a última já no
período da ditadura do Estado Novo e na véspera do início da 2ª Grande Guerra.
Elas são importantes para o objeto da presente tese, pois, demonstram o nível de
articulação dessas medidas nacionais com as recomendações internacionais,
abertas com as Conferências de Genebra de 1931 e 1936, quando houve,
também, o recrudescimento do proibicionismo sob pressão estadunidense.
207
80
Mais uma vez, houve dissenso entre a consulta da fonte primária (Convenção de 1936) e às informações de
Rodrigues (2004) sobre essa conferência. Para o autor, estiveram presentes 42 Estados, enquanto que, na fonte
primária, houve a seguinte discriminação: Em ordem alfabética, estiveram representantes da Áustria, Bélgica,
Brasil, Grã-Bretanha (Irlanda e “Domínios Além Mar”), Canadá, Índia, Bulgária, China, Cuba, Dinamarca e
Islândia, Egito, Equador, Espanha, Estônia, França, Grécia, Honduras, Hungria, Japão, México, Mônaco,
Panamá, Países Baixos, Polônia, Portugal, Rumânia, Suíça, República Thecolosváquia, União das Repúblicas
Soviéticas Socialistas, Uruguai e Venezuela. Das 32 nações participantes, 28 a assinam, com exceção de
quatro países: Bélgica, Estônia, Colômbia e Venezuela. Como se pode observar, os Estados Unidos não
constam seja na relação das nações representadas, seja nos que assinaram.
214
215
81
Os quatorze itens referidos foram:
[...] construção de hidrelétricas; obras de aproveitamento econômico do vale do São
Francisco; construção e montagem de refinarias de petróleo; de duas usinas de azoto
sintético; de novas instalações para ampliação da siderúrgica de Volta Redonda (além da
construção e montagem de outra siderúrgica); dragagem, construção e aparelhamento de
portos, bem como aquisição de navios mercantes; plano para o aproveitamento do carvão;
cooperação financeira e técnica para eletrificação de vias férreas; financiamento para
transporte e estabelecimento de imigrantes; implantação de indústrias de beneficiamento
de matérias-primas; estudo das riquezas naturais nacionais por companhias mistas
americano-brasileiras que seriam criadas; construção e montagem de uma usina de álcalis
em Cabo Frio, além de estudos para uma outra no norte do país; silos para cereais,
armazéns e navios frigoríficos; e, finalmente, peças e equipamentos para a aviação
comercial (CERVO; BUENO, 2002, p. 276).
216
87
Em meados da década de 1990, a ONU já totalizava o número de 185 estados-membros.
88
O direito de veto permite o voto negativo a qualquer um dos cinco membros permanentes, ou seja, com
poder de paralisar a ação do Conselho de Segurança. Esse direito não é extensivo aos outros estados-membros
desse Conselho que também é composto por representantes de outros países.
226
Conselho de
Segurança
Conselho
Secretariado
de Tutela
Assembléia Geral
90
O nome ao protocolo de 1953 se deve a iniciativa do representante francês no DSB em propor uma reforma
nas normas internacionais da área de drogas, a fim de alinhá-las ao novo momento pós-guerra mundial.
229
91
Cabe lembrar que a posição mais moderada de Kennan entrou em declínio e a estratégia de contenção
radicalizou as feições militarizadas da política externa estadunidense já no segundo mandato de Truman
(1949 a 1953), que terminou por fortalecer a reforma das agências de segurança, dentre elas, a do FBN,
dirigida por Anslinger até 1962.
230
92
Para um estudo histórico mais aprofundado sobre a “máfia”, sua relação com o militarismo institucional e
sua área de influência sobre a América, sugiro a leitura de LUPO, Salvatore. História da Máfia: das origens
aos nossos dias. SP: Ed. UNESP, 2002.
231
Se o Boggs Act, de 1951 já era severo com os réus primários e lhes tirava o
direito à liberdade condicional, o Narcotic Control Act impunha sentença de cinco
anos de privação de liberdade para os réus primários, mantendo a perda do direito
à liberdade condicional; e para os traficantes acima de 18 anos de idade, que
vendessem drogas para crianças e adolescentes, a sentença podia ser a pena de
morte. Deve-se rememorar que se tratava do mesmo período histórico, em que no
plano internacional, o Protocolo de 1953 instituiu normas mais restritivas ao
comércio ilícito das drogas controladas.
Olmo (1990) analisou que a droga passou a ser sinônimo de periculosidade
a priori, reunindo um misto dos discursos ético-jurídico e religioso-moral: “[...]
aumentou consideravelmente as condenações à prisão, abordava-se o problema
como um critério religioso e a possibilidade de arrependimento porque era ‘por
culpa própria’ que se incorria nesta prática” (1990, p. 30).
A atenção policial e judicial no período se voltou principalmente para a
produção, comércio e uso da heroína, cuja cadeia produtiva e mercantil se tornou
conhecida e próxima do FBN na década anterior, considerando os “esforços
patrióticos” da Segunda Guerra em prover suprimento anestésico à base de
opiáceos. Segundo Olmo:
O problema principal desde o pós-guerra era a superprodução do ópio e
sua conversão em morfina e heroína nos laboratórios europeus, negócio
controlado pela Máfia, as grandes famílias do crime organizado, então
fundamentalmente de origem italiana (1990, p. 31, grifos da autora).
232
94
Recentemente, em 2008, a publicação do livro Gomorra, de autoria do jornalista Roberto Saviano, apresenta
como a teia comercial do mercado ilícito organizado pela “máfia napolitana” encobre a circulação de
múltiplas mercadorias em arenas reguladas pela violência, pela expropriação vertiginosa da mais-valia,
sobretudo, sobre a força de trabalho vendida pelos imigrantes ilegais asiáticos na Europa e por um pacto
perverso entre autoridades públicas constituídas da segurança pública e as lideranças da chamada “máfia”.
Tudo que existe passa por aqui. Aqui, o porto de Nápoles. Não existe manufatura, tecido,
peça de plástico, brinquedo, martelo, sapato, chave de fenda, porca, videogame, casaco,
calça, furadeira, relógio que não passe pelo porto. O porto de Nápoles é uma ferida.
Grande. Ponto final das viagens intermináveis das mercadorias. [...] A mercadoria deve
chegar às mãos do comprador sem deixar rasto do seu percurso; deve chegar ao armazém
com enorme rapidez, antes do tempo começar, o tempo do controle, da fiscalização
(SAVIANO, 2008, p. 14, 15).
234
uso nas despesas correntes do Estado gere perdas de monta relevante para o
fundo público. Se, no entanto, for possível mercantilizar os serviços sociais
disponibilizados pelo Estado (saúde, assistência social, previdência etc.),
principalmente aqueles sob a feição mais dura da intervenção repressiva pública
(equipamentos militares e de uso policial, dispositivos eletrônicos, edificação,
blindagens, fumigação e administração dos cárceres etc.), o que se coloca como
perda do fundo público, pode, na verdade, estar transferindo recursos públicos
para a acumulação de capitais em frações da elite. Assim, quando o
proibicionismo veio atualizando a tendência criminalizadora sobre o problema
drogas ao longo da Guerra Fria, visível através das convenções, esse movimento
pode ter sido estratégico para tornar mais uma área direta (mercado ilícito) ou
indireta (transferência do fundo público para corporações econômicas) como meio
para a acumulação capitalista, mesmo que isso tenha implicado o aprofundamento
da barbárie.
Como se pode depreender, ainda, a tendência criminalizadora a certas
drogas, ratificada na década de 1950, apresentou uma natureza seletiva e étnica
no cenário nacional estadunidense. Tratava-se do mesmo período em que o
capitalismo monopolista entrava em sua fase madura e estava em curso o
desenvolvimento de um tipo de Estado de Bem-Estar Social, que articulava nos
Estados Unidos a tradição liberal e o investimento do fundo público em políticas
sociais. O padrão keynesiano e o pacto fordista, mesmo que sob uma modalidade
mais restritiva em sua cobertura, também se fez presente na sociedade
estadunidense. Ora, se para os trabalhadores qualificados e segurados no
mercado de trabalho formal foram previstos certas políticas sociais, para os
imigrantes, em particular, os latinos e asiáticos pobres, estava prevista uma lógica
hegemonicamente repressiva na resposta do Estado. As políticas de
criminalização das drogas controladas tornaram-se, então, um veio privilegiado
para atingir esses segmentos dos trabalhadores.
Vejamos, então, como as contemporâneas convenções da área das drogas
contribuíram para edificar a resposta de controle repressivo dos Estados ao
mercado dessas substâncias ao longo da Guerra Fria.
