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UNIVERSIDADE DE SOROCABA

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO E ASSUNTOS ESTUDANTIS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Thales Ronaldo Araujo de Souza

VIAS LEGAIS PARA OBTENÇÃO DE REMÉDIOS À BASE DE


CANNABIS NO BRASIL E AS PRINCIPAIS PROBLEMÁTICAS

Sorocaba/SP

2023
Thales Ronaldo Araujo de Souza

VIAS LEGAIS PARA OBTENÇÃO DE REMÉDIOS À BASE DE


CANNABIS NO BRASIL E AS PRINCIPAIS PROBLEMÁTICAS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como exigência parcial para
obtenção do Diploma de Graduação em
Direito, da Universidade de Sorocaba.

Orientadora: Profa.

Sorocaba/SP
2023
Thales Ronaldo Araujo de Souza

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado


como requisito parcial para obtenção do
Diploma de Graduação em Direito, da
Universidade de Sorocaba.

Aprovado em: ___/____/_______

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________

Profa.

Universidade de Sorocaba

Prof.(a) _______________________________________

Universidade de Sorocaba

Prof.(a) _______________________________________

Universidade de Sorocaba
Dedico este trabalho à minha falecida
mãe, Lezilda Araújo Moreno de Souza,
que no momento mais difícil de sua vida,
pôde, através do uso do óleo de CBD, ter
mais qualidade de vida para aproveitar
seus últimos momentos. Eu te amo, mãe.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à minha companheira, Amanda Lima de Brito, que há mais


de 12 anos divide a vida comigo, me apoia nos meus projetos e esteve comigo
dando suporte quando da partida da minha mãe

Agradeço, também, meu pai, Ronaldo e meus irmãos, Vitor e Bruno, que sempre me
apoiaram nas minhas decisões acadêmicas e profissionais.

Por fim, agradeço aos amigos que fiz durante a vida, em especial ao Igor Seco e ao
Marcelo Nhock, os quais fazem um excelente trabalho de divulgação de
conhecimento canábico na Rádio Hemp. Através deles, conheci o trabalho da Santa
Cannabis, que forneceu o óleo de CBD que minha mãe tomou durante seu
tratamento quimioterápico para tentar curar um câncer. Aproveito para mandar um
abraço especial para toda a Turma do Proerd.
“Doutor escute bem o que vou dizer
Planta de cura e faz entender
Se cai a semente e nasce no chão
Ela desconhece a legislação

E como é que pode essa questão


Na horta de casa eu que meto a mão
Nunca fui chamado comerciante
A filosofia é não compre, plante.”

Cidade Verde Sounds System


RESUMO

A presente pesquisa analisou as formas legais para obtenção de tratamento à base


de cannabis no Brasil e as principais problemáticas que surgem a partir desta
demanda. Também foi discutido, de forma secundária, a origem da cannabis, seus
usos terapêuticos, a história do proibicionismo brasileiro, a subjetividade legal para
distinção entre usuário e traficante e status jurídico atual da maconha medicinal no
ordenamento pátrio. A pesquisa foi realizada através de revisão bibliográfica de
doutrinas jurídicas, jurisprudências, legislações, artigos científicos e reportagens.
Através dessa abordagem, foi possível identificar, em cada uma das formas legais
para obtenção de remédios canábicos, dificuldades encontradas por pacientes e
agentes sociais, quais sejam algumas delas: alto custo para obtenção dos
medicamentos, morosidade do Judiciário e insegurança jurídica para aqueles que
impetram habeas corpus para receber a medicação gratuitamente via Sistema Único
de Saúde (SUS) ou pelo plano de saúde e também dificuldade para aprender a
cultivar e fabricar o próprio remédio, para os pacientes que decidem plantar a
maconha para extrair o óleo medicinal, após conseguirem salvo conduto do
judiciário.

Palavras-chave: Cannabis medicinal. SUS. Maconha. Lei 11.343/2006. Habeas


Corpus. Associações.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................1
2 CANNABIS SATIVA: DEFINIÇÃO, ORIGEM, COMPOSIÇÃO E USOS
TERAPÊUTICOS..........................................................................................................2
3 BREVE HISTÓRIA DA PROIBIÇÃO DA MACONHA NO BRASIL........................11
4 LEI 11.343/2006: CONFLITOS ENTRE NORMA E DIREITOS FUNDAMENTAIS,
ARTIGO 28 E 32 E O SUBJETIVISMO LEGAL DA DEFINIÇÃO ENTRE USUÁRIO
E TRAFICANTE..........................................................................................................19
5 REMÉDIO OU DROGA? A CLASSIFICAÇÃO DA ANVISA ACERCA DAS
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS PRESENTES NA CANNABIS SATIVA........................29
6 FORMAS E REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS À BASE DE
CANNABIS MEDICINAL NO BRASIL.......................................................................32
6.1 COMPRA DO REMÉDIO À BASE DE CANNABIS NO MERCADO
BRASILEIRO..........................................................................................................33
6.2 IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO À BASE DE CANNABIS ATRAVÉS DE
AUTORIZAÇÃO DA ANVISA.................................................................................37
6.3 PLEITEAR NO PODER JUDICIÁRIO A CONCESSÃO GRATUITA DO
REMÉDIO CANÁBICO PELO SUS OU PLANOS DE SAÚDE.............................40
6.4 IMPETRAR HABEAS CORPUS PARA CULTIVAR A MACONHA E
FABRICAR O PRÓPRIO REMÉDIO.....................................................................43
6.5 ADQUIRIR O ÓLEO FABRICADO POR ASSOCIAÇÕES..............................46
6.6 ACESSAR OS REMÉDIOS CANÁBICOS ATRAVÉS DOS SUS NOS ENTES
FEDERATIVOS QUE LEGISLARAM SOBRE O TEMA........................................49
6.6.1 Quanto aos requisitos para recebimento................................................49
6.6.2 Quanto à priorização de pacientes com algumas patologias em
detrimento de outras ou em função de sua condição financeira.....................51
6.6.3 Quanto à menção à possibilidade de fornecimento dos medicamentos
em parcerias com associações sem fins lucrativos.........................................51
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS...........................................................................................................59
1

1 INTRODUÇÃO

O uso da cannabis, no Brasil, seja para uso medicinal ou recreativo, ainda é


um tema polêmico e controverso. Em que pese os benefícios de seu uso médico já
serem largamente comprovados pela ciência, a população brasileira pouco sabe ou
discute sobre a potencialidade do seu uso.
Enquanto a legislação brasileira caminha a passos lentos para
regulamentação do uso medicinal e recreativo, outros países como Canadá, Estados
Unidos da América e Israel já contam com elaborado arcabouço jurídico para
fomentar a indústria canábica local. Estima-se que, no Brasil, cerca de seis milhões
de pessoas possam ser beneficiadas com o uso medicinal da maconha (VILELA,
2021).
Ante o exposto, surge a seguinte dúvida: quais são formas possíveis de se
obter esses medicamentos, atualmente, no Brasil? E quais as principais
problemáticas acerca do tema, sejam a nível individual ou estrutural (social)? É
objeto deste trabalho elencar as formas permitidas pela legislação atual para quem
procura tratar-se com medicamentos à base de cannabis medicinal e quais entraves
(sociais, jurídicos e políticos) surgem a partir dessa demanda. Este trabalho também
se propõe, subsidiariamente, a explicar sobre a origem da maconha, sua
composição e usos terapêuticos, bem como relata a origem do proibicionismo
brasileiro, o status jurídico da maconha medicinal e a subjetividade legal para
enquadramento nos crimes de tráfico ou uso de droga (art. 28 e 32 da Lei
11.343/2006, respectivamente).
O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo, analisando a legislação
nacional, bibliografia e documentos (notícias em jornais, revistas e livros
disponibilizados na internet), para realizar o debate médico- legal em torno das
opções para obtenção dos fármacos à base de cannabis.
2

CANNABIS SATIVA: DEFINIÇÃO, ORIGEM, COMPOSIÇÃO E USOS


TERAPÊUTICOS

Cannabis sativa é o nome científico da planta popularmente conhecida no


Brasil como “maconha”. Diversas são as teorias sobre sua origem: enquanto alguns
pesquisadores afirmam que a planta seria nativa da China (há mais ou menos 4.000
anos atrás), outros apontam a Índia como seu local de origem, tomando como base
textos escritos em 2.500 a.C. Há, ainda, aqueles que dizem que a maconha teria se
originado na região que atualmente corresponde ao Paquistão, Irã e Afeganistão
(GONÇALVES,,SCHLICHTING, 2014).

