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A CRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA NO BRASIL: RAÍZES


HISTÓRICAS E CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS

Eduardo Silva da Costa Netto1

Faculdade Gama e Souza


eduardocostanetto@gmail.com

RESUMO: Este artigo tem como pauta principal o questionamento da legitimidade do


Estado brasileiro do uso do Direito Penal para reprimir e criminalizar escolhas pessoais
de condução de modo de vida. Assim, o Estado, ao tipificar condutas expressas no texto
do art. 28 da Lei 11.343/2006 (Lei Antidrogas) vigente, na verdade está de maneira
simbólica criminalizando condutas que não extrapolam o modo de vida de terceiros.
Decorre ainda dessa tipificação tratar pessoas com pauta de educação moral/ética
criminalizando-as de forma utilitarista em uma cortina de fumaça para fazer crer que o
problema social está sendo resolvido. Na verdade, tal ordenamento jurídico não traz
nenhum resultado pragmaticamente satisfatório em consonância com a evolução de
nossa sociedade. Como metodologia, o presente artigo contextualiza propostas que
precisam ser discutidas por toda a sociedade, para que além da descriminalização (grifo
nosso), possamos também discutir a legalização e regulamentação da maconha para uso
medicinal, recreativo e industrial. Com a devida vênia, essa pauta deve ser tratada à luz
do dia de maneira franca e democrático. A fim de proceder sustentação empírica do
tema, recorri a parte histórica do proibicionismo, ao movimento social e libertário
“Marcha da Maconha”, à questão da afetação do acesso à saúde dos usuários para que
assim, possamos refletir sobre a política atual da Lei Antidrogas e se, nesse dispositivo
elencado, ela é eficaz ou não.
Palavras-chave: Lei Antidrogas. Maconha. Marcha da Maconha. Artigo 28.
Abstract: This article has as main agenda the questioning of the legitimacy of the
Brazilian State of the use of Criminal Law to repress and criminalize personal choices
of conduct of way of life. Thus, the State, by typifying conduct expressed in the text of
art. 28 of Act 11.343 / 2006 (Antidrug Law) in force, is in a symbolic way criminalizing
conduct that does not extrapolate the way of life of others. It also follows from this
classification to treat people with moral / ethical education standards criminalizing them
in a utilitarian way in a smokescreen to make believe that the social problem is being
solved. In fact, such a legal system does not bring about any pragmatically satisfactory
result in line with the evolution of our society. As a methodology, this article
contextualizes proposals that need to be discussed throughout society, so that in addition
to decriminalization (emphasis added), we can also discuss the legalization and
regulation of marijuana for medical, recreational and industrial use. With due respect,

1
Bacharel em Direito pela Faculdade Gama e Souza.
2

this agenda should be dealt with frankly and democratically in the light of day. In order
to proceed with the empirical support of the theme, I turned the historical part of
prohibitionism, the social movement and libertarian "Marijuana's March", to the issue of
affection of access to users' health so that we can reflect on the current policy of the
Antidrug Law and whether, in this device listed, it is effective or not.

Keywords: Antidrug Law. Marijuana. Marijuana's March. Article 28.

Sumário: Introdução; 1. A contextualização histórica da criminalização da maconha; 2.


Transformações na matriz energética e a má influência norte-americana; 3. Da mudança
de matéria-prima natural para o processo de quimicalização; 4. Do movimento social
“Marcha da Maconha”; 5.Da criminalização do porte de drogas para uso pessoal;
Considerações Finais; Referências.

Introdução

O debate sobre a criminalização do porte da cannabis2/maconha para uso pessoal


é um tema relevante no que tange à sociedade, à imprensa, e aos tribunais, colocando
em pauta a reflexão sobre a legitimidade do uso do direito penal para reprimir escolhas
pessoais de condução de vida. O tema criminalização de porte de drogas para uso
pessoal, com destaque para as decisões proferidas pelos órgãos de cúpula do judiciário
também foram pauta na Colômbia 3 e na Argentina4 e, em ambos os casos, o resultado
foi no mesmo sentido da inconstitucionalidade da criminalização da posse de drogas
para uso pessoal.