235
95
Para a definição da referida convenção, ela dispôs que “entorpecente” é toda substância natural ou sintética”
(Convenção Única de 1961, Art. 1, “j”), enquanto “preparado” é a mistura, sólida ou líquida, que contenha
entorpecentes” (Convenção Única de 1961, Art. 1, “s”). Como se pode observar, elas são imprecisas e permite
ocultar a origem da cadeia produtiva que envolve essas mercadorias.
236
96
Robert S. McNamara (1916-2009), citado várias vezes nesta tese, dirigiu o Departamento de Estado de
1961 a 1968, durante os governos de Kennedy e Johnson, quando, em seguida, passou a dirigir o Banco
Mundial até o ano de 1981. Já no início da década de 1970, o banco havia se tornando o maior captador
mundial não soberano de recursos financeiros e investidor em projetos das áreas das políticas sociais. Anos
antes, a publicação “A essência da segurança: reflexões de um Secretário da Defesa dos Estados Unidos”,
McNamara (1968) dedicou o último capítulo – “A essência da segurança” – para reconhecer haver nexos
entre segurança e o “vírus da pobreza”, objeto das políticas sociais.
A pobreza não é simples conceito, mera ausência de riqueza. É um complexo de
condições debilitantes, cada uma reforçando a outra num laço capaz de estrangular
cada vez mais o ser humano. O analfabetismo, a doença, a fome e a desesperança
são características que por seu próprio impulso lançam as aspirações num espiral
descendente. Pobreza gera pobreza, passa de uma geração para outra num ciclo
cruel de quase inevitabilidade. Perdura até que um auxílio exterior,
237
97
A palha de dormideira se refere à todas as partes (com exceção das sementes) da planta especial, a Papoula,
depois de cortada, sendo o seu concentrado obtido quando a palha entra em determinado processo para
concentração dos seus alcalóides e passível para comercialização.
240
estimativas (Art. 19), estatísticas (Art. 20); licença para fabricação dos preparados
(Art. 31) e sua renovação periódica (Art. 29).
Preparados: dos entorpecentes das listas I e II, que não ultrapassam
substâncias dosagens prescritas de concentração e que ofereçam “muito
sintéticas pouco ou nenhum perigo de abuso” e de “perigo à saúde
pública”
LISTA IV
Sujeitos as medidas de fiscalização da Lista I, acrescida de mais duas por serem
consideradas “particularmente perigosas” as suas propriedades.
a) as Partes adotarão todas as medidas especiais de fiscalização
que julguem neccessárias (...);
b) as Partes proibirão a produção, fabricação, exportação e
importação, comércio, posse ou uso de tais entorpecentes, se, no seu
conceito pelas condições existentes em seu país este é o meio mais
eficaz de proteger a saúde e bem-estar público. Esse dispositivo não se
aplicará as quantidades necessárias para pesquisa médica e científica
apenas, incluídas as experiências clínicas com tais entorpecentes feitas
sob ou sujeitas às supervisão e fiscalização das ditas Partes. (Art. 2, 5.,
grifos meus).
Entorpecentes
proibidos,
essencialmente cannabis e sua resina; cetobemidona; desomorfina; heroína e
de origem seus sais
vegetal
Fonte: Brasil. Decreto Nº 54.216, de 27 de agosto de 1964. Promulga a Convenção Única sobre
Entorpecentes, 1961.
Olmo (1990) estava se referindo ao cenário dos Estados Unidos, cujo país
foi fértil em movimentos artísticos que associaram a crítica ao “The American Way
of Life” ao uso combinado de drogas liberadas e outras controladas para fins
médicos e científicos. Podemos rememorar o “jazz” com o coquetel que envolvia a
cannabis, a cocaína e a heroína; os “beats”, que usavam bebida alcoólica,
cannabis e mescalina; os “hippies”, com o uso da cannabis e da heroína; mais
tarde o “Rock’n Roll” com um universo amplo de drogas, além do “Pop-Art”,
particularmente, com o uso de heroína e cocaína. A autora acrescenta que esse
cenário era distinto para as nações da América Latina, pois a preocupação de
suas elites e da própria política externa estadunidense era com o risco da
influência de idéias críticas à ordem social, incidindo sobre a juventude. De forma
simultânea, Olmo (1990) observou que outros jovens de segmentos sociais
elevados de algumas cidades latino-americanas tenderam a repetir
comportamentos – vestimenta, música e uso de drogas – dos “bandos de rua
norte-americanos de classe baixa” (1990, p. 37).
Cabe salientar, ainda, que a Convenção Única definiu como competência
da Organização Mundial de Saúde apresentar notificação; emitir parecer técnico-
sanitário e recomendar à Comissão de Entorpecentes das Nações Unidas
modificação e inclusão de qualquer droga nas listas definidas nessa convenção
(Art. 3), ratificando a crença de que a fiscalização aos entorpecentes para o
mundo se originava exclusivamente de uma preocupação médico-sanitária de
natureza profilática.
Através do seu Comitê de Especialistas sobre Drogas que Causam Adição,
a OMS tentou definir quais os critérios da saúde justificavam estar uma droga sob
controle internacional ou quais deveriam se tornar objeto das novas resoluções de
244
98
Embora a OMS e sua documentação sobre a área das drogas não tenha sido objeto dessa pesquisa, é
importante registrar a percepção de que há lutas e resistências no interior dessa agência para abrandar,
interromper ou romper com os posicionamentos internacionais assentados na matriz proibicionista. Em
recente congresso nacional da área de drogas, o da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre
Drogas (ABRAMD), promovido em São Paulo, de 31 de julho a 2 de agosto de 2008, foi exposto por um
redutor de danos da cidade de São Paulo, que ao participar de estudos multicêntricos coordenados pela OMS,
chegou-se a conclusão sobre os reais problemas de saúde relativos ao uso da cocaína. O relatório dessa
pesquisa e de outras, que ameaçavam o lugar instituído a partir da suposta periculosidade e do “uso legítimo”
dessa e de outras drogas, segundo relato desse informante, não tiveram autorização e financiamento para
publicação e sua divulgação.
245
Fonte: BRASIL, Decreto Nº 154, 26 jun.1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de
Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas.
O que então interessa a essa tese é como Ianni trata fenômenos como o
terrorismo, o narcotráfico, o tráfico de seres humanos e outros temas – tomados
na diplomacia como “novas ameaças” – como a outra face da mesma moeda do
que chama de “globalismo”. Para Ianni, o capitalismo apreendido como modo de
produção e processo civilizatório, apresenta um processo político-econômico
sempre expansivo, marcado por uma “voragem persistente, contínua e insistente”
(2004, p. 144) e com uma dinâmica que integra desenvolvimento e destruição, daí,
o conceito de “destruição criativa”.
A revolução burguesa mundial em curso desde o término da Segunda
Guerra Mundial modifica, reorienta e transfigura formas de sociabilidade e
jogos de forças sociais, modos de ser e estilos de vida, realidades e
254
Para Ianni (2004), então, está em curso na América uma “poderosa fábrica
da violência”, que tem suas raízes históricas nos esforços totalitários da
“supremacia dos Estados Unidos” (2004, p. 237) para o hemisfério, possibilitando
que o tipo de resposta pública ao problema drogas tenda de ser recortado e
deslocado fundamentalmente para a esfera unilateral da contenção do mercado
ilícito das drogas controladas, cabendo ao Estado o exercício da força policial,
militar e de “inteligência”, para reprimi-lo. Porém, com o ciclo de produção
255
Deve ser sumariamente lembrado que a década de 1990 foi marcada por
inúmeras iniciativas de pressão política e até de ações de “cooperação
internacional” de natureza militar para a repressão aos territórios não autorizados
para a produção das drogas controladas. A estratégia do financiamento percorreu
as pressões políticas dos Estados Unidos na área das drogas e foi atualizada em
1986, através da emissão dos certificados pelo DEA aos governos alinhados à
política externa proibicionista, reforçando o caráter multilateral “autocentrado” da
relação dos EUA com os das nações produtoras de drogas como a cocaína,
maconha e ópio.