São atribuídos ao imperador chinês Shen Neng os primeiros registros acerca


do uso medicinal da maconha. O líder prescrevia a ingestão da planta em forma de
chá para tratar malária, gota e reumatismo, conforme expõe a Associação Brasileira
de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME). Explica, a associação, que a
popularidade da maconha como fármaco se expandiu pela Ásia, Oriente Médio e
pela costa oriental da África:

Seitas hindus, na Índia, usavam maconha para fins religiosos e alívio do


estresse. Médicos da antiguidade prescreviam maconha para tudo, desde o
alívio para dor de ouvido, até para as dores do parto. Estes médicos
também advertiam que o uso excessivo da maconha poderia provocar
impotência, cegueira e alucinações (“ver demônios”). (AMA+ME, 2022)

O Brasil, segundo Carlinini (2005), diz que, de certa maneira, o país está
intimamente ligado à cannabis sativa. Aponta ele que à época da invasão da nova
terra, as caravelas portuguesas continham velas e cordas produzidas a partir da
fibra do cânhamo, que é outro nome dado à planta. Porém, relata o pesquisador,
que quem teria introduzido a planta no país, teriam sido os negros escravizados
trazidos do continente africano, a partir de 1.549.

O autor brasileiro José Lucena escreveu sobre a vinda dos africanos


escravizados com as sementes de cânhamo e a penetração da planta na sociedade
colonial, que chegou inclusive aos indígenas:

“Provàvelmente, deve-se aos negros escravos a penetração da diamba no


Brasil; prova-o até certo ponto a sua denominação, fumo d’Angola (E. Dó-O
ria). O hábito foi, porém, francamente assimilado pelos nossos aborígenes
3

tanto que entre as denominações populares do cânhamo está a de fumo de


caboclo.” (Lucena, 1934)

Conforme exposto, o uso não farmacológico da planta, com o passar dos


anos, se disseminou também entre os indígenas que passaram a cultivar a
maconha. De acordo com Carlini (2005), o cânhamo era utilizado por camadas
socioeconômicas mais pobres e por isso não chamava a atenção da classe branca
dominante da época. A exceção fica por conta de Carlota Joaquina, esposa do Rei
Dom João VI, que, segundo o pesquisador, tinha o hábito de tomar chá da erva.

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID),


comenta sobre os costumes acerca do uso, efeitos da maconha e o primeiro registro
escrito à respeito da planta no país:

“Já era conhecida há pelo menos 5000 anos, sendo utilizada quer para fins
medicinais, quer para “produzir risos”. Talvez a primeira menção da
maconha em nossa língua tenha sido em um escrito de 1548, no qual está
dito no português daquela época: “e já ouvi a muitas mulheres que, quando
hião ver algum homem, para estar choquareiras e graciosas a tomavão””
(CEBRID, 2012)

Importante para a consecução deste trabalho é a análise dos compostos da


maconha e, posteriormente, seus usos terapêuticos, para melhor compreendermos a
planta e sua importância no tratamento de diversas doenças. Segundo a Secretaria
de Estado de Saúde do Governo do Mato Grosso do Sul:

“A maconha é uma planta que contém mais de 400 substâncias químicas,


das quais 60 se classificam na categoria dos canabinóides. O tetra-
hidrocarbinol (THC) é único canabinóide com propriedades psicotrópicas e
alucinógenas, capaz de causar dependência química nos usuários.
Acredita-se que os efeitos psicóticos e alucinógenos da Cannabis são
causados unicamente pela ação do delta-9-tetraidrocanabinol (Δ9-THC).”
(GOVERNO DO MATO GROSSO DO SUL, [s.d])

Além do canabinóide THC, temos outro bastante conhecido, o Canabidiol


(CBD). Ele é conhecido por não produzir os efeitos psicoativos típicos da planta,
segundo Cavalcanti, Filho, Ribeiro, na exposição de motivos da resolução do
Conselho Federal de Medicina nº 2.113/2014. De acordo com os autores é possível
observar diversas evidências favoráveis sobre o uso do CBD em ações
farmacológicas:

“…nos últimos 40 anos vêm sendo acumuladas evidências experimentais


que apontam o CBD como uma substância com um amplo espectro de
4

ações farmacológicas. Muitas dessas ações têm um potencial interesse


terapêutico em diversos quadros nosológicos, entre eles: a epilepsia, a
esquizofrenia, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer, isquemias,
diabetes, náuseas, câncer, como analgésico e imunossupressor, em
distúrbios de ansiedade, do sono e do movimento, (para revisão ver Zuardi,
2008; Izzo et al., 2009). As evidências de eficácia foram observadas em
diferentes níveis, do pré-clínico em animais aos ensaios clínicos em
pacientes, dependendo da cada doença estudada. Para as epilepsias
refratárias da criança e do adolescente, existem evidências em todos os
níveis, até os ensaios clínicos controlados e duplo-cegos, todavia, com
número restrito de pacientes.” (CAVALCANTI, FILHO, RIBEIRO, [s.d])

Atualmente, o uso médico da maconha é reconhecido por diversas


sociedades médicas e Ministérios da Saúde de diversos países, conforme aponta o
boletim 69 do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas) da
UNIFESP:

“Na realidade o uso médico da maconha e o reconhecimento que ela não


tem os efeitos tóxicos tão graves que lhe atribuem, são aceitos pelos
Ministérios da Saúde e sociedades médicocientificas de países como o
Canadá, Espanha, Itália, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Israel e
Holanda não havendo, portanto, razão para a omissão destas informações.”
(CEBRID, 2012)

Importante salientar que as substâncias químicas encontradas na maconha


só reagem com nosso corpo pois contamos com o sistema endocanabinóide (SE),
que modula inúmeros processos fisiológicos, tais como no sistema cardiovascular,
trato gastrointestinal, sistema reprodutor, ossos, músculos, etc. O sistema
endocanabinóide foi percebido a partir da descoberta dos fitocanabinoides CBD e
THC, pelo Professor Raphael Mechoulam e seu grupo de pesquisa em Israel (que
contou com a participação de pesquisadores de outras nações). (AMA+ME, 2020).