É preciso caminharmos para um primeiro e importante passo na transformação


do modelo atual de sistema de justiça criminal e também, nesse mesmo sentido,
aprimorar uma nova política de Lei Antidrogas, onde a prioridade apontasse para uma
abordagem que privilegie a saúde, o respeito aos direitos de cidadania e possibilitasse a

2
Segundo o dicionário Aurélio: Planta de origem asiática, da família da canabáceas (Cannabis
sativa), pode atingir até 2,5m de altura, com folhas verdes picotadas nas bordas, muito conhecida
por seus efeitos alucinágenos; maconha.
3
Sentença C-221/94 da Corte Constitucional Colombiana, de 05 de maio de 1994.
4
Corte Suprema de Justica de la Nación. Recurso de Hecho A.891. XLIV (25.08.09), p.284.
3

implantação efetiva de estratégicas de redução aos danos e de prevenção do uso


inapropriado de determinadas drogas5.

Um novo modelo pautado na legalização e regulamentação seria muito, mais


eficiente em um sentido pragmático para toda a sociedade.

Neste sentido, dada a ausência de alteridade e assim a possibilidade de


reconhecimento da ilegitimidade da intervenção penal no que tange à criminalização do
usuário, o Estado deve se abster de criminalizar, o Brasil precisa avançar na política de
drogas e alinhar-se ao movimento global em busca de modelos de políticas de drogas,
justas, responsáveis e racionais.

Ademais, a sociedade precisa, de forma responsável, refletir sobre a autorização


para auto-cultivo da cannabis e também a possibilidade de criação de cooperativas e
clubes, que podem espelhar-se em modelos como os que já existem em algumas
províncias espanholas e uruguaias.

Com uma breve introdução histórica da proibição da cannabis /maconha, vamos


analisar até aonde o Estado tem legitimidade para definir o modo de vida do individuo
com base nas garantias fundamentais de direitos de cidadania.

No que refere à saúde pública, a criminalização, no entanto, não parece


adequada ao fim visado, que seria a proteção a saúde pública. As razões expostas ao
longo da pesquisa, revelaram que as medidas adotadas atualmente não produzem
eficácia, pois a saúde pública não só é desprotegida como é de certa forma afetada pela
criminalização:

Várias gerações de estudantes do ensino médio tem crescido ignorando e


desacreditando em tudo o que ouvem do Governo e da política sobre drogas,
incluindo informações que eram factuais e válidas, porque descobriram por
eles mesmos que a maior parte do que lhe foi ensinado (sobre drogas) não era
simplesmente verdade. (RAMOS, 2014)

5
Em que pese haver outras drogas, pretendo tratar no artigo apenas sobre a questão da maconha.
4

Percebe-se, assim, um distanciamento entre teoria e prática. A formação


humana, a partir das idades iniciais, está debilitada por irresponsabilidade de
determinados gestores públicos que prescindem do conhecimento honesto por causa de
preconceitos, por vezes religiosos.

1. A contextualização histórica da criminalização da maconha

A maconha acompanha a humanidade desde o início da civilização, existem


alguns momentos que marcaram a história dessa planta indispensável à vida humana a
mais de 10.000 a.C., como diz a música de Raul Seixas: “Eu nasci à dez mil anos atrás”,
pois essa planta é conhecida pelo homem por muito tempo.

Ainda não tínhamos inventado a roda nem a escrita, mas já usávamos


fibras do que hoje chamamos de Cannabis sativa para fazer cordas.
Está impresso num vaso de mais de 10 mil anos de idade. Também
conhecemos, desde a Idade da Pedra, seu poder de alterar a percepção
e o comportamento. Na tradição do hinduísmo, uma das religiões mais
antigas da história, ela era (e continua sendo) uma planta sagrada,
usada em rituais e oferendas. Os chineses de mais de 4 mil anos atrás
relatavam objetivamente que a erva ajuda a “comunicar-se com os
espíritos e iluminar o corpo.” (MACONHA, 2014)

A criminalização da maconha no Brasil se deu no final do século XIX. O Brasil


foi o primeiro país do mundo a proibir a cannabis em 1830, com a justificativa de que,
escravos se revoltavam a partir do uso da maconha (fumo de Angola). Partindo dessa
questão, os vereadores da cidade do Rio de janeiro e imprensa da época começaram a
chamar a maconha de Charuto do Capeta, Erva do Diabo, Diambra e Pito do Pango.
(BARROS, 2012. Grifos nossos)

Segundo Barros e Peres (2012), nesse diapasão, a Câmara Municipal do Rio de


Janeiro, editou uma Lei contra a maconha, penalizando o “Pito do Pango” (como ficou
conhecida a Lei), denominação da maconha no § 7° da postura que regulamentava a
venda de gêneros e remédios pelos boticários.
5

É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele


em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em
20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de
cadeia. (HENMAN; PESSOA JÚNIOR, 1986).