Se estes governos não cooperam com os EUA na dimensão desejada,
eles não recebem os certificados e podem contar com desvantagens
econômicas. Por outro lado, tenta-se evitar o cultivo da folha da coca o
quanto antes por meio de ajuda militar (JENNERJAHN, 2004, p. 604).
borracha. Diante da política de expansão territorial dos Estados Unidos, que previa quatro momentos –
penetração demográfica, provocação, conflito e anexação –, o Brasil respondeu à pressão obstando a vinda de
imigrantes daquela nacionalidade e iniciou negociação para conceder navegação aos ribeirinhos superiores –
Peru, Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela. Mais tarde, de 1998 a 2001, no Governo Fernando Henrique
Cardoso, foi implementado o polêmico Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), cuja empresa vitoriosa
na licitação pública, a Raytheon (EUA), deveria fornecer os equipamentos para integrar o espaço aéreo da
Amazônia Legal ao sistema de defesa nacional. Para aprofundar a trama investigada pelo Congresso Nacional
sobre a vitória da Raytheon, bem como sobre os dados do narcotráfico amazônico, sugiro a leitura de
Damasceno (2004). Segundo esse autor, a Amazônia brasileira tem sido área de passagem fluvial da coca e da
maconha – antes também por via aérea – e espaço propício para instalação dos laboratórios que processam a
“folha de coca em pasta-base e desta em cloridrato de cocaína (a cocaína pura)” (2004, p. 105).
260
101
Entre os anos de 1987 e 1991, os equipamentos previstos para compra no Plano de Trabalho foram
divididos em quatro anexos. Os três primeiros se referiram aos equipamentos para a segurança pública,
enquanto o segundo, preferencialmente, para as ações da prevenção e tratamento. Assim, nos dois primeiros
anexos (A e B), os equipamentos foram veículos, lanchas fluviais, coletes salva-vidas, Handie Talkie,
baterias, binóculos, máquinas fotográficas, rádios transceptores móveis VHF/FM e HF/SSB, máquinas
elétricas para datilografia, facas de sobrevivência, canivetes suíços, bússolas, lunetas leopold, laser look,
brinkman Obeann Black Max, lanternas, geradores elétricos, sinalizadores elétricos KOJAC. Já os
equipamentos do Anexo C eram destinados a reequipar o Instituto Nacional de Criminalística e apoio aos
técnicos aduaneiros, podendo ser discriminados os seguintes: Emit Autolab 5000 system syva/sintex
company/USA, cromotógrafo a gás, espectrofotômetros, microcomputador balístico ZEIS com todos
acessórios, balanças eletrônicas analísticas de precisão, aparelhos para determinação de ponto de fusão e
ebulição, centrífugas, estufas, câmaras de luz ultravioleta para cromatografia de câmara fina e PH Meter
Digital. Somente no Anexo D, foi possível vislumbrar equipamentos discriminados para ações sócio-
educativas: fitas de vídeo cassete (VHS), projetores de filmes, vídeo cassete (VHS PAL), aparelhos de
televisão colorida, tradução dos filmes, filmadoras para vídeo cassete, binóculos, máquinas fotogr´ficas
equipadas com teleobjetivas, retroprojetore de transparência, projeotres de slides, maletas completas para
gravação, sinalizadores, máquina impressora OFF-SET.
261
TABELA 1
Orçamento para equipamentos no Acordo Básico entre Brasil e UNFDAC (1987-1991)
VALORES US$
1987 1988 1989 1990 1991
ANEXOS
ANEXO A 604,029.00 525,485.00 511,115.00 511.115,00 511.115,00
SUBTOTAL 2,662,859.00
ANEXO B 762,465.00 314,245.00 339,845.00 296,245.00 339,745.00
SUBTOTAL 2,052,645.00
ANEXO C 436,840.00
ANEXO D 383,500.00
TOTAL EM EQUIPAMENTOS 5,535,844.00
Fonte: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Acordo Básico entre o Governo do Brasil e o
Fundo das Nações Unidas para o Conrole do Abuso de drogas (UNFDAC). 1987.
102
Os Centros de Referência foram criados principalmente no âmbito das universidades públicas como o
Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (PROAD) do Departamento de Psiquiatria da Escola
Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); o Centro de Orientação sobre
Drogas e Atendimento a Toxicômanos (CORDATO) da Universidade de Brasília (UNB); o Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (NEPAD) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ); o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA); o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) do Departamento de
Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo da UNIFESP. Acrescem-
se dois centros no âmbito do setor público estadual de saúde: o Centro Mineiro de Toxicomania (CMT), em
Minas Gerais, e o Centro Eulâmpio Cordeiro de Recuperação Humana (CECRH ), em Pernambuco.
264
103
Machado (2006) observou que a criação dos Centros de Referência para Tratamento, Pesquisa e Prevenção
foram criados no mesmo período da efervescência do movimento da Reforma Sanitária, mas apresentaram
itinerário tangencial ao processo de implantação do Sistema Único de Saúde no país.
265
Esse capítulo reserva uma incursão analítica sobre a relação que a política
pública brasileira da área das drogas vem desenvolvendo frente a alguns marcos
internacionais da área, sendo orientada pelas perguntas:
- Que influências externas recebemos e quais adotamos no pós-Guerra
Fria? Que posicionamentos o Estado brasileiro assumiu? Quais atores, interesses
e idéias no plano nacional se articulavam com essas forças ou resistiram a elas?
Na agenda da política pública brasileira, o tema do combate ao tráfico de
drogas também se tornou o foco orientador da principal estrutura jurídico-
institucional que se instituiu no país após o término da Guerra Fria. Assim, para
iniciar a análise das políticas recentes do Brasil na área das drogas, far-se-á breve
incursão sobre os principais marcos jurídicos do país na questão e como eles
expressam o tipo de proibicionismo que se constituiu aqui. Esses marcos
nacionais foram as leis especiais Nº 6.368, de 1976, revogada pela atual Lei Nº
11.343, de 2006, que parece ser um exemplar recente do “desenvolvimento
desigual e combinado” da política pública brasileira sobre drogas.
Como se apontou antes, a análise das políticas públicas brasileiras estará
atenta à força do proibicionismo multilateral assumido pela ONU através das
convenções da área, mas, também, ao proibicionismo militarizado dos Estados
Unidos, que contou para sua sustentação e liderança no pós-Guerra Fria com a
própria hegemonia geopolítica e geoeconômica desse país.
267
104
A antiga Capital da República, o Rio de Janeiro, contou com a Polícia do Distrito Federal desde março de
1944. Foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública-DFSP, mas permaneceu atuando na
segurança pública sobre a capital do país, estendendo sua ação a nível nacional apenas na parte de polícia
marítima, aérea e de fronteiras. Já na metade do ano de 1946, as atribuições do DFSP passam a cobrir todo o
território nacional quando se tratava do comércio clandestino de entorpecentes. Com a mudança da Capital
Federal, em 1960, o DFSP foi transferido para Brasília, porém parte do seu efetivo de pessoal e dos seus
serviços de segurança pública permaneceu no então Estado da Guanabara. Com o Golpe Militar, a Polícia
Federal foi fortalecida e assegurada sua atuação por todo o território nacional a partir de 16 de novembro de
1964, dia da edição da Lei nº 4.483, considerada como a data inaugural da implantação de sua estrutura atual.
268
Mas foi no decurso da Ditadura Militar brasileira que a Lei Nº 6.368 foi
instituída em 21 de outubro de 1976, a qual dispôs “sobre medidas de prevenção e
repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que
determinem dependência física ou psíquica”. Nesse momento, o Estado
engendrava múltiplos mecanismos para manter a legitimação da ditadura militar,
porém já limitada pela crise estrutural internacional do capital e, no cenário
nacional, já recebendo os primeiros influxos críticos. No final da década de 1970, a
ordem econômico e político da ditadura se tornou objeto de contestação pública
de movimentos populares e sindicais.
Assim, parece-me que a análise de autores como Flach (1990), Sá, (1994)
e Carvalho (1996) sobre a Lei Nº 6.368 e sobre o Decreto Nº 78.992, de 21 de
dezembro de 1976, que a regulamentou, exploraram mais a última determinação,
demonstrando o nível de criminalização e penalização que se edificou no país com
a manutenção do “uso legítimo” das drogas controladas, implicando em uma
intervenção coercitiva do poder público sobre um conjunto de práticas,
discriminadas no Capítulo III – Dos crimes e das penas. Havia uma simetria entre
o substrato conservador da formação social brasileira, o contexto político do
regime militar e a “estrutura repressiva” prevista nas convenções internacionais
para a resposta do Estado ao problema drogas. Esses nexos parecem ter sido
consolidados no âmbito das políticas públicas de drogas no Brasil com o apoio do
aparato jurídico emanado da Lei Nº 6.368.