Graças a essa descoberta foi possível aprimorar os estudos que hoje


demonstram o papel do SE em diversos sistemas:

As pesquisas avançam e já se conhece muito sobre o papel do SE no


sistema cardiovascular, trato gastrointestinal, fígado, sistema imune,
músculos, ossos, sistema reprodutor e pele. No sistema cardiovascular, o
SE está diretamente envolvido na recuperação do infarto do miocárdio,
insuficiência cardíaca, complicações cardiovasculares diabéticas,
aterosclerose, choque circulatório. No tudo digestivo, especialmente nos
intestinos, motilidade, absorção, permeabilidade e controle do sistema
imune são regulados pelo SE. A sensação de fome se relaciona com a
ativação dos receptores CB1 no SNC. No fígado, o controle da gordura,
fibrogênese, apoptose (morte celular natural) e proliferação dos hepatócitos
dependem do SE. Na pele, a recuperação do revestimento epitelial,
produção de melanina, controle da atividade secretória, proliferação celular
e até o crescimento do cabelo são regulados pelo SE. Nos músculos, o
5

controle da divisão de mioblastos, células formadoras de micro túbulos,


constituintes das fibras musculares, também se relacionam com o SE. Nos
ossos, a manutenção da massa óssea através do controle dos osteoclastos
(células que destroem o tecido ósseo) e osteoblastos (células produtoras do
tecido ósseo) é regulado pelo receptores CB1 e CB2. No sistema
imunológico, a ação do SE é complexa e, ao mesmo tempo, muito
interessante. A secreção de citocinas (que atraem as células de defesa e
induzem a formação de novos vasos) e outras substâncias diretamente
relacionadas com processos inflamatórios são intermediadas pelos
receptores CB2 e CB2. (AMA+ME, 2020)

A maconha tem se mostrado um remédio poderoso no tratamento de diversas


doenças também pela sua características de provocar poucos efeitos colaterais e de
baixo risco. De acordo com Spezzia (2022), pode-se empregar o CBD com certa
segurança para o uso medicinal. Diz o autor que de acordo com a OMS, as reações
adversas geralmente advém da ingestão de fármacos convencionais
concomitantemente com o canabidiol. Complementa o pesquisador:

As possíveis reações adversas ocorridas pelo emprego da Cannabis


medicinal por si só, inexistindo concomitantemente a ingestão de
medicamentos pelos indivíduos comumente são leves [9]. Convém como
medida de precaução que anteriormente ao começo do tratamento
empregando Cannabis ocorra consulta médica para esclarecer acerca dos
medicamentos que podem estar sendo tomados por conta dos pacientes e
que podem interagir com a Cannabis [9]. (SPEZZIA, 2022)

Falar sobre o uso medicinal da maconha no Brasil ainda é um tabu. Como


visto anteriormente, carregamos centenas de anos de história de proibicionismo,
acarretando um entrave no debate. Fake news e preconceitos acabam atravessando
as discussões e atravancando a evolução do debate e da regulação do seu uso no
país, ainda que para fins medicinais cujos efeitos já são largamente comprovados,
conforme será exposto adiante.

Diversos especialistas no Brasil e no mundo se destacam na pesquisa das


substâncias derivadas da cannabis sativa e tiverem reconhecimento social e na
comunidade científica. No país, o Dr. Carlini com sua equipe foi responsável pelos
primeiros estudos publicados no mundo sobre o efeito positivo do canabidiol em
adultos com epilepsia e também descobriu que o uso da cannabis pode ser um
eficiente tratamento no combate aos efeitos colaterais (vômitos e náuseas)
causados pela quimioterapia para tratamento de câncer e também para aliviar dores
de origem miopáticas (UNIFESP, 2015)
6

Fora do país, destaca- se o trabalho do médico israelense Raphael


Mechoulam, que é químico e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém,que
desde a década de 60 realiza estudos com cannabis sativa (AZEVEDO, 2020).
Sobre trabalho do professor, elenca a autora:

Em 1963, o professor Mechoulam e seu grupo de pesquisa em Israel, com


colaboração de pesquisadores de outros países, descobriram o Canabidiol (CBD);
em 1964, descreveram a molécula psicoativa da Cannabis, o ∆-9-tetra-
hidrocanabinol (THC); em 2015, consolidaram pesquisas realizadas nos anos 90
sobre a existência do Sistema Endocanabinoide (SE), no corpo humano; e em 2017,
realizaram estudo experimental que consolidou o CBD como potente ansiolítico.

Algumas pesquisas se destacam no cenário mundial sobre tratamentos de


diversas patologias com cannabis medicinal. Para tratamento de ansiedade e
depressão:

Anxiety and depression are pathologies that affect human beings in many
aspects of life, including social life, productivity and health. Cannabidiol
(CBD) is a constituent non-psychotomimetic of Cannabis sativa with great
psychiatric potential, including uses as an antidepressant-like and anxiolytic-
like compound.20 (SCHIER, 2014)

No que tange ao uso da cannabis medicinal para tratamento da síndrome de


Tourette em adultos:

The authors retrospectively evaluated effectiveness and tolerability of


cannabis in 19 adults with Tourette syndrome. Tics scores decreased by
60%, and 18 of the 19 participants were at least “much improved.” Cannabis
was generally well tolerated, although most participants reported side
effects.22 (ABI-JAOUDE, 2017)

Para tratamento de abuso de substâncias e ansiedade, estudo da British


Journal of Pharmacology, de 2017:

Converging lines of evidence have established that acute CBD treatment is


anxiolytic in both animals and humans. A growing number of preclinical
studies also indicate that this drug reduces fear memory expression when
given acutely. Importantly, CBD produces an enduring reduction in learned
fear expression when given in conjunction with fear memory reconsolidation
or extinction by disrupting the former and facilitating the latter. This makes
CBD a potential candidate for testing as a pharmacological adjunct to
psychological therapies or behavioural interventions used in treating PTSD
and phobias. 21 (LEE, 2017)

Para crianças autistas, foi pesquisado benefícios do CBD como uso


complementar no tratamento, de acordo publicado na revista Neurology (revista da
Academia Americana de Neurologia):
7

Following the cannabis treatment, behavioral outbreaks were much


improved or very much improved (on the CGIC scale) in 61% of patients.
The anxiety and communication problems were much or very much
improved in 39% and 47% respectively. Disruptive behaviors, were improved
by 29% from 4.74±1.82 as recorded at baseline on the HSQ-ASD to
3.36±1.56 following the treatment.17 (ARAN, CASSUTO, LUBOTZKY, 2018)

Para tratamento de fibromialgia:

Thirty patients were identified, and 26 patients were included in the study.
There were 19 female patients (73%), and the mean age of the study group
was 37.8 ± 7.6 years. The mean dosage of MC was 26 ± 8.3 g per month,
and the mean duration of MC use was 10.4 ± 11.3 months. After
commencing MC treatment, all the patients reported a significant
improvement in every parameter on the questionnaire, and 13 patients
(50%) stopped taking any other medications for fibromyalgia. Eight patients
(30%) experienced very mild adverse effects. 18(HABIB et al, 2018)

No tratamento de indivíduos com Parkinson, temos o seguinte resultado


publicado na revista Neurodegeneration:

Numerous investigations have supported the observation that significant


modulation of the cannabinoid signaling system occurs in PD. This
conception has been reinforced by different electrophysiological, anatomical,
and pharmacological findings. Therefore, pharmacological modulation of this
system with compounds that selectively target different elements of
cannabinoid signaling may improve anomalies of motor behavior and provide
neuroprotection.19 (MORE e CHOI, 2015).

Por conta do proibicionismo, os estudos acerca da cannabis medicinal ainda


não são tão numerosos, apesar de crescentes e com evidências robustas acerca da
eficácia dos tratamentos. Por isso, para dar mais credibilidade ao tratamento, é
necessário trazer a este estudo o depoimento de alguns pacientes que relatam as
benesses do uso da maconha medicinal para tratamento de suas patologias.