Nesse sentido observa-se que a Lei proibicionista6 era voltada para a


criminalização do escravo (negro, imigrante africano) que usava (fumava, o “Pito do
Pango”). Já o vendedor do boticário apenas pagava uma multa, ou seja, bem diferente
de hoje. A argumentação, conduz à conclusão de que a punição, em questão é
escravocrata para exclusivamente “controle social”. “O Estado de maneira utilitarista
usando a mão forte do direito penal para criminalizar” (BOTINNI, 2015) os costumes
dos negros imigrantes. Deste modo, o Estado, com a Lei proibicionista, na prática
exercia o “controle social”.

Já no século XX, existiram dois motivos principais da criminalização, um de


cunho social e o outro econômico. Assim como no Brasil os, EUA também criminalizou
a maconha (Marihuana) 7 que era costume dos mexicanos8, deste modo a América no
final do século XX, em sua história proibicionista, em relação à maconha, perpassa
também pela proibição de medicamentos provenientes do canabidiol e THC9,
componentes estes da Cannabis Sativa, que eram vendidos em farmácias nessa época.
Estaria o Estado brasileiro editando a conhecida "guerra às drogas" 10, em sua versão
tupiniquim?

6
Lei Proibicionista é um termo jurídico utilizado para se referir as normas restritivas de direitos.
7
É um substantivo de origem espanhola, que é a tradução de maconha.
8
Nos EUA emerge um movimento em direção a proibição da maconha em seu território, desta forma,
surge então o primeiro modelo proibicionista de fato, em 1913
9
Canabidiol, THC – são derivados farmacológicos da planta do gênero Cannabis, que tem como principal
constituinte psicoativo o tetrahidrocanabinol (THC), incluindo outros canabinoides como canabidiol
(CBO), entre outros mais de 400 canabinoides.
10
"Guerra contra as drogas" é um termo que se popularizou nos Estados Unidos da América, a partir de
1971, quando aquele país definiu uma política intervencionista em determinados países da América
Latina, contra grupos guerrilheiros, e usou como pretexto tal ação. Ver The war on drugs: how President
Nixon tied addiction to crime, in: The Atlantic, 26/03/2012.
6

2. Transformações na matriz energética e a má influência norte-americana

Em 1916 ainda nos EUA11, os fabricantes de tintas e vernizes já utilizavam o


óleo de cânhamo, que é um ótimo agente de secagem visto que as sementes e hurds
(miolo) eram desperdiçados na indústria da celulose e fios para tecidos, cordas etc.

... o cânhamo provará, tanto para o agricultor quanto para o público, ser a
cultura mais rentável e desejável que pode cultivar, e que pode fazer as usinas
americanas independentes de importação...
É o cânhamo, uma cultura que vai competir com outros produtos americanos.
Em vez disso ele vai substituir a importação de matéria-prima e produtos
manufaturados (...) que irá fortalecer milhares de empregos para os para os
trabalhadores norte-americanos em todo país. (...) O cânhamo é o padrão de
fibra do mundo. Possui grande resistência à tração e durabilidade. Ela é
utilizada para produzir mais de 5.000 produtos têxtis, (...) e o amadeirado
(“hurds”) remanescente após a fibra removida contém mais do que 77% de
celulose, que pode ser utilizado para produzir mais de 25.000 produtos, que
vão de dinamite ao celofane (...) A indústria de papel oferece ainda mais
possibilidades. Como uma indústria que equivale a mais de U$$ 1 Bilhão por
ano, e que 80% são importados. (RAMOS, 2014)

Esta mesma política econômica protecionista em relação ao cânhamo industrial


no território estadunidense, a seguir, muda de rumo a partir do processo de
“quimicalização” do modelo industrial na matéria-prima utilizada no manufaturamento
dos produtos, que veremos a seguir.