1971 –, sendo possível observar em suas “disposições penais” (Art. 36) quase
uma matriz tomada de empréstimo pelos legisladores brasileiros. No entanto, pelo
Protocolo, o Art. 36 foi dividido em atos relativos às disposições penais sobre o
mercado ilícito das drogas controladas e às disposições sobre o uso não
autorizado dessas mercadorias. No entanto, ambos os níveis de fiscalização a ser
desenvolvidos pelas “Partes” ficaram orientados pelo Direito Penal, segundo a
resolução do Protocolo de 1972, cuja posição já fora adotada na Convenção de
1971 (Art. 22). No caso do mercado ilícito, dezoito verbos foram relacionados e
para todos os delitos cometidos foi indicada a aplicação de “penas de prisão e
outras penas de privação de liberdade”. Já para os que estivessem sob uso
indevido das drogas, uma pequena “concessão”: foi prevista: “medidas de
tratamento, educação, pós-tratamento, reabilitação e readaptação social”, embora
todas essas medidas permanecessem inscritas no Art. 36, referente às
“disposições penais” do protocolo.
referente “para uso próprio” (Art. 16), o Brasil aplicou medida de segurança
privativa de liberdade.
Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Essa lei especial que vigorou de 1976 a 2006 resistiu, portanto, à abertura
política do país, aos movimentos da Reforma Sanitária105 e da Reforma
Psiquiátrica106, à luta pelos Direitos Humanos. Quando foi substituída pela Lei Nº
11.343, de 23 de agosto de 2006, a nova legislação não representou uma ruptura
radical ao modelo repressivo da intervenção pública, embora tenha iniciado um
processo importante para melhor definir as diferenças entre os atores partícipes
da cadeia produtiva e comercial das drogas controladas, e, sobretudo, tenha
previsto “medidas educativas” para quem faça “consumo pessoal”107.
105
Para aprofundar o tema da Reforma Sanitária, sugiro os seguintes textos: LAURELL, A.C. A Saúde-
doença como processo social. In.: Revista Latinoamericana de Salud. México, 1992; ROSEN, George.
Uma história da saúde pública. SP, HUCITEC, Ed. Universidade Estadual Paulista, MENDES EV. Um
novo paradigma sanitário: a produção social da saúde. In: Uma agenda para a saúde. São Paulo: Hucitec-
Abrasco;19991994; PAIM, J.S. Bases Conceituais da reforma sanitária brasileira. In: Saúde e Democracia: A
luta do CEBES. São Paulo, Lemos Editorial, 1997; MENDES EV. Um novo paradigma sanitário: a produção
social da saúde. In: Uma agenda para a saúde. São Paulo, Hucitec-Abrasco,1999; Noronha JCD et al. AIS -
SUDS - SUS: os caminhos do direito à saúde. In: Saúde e Sociedade no Brasil - Anos 80. Rio de Janeiro:
Relume Dumará; 1994.
106
Para aprofundar o tema da Reforma Psiquiátrica, sugiro os textos AMARANTE, PDC. Loucos pela vida:
a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. RJ, Ed. FIOCRUZ, 1995; AMARANTE, PDC. O Homem e a
Serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. RJ, Ed. FIOCRUZ, 1996; VASCONCELOS, E.M.
Breve Periodização Histórica do Processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil Recente. In.: VASCONCELOS,
E.M (Org.). Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. SP, Cortez,
2000.
107
Cabe, aqui, a transcrição de parte do Art. 28, integrante do Capítulo III – Dos Crimes e das Penas da atual
legislação especial sobre drogas, em vigor, no país:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização ou desacordo com determinação
legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia,
cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de
274
Essa posição otimista da nova lei foi compartilhada por Elisaldo Carlini,
importante protagonista das políticas de drogas no Brasil e membro da OMS na
Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE), quando afirmou que
a “exclusão da pena privativa de liberdade por posse de drogas é de tal maneira
relevante, que tudo o mais fica secundário” (Brasil, 2007, p. 77). E acrescentou
nesse documento:
De fato, ao propor que o usuário de drogas, que carrega consigo
quantidade apenas para seu próprio uso, possa sofrer “sanções
administrativas” (freqüentar cursos educativos, prestar assistência a
serviços sociais, multas, etc) e não mais prisão é passo que já deveria ter
sido tomado há tempos, a exemplo do que já fizeram inúmeros países,
inclusive Portugal (2007, p. 77).
medidas para os que fizessem “uso indevido” das drogas controladas, que não só
as do escopo do Direito Penal, já prevista na Convenção de 1971 (Art. 22, b) e no
Protocolo de 1972 (Art. 36, b).
Desta forma, parece que o Brasil não inaugurou uma atitude transgressora
aos marcos internacionais em vigor, mas começou, de forma tardia, a constituir
marcos legislativos para a produção de políticas públicas mais tolerantes ao “uso
pessoal” das drogas controladas, articulando essa área da política pública com a
experiência democrática em curso no cenário nacional e, quase duas décadas
depois da Constituição Federal de 1988, com as lutas e resistências para
assegurar direitos sociais.
Pela Emenda Constitucional Nº 19, de 1998, o texto que hoje vigora sobre
as competências da Polícia Federal mantém o mercado ilícito das drogas
controladas sob sua responsabilidade.
Todas as três convenções da área das drogas foram edificadas até o último
sopro do período da Guerra Fria (1947-1989) e, imediatamente, colocadas em
marcha no Brasil sob a circunscrição do Direito Penal. Inclusive, quando se
pesquisa as convenções ratificadas pelo país para a área das drogas, todas estão
sob os “atos multilaterais assinados pelo Brasil no âmbito do Direito Penal”
(www.mre.gov.br, Divisão de Atos Internacionais. Acesso em 18 de junho de 2008)
e expressam 26,6% dos atos109 que incidem sobre o tema, conforme se pode
observar no Quadro 2.
109
Dos “atos multilaterais”, consta no site do Ministério das Relações Exteriores uma relação com 30 atos
assinados pelo Brasil. Desses seis são diretamente da área das drogas, porém, nas Convenções de Palerma
(2000) e Mérida (2003) um conjunto de resoluções incidem sobre o mercado ilícito das drogas controladas e,
como veremos, foram citados por entrevistados do referido ministério.
277
QUADRO 2
CONVENÇÕES RATIFICAÇÃO
BRASILEIRA
LIGA DAS NAÇÕES
5.2 Traços da política brasileira recente para a área das drogas e sua relação
com os organismos internacionais
110
Através do Decreto nº 85110 de 02 de setembro de 1980, foi criado o Sistema Nacional de Fiscalização e
Repressão de Entorpecentes que definiu o colegiado do CONFEN como a “administração especial”:
Art 4º [...] propor a política nacional de entorpecentes, elaborar planos, exercer
orientação normativa, coordenação geral, supervisão, controle e fiscalização das
atividades relacionadas com o tráfico e uso de entorpecentes e substâncias que
determinem dependência física ou psíquica [...] (BRASIL, Ministério da Justiça,
1992, p.19).
280
113
BRASIL. Ministério da Saúde.Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Coordenação
Nacional de DST/AIDS. AIDS II – Desafios e Propostas. Brasília: 1998.
114
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Divisão Nacional de
DST/AIDS. Boletim Epidemiológico da AIDS. ano V, nº 7. Brasília: 1992a.
115
Tomo de empréstimo a relação e o sequenciamento apresentado por Machado (2006, p. 62) sobre a criação
de algumas organizações não-governamentais (ONGs) em defesa dos direitos das pessoas portadoras do HIV:
em 1985, surgiu o Grupo de Apoio e Prevenção a AIDS (GAPA); em 1986, foi criada a Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS (ABIA); e, em 997, foi criada a primeira associação da área vinculada à questão das
drogas: a Associação Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA).
283
116
MESQUITA, F. A construção de um caminho democrático e humanitário para o Brasil. Revista Outro
Olhar, Belo Horizonte, 3 (3): 23-27. out, 2003.
117
MUSUMESCI, B. O consumo de álcool no país.In: ZALUAR, A (org). Drogas e Cidadania. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
118
PROCÓPIO, A . O Brasil no mundo das drogas. Petrópolis: Vozes, 1999.
284
119
Sobre a coexistência e disputa dos projetos da Reforma Sanitária e o do Privatista, percorrendo a saúde no
país, a partir da década de 1990 e se atualizando nos anos 2000, sugiro, respectivamente, as leituras de
BRAVO, M.I.S. A Saúde no Brasil na Década de 90 – projetos em disputas. In. Superando Desafios. RJ,
Caderno de Serviço Social do HUPE, UERJ, 1998, Ano III, nº4, p. 29-34. c Saúde; e GRANEMANN, S.
Fundações estatais: Projeto de Estado do Capital. In: Política de Saúde na atual Conjuntura: modelos de
gestão e agenda para a saúde. RJ, UERJ, Rede Sirius, 2007, pp. 43-49.