Em Santa Catarina, existe desde 2009, a Associação Santa Cannabis:

A Santa Cannabis é uma associação de pacientes em tratamento com


derivados da Cannabis, mas também uma ONG de pesquisa e divulgação
sobre os benefícios da medicina canabinoide, que vem quebrando tabus e
melhorando a vida de milhares de famílias no Brasil e no mundo. (SANTA
CANNABIS, 2020)

A associação surgiu da luta de um neto para tratar a avó, portadora de


Parkinson, com cannabis medicinal. Dona Edna, uma senhora de 82 anos, antes do
tratamento com maconha medicinal, tinha dificuldades até para comer, hoje
consegue cozinhar e tricotar. De acordo com ela “A Cannabis foi um milagre pra
mim”. (SANTA CANNABIS, 2020)
8

Em seu site, a associação traz diversos depoimentos dos associados e


pacientes que relatam os benefícios que o tratamento proporciona. Diz Vera Lúcia
da Silva, 61 anos, paciente com fibromialgia e artrose: “Eu não conseguia mais
dormir, fazia a lida de casa, me dava muita dor. A partir do momento que comecei a
usar o canabidiol, comecei a dormir tranquila, não acordo mais à noite com dores,
minha ansiedade diminuiu bastante” (SANTA CANNABIS, 2020).

Em outro relato, Edna Aparecida Figueiredo, 82 anos, paciente com


Parkinson, diz: “Minha voz estava travada. Agora estou falando bem, no telefone
também, escrevendo, dormindo. Pintava tela e graças ao canabidiol etou
começando tudo de novo. Se não fossem essas gotinhas, não sei o que seria de
mim” (SANTA CANNABIS, 2020)

Miriam Mafra, mãe do Luis Gustavo, de 8 anos, paciente com Síndrome de


Tourette, conta no site da associação:

“Os remédios que ele tomava deixavam agressivo, violento, irritado. E com
o canabidiol, ele melhorou bastante nos tiques vocais. (...) E o que melhorou
mais mesmo é o humor, ele está muito mais humorado, não fica com fadiga,
com sono o dia todo.” (SANTA CANNABIS, 2020)

Sidarta Ribeiro, professor e pesquisador do Instituto do Cérebro da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fala sobre como países que antes
eram proibicionistas, hoje em dia voltaram atrás e formaram uma indústria baseada
na cannabis, ressaltando a importância das pesquisas científicas nesse processo:

Os países que inventaram a proibição, especialmente os Estados Unidos, já


desinventaram, transformaram isso numa indústria bilionária", lembrou. De
acordo com Sidarta Ribeiro, têm crescido o número de indicações e também
número de estudos mostrando para o que não funciona. "É pensamento
mágico tanto achar que a maconha é erva do diabo e não serve para nada
quanto achar que ela é uma panaceia que serve para tudo. O caminho do
meio é o correto. A gente precisa então mapear, ao longo dos próximos
anos, através de pesquisas, todas as indicações possíveis" (BRASIL, 2019)

Para Azevedo (2020), quando se trata do uso da cannabis medicinal, estamos


abordando uma questão de saúde pública que não deve ser criminalizada. Cada
obstáculo que é posto contra aqueles que precisam de remédio à base de
9

maconha, fere com gravidade o usufruto do direito constitucional à saúde desses


indivíduos. Complementa a autora:

Como país, estruturou-se o arcabouço do sistema penal sob legislações


extremamente punitivistas e proibicionistas, o que deu origem à uma política
antidrogas igualmente punitivista, proibicionista e ideológica. A ausência de
debates públicos e ampla divulgação de informações sobre os fatos
verídicos que cercam o uso da substância em questão criou entre a
população uma percepção da realidade baseada em uma cultura ideológica,
ao invés de uma cultura do conhecimento. Fake News também possuem o
efeito de fortes e poderosos psicotrópicos: distorcem a realidade e a
transformam em algo que, não necessariamente, é.

Apesar da ausência de debate público sobre o tema e o largo emprego de


fake news quando abordada a questão da cannabis medicinal, de acordo com
Carolina Riveira (2021), o emprego da cannabis sativa para uso medicinal engloba a
lista de temas que caminham para se tornarem ponto pacífico na sociedade
brasileira. Isto porque a autora mostra uma pesquisa realizada em 2021 que aponta
78% dos brasileiros responderam ser favoráveis ao uso da maconha para fins
medicinais e 77% afirmaram que fariam uso desse tipo de tratamento caso fosse
receitado por um médico.

Não é de se espantar a porcentagem de brasileiros que apoiam o uso


medicinal da erva, uma vez seus comprovados benefícios, o baixo risco de efeitos
colaterais, que geralmente se manifestam por conta da combinação do uso dos
canabinóides com outros remédios convencionais e a quantidade de doenças e
disfunções que podem ser tratadas com as substâncias encontradas na planta.

Criminalizar uma erva com alto potencial médico de tratar diversas doenças e
aliviar o sofrimento humano é uma mistura de ignorância (que advém da falta de
informação) com a má-fé dos que a demonizam sob a ótica de suas próprias
convicções morais individuais e de seus interesses (AZEVEDO, 2020).
10

2 BREVE HISTÓRIA DA PROIBIÇÃO DA MACONHA NO BRASIL

Atualmente, é de conhecimento público a proibição do uso recreativo da


cannabis no território nacional, mas nem sempre foi assim. Segundo Carlini (2005),
no século XVIII, antes da vinda da Coroa portuguesa à colônia, o cultivo da maconha
fez parte da preocupação da Coroa no sentido de fomentar a cultura do cânhamo

“aos 4 de agosto de 1785 o Vice-Rei (...) enviava a carta ao Capitão General


e Governador da Capitania de São Paulo (...) recomendando o plantio de
cânhamo por ser de interesse da Metrópole (...) remetia a porto de Santos
(...) ‘dezesseis sacas com 39 alqueires’ de sementes de maconha…”
(Fonseca, 1980).

Segundo Barros e Peres (2011), a origem da proibição da maconha no Brasil


está intimamente ligada às raízes históricas escravocratas do país. Relatam, os
pesquisadores, que após a fuga da metrópole para a colônia (com o intuito de fugir
das tropas napoleônicas) os cerca de 15 mil portugueses que desembarcaram no
país ficaram assustados com a ideia de viver numa cidade em que a população era
majoritariamente de pessoas escravizadas.

Para aplacar parte desse medo, foi importado da metrópole a figura do


intendente de polícia que além da incumbência de zelar pela segurança pessoal e
coletiva, tinha a responsabilidade de garantir a iluminação e abastecimento de água
da cidade (atividades essas que eram economicamente relacionadas à segurança) e
também a consecução das obras públicas. Enquanto supervisor de obras, o
intendente tinha o poder legal de transferir pessoas do pelourinho ou da cadeia para
as obras (BARROS E PERES, 2011).