Nesse sentido, é notadamente visível que, nessa época, o cânhamo industrial


tinha um papel importantíssimo para alavancar o modelo econômico emergente dos
EUA, passando assim a ser incentivado com políticas de Estado em busca de um plantio
mais efetivo desta espécie (matéria-prima da indústria nessa época), com isso, conseguir
a diminuição da dependência da importação destes produtos e também o fortalecimento
de postos de trabalho e consequentemente o avanço econômico como um todo, ou seja,
era uma política de cunho econômico pelo Estado (EUA), assim como fortalecimento
interno desta importante matéria-prima do mercado de tintas, vernizes, celulose etc, com
o objetivo claro de se tornar autossuficiente destes produtos.

11
Em 1916, o governo dos Estados Unidos previu que, na década de 1940, todo o papel viria do cânhamo e que não
mais árvores precisariam ser cortadas.
7

Preocupada com a escassez de tão importante matéria-prima para suas linhas de


produção de tintas, a Sherwin-Willians pretendia cultivar o cânhamo, colher suas
próprias sementes e, segundo sua logomarca, cobrir a terra com tintas de cânhamo12.
Assim cabe uma reflexão do texto de Ehud C. Sperling.

As árvores nos fornecem madeira para construir, o algodão nos veste. O


trigo, o milho e outros grãos nos alimentam; as plantas medicinais ai estão
para nos dar alívio quando estamos doentes, e muitas outras plantas estão
disponíveis para nos sustentar e auxiliar, em nosso empreendimento humano.
Contudo, existe apenas um auxiliar vegetal usado no mundo inteiro, desde a
pré-história, que nos fornece alimento, roupas, material de construção,
combustível, medicamentos e tem o poder de afetar nossa consciência, nossa
imaginação e o modo que vivemos esse mundo. Essa planta é o
“cânhamo/cannabis sativa”. (SPERLING, 1999)

3. Da mudança de matéria-prima natural para o processo de quimicalização

A passagem da matéria-prima para o processo de quimicalização é notória. Essa


assertiva na obra “Tá todo mundo enganado” é ainda mais corroborada

Durante a época entre-guerras, a indústria americana sofre um forte processo


de “quimicalização”. O natural passa a ser visto como algo irregular, de pior
qualidade... Algumas industrias estavam mais preparadas tecnologicamente
para esse processo, como a Du Pont. (RAMOS, 2014)

Desse modo é visível a transformação do interesse econômico do cânhamo para


a indústria química do petróleo, ou seja, o que era muito bom para o modelo econômico,
passa a não mais interessar aos EUA como política econômica. Com isso, o modelo
proibicionista ganha força e avança contribuindo com a demonização da planta 13.
Ademais é preciso ressaltar que no começo dos anos 20, os industriais já vinham
pesquisando novas formas de desenvolvimento sustentável como ressalta Ramos (2014,
p.117), “Desde os anos 20, Henry Ford acreditava no potencial do cânhamo para a
produção de fibras, celulose e etanol celulósico – atualmente, chamado etanol de 2 a

12
Logomarca oficial da Sherwin-Williams.
13
A indústria da quimicalização e do petróleo apropriou-se do mercado energético de comoditeis, no qual
a cannabis ocupava um espaço considerável.
8

geração”. Assim percebe-se que o etanol que conhecemos hoje no Brasil não é algo
novo, já existia e foi descoberto nos EUA, por Henry Ford.

Novo, não é? –, de tal modo que o cultivou em sua propriedade de


Iron Mountian. Em 1941, após 12 anos de pesquisas, construiu um
“carro experimental de plástico” mais leve e dez vezes mais
resistentes do que um similar de aço, a partir de compostos de fibras
de cânhamo e outros vegetais. (RAMOS, 2014, p. 118)

Nesse diapasão é preciso pensar e analisar, porque esse protótipo não foi adiante,
ou seja, não se desenvolveu a ponto de termos veículos rodando com etanol de celulose
de cânhamo e carroceria de fibra também de cânhamo, isso leva a crer que, o interesse
era sim da nova política energética de introdução do petróleo na nova matriz energética,
pois só assim se ganha mais dinheiro, a corrida sem escrúpulos pelo controle da
pirâmide da dependência econômica e fortalecida na América do Norte, a qual seja não
se levou em conta o prejuízo ambiental e humano que essa corrida poderia custar.
Construiu-se assim uma nova commodites energética, fortalecendo a demonização da
maconha/cânhamo nos EUA e se estendendo para o mundo.