285
120
Foi o primeiro a ser criado a partir do modelo político republicano, implicando em rituais no Executivo
Federal, em que se destina ao Ministro da Justiça um lugar de maior aproximação ao Presidente da República,
como se sentar a sua direita nas reuniões de Ministros.
288
uma revista, aí, ele lia o ofício inteiro e depois lia o despacho da sessão
[...]. Aí, eu voltei [à autoridade do Ministério da Justiça] [...]. Eu disse: com
esse Conselho, eu quero a minha demissão agora, vou embora, não há
possibilidades aqui. É uma loucura! (CONFEN, E1).
Entrevistada: Eles queriam doar, aviões pra policiar, uma coisa assim [...],
mas só poderiam ser comprados [...] lá onde eles queriam. Lá, nos
Estados Unidos, enquanto nós tínhamos outros melhores [...]. Então isso
era uma forma de pressão (CONFEN, E2).
Entrevistado: É faça o mesmo. E foi o que ele fez. Então, queria criar uma
notícia. Obviamente todo mundo elogiou: “- O presidente FHC tá dando
tanta importância pro assunto que trouxe pra dentro”. Logo depois foi pra
Casa Militar, quer dizer, que então é o nascimento [...], na minha opinião,
de oportunidade. Segundo, tava tão certo que eles procuraram repetir o
sistema – o que era o CONFEN ficou CONAD (UFES122, E3).
122
Nesse item, como está sendo observado as fontes primárias relativas às entrevistas foram apropriadas da
pesquisa de Garcia e Leal (2006). Como explicado antes, as referências aos discursos dos entrevistados pelas
siglas CONFEN e UFES se devem ao fato de que, no primeiro, os fragmentos das entrevistas foram
registrados no relatório público da pesquisa de forma a não identificar sua fonte, enquanto que, no segundo,
os fragmentos estão sendo retirados diretamente das entrevistas transcritas, sem divulgação prévia no referido
relatório. Já a referência direta à Técio Lins e Silva se deve ao fato de constar no relatório da pesquisa, sendo
informado haver autorização para ele poder ser identificado.
123
Até o presente, o Conselho da área de drogas precisa produzir de forma regular pareceres que sustentem
essa posição tomada na década de 1980. Para uma discussão do processo referente à liberação da ayahuasca
no CONFEN, a partir da visão de uma das agremiações interessadas, ver Centro Espírita Beneficiente União
do Vegetal (1989).
296
124
Em 1989, segundo a Ata da 3ª Reunião Ordinária do CONFEN (29 mar. 1989), em meio ao fortalecimento
da política estadunidense de “guerra às drogas”, a ONU por resolução criou o Dia Mundial de Combate às
Drogas.
297
[...] eu falei antes pra você do ônus e eu vou te dizer do bônus. Eu conheci
o Brasil todo e representei o país em entidades internacionais: nas Nações
Unidas fui diversas vezes, também na OEA. [...] eu estava conseguindo,
inclusive, verba das Nações Unidas pra desenvolver um trabalho, tanto
que, nessa época, eles já tinham um representante aqui, em Brasília [...].
Nas Nações Unidas tínhamos representantes diretos para justamente
fazer um estudo real sobre a situação no Brasil e traçar políticas, porque o
país estava se tornando um importante meio para distribuição [de drogas
controladas]. É, na Escola Paulista [UNIFESP, Medicina], nós fizemos um
estudo em 10 Estados (CONFEN, E2).
125
Observe-se que, no período de criação da Lei Nº 6.368, em 1976, não havia casos notificados de AIDS, o
qual, no país, só foi notificado em 1982, trazendo importantes requisições para a saúde pública.
300
Deve-se rememorar que não se falava de uma política nacional para a área
das drogas no país, mas somente de um programa de saúde pública para
responder à realidade epidemiológica da incidência da AIDS. Estava financiado
por organismo internacional, com o apoio interno do texto legal da Constituição
Federal de 1988 – “[...] é obrigação do Estado o direito do cidadão à saúde”
(CONFEN, E3) – e em meio, às lutas políticas para assegurar os direitos sociais,
os princípios da Reforma Sanitária e dos direitos humanos. Recorda-se, ainda,
que dada as formas de transmissão do vírus do HIV, segmentos sociais
contaminados e organizados em associações, que tinham força nos meios de
comunicação de massa, apoiaram as medidas do Ministério da Saúde.
A interface do problema drogas com um outro problema de saúde, a AIDS,
que atingiu indivíduos e segmentos sociais com algum nível de organização
política, parece ter forjado uma camada de cimento à frágil base social de
sustentação à intenção de se produzir uma política menos proibicionista no país. A
articulação do CONFEN, apoiando e respaldando o programa de redução de
danos, objeto de conflito de atores nacionais e internacionais, parece-me ter sido o
veio privilegiado para ampliar a discussão recente sobre as conseqüências
penalizadoras do atual estatuto médico-jurídico da droga no país. A estratégia da
redução de danos, então, teve méritos para além de sua capacidade assistencial
na saúde, ao reduzir a incidência da AIDS em usuários de drogas injetáveis, na
medida em que politizou o debate e permitiu aglutinar forças políticas a uma
posição brasileira que transitaria para a produção de um projeto para a área das
drogas.
Quando se observa o financiamento externo destinado a atores do Brasil,
no período de 1994 a 1998, em particular para a estratégia da redução de danos,
esta apresentou um orçamento nove vezes superior aos recursos previstos para o
segundo programa de maior apoio da UNDCP no país, o que sugere o foco do
investimento do Governo brasileiro para o período e sua influência na definição da
alocação de fundos estrangeiros. De forma simultânea, indica, ainda, que outros
atores com posições mais alinhadas às práticas com substrato proibicionista e
atentas ao controle da força de trabalho no país estavam sendo contemplados
302
TABELA 2
Projetos financiados no Brasil: 1996 a 1998
Título do Projeto Atores Total Orçamentário
brasileiros US$
Prevenção do abuso de droga intravenosa Ministério da 10,379,000
(HIV/AIDS) Saúde
Prevenção do abuso de droga no local de SESI/RS 1,743,000
trabalho
Campanha nacional de redução da 880,600
demanda FEBRACT
UNDCP – programa de assessoria 22,600
SUBTOTAL 13,025,200
Fonte: UNDCP, Latin America: Status of Ongoing and Pipeline Programmes and Projects (1996-
2002), 2000.
avaliação dos seus resultados. Mas considero oportuno pensarmos que, enquanto
a redução de danos abria com “sofrimento” novos caminhos para uma politização
da sociedade brasileira sobre a estrutura repressiva às drogas, o projeto
“Campanha nacional de redução da demanda” deve ter reafirmado idéias
contrárias à alteração dos marcos proibicionistas no país. Desta forma, nada
melhor do que dar visibilidade à relação entre o uso ilícito das drogas controladas
e a experiência da perda de proteção social em crianças e adolescentes em
situação de rua. O problema desse tipo de visibilidade é o risco da inversão dos
efeitos em causa: o uso das drogas deixa de ser mais uma manifestação
importante do processo social de barbárie por que passam crianças e
adolescentes no país, para se tornar “a causa”, “um fator”, “um risco” ou “uma
vulnerabilidade” catalisadora da experiência de rua. Retorna-se, então, a clássica
associação entre droga e pobreza, anunciando-se a atualização da tríade, que
inclui também o crime.
De forma não surpreendente, observa-se entre os projetos brasileiros
financiados por recursos internacionais, entre 1998/1999 e 2003, uma opção por
qualificar as ações de “combate às drogas”, diminuindo sensivelmente os recursos
aplicados na redução de danos: esta declina do 1º lugar no triênio de 1996 a 1998
para a 6ª posição no orçamento previsto para os anos de 1999 a 2003, bem como
diminui para um período maior o valor absoluto dos recursos, conforme discrimina
a Tabela 3.
304
TABELA 3
Projetos financiados no Brasil: 1998/9 a 2003
Fonte: UNDCP, Latin America: Status of Ongoing and Pipeline Programmes and Projects (1996-
2002), 2000.
autonomia que cabe aos atores nos territórios nacional e global, porém,
problematizando-as com alguns possíveis nexos entre as políticas brasileiras da
área de drogas e sua relação com os interesses expressos em certos organismos
internacionais.
É claro que essa política não recebeu fundos públicos dos Estados Unidos,
porém, a cooperação do Brasil com outros atores internacionais, que já haviam
experimentado as ações da redução de danos (Canadá, Holanda), foi fundamental
para fomentar e sustentar tal política pública da saúde.