Em 1809 foi criada a Guarda Real de Polícia, cujo objetivo era manter a
ordem pública e realizar o patrulhamento da cidade (BARROS E PERES, 2011). De
acordo com os autores, o caráter da guarda era de alta repressão e sua atuação
seguia o modus operandi de uma “polícia de costumes”, vejamos:
11

“À medida que seus truculentos membros passavam paulatinamente a


substituir os antigos capitães-do-mato, sua atuação relacionava-se à “polícia
de costumes”, ou seja, repressão de festas com cachaça, música afro-
brasileira e, evidentemente, maconha. Ataques a quilombos situados nos
morros eram uma das principais atividades repressivas. Consta que o
policial Miguel Nunes Vidigal, célebre pelo terror que espalhava entre os
“vadios e ociosos”, na maioria, escravos que iam aos “batuques”, prendeu
certa vez mais de 200 pessoas, dentre homens, mulheres e crianças, num
quilombo do Morro de Santa Teresa…” (BARROS E PERES, 2011)

Ante o exposto, para Barros e Peres (2011), as raízes da criminalização da


maconha estão ligadas à diáspora do povo preto da África. Para eles, a violência
nutrida contra o hábito dos negros de coonsumir a canabis é melhor copreendida se
levarmos em cconta que a escrravidão, no Brasil, foi tão cruel que, mesmo com sua
brutalidade, o Código Criminal de 1830 - que continha penas de galés, em que os
acusados tinham de caminhar de calcete no pé e correntes de ferro - foi tido como
um avanço por ter estabelecido um limite de 50 chicotadas ao escravizado que
cometesse um pequeno delito, já que antes eram entre 200 e 400 chicotadas:

“Art. 60 Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena que não seja a capital ou
de galés, será condemnado na de açoutes, e, depois de os soffrer, será
entregue a seu senhor, que se obrigará trazêl-o com um ferro pelo tempo e
maneira que o juiz o designar. O número de açoutes será fixado na
sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de concoenta.” (DO
IMPÉRIO, 1830)

Interessante constatação é que no mesmo ano em que o código criminal do


império entrou em vigor, o Brasil foi o primeiro país do mundo a promulgar uma lei
contra a cannabis sativa. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro passou a penalizar
o uso e conservação do “pito de pango”, nome dado à maconha, no §7º do
documento que regulava o comércio de gêneros e fármacos pelos boticários:

É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele


em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor
em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias
de cadeia. (HENMAN, GONZAGA, J, 1986).
12

De acordo com Barros e Peres (2011), compreender o papel do Brasil no


Sistema Capitalista Industrial a partir da segunda metade do século XIX é
fundamental para entender como a política de proibição da cannabis sativa foi se
moldando ao longo do tempo. As novas relações de produção e a busca de novos
mercados, implicaram em alterações sociais, uma vez que escravizados não podiam
consumir como se assalariados fossem.

À reboque das novas relações de produção, chegaram ao país os ideais e


valores positivistas que, segundo os autores supramencionados, dentre outros
fatores, desembocaram na Abolição da Escravatura e na Proclamação da República.
Para entender melhor sobre a modificação dos aspectos ideológicos que embasam
a elaboração de leis na passagem da estrutura monárquica para a republicana, os
autores citam Michel Foucault. Vejamos:

“Chamamos atenção aqui para os aspectos ideológicos que embasam a


elaboração de leis. Segundo Michel Foucault, com a passagem dos regimes
monárquicos para os republicanos, o centro das preocupações do poder
punitivo deixou de focalizar na figura do rei e voltou-se para a proteção do
“corpo social”. Buscando a assepsia da sociedade, modificavam-se as
respectivas formas de segregar os excluídos, pela adoção de novas
medidas de controle social. Princípios básicos da República, essas “receitas
terapêuticas” para a sociedade incluíam a eliminação dos doentes, o
controle dos contagiosos, a exclusão dos delinquentes (Foucault, 1979:37).”
(BARROS E PERES, 2011)

Ainda de acordo com Barros e Peres (2011), o pensamento de Cesare


Lombroso (1835-1909) teve suas bases nos valores positivistas, que por sua vez
influenciaram o Direito Penal, especialmente após a Abolição da Escravatura. Para
melhor compreendermos o pensamento de Lombroso, temos a exposição do seu
pensamento e influência até a atualidade por Fernandes (2018) :

“Cesare Lombroso, em 1875, divulgou a teoria do criminoso nato, que dizia


que a partir de certas características morfológicas encontradas em
alguns indivíduos, sobretudo mestiços, atestaria sua predisposição à vida
criminosa. Com o avanço da genética, e acesso da população à educação,
tal tese foi considerada ultrapassada e descabida de qualquer lógica.
Apesar das ideias de Lombroso serem consideradas ultrapassadas, a
sociedade brasileira continua presa em ideias preconceituosas.
Quando determinado indivíduo "foge" desse padrão imposto por ela,
13

ele não é contratado para empregos, sofre abordagens indevidas de


policiais, é acusado injustamente de algum crime e sofre enorme
repressão social, algo não muito diferente do que era comum nos anos
de 1870.” (FERNANDES, 2018)

A teoria etnocentrista de Lombroso caiu como uma luva na sociedade


brasileira após a metade do século XIX, especialmente depois da Proclamação da
República até o começo da “Era Vargas” (1930), uma vez que a criminologia era
sustentada pelo seu caráter etiológico para o crime, ou seja, as razões que
explicavam o crime eram de ordem biológicas, atávicas e inclusive climáticas.
Conforme explica Barros e Peres (2011), apesar das teorias positivistas serem
inconsistentes, elas tiveram grande influência entre médicos, juristas e
criminologistas brasileiros e europeus. Sob o pretexto de explicarem o motivo de
pessoas transgredirem a ordem social, a teoria lombrosiana propagou um
pensamento racista e sensacionalista que encontrava respaldo nas elites
dominantes, que temiam uma insurgência das classes dominadas. A respeito deste
medo da classe dominante de possíveis rebeliões nas senzalas e como isso
contribuiu para o fim da escravidão, relatam os autores:

“Apesar da pressão inglesa, também contribuiu para o fim da escravidão a


ameaça da sociedade pela continuidade da vinda de escravos e pelas
rebeliões da senzala. O medo da africanização por parte das elites consistia
num risco para a segurança pública e afastava o Brasil das “rotas da
civilização”. O desequilíbrio entre a população brasileira livre e cativa era
enorme, já que, entre 1500 e 1822, enquanto vieram cerca de um milhão de
portugueses, vieram três milhões de africanos. Apesar da historiografia
oficial ter procurado camuflar a maioria de africanos como “povoadores
forçados” do território brasileiro, o fato é que os líderes e as elites percebiam
esse predomínio e alertavam para o risco das rebeliões escravas.”
(BARROS E PERES, 2011)

O temor ao negro, que era a maioria da população brasileira, aliado à


necessidade de mais trabalhadores na Agricultura, gerou uma política de imigração
de trabalhadores europeus por parte do Estado brasileiro. A consequência foi o
desembarque de 3,99 milhões de imigrantes do Velho Mundo, em um período de 30
(trinta) anos, mesmo número de africanos (4 milhões) que foram trazidos ao longo
de 300 anos (BENTO,2002).

Segundo Barros e Peres (2011), as transformações sociais do século XIX


exigiram que o novo sistema vestisse seu poder punitivo com novas vestes,
vejamos:
14

“Recordamos que a política criminal implantada pelo Estado até meados do


século XIX era de extermínio dos indígenas e escravidão para os negros.
Transformações de um país até então eminentemente rural, o processo de
‘embranquecimento’ e o início da industrialização trouxeram necessidades
diferentes ao novo sistema, que precisava mascarar a política punitiva e de
fortes raízes escravocratas com novas roupagens.” (BARROS E PERES,
2011)

De acordo com os autores supramencionados, a psiquiatria de Cesare


Lombroso, que chegou ao Brasil por volta do século XIX, criminaliza os negros, sua
cultura, religião e, obviamente, e o costume de fumar maconha, ao defender que
certas raças portavam caracteres naturais de transferessores. Após a Abolição da
Escravatura, tal teoria serviu de suporte para reprimir e controlar a liberdade, de
maneira que antigas pessoas escravizadas foram criminalizadas.