É preciso enfatizar também que:

Por outro lado, quando Rudolf Diesel inventou o seu motor (motor
Diesel) não estava pensando em petróleo, mas na utilização de óleos
de origem vegetal. Em 1900, quando fez demonstração do seu motor
na Exposição Universal de Paris, o combustível utilizado foi o óleo de
amendoim. (RAMOS, 2014, p.118)

Porém, também funcionaria com outros tipos de óleo, como por exemplo:
mamona e cânhamo. Rudolf Diesel assim como Henry Ford eram empresários
visionários.

O motor a diesel pode ser alimentado por óleos vegetais e ajudará


consideravelmente no desenvolvimento agrário dos países que vierem
a utilizá-lo. O uso de óleos vegetais como combustível pode parecer
insignificante hoje em dia. Mas, com o tempo, eles se tornarão tão
9

importantes quanto o petróleo e o carvão são atualmente. (RAMOS,


2014, p.118).

É preciso pensar e enfatizar que a lente visionária do inventor do motor a óleo


era exclusivamente vegetal e que ele mesmo já previa a importância dessa matriz
energética no sentido de eficácia ambiental e econômica, porém, isso atingiria interesses
financeiros e industriais das companhias interessadas no petróleo como por exemplo:
“Lammot du Pont II (Du Pont e GM) Hearst (Hearst Corporatio), Mellon (Mellon Bank
e Gulf Oil) e Rockefekker (Standard Oil) que perderiam bilhões de dólares se a
incipiente petroquímica tivesse que concorrer com o cânhamo” (RAMOS, 2014, p.
118).

Percebe-se que é evidente o interesse americano na mudança da matriz


energética e assim então, foi articulada uma “cruzada contra a maconha”, que resultou
na medida extraordinária á época conhecida como “Marihuana Tax Act”, nesse sentido
devemos analisar o relatório anual da empresa DuPont de 1937, “O poder de cobrança
de receitas do governo pode ser transformado em um instrumento para forçar a
aceitação de súbitas novas ideias de reorganização industrial e social”. (RAMOS, 2014,
p. 119).

Nota-se que as empresas já relacionadas se utilizavam de relatórios para induzir


o Estado a super taxar a indústria de cânhamo, pois essa atrapalhava os negócios do
petróleo emergente, também através dos jornais e da própria mudança de cultura.

Por esse motivo a maconha foi proibida e demonizada nos EUA. Assim, uma
interpretação possível é que a principal vertente da criminalização da planta “cannabis”,
além do caráter de controle social, foi de interesse do grande capital.

Vale ressaltar que em meio as mudanças de matrizes primárias (matéria-prima) e


fontes energéticas eis que “Em 1935, nos EUA a produção de tintas e vernizes,
consumiu cerca de 58.000 toneladas de sementes de cânhamo. Dessa boa parte era
importada” (RAMOS, 2014).
10

As fontes levaram a crer que a proibição das drogas não é fruto de ideias vãs,
desarticuladas da realidade social. A propositura de determinada conduta como crime
associa-se a grandes interesses econômicos e escusos.

Segundo Ramos (2014) “A proibição de drogas não é algo novo, foi concebida
na segunda metade do século XIX nos EUA. Os objetivos dessa política podem ser
entendidos no contexto social e global da época”.

Pode-se, em certa medida, acrescentar que o processo de demonização do


usuário da cannabis está associado à estigmatização da pobreza e, por consequência, do
pobre, bem como de seu ambiente cultural (comunidade, favela etc). Constrói-se, assim,
um “Mito das Classes Perigosas” 14 e isentam-se o moralismo social e os membros da
elite, em uma demonstração clara e evidente que, assim, se regula e reforçam as
hierarquias sociais e os valores morais, através de restrições impostas as classes menos
favorecidas.