Desta forma, não se pode interpretar os dados dos novos projetos
brasileiros financiados com fundos externos no período seguinte – final da década
de 1990 e início dos anos 2000 – como mera cooptação e submissão do Estado
307
126
Dados do documento da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, intitulado “Proposta de
Normalização dos Serviços de Atenção a Transtornos por Uso e Abuso de Substâncias Psicoativas”, de 1999,
já ratificava a preocupação com a “enorme demanda gerada pelo uso indevido de substâncias psicoativas”
(1998: 14), em especial, a do álcool. No triênio de 1995-96-97, só o alcoolismo ocupou o 4 º lugar no
conjunto das doenças que mais incapacitavam no país, e se caracterizou como o 3 º motivo para pedidos de
Auxílio-Doença na Previdência Social. O documento acrescentava que o uso indevido de álcool também
vinha sendo um fator “relevante em casos de violência doméstica” e “nos números alarmantes relativos a
acidentes de trânsito no país” (op cit: 12). Em relação as consequências clínicas do uso dessa substância na
população economicamente ativa, a que mais ganhou expressividade no ano de 1996, como causa de óbito foi
a cirrose alcoólica do fígado.
309
127
O I Fórum foi presidido pelo Juiz Walter Fanganiello Maerovitch, que ocupou o cargo de Secretário da
SENAD de novembro de 1998 a abril de 2000, quando, desde então, o General Paulo Roberto de Miranda
Yog Uchoa passou a ocupar o cargo.
310
consulta e debate para a produção das posições foi distinto como sua integração
aos objetivos das políticas públicas setoriais se deu de forma diferente.
Esse fenômeno repôs o fenômeno já examinado por Poulantzas (1989)
sobre ser impossível tomar o Estado como um bloco monolítico de poder. A
pretensa unidade política não é realizável e é marcada por contradições
interestatais, nas quais setores distintos do Estado podem institucionalizar
posições inconciliáveis sobre certo tema oferecendo a conotação de aparente
caos e incoerência às suas posições. No entanto, é justamente essa atitude
paradoxal do Estado em sua autonomia relativa aos interesses de classes e
frações de classe social, que lhe permite exercer sua função de organização
política. Portanto, a dualidade simultânea de espaços políticos oferecidos à época
pela SENAD e pelo Ministério da Saúde tenha se constituído numa estratégia mais
ampla do Estado brasileiro para incorporar e institucionalizar posições
insuperáveis da área das drogas.
Tratava-se de atores distintos organizados no II Fórum Nacional Antidrogas
e na III Conferência Nacional de Saúde Mental. No primeiro espaço, por exemplo,
quem conduziu o trabalho da oficina de tratamento foi a FEBRACT e os
especialistas da assistência aos usuários de drogas, naquele período, organizados
na Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (ABEAD).
Na primeira Política Nacional Antidrogas, a redução de danos entrou de
uma forma extremamente complicada, ela entrou dividida; as
comunidades terapêuticas que estavam em maior número, fizeram
constar a redução de danos sem a troca de seringas, que era uma forma
de mostrar a dificuldade que se tinha com esta ação no contexto geral
do campo das drogas (Representantes de usuários da área AIDS/drogas
apud MACHADO, 2006, p. 50).
QUADRO 3
Diferenças da organização da estrutura de governo com a criação da SENAD
BRASIL
ANTES DEPOIS
(Medida Provisória 1.689, 19 jun. 1998)
VÍNCULO ORGANIZACIONAL
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA CASA MILITAR DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Secretaria Nacional de Entorpecentes
(Lei Nº 8.764, de 20 dez. 1993)
129
O Drug Enforcement Administration (DEA) foi criado em 1973, nos EUA, no Governo Nixon, vinculado
ao Departamento de Justiça, como instância de comando único para coordenar e implementar as funções de
informação e investigação relacionadas com a repressão às chamadas drogas ilícitas.
318
130
O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) foi a nova designação assumida em
2001 pelo então Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP). A sede da
UNODC é em Viena, Áustria e seus escritórios são localizados nos seguintes países: Afeganistão, Barbados,
Bolívia, Brasil, Colômbia, Egito, Índia, República Islâmica do Irã, Quênia, República Democrática do Laos,
México, Myanmar, Nigéria, Paquistão, Peru, Federação Russa, Senegal, África do Sul, Tailândia,
Uzbequistão, Vietnã. Menos do que simplesmente relacionar os países, cabe aqui perguntar que lógicas
subjazem à escolha desses países? Pode-se observar que países com padrão de desenvolvimento avançado não
constam nessa relação.. A UNODC possui um “escritório de ligação de Nova York”.
319
O que se intenciona nesse último item da tese é demonstrar que parte das
forças contestatória ao proibicionismo das drogas no país esteva viva desde o final
da década de 1990 e resistiu ao fortalecimento da repressão na área. Assim,
atores críticos articulavam-se, ainda em 1998, para contribuir para uma desejada
derrocada no plano internacional dessa matriz frente à eminência da XX UNGASS.
Atores como o então candidato à Presidência da República, Luís Inácio Lula da
Silva, e o Bispo Católico de São Félix do Araguaia, Pedro Casaldaliga,
subescreveram uma carta com outros atores internacionais – Rosa Del Olmo
(criminóloga da Venezuela), Adolfo Perez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz de 1980)
etc – para o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, em 01 de junho de 1998. Nesta
carta, afirmava-se que “a guerra global contra as drogas está causando agora
mais danos do que o uso indevido de drogas, maior fortalecimento do mercado
ilícito, aumento da criminalidade”, restringindo à autonomia das nações para
interromperem o crescimento das “medidas mais punitivas e mais caras para o
controle das drogas” (Disponível: www.psicotropicus.org).
Sabemos, no entanto, que tivemos a reeleição de FHC para a Presidência
da República e, no plano internacional, uma UNGASS (1998) de corte
proibicionista, no máximo, exortando para que houvesse um “equilíbrio entre as
ações de redução da oferta e de redução da demanda”. Mas como realizar esse
“equilíbrio”, se vimos que os próprios organismos multilaterais e bilaterais da área
alocaram financiamento em projetos no Brasil fundamentalmente para a área da
segurança, de 1999 a 2003? Não seria a área das drogas, das políticas oficiais
das drogas, espaços potentes para alocação de fundos públicos em áreas
estratégicas do capital: arma, tecnologia de informação e segurança etc?
Enquanto que a promoção e prevenção ao uso indevido de drogas, filhas pobres
das políticas proibicionistas, podem aplicar fundo público em quê? Na área de
serviços como propaganda, cursos à distância, cursos presenciais, formação de
321
recursos humanos, insumos da saúde com baixo valor de mercado (kits para
redução de danos: para usuários de cocaína injetável, compartimentos com
seringas, gorrete, água sanitária etc.; para os usuários recentes de crack, oferta
de cachimbos de silicone e manteiga de cacau, ambos com preservativos)?
Trata-se de uma profunda desigualdade na luta de interesses entre essas
perspectivas, quando a tendência proibicionista parece ocupar o Estado para a
realização de fins privados, seja para garantir o prestígio corporativo de certas
profissões seja para garantir a realização do lucro para certas frações da classe
capitalista.
As agências das Nações Unidas estimam em 400 bilhões de dólares a
receita anual gerada pela indústria ilegal de drogas, ou o equivalente a
aproximadamente oito por cento de todo o comércio internacional. Essa
indústria fortaleceu o crime organizado, promoveu governos corruptos em
todos os níveis, corroeu a segurança interna, estimulou a violência e
distorceu tanto as leis de mercado quanto os valores morais. Essas são as
conseqüências não do uso de drogas em si, mas de décadas de políticas
fracassadas e inúteis de guerra às drogas (Carta Pública à Kofi Annan, 01
de junho de 1998).
131
A pesquisa de Garcia e Leal (2007) é importante para demonstrar que a indicação de descentralizar a
política de drogas no país não vem contando com o controle social dos conselhos da área na esfera municipal.
324
optei ao longo da tese em não recuperar esses dois eixos das políticas
internacionais e nacional da área das drogas – “redução da demanda” e “redução
da oferta” –, pois, tendem a fazer associações imediatas no senso comum
referidas aos setores competentes para realizá-los (educação, saúde, associações
religiosas etc.), mas não explicitam o substrato ético-político que orienta suas
ações.