A escravidão foi abolida formalmente em 1888, a República proclamada em


1889 e a Carta Maior entrou em vigor dois anos depois. Um ano antes da
promulgação da Constituição, a República instaurou dois mecanismos de controle
dos povos negros: o Código Penal e a “Seção de entorpecentes Tóxicos e
Mistificação, a fim de combater cultos de matriz africana e à utilização da macaonha,
presente em rituais de Candomblé, que era considerado como “baixo espiritismo”
(BARROS E PERES, 2011).

Alguns anos depois, figura conhecida na história brasileira do proibicionismo


da maconha, o médico psiquiatra Rodrigues Dória (1857-1958) teve grande
influência para a criminalização da erva. O médico associava a planta a uma espécie
de vingança de negros considerados “selvagens” contra brancos considerados
“civilizados”. Vejamos um trecho de seu texto:

...é possível que um individuo já propenso ao crime, pelo efeito exercido


pela droga, privado de inibições e de controle normal, com o juízo
deformado, leve a prática seus projetos criminosos . (…) Entre nós a planta
é usada, como fumo ou em infusão, e entra na composição de certas
beberragens, empregadas pelos “feiticeiros”, em geral pretos africanos ou
velhos caboclos. Nos “candomblés” - festas religiosas dos africanos, ou dos
pretos crioulos, deles descendentes, e que lhes herdaram os costumes e a
fé – é empregada para produzir alucinações e excitar os movimentos nas
danças selvagens dessas reuniões barulhentas. Em Pernanmbuco a herva
é fumada nos “atimbós” - lugares onde se fazem os feitiços, e são
frequentados pelos que vão aí procurar a sorte e a feliciadade. Em Alagoas,
nos sambas e batuques, que são danças aprendidas dos pretos africanos,
usam a planta, e também entre os que “porfiam na colcheia”, o que entre o
povo rústico consistem em diálogo rimado e cantado em que cada réplica,
15

quase sempre em quadras, começa pela deixa ou pelas últimas palavras de


contendor (HENMAN, GONZAGA, J,, 1986).

Apontam Barros e Peres (2011), que o chefe da polícia política de Getúlio


Vargas, chamado Filinto Muller, já em 1940, invadia e depredava terreiros de
Umbanda que, como um ato de resistência cultural, não abriam mão do uso da
cannabis sativa, tentando preservar, à revelia do estado, a tradição e cultura do povo
negro que foi escravizado e trazidos às terras da américa. Porém, como a Umbanda
ainda estava se estruturando e desejava ser reconhecida como uma religião, não
sustentou sua posição e sucumbiu às forças policiais da época, subtraindo o uso da
maconha das suas práticas para obter esse reconhecimento. Assim, apontam os
autores, houve um embranquecimento forçado da Umbanda no país. Ao passo que
as religiões de matriz africana, bem como a capoeira e o samba eram
descriminalizados, a maconha seguiu caminho inverso e foi criminalizada pelo
Código Penal de 1940 em seu artigo 281:

“Art. 281. Plantar, importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer,


ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depósito,
guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a consumo, substância
entorpecente, sem autorização ou em desacôrdo com determinação legal ou
regulamentar: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa de dois a dez
mil cruzeiros.” (PENAL, 1940)

Em 1912, em Haia, foi realizada a primeira ação global com o intuito de


promover uma proibição coordenada à produção, consumo e distribuição de
algumas substâncias psicoativas, bem como suas matérias primas. Essa ação
tomou forma numa convenção, denominada Convenção Internacional sobre o Ópio.
Tal evento recomendava que os Estados membros consultassem a possibilidade de
criminalizar a posse de cocaína e seus derivados, ópio e morfina. Assim, inspirado
pela convenção, passou a vigorar, no Brasil, que punia o comércio de “substância de
qualidade entorpecente” (KARAM, 2009).

Conta Carlini (2005), que foi na década de 1930 que a repressão ao uso do
cânhamo se intensificou no Brasil. O pesquisador atribui como possibilidade a isso,
pelo menos em parte, à postura do delegado brasileiro conhecido como Dr.
Pernambuco, na II Conferência Internacional do Ópio, realizada em Genebra, em
1925, através da antiga Liga das Nações. Os delegados dos mais de 40 países
presentes não esperavam discutir a questão da maconha, porém o representante do
16

Brasil, atuando em conjunto com o delegado do Egito, esforçou-se para incluir a


cannabis sativa na discussão.

Aponta Barros e Prestes (2011) que a participação do Dr. Pernambuco teve


grande influência no sentido de internacionalizar a criminalização da maconha,
vejamos:

“Na II Conferência Internacional do Ópio, em Genebra, 1925, vale destacar


a afirmação de Dr. Pernambuco, para delegações de 45 outros países: “a
maconha é mais perigosa que o ópio”. Cabe destacar que, apesar da
cocaína e da morfina já haverem sido incluídas desde a anterior, ambas as
convenções tinham como objetivo o combate ao ópio. Considerando que
esta erva não constava da recomendação de 1912, esse médico,
indiscutivelmente, influenciou a criminalização da maconha em todo o
mundo. Em outras palavras, foi baseada nas ideias racistas e escravocratas
presentes no discurso de um psiquiatra brasileiro, que a criminalização da
maconha viria a ser internacionacionalizada.” (BARROS E PERES,, 2011)

Durante a ditadura civil militar empresarial, em 1968, o usuário foi equiparado


com o traficante, atribuindo a ambos penas iguais, através do Decreto-Lei 385 e a
alteração do artigo 281 do Código Penal. Em 1971 foi editada a lei 5726, que além
de manter a equiparação, aprofundou a repressão com medidas que permitiam o
oferecimento da denúncia mesmo ainda que não fosse encontrada qualquer
substância, isto é, sempre que seja verificada a existência de prova material
(BARROS E PERES, 2011).

Por fim, os pesquisadores supracitados mencionam que em 1976, passou a


vigorar a lei 6.368/1976, a qual fazia distinção entre traficante e usuários, tipificados,
respectivamente, nos artigos 12 e 16. Tal lei vigorou em parte até 2002, quando o
presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a legislação 10.409/2002 a qual
sofreu diversos vetos e teve seu sentido original alterado. O sucessor da
presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a lei 11.343/2006, a qual findou
com a pena de prisão aos usuários de substâncias ilegais e para cultivadores de
pequenas quantidades de cannabis sativa para consumo próprio:

“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer


consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes
penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;


17

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,


semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena
quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física
ou psíquica.” (BRASIL, 2006)
18

3 EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DA CANNABIS PARA FINS


MEDICINAIS NO BRASIL

A importação de produtos à base de cannabis entrou na mira da ANVISA por


pressão de decisões judiciais, sendo o caso mais emblemático o de Anny Fischer,
cuja família importava remédios à base de CBD de forma clandestina para diminuir
suas convulsões que adivinha da síndrome CDKL5 que ela porta. Em uma das
importações, o medicamento ficou retido pela ANVISA, o que motivou a família
ajuizar a ação para liberação da importação do fármaco, o que foi deferido pelo
Judiciário. (SOARES, 2020)

Em 2015, dois atos normativos foram aprovados pela agência. O CBD foi
reclassificado, saindo da lista de substâncias proscritas e passando a integrar a lista
de substâncias sujeitas a controle (SOARES, 2020). Em maio do mesmo ano, é
publicada a primeira norma regulamentando a importação do CBD para casos
específicos, a RDC 17/2015, sendo necessário comprovar que todas os tratamentos
disponíveis para tratamento da patologia foram realizados, porém sem sucesso.
Esta norma estabeleceu critérios e procedimentos para importação de produtos à
base de maconha por pessoa física, mediante: prescrição médica, preenchimento de
formulário de solicitação de importação, termo de responsabilidade e laudo médico
(ANVISA, 2015).