Os costumes de uso de drogas dos imigrantes eram incompatíveis com o modelo


social americano “American Way of Life”15, estes costumes eram distantes da disciplina
anglo-saxônica associada ao sonho americano, confrontar a miséria social, era um dos
objetivos dos americanos (objetivo econômico), assim como a política protecionista do
cânhamo a mesma virou em sentido do novo interesse econômico.

4. Do movimento social “Marcha da Maconha”

14
Referente ao livro “Operação Rio: o mito das classes perigosas, de Cecilia Coimbra- Classes perigosas e espaços
urbanos como, traços que dizem respeito à formação de alguns espaços urbanos brasileiros, seu reordenamento, assim
como algumas teorias que, desde meados do século XIX, pretendem explicar as chamadas “classes perigosas”,
vinculando-as ao cidadão pobre e à condição de pobreza.
15
Estilo americano de vida
11

A Marcha da Maconha16 é um movimento social, cultural, de cunho libertário,


em favor da legalização da maconha que anualmente ocorre em diversas cidades do
mundo.

Trata-se de um dia de luta e manifestações favoráveis a mudanças nas leis


relacionadas a maconha, em favor da legalização da cannabis,
regulamentação de comércio e uso (tanto recreativo quanto medicinal e
industrial, tendo em vista as milhares de aplicações da cannabis em várias
áreas). A Marcha da Maconha ocorre mundialmente no primeiro final de
semana do mês de maio, porém no Brasil, como a data coincide com o Dia
das Mães, pode ocorrer em outros finais de semana (geralmente em maio).
Além da marcha em si ocorrem reuniões, caminhadas, encontros, concertos,
festivais, mesas de debates, entre outros. (MARCHA, 2018)

A Marcha da Maconha constituiu-se como o movimento de maior vulto social e


mais significativo para a defesa da legalização da maconha no Brasil. Desde as
primeiras manifestações, foi possível manter a discussão sobre a legalização da
maconha nos espaços públicos de forma democrática. A Marcha da Maconha era
considerada apologia ao uso de drogas17, mas em 2011 a discussão foi parar no STF.
Hoje é possível criticar a proibição e propor a legalização como um caminho a ser
seguido, ou seja, é possível regulamentar e legalizar como melhor política de redução de
danos a ser seguido. Entretanto, o legislador precisa estar atento que a legalização deve
coadunar-se com perspectivas brasileiras para que não haja regulação da cannabis sob a
ótica da especulação e do domínio estrangeiro. A regulação da cannabis pode e deve ser
usada como fator de justiça social.

Em 2009, em torno de dez (10) Marchas da Maconha foram proibidas em todo


país por meio de demandas atendidas nos plantões do judiciário em cada localidade.

16
A origem da Marcha da Maconha, é datada em 20 de abril de 1971 no estado americano da Califórnia (EUA), não é
de estranhar, foi aonde se fortaleceu a proibição da planta em questão. Nos EUA a data 4-20 passou a simbolizar uma
espécie de senha para os ativistas e simpatizantes, desde então, a sigla (420) passou a simbolizar a luta
antiproibicionista, em busca da liberdade dos direitos da utilização da planta proibida.

17
Drogas classificadas como ilícitas
12

Como forma de objetar essa onda proibicionista, organizadores da Marcha da Maconha


do Rio de Janeiro ingressaram com representação junto à Procuradoria Geral da
República, o que resultou, à época, em duas ações, uma ADPF187 e Adin 4274. Essas
ações ficaram paradas no STF até 2011, quando estourou uma cena de guerra em São
Paulo, na Marcha da Maconha no final de maio de 2011. Impelido pelo clamor popular,
a fim de evitar nova tragédia social, o STF, pelas mãos do Ministro Celso de Melo
colocou em votação a matéria. As ações foram julgadas em 8x0 e 9x0 respectivamente,
assim garantindo a realização das Marchas da Maconha em todo o Brasil.

Pode-se dizer que o movimento social, Marcha da Maconha é único movimento


social no Brasil que é garantido em duas decisões da mais alta Corte, o Supremo
Tribunal Federal. Portanto, pode-se afirmar que o movimento, é um movimento social
legítimo e não fere nenhum preceito fundamental constitucional, como bem delimitou o
artigo científico.