[...] em 1998, a Assembléia Geral da ONU, em Nova York, [...] abriu para
todas as delegações de todos os países uma discussão que envolvia três
declarações, das quais se deveria chegar a um comum acordo: seriam
votadas e assinadas. Uma chamada de “Declaração Política” sobre
drogas, outra chamada “Declaração dos Princípios Diretores para a
Redução da Demanda de Drogas” e uma outra que dizia mais a respeito
de um controle sobre os produtores, as substâncias químicas [Medidas de
Fomento da Cooperação Internacional] etc. O Brasil aderiu a todas as três
declarações: assinou e aderiu como mais um compromisso internacional,
além daqueles que ele já tinha, porque o Brasil é signatário das
convenções da ONU sobre drogas (SENAD, E2).
realizado no âmbito das políticas de drogas, permite aferir qual a direção que o
Brasil passou a adotar com o Governo Lula.
[...] o Lula assumiu. Ele mandou uma mensagem ao Congresso Nacional
dizendo que o Brasil deveria ter uma nova agenda para redução da
demanda de drogas. Então o que o Presidente dizia nessa mensagem?
[...] resumindo, ele queria a intersetorialidade, a descentralização e a
aproximação da comunidade científica. Isso eu posso te dizer porque eu
participei dessa elaboração, até nesses primeiros momentos. Aí, nesse
momento eu posso até falar melhor, porque foi quando eu cheguei na
SENAD (E3, SENAD).
Assim, foi observado a partir das fontes primárias coletadas que houve um
misto de continuidade ao proibicionismo e a intenção de fissuras importantes na
política de drogas, que, de forma apropriada, é referida pelos entrevistados como
uma “modernização” da política brasileira:
[...] o país tem uma legislação moderna, quer dizer, a lei de drogas é de
2006. Então, o país ainda está se ajustando à lei. A política também é uma
política moderna que foi realinhada em 2004, e que também traz preceitos
muito modernos (SENAD, E1).
necessária legitimação que uma política leva para convencer de sua pertinência.
No entanto, a redução de danos não se coloca apenas pela corporidade de
serviços para assistência ao usuário de drogas – Centro de Atenção Psicossocial
para Álcool e Drogas – mas como uma concepção ético-política contrária ao
substrato das políticas proibicionistas. Afirmar, então, a redução de danos, não por
fé, mas como requisição para se construir e consolidar uma base política de um
projeto de emancipação para a área das políticas de drogas, articulada às outras
lutas emancipatórias, está na ordem do dia.
De forma paralela à construção da Política Nacional sobre Drogas, que
passou a preconizar uma “sociedade protegida da droga”, atores da sociedade
brasileira se debruçavam sobre a revisão da legislação antidrogas do país. Parece
que, nesse aspecto, a promulgação da Lei Nº 11.343 (2006) também contou com
a assessoria da SENAD, contribuindo para retirar a aplicação da pena de privação
da liberdade para uso próprio e frente à posse das drogas controladas.
Todo processo legislativo de aprovação da nova lei de drogas, que levou
mais de dois anos, a SENAD coordenou com um grupo de governo. Isso
também foi um processo muito legal, o que aconteceu: o ministro Félix
[Gabinete de Segurança Institucional], que é o presidente do Conselho
Nacional Antidrogas, montou um grupo de governo, coordenado pela
SENAD, que tinha SENAD, Ministério da Saúde, Educação, Direitos
Humanos, Justiça, Polícia Federal, Advocacia Geral da União, Casa Civil.
Então, muito da nova lei de drogas tem a nossa participação e do governo
como um todo. [...] Então nós trabalhamos em todo esse processo da lei e
isso, você deve imaginar, quanta briga interna que deu, evidentemente
(SENAD, E3).
Entrevistada: Não. E eu posso dizer que acho que, mesmo hoje, o Brasil
deva ser o país mais avançado em termos de política de drogas. Nós
temos sido chamados em todos os fóruns, aliás, eu voltei do Paraguai
antes de ontem, onde eu fui chamada pelo Ministério das Relações
Exteriores do Paraguai, que agora está mudando o governo. Nesse
momento de transição, eles querem desenhar uma política e pediram
apoio do Brasil.
Então assim, nós chamamos aqueles países que eram conhecidos [...],
países que investiam em políticas, que estavam trabalhando e que não era
aquela política simplesmente da “guerra ás drogas”, como mais ou menos
nos Estados Unidos (SENAD, E3).
330
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mercadoria tem o passe livre que nenhum ser humano jamais terá
(SAVIANO, 2008, p. 17)
133
Essa produção na França, por exemplo, atualmente, ocupa o 4º lugar e só perde para os Estados Unidos,
Reino Unido e Rússia, não possuindo qualquer compromisso com a defesa dos direitos humanos.
A França é parte na discussão no Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA), que
está sendo negociado na ONU para evitar que armas deságüem em locais de
conflito. Ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa, ano passado, anunciou o
objetivo de aumentar as exportações de armas de 5,6 bilhões para 7 bilhões [de
Euros] (O GLOBO, 13/09//2009, p. 35).
334
Referência Bibliográfica:
ALMEIDA, Paulo Roberto, ONU. In.: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da (Org.).
Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX: as grandes transformações
do mundo contemporâneo. RJ, Elsevier, 2004, p. 631-633.
AMARANTE, PDC. O Homem e a Serpente: outras histórias para a loucura e a
psiquiatria. RJ, Ed. FIOCRUZ, 1996.
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental nas trilhas do
materialismo histórico. SP, Boitempo Editorial, 2004.
AQUINO, Rubim Santos Leão de. Verbete “Aliança para o Progresso”. In: SILVA,
Francisco Carlos Teixeira da (Org.). Enciclopédia de Guerras e Revoluções do
Século XX: as grandes transformações do mundo contemporâneo. RJ, Elsevier,
2004.
BASTOS, Francisco Inácio e GONÇALVES, Odair Dias (Orgs). Drogas: é legal?
Um debate autorizado. RJ, Imago Ed., 1993.
BEHING, Elaine. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de
direitos. SP: Cortez, 2003.
BEHRING, Elaine e BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história.
SP, Cortez Editora, 2006, Biblioteca Básica do Serviço Social.
BIRMAN, Joel. A Psiquiatria como discurso da moralidade. RJ, Ed. Graal, 1978.
BOARINI, Maria Lúcia. Higienismo, eugenia e a naturalização do social. In
BOARINI, M. L. (org.). Higiene e raça como projetos: higienismo e eugenismo no
Brasil. Maringá, Eduem, 2003.
341
ITUASSU, Arthur. Verbete “Política externa norte-americana até 1939”. In: SILVA,
Francisco Carlos Teixeira da (Org.). Enciclopédia de Guerras e Revoluções do
Século XX: as grandes transformações do mundo contemporâneo. RJ, Elsevier,
2004.
LEITE, Marcos da Costa e ANDRADE, Arthur Guerra de. Cocaína e crack: dos
fundamentos ao tratamento. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas Sul Ltda, 1999.
NETTO, J.P e BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. SP, Cortez,
Biblioteca básica do serviço social, v.1, 2006.
SÁ, Domingos Bernardo Silva. Projeto para uma nova política de drogas no País.
In.: ZALUAR, Alba (Org.). Drogas e cidadania: repressão ou redução de riscos.
SP, Ed. Brasiliense, 1994.
SANTOS, Fernando Sérgio Dumas dos. Alcoolismo: a invenção de uma doença.
Dissertação (Mestrado em Filosofia e Ciências Humanas), Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1995.
SANTOS, Fabio Muruci dos. Verbete “Política da Boa Vizinhança”. In: SILVA,
Francisco Carlos Teixeira da (Org.). Enciclopédia de Guerras e Revoluções do
Século XX: as grandes transformações do mundo contemporâneo. RJ, Elsevier,
2004.
SANTOS, Marcelo. O poder norte-americano e a América Latina no pós-guerra
fria. SP, Annablume; FAPESP, 2007.
SAVIANO, Roberto. Gomorra: a história real de um jornalista infiltrado na violenta
máfia napolitana. RJ, Bertrand Brasil, 2008.
SHAIKH, Anwar. Verbete ”centralização e concentração do capital”. In:
BOTTOMORE, Tom (editor). Dicionário do Pensamento Marxista. RJ, Jorge Zahar
Editor Ltda, 1988.
TAYLOR, John G. Verbete “colonialismo”. In: BOTTOMORE, Tom (editor).
Dicionário do Pensamento Marxista. RJ, Jorge Zahar Editor Ltda, 1988.
União do Vegetal: Hoasca; fundamentos e objetivos. Brasília, Sede Geral, Centro
de Memória e Documentação da União do Vegetal, 1985.
VASCONCELOS, Eduardo Mourão (org.). Saúde mentl e serviço social: o desafio
da subjetividade e da interdisciplinaridade. SP, Cortez, 2000.
VASCONCELOS, Eduardo Mourão. Complexidade e pesquisa interdisciplinar:
epistemologia e metodologia operativa. Petrópolis: Vozes, 2002.