Em 2016, o THC foi retirado da lista de substâncias proscritas (COSTA,


2022). Atualmente, ele integra a lista F2, que classifica as substâncias psicotrópicas
(BRASIL, 1998). No mesmo ano, ocorreram outras duas alterações: a maconha para
uso terapêutico foi incluída na lista de substâncias e controle da Portaria 344/1988
do Ministério Público. Tal mudança possibilitou o registro de fármacos à base de
substâncias presentes na planta; foi publicada uma lista dos produtos à base de
CBD cuja autorização para importação foi simplificada (COSTA, 2022).

Já em 2017, o primeiro medicamento derivado da diamba foi registrado no


país, o Metavyl (SOARES, 2022). No mesmo ano é publicada a RDC 156/2017,
inserindo a maconha na lista das Denominações Comuns Brasileiras (DCB), que
“denomina fármacos ou princípios farmacologicamente ativos aprovados pela
Anvisa.” (COSTA, 2022).
19

Após dois anos, foi editada a RDC 327/2019, que, nos termos da própria
agência

Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária


para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a
comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a
fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras
providências (ANVISA, 2019)

Tal norma, também veio no sentido de flexibilizar a comercialização de


produtos canábicos de modo provisório. Sobre isso, Soares (2022)

A flexibilização das regras para registro de tais medicamentos indica, por


um lado, a aceitação, pela Anvisa, de que há riscos inerentes à sua
comercialização, riscos estes que devem ser assumidos por médicos e
pacientes ao assinarem os termos de responsabilidade e, por outro, o intuito
de dirimir a ignorância sobre sua qualidade no curto prazo, ao possibilitar
que a agência ateste a existência de requisitos de controle de qualidade na
produção.
20
21

4 FORMAS E REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS À BASE


DE CANNABIS MEDICINAL NO BRASIL

Para quem desejar ter acesso à medicação à base de cannabis, no Brasil,


atualmente, existem algumas opções, são elas:

1. Comprar remédios à base de cannabis no Brasil, em farmácias que tenham


os produtos que geralmente têm um valor de mercado alto;
2. Importar o fármaco à base de cannabis sativa por conta própria, bancando
todos os custos. Em mais de 40 países os medicamentos à base de
maconha são uma realidade da medicina local (COLLUCCI & FRANÇA,
2019). Todavia, conforme aponta Azevedo (2020), é necessário paciência
devido ao excesso de burocracia para importação, no que tange à ANVISA,
além dos produtos, nessa modalidade, apresentarem alto custo e um tempo
maior de espera.
3. Fazer a importação da medicação canábica acessando o judiciário e
pleiteando a importação dos remédios. É possível solicitar a importação de
medicamentos canábicos desta maneira mesmo que eles não tenham
registro na ANVISA por se tratarem de medicamentos internacionais, desde
que tenham eficácia comprovada no país de origem. Para obter os fármacos
nesta modalidade, é preciso anexar ao pedido uma prescrição médica, um
termo de responsabilidade e um relatório médico.
4. Impetrar Habeas Corpus preventivo no sistema judiciário, pleiteando o direito
de preparar o remédio, desde o plantio até a extração do óleo de CBD e/ou
THC da cannabis sativa (geralmente em forma de óleo). Essa prática é
bastante utilizada por muitos pacientes e familiares que buscam o tratamento
para suas enfermidades, mas não desejam ser enquadrados como usuários
ou traficantes pela lei 11.343/2006.
5. Obter a através de associações que produzem o óleo do CBD. Essas
associações dispõem de autorizações judiciais para plantio e fabricação dos
medicamentos. Com a garantia de Habeas Corpus preventivo, as
associações distribuem as medicações (geralmente em forma de óleo) para
os pacientes. Porém, nem todos os pacientes conseguem atendimento na
demanda em que necessitam, uma vez que existe uma alta procura pelos
22

remédios e a limitação na produção também prejudica que todos sejam


contemplados na velocidade necessária;

6. Acessar remédios, através do SUS, nos entes federativos que legislaram


sobre o tema. Atualmente, no país, mais de dez municípios têm leis tratando
sobre o fornecimento de fármacos à base de maconha através do Sistema
Único de Saúde (BRITO, 2023).

4.1 COMPRA DO REMÉDIO À BASE DE CANNABIS NO MERCADO


BRASILEIRO

O primeiro medicamento à base de cannabis que teve seu registro autorizado


pela ANVISA para ser comercializado em farmácias no país foi o Mevatyl. Segundo
a agência:

O novo medicamento Mevatyl®, registrado em outros países com o nome


comercial Sativex®, é indicado para o tratamento sintomático da
espasticidade moderada a grave relacionada à esclerose múltipla, sendo
destinado a pacientes adultos não responsivos a outros medicamentos
antiespásticos e que demonstram melhoria clinicamente significativa dos
sintomas relacionados à espasticidade durante um período inicial de
tratamento com o Mevatyl®. O medicamento é destinado ao uso em adição
à medicação antiespástica atual do paciente e está aprovado em outros 28
países, incluindo Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Dinamarca, Suécia,
Suíça e Israel. (ANVISA, 2017)

O remédio, que é indicado para tratamento de esclerose múltipla, pode ser


encontrado para uso por via oral, na forma de spray. Sobre o fármaco, esclarece a
ANVISA:

Conforme dados de estudos clínicos realizados com Mevatyl® a ocorrência


de dependência com o seu uso é improvável. Mevatyl® será comercializado
com tarja preta em sua rotulagem e a sua dispensação ficará sujeita a
prescrição médica por meio de notificação de receita A prevista na Portaria
SVS/MS nº 344/1998 e de Termo de Consentimento Informado ao Paciente.
(ANVISA, 2017)

Uma rápida busca na internet nos traz o preço final do medicamento. No site
da farmácia Vip Farma, o preço do Metavyl é de R $3.787,44. (Vip Farma, 2023)

Para quem deseja comprar qualquer remédio à base de cannabis no Brasil, é


importante estar atento aos requisitos estabelecidos pelas normas.
23

Desde 2015, existe normativa da ANVISA regulamentando a importação de


produtos à base de canabidiol, podendo estar em associação com outros
canabinóides, inclusive o THC, através da Resolução da Diretoria Colegiada nº
17/2015. Porém, a importação era em caráter excepcional, mediante: laudo médico,
termo de responsabilidade, prescrição médica e formulário de solicitação. (COSTA,
2022).

Após 4 anos, houve atualização do diploma supracitado. Sobreveio a


Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 327/2019 da ANVISA, regulamentando a
prescrição médica de produtos à base da cannabis para fins medicinais

Dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária


para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a
comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a
fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras
providências. (ANVISA, 2019)

Entre os artigos 48 e 52 da RDC nº 327/2019 da Anvisa, estão legislados os


procedimentos relativos à prescrição dos produtos à base de cannabis em território
nacional. Para quem deseja adquirir um fármaco canábico no país, saiba que a
referida norma recomenda que os produtos de cannabis podem ser prescritos
quando estiverem esgotadas outras opções terapêuticas disponíveis no país (art.
5º). Sobre a restrição contida no artigo 5º, comenta Azevedo (2020):

Apesar de ser bastante restritivo em relação a prescrição de medicamentos


contendo Cannabis, o artigo 5º aos poucos vem perdendo força na prática.
Esperar que um paciente teste todas as opções terapêuticas antes de
ingressar em um tratamento que tem chances reais de trazer resultados
positivos é pouco coerente.