A Marcha da Maconha sob os parâmetros dos direitos e garantias


fundamentais. Como Delimitação do Tema teremos: A aplicabilidade dos
direitos fundamentais, da liberdade de expressão e direito de reunião na
sociedade. É delimitada de acordo com a abrangência de nossa Constituição
Federal, ou seja, espacialmente no território brasileiro, e temporalmente a
partir de 1988, ano no qual esta foi promulgada.

Liberdade de expressão é o direito de todo e qualquer indivíduo de manifestar


seu pensamento, como assegurado pelo artigo 5º, IV, da Constituição Federal
de 1988. É direito da personalidade, inalienável, irrenunciável,
intransmissível e irrevogável, essencial para que se concretize o princípio da
dignidade humana, relacionando também aos direitos coletivos e individuais.
Logo, a liberdade de reunião deve ser entendida como o agrupamento de
pessoas, organizado, de caráter transitório, com uma determinada finalidade,
prevista no artigo 5º, XVI, da Constituição Federal de 1988. Garante-se o
direito de reunião, de forma pacífica, sem armas e em locais abertos ao
público, direito que poderá ser exercido independentemente de prévia
autorização do Poder Público, desde que não frustre outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio
aviso à autoridade competente. Ressalta-se ainda que tais direitos são
imprescindíveis para a construção de um Estado Democrático de Direito. E a
partir de tais princípios, analisamos o movimento social por nome de Marcha
da Maconha (FIGUEIREDO; SILVA; SILVA, 2014)

5. Da criminalização do porte de drogas para uso pessoal


13

Da questão central do art. 28 da Lei 11.343/2006, a luz da Constituição Federal,


como assinalou o professor Pierpaolo Cruz Bottini (2015),

A questão jurídica central que se pretende analisar é inconstitucionalidade do


art. 28 da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, sob a ótica dos princípios da
dignidade humana (CF, art. 1°, III), do pluralismo (CF, art. 1°, V), da
intimidade (CF, art. 5, X) e da isonomia (CF, art. 5° caput)

Neste sentido a Lei em questão pune de forma agressiva, assim, violando


princípios de Direitos Fundamentais assegurado em nossa Constituição Federal, deve-se
destacar que existem outros meios administrativos sancionadores que nesse caso
poderia ser utilizado como meio mais eficaz de controle social pelo Estado e não na
forma de matéria criminal como é apresentada em nosso ordenamento jurídico, ou seja,
o Estado não apresenta resultados pragmáticos que se justifique a Lei incriminadora,
proibicionista.

Vale ressaltar que a punição imposta pelo Estado, além de ser inconstitucional,
não se apresenta compatível com cariz democrático, que precisamente caracteriza-se por
não ser a prima, nem mesmo a única ratio, mas sim a última e extrema ratio, ou seja, a
mais violenta instância de controle social, assim deve ser evitada e usado somente em
fatos e desvios capazes de ofender bens jurídicos e interesses essenciais à vida
comunitária.

Neste diapasão no que concerne à interpretação constitucional, essa é uma


atitude que se desenvolve de maneira a abraçar um espectro de vida e proteção dos
direitos fundamentais ao pragmatismo jurídico. Os direitos fundamentais funcionam
como uma reserva mínima de justiça aplicável a todas as pessoas, que são características
essenciais dos direitos fundamentais e que são oponíveis as maiorias políticas, nesse
sentido, também funcionam como limite ao poder constituinte reformador.

O pragmatismo jurídico por sua vez, é herdeiro distante do utilitarismo e


descende Direito do pragmatismo filosófico, em meio a outras duas características que
14

se destacam, que são: o contextualismo e o consequencialismo. O contextualismo a


significar que a realidade concreta na questão em que se trata tem peso destacado na
determinação da solução mais adequada a realidade e ao contexto do fato, já o
consequencialismo que na medida em que o resultado prático de uma decisão, deve ser
elemento decisivo na prolação de maneira à evitar consequências danosas e violaras dos
direitos fundamentais, neste sentido, cabe refletir para que se produza a solução que
traga as melhores consequências possíveis para a sociedade como um todo, será
legítimo que a sociedade como um todo, legisladores, juízes etc reflitam sobre as
possibilidades e limites das normas constitucionais, e que possa assim construir uma
solução mais adequada e que produza melhores consequências para toda a sociedade.