______________. O poder que brota da dor e da opressão: empowerment, sua
história, teorias e estratégias. SP, Paulus, 2003.
______________. Karl Marx e a subjetividade humana: uma história de idéias
psicológicas no cenário europeu até 1850. RJ, Projeto Transversões, Escola de
Serviço Social / UFRJ, volume II, texto de discussão interna, 2008a.
346
Fontes Documentais:
APÊNDICE A
Note-se que eles não participavam das atividades produtivas seja nas
áreas onde compravam, seja nas áreas onde vendiam: eram somente elos
de ligação entre esses espaços. Os seus ganhos (isto é, lucros) fundavam-
se na diferença entre o que pagavam e o que recebiam pela mercadoria
transacionada [...]. Recorde-se [...] que a futura burguesia terá origem
entre os grupos mercantis cujas fortunas cresceram enormemente nos
séculos XV e XVI (NETTO; BRAZ, 2006, p. 82).
processo que Marx nomeou como a produção da mais valia para se referir à
apropriação do valor excedente pelo capitalista.
“A mais-valia se origina de um excedente quantitativo de trabalho, da
duração prolongada do mesmo processo de trabalho” (Marx, 2003, p. 231).
Porém, com o incremento das inovações tecnológicas a que se assistiu no
capitalismo, e seu conseqüente aumento de produtividade, mais adiante na
análise marxiana, haverá distinção entre o conceito de mais-valia absoluta e a
mais-valia relativa justamente pela forma como se repartiu da jornada de trabalho
o trabalho necessário à produção de mercadorias e o trabalho excedente.
Chamo de mais-valia absoluta a produzida pelo prolongamento do dia de
trabalho, e de mais-valia relativa a decorrente da contração do tempo de
trabalho necessário e da correspondente alteração na relação quantitativa
entre ambas as partes componentes da jornada de trabalho.
Para diminuir o valor da força de trabalho, tem o aumento da produtividade
de atingir ramos industriais cujos produtos determinam o valor da força de
trabalho, pertencendo ao conjunto dos meios de subsistência costumeiros
ou podendo substituir esses meios (MARX, 2003, p. 366).
134
No trabalho de Friedrich Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de 1845, também, pode
ser encontrado a discussão sobre a concorrência, havendo um item exclusivo para o seu debate. Ele a coloca
como “expressão mais completa da guerra de todos contra todos que impera na moderna sociedade burguesa.
(...) Os operários concorrem entre si tal como os burgueses” (1845 / 2008, p. 117).
353
por ter definido o imperalismo como opressão e exploração dos países fracos e
empobrecidos pelos países poderosos. A ênfase atribuída às rivalidades entre as
nações é um traço distintivo entre a teoria do imperialismo de Kautsky e de Lenin,
na medida em que este confere atenção às rivalidades entre as diferentes classes
dominantes, representadas pelos Estados nacionais.
• Rosa Luxemburgo (Zamosc / Galícia, 1871 – 1919) – publicou Reforma
social ou revolução, em 1899, e A acumulação do capital, em 1913, onde
nesta compreendeu o imperialismo como uma luta e necessidade das
formações sociais capitalistas de tentar realizar de forma ampliada a mais-
valia sobre as formações sociais periféricas.
• Rudolf Hilferding (Viena, 1877 – 1941) – publicou em 1910, O capital
financeiro. Atento à análise de Marx sobre o impacto do sistema de crédito
sobre a centralização do capital e, em particular, para a formação das
sociedades anônimas, inaugurando um novo período de acumulação
capitalista – o imperialismo –, Hilferding apresentou um quadro sobre a
complexificação da composição da classe detentora do capital no período.
A oferta do crédito sob juros pelos bancos ao capital produtivo – industrial –
estabeleceu novos fluxos para a repartição da mais-valia.
• Bukharin (Moscou, 1888 – 1938) – foi jornalista e colaborador com Lenin já
antes da Primeira Guerra; escreveu O imperialismo e a economia mundial,
em 1915; publicou sua crítica à Rosa Luxemburgo na obra Imperialism and
the Accumulation of Capital, em 1924; e publicou, ainda, Teoria do
materialismo histórico, em 1921.
Para Anderson, então, a segunda geração do marxismo ocidental “aceitava
a premissa de que era de importância vital decifrar as leis fundamentais do
movimento do capitalismo na nova fase de seu desenvolvimento histórico”
(ANDERSON, 2004, p. 32). O imperialismo e suas tendências tornaram-se um dos
eixos centrais do debate, atentando-se para a reprodução ampliada do capital;
para a relação econômica mundial entre periferia e centro, a fim de se realizar a
mais-valia; e para a expansão militar de natureza estrutural.
357
APÊNDICE B
ROTEIRO DA ENTREVISTA
a. Por quê?
APÊNDICE C
Você está sendo convidado a participar da pesquisa Políticas sociais públicas de drogas
e sua modernidade transnacional: o caso brasileiro, registrada no SIGMA/UFRJ sob o
código nº 11.773, que tem como objetivo analisar os nexos de dependência e autonomia
da atual política brasileira de drogas, frente à possível influência das recomendações e
orientações das agências e instâncias multilaterais da área.
A sua participação é inteiramente voluntária e você é livre para, a qualquer momento,
abandonar a pesquisa, sem que isso lhe traga qualquer prejuízo.
A sua participação será na forma de uma entrevista. Se você concordar, a entrevista será
gravada, podendo a qualquer momento, solicitar que a gravação seja interrompida.
Você receberá uma cópia de sua entrevista e poderá fazer as alterações que julgue
necessário. A fita cassete com a gravação da sua entrevista ficará guardada por 5 anos,
sob a responsabilidade da pesquisadora, podendo ser solicitada por você, a qualquer
momento.
Você não corre qualquer risco ao participar desta pesquisa. Você será identificado por um
código e seu nome não será revelado em nenhuma situação.
Você não terá qualquer despesa financeira ao participar da presente pesquisa.
Depois de ter lido as informações acima, se for de sua vontade participar deste estudo,
por favor, preencha o Termo de Consentimento abaixo.
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO
________________________________
Assinatura do entrevistado
364
• BRASIL
1832: 1º Código de Postura ................................................................................143
1850: 2º Código de Postura ................................................................................143
1851: Regulamento Imperial ...............................................................................144
1882: 3º Código de Postura ................................................................................144
1889: Código Penal Republicano ....................................................................... 145
1914: assinou o protocolo das resoluções da Convenção do Ópio (1912) ........ 197
1915: Decreto Federal nº 11.481 – aprova as resoluções ................................. 197
1921: Lei Federal nº 4.294 (ópio, derivados e cocaína) ..................................... 198
1932: Decreto-Lei nº 20.930 (maconha, privação de liberdade para o usuário) .202
1936: Decreto-Lei nº 790 (Comissão Permanente de Fiscalização de
Entorpecentes) .................................................................................................... 203
1938: Decreto-Lei nº 851 (Comissão Nacional de Fiscalização de
Entorpecentes) ...........................................................................................................
............... 203-4
1938: Decreto Nº 2.994 (promulgou a Convenção para a repressão do tráfico ilícito
das drogas nocivas, Protocolo de Assinatura e Ato final, firmado entre o Brasil e
diversos países, em Genebra, de 1936) ............................................................. 204
1976: Lei Nº 6.368 .............................................................................................. 269
1980: Conselho Federal de Entorpecente .......................................................... 204
1987: Acordo Básico entre o Governo do Brasil e o Fundo das Nações Unidas
para o Conrole do Abuso de drogas (UNFDAC) ................................................ 250
2006: Lei Nº 11.343 ............................................................................................ 271
365
• ESTADOS UNIDOS
1906: Food and Drug Act ................................................................................ 167-8
1914: Harrison Narcotics Tax Act ..................................................................... 176
NDC - Narcotic Control Department (Departamento de Controle de
Narcóticos) ..............................................................................................177
1920: Lei Seca ou Volstead Act ........................................................................ 179
1930: Drug and Food Administration ................................................................. 187
1931: FBN – Federal Bureau of Narcotics ………....................................185, 226-7
1933: Revogação da Lei Seca ................................................................... 180, 185
1937: Marijuana Tax Act ............................................................................... 94, 186
1947: Ato de Segurança Nacional ...................................................................... 189
Departamento de Defesa ......................................................................... 189
Reforma do FBN ...................................................................................... 189
1951: Boggs Act ……………………………………………………………………… 227
1956: Narcotics Control Act ................................................................................ 227
1973: Drug Enforcement Agency, posteriormente, Drug Enforcement
Administration (DEA) .......................................................................................... 243
NO PLANO INTERNACIONAL