Considerações finais

Percebe-se que a maconha foi e é uma planta muito importante para o ser
humano, tanto para fins medicamentais, quanto para fins industriais e que a proibição
desta planta aqui no Brasil é puramente racista e irracional. Trata-se de uma comodite
que foi muito importante no passado e que por si só se apresenta como a grande saída
econômica/industrial para o Brasil.

Na democracia, no que se refere a questões que afetam ao núcleo intangível da


intimidade, não se pode jamais ser criminalizadas, exceto quando houver concreta
ameaça de lesão a terceiros. Por isso, uma reflexão acerca do modelo atual de “guerra às
drogas” pode levar a crer que seja uma guerra do controle econômico de um "mercado"
15

que as drogas representam e, em um sentido prático, tal "guerra" não apresenta


resultado razoável.

A sociedade em geral, os políticos, os órgãos da justiça, OAB, etc devem se unir


com pensamento em conjunto, no sentido de que se discuta, de forma pragmática, um
novo modelo de Lei de drogas, pois, ao que parece, a atual Lei de Drogas é ineficaz. O
esforço legislativo nesse ordenamento jurídico não reduziu a criminalidade. Data vênia,
determinados artigos da Lei 11343/2006 aos olhos de alguns juristas conceituados são
vistos como inconstitucionais, por violarem princípios e garantias fundamentais.

São objetivos tecidos ao longo do presente artigo científico em caráter de


trabalho de conclusão de curso e que de certa forma identifica a inconstitucionalidade
de uma política de “Guerra as Drogas” apoiada na criminalização de uma das vítimas de
tais organizações, o usuário.

As políticas desenvolvidas pelo Poder Público para assegurar a saúde individual


e coletiva diante da problemática da questão da “Guerra as Drogas”, porém, o uso do
direito penal – ultima ratio do controle social, que são destinadas aos comportamentos
mais agressivos e consequentemente mais gravosos, para coibir comportamentos
individuais, praticados na esfera da intimidade do indivíduo e sem capacidade para
afetar, por si, terceiros, assim, atentando contra a dignidade humana, a pluralidade, a
intimidade e a isonomia, todas previstas na Constituição Federal (arts. 1°, III, V, e 5°
caput. e X).

Em suma, a descriminalização do uso de drogas deve ser analisado pelo STF,


colocando em pauta para a continuação da votação do RE. 635.659, STF, com o
objetivo maior de justiça social, e que deve ser substituída por uma política de
“Redução de danos”, defendida por especialistas em saúde pública como medida mais
útil e eficaz na proteção da saúde do usuário e como melhor política de saúde pública.

Ainda que se afastasse a questão ética inerente à argumentação colocada, o


problema da demonstração da eficácia da diretriz político-criminal é frágil e não se
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sustenta, diante das evidências não existem estudos suficientes para sustentar a atual
política de drogas que apresentem ser a repressão ao consumo de drogas, o instrumento
mais eficaz para o combate ao tráfico de drogas.

Referências

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Porte de drogas para uso próprio e o Supremo Tribunal
Federal. Rio de Janeiro: VivaRio, 2015.

COIMBRA, Cecília. O mito das classes perigosas. Rio de Janeiro: Intertexto, Oficina
do Autor, 2001.

FIGUEIREDO, Lívia Guilherme; SILVA, Luís Cláudio de Jesus; SILVA, Raíssa Pires
da. A Marcha da Maconha sob os parâmetros dos direitos e garantias
fundamentais. Disponível em:
file:///C:/Users/FGS/Downloads/MARCHA%20DA%20MACONHA%20OFICIAL%2
0PDF1.pdf. Acesso em: 16 mar 2016

HENMAN, Anthony; PESSOA JÚNIOR, Osvaldo. (ORG) Diamba, Sarabamba. São


Paulo: Ground, 1986.

MACONHA. A Revolução da Maconha. São Paulo: Abril, 2014.

MARCHA da maconha. Disponível em:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_da_Maconha. Acesso em: 04 abr 2018.

RAMOS, Ubirajara. Tá todo mundo enganado. Olinda/PE: Babecco Editora, 2014.

SPERLING, Ehud C. O grande livro da Cannabis. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

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