No que diz respeito aos médicos, a prescrição é restrita aos profissionais


legalmente habilitados pelo Conselho Federal de Medicina (art. 13). Os produtos
podem ser prescritos quando o médico prescritor for o médico assistente
diretamente responsável pelo paciente (art. 48, §2º). A normativa define médico
assistente como “profissional médico que tem compromisso com o paciente, sua
atuação visa restabelecer a saúde, o bem estar ou prevenir a doença” (inc. VII, art.
3º). (ANVISA, 2019)

Em que pese o alto custo do medicamento Metavyl e de outros à base de


cannabis no país, o preço de medicamentos à base de cannabis estão caindo
progressivamente (BOTTALLO, 2023).
24

O custo médio mensal para o tratamento à base de canabidiol caiu 25% em


um ano, aponta estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em
conjunto com a Cannect (maior rede de Cannabis medicinal da América Latina). De
acordo com a pesquisa, o valor médio gasto por pacientes que usaram remédios à
base de canabidiol para tratamento de dor crônica restou em R$ 156 ao mês (um
frasco de CBD, em média, pode ser usado por até três meses), enquanto o preço do
tratamento à base de opióides para indivíduos com a mesma condição ficou em R$
270 ao mês, demonstrando um custo cerca de 42% menor que as drogas
convencionais (BOTTALLO, 2023).

Devemos observar o estudo acima com ânimo, porém com cautela, pois ele
aborda apenas usuários de uma doença específica (dor crônica) não contemplando
todas as patologias que podem ser tratadas com a cannabis medicinal - conforme já
explorado neste trabalhos, são inúmeras. Vimos acima que o medicamento Metavyl
pode chegar perto dos R$ 4.000 reais, e numa pesquisa rápida na internet
encontramos medicamentos à base de cannabis por R$ 834,90 (DROGASIL, 2023).

Num país onde 70% dos trabalhadores ganham até dois salários mínimos e
78,3% das famílias estão endividadas, gastar R$ 156 reais ao mês com remédios,
está totalmente fora de cogitação. (ABDALA, 2023) (ALBUQUERQUE, 2022)

Com uma busca rápida no site de consulta da anvisa, qual seja -


https://consultas.anvisa.gov.br/#/cannabis/q/?situacaoRegistro=V - é possível
encontrar 27 remédios à base de cannabis medicinal com autorização para
comercialização no mercado brasileiro. Em sua grande maioria, são remédios com
maior concentração de CBD, do que THC. Sobre isso, o diretor-executivo da
Cannect avalia:

No Brasil, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] determina a


prescrição mediante uma avaliação médica, e a entrada de produtos com
teor mais alto de THC é muito controlada, o que exige ainda mais
responsabilidade no processo de educação e capacitação dos médicos para
entender que, em alguns casos, ele [o THC] também é recomendado"
(BOTALLO, 2023)

Tal afirmação de que produtos com maior teor de THC são mais controlados
encontram respaldo na legislação:

Art. 4° Os produtos de Cannabis contendo como ativos exclusivamente


derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa, devem possuir
25

predominantemente, canabidiol (CBD) e não mais que 0,2% de


tetrahidrocanabinol (THC).
Parágrafo único. Os produtos de Cannabis poderão conter teor de THC
acima de 0,2%, desde que sejam destinados a cuidados paliativos
exclusivamente para pacientes sem outras alternativas terapêuticas e em
situações clínicas irreversíveis ou terminais (ANVISA, 2019)

Para a RDC 327/2019, é considerado cuidado paliativo “a assistência ativa e


integral a pacientes cuja doença não mais responde ao tratamento curativo, visando
em especial a garantia da melhor qualidade de vida, tanto para o paciente como
para seus familiares”. (ANVISA, 2019)

O tratamento dado pela normativa para a embalagem de produtos com


concentração de THC acima de 0,2% também é diferenciado daqueles cuja
concentração é menor que 0,2%:

§ 1° No interior da faixa preta dos produtos de Cannabis contendo até 0,2%


de THC devem ser incluídas apenas as frases, em caixa alta, "VENDA SOB
PRESCRIÇÃO MÉDICA" e "SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO
DE RECEITA".
§ 2° No interior da faixa preta dos produtos de Cannabis contendo acima de
0,2% de THC devem ser incluídas apenas as frases, em caixa alta, "VENDA
SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA" e o "ATENÇÃO: USO DESSE PRODUTO
PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA". (ANVISA, 2019)

No que toca à prescrição do medicamento à base de maconha, a norma traz


distinção entre medicamentos que tenham concentração de THC maior que 0,2%:

Art. 51. A prescrição do produto de Cannabis com THC até 0,2% deve ser
acompanhada da Notificação de Receita "B", nos termos da Portaria
SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998 e suas atualizações.
Art. 52. A prescrição do produto de Cannabis com THC acima de 0,2% deve
ser acompanhada da Notificação de Receita "A", nos termos da Portaria
SVS/MS nº 344, de 1998 e suas atualizações.
26

4.2 IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO À BASE DE CANNABIS ATRAVÉS DE


AUTORIZAÇÃO DA ANVISA

Seguindo, é possível adquirir remédios à base de cannabis importados com


padrão de qualidade internacional para realização de tratamento de diversas
doenças, processo que foi regulamentado pela Resolução da Diretoria Colegiada da
ANVISA (RDC Nº 335, de 24 de janeiro de 2020).

A RDC 335/2020 foi responsável por simplificar o procedimento para importar


os remédios à base de cannabis sativa, que poderiam durar até 70 dias para receber
autorização de importação (AZEVEDO, 2020).

Para Costa (2022), a virtude da nova resolução foi liberar a importação de


produtos derivados da cannabis por pessoa física, sem ressalva para casos
específicos, liberando a prescrição médica para qualquer doença.

A RDC 335/2020, explica em seu bojo a sua finalidade: "Define os critérios e


os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa
física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado,
para tratamento de saúde.” (ANVISA, 2020).

A norma específica, na seção III, as regras gerais de importação

Art. 3º Fica permitida a importação, por pessoa física, para uso próprio,
mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento
de saúde, de Produto derivado de Cannabis. § 1º A importação de que trata
o caput deste artigo também pode ser realizada pelo responsável legal do
paciente ou por seu procurador legalmente constituído. § 2º A importação
do produto poderá ainda ser intermediada por entidade hospitalar, unidade
governamental ligada à área da saúde, operadora de plano de saúde para o
atendimento exclusivo e direcionado ao paciente previamente cadastrado na
Anvisa, de acordo com esta Resolução. (ANVISA, 2020)

A forma como o paciente pode dar entrada para o procedimento de


importação de remédio canábicos está explícita no artigo 5º

Art. 5º Para importação e uso de Produto derivado de Cannabis os


pacientes devem se cadastrar junto à Anvisa, por meio do formulário
eletrônico para a importação e uso de Produto derivado de Cannabis,
disponível no Portal de Serviços do Governo Federal. § 1º O cadastramento
deve ser feito em nome do paciente ou de seu responsável legal. 42 § 2º A
aprovação do cadastro dependerá da avaliação da Anvisa e será
comunicada ao paciente ou responsável legal por meio de Autorização
emitida pela Agência. (ANVISA, 2020)
27

No que diz respeito à necessidade da prescrição do produto por profissional


habilitado, normatiza o artigo 6º

Art. 6º Para o cadastramento é necessário apresentar a prescrição do


produto por profissional legalmente habilitado contendo obrigatoriamente o
nome do paciente e do produto, posologia, data, assinatura e número do
registro do profissional prescritor em seu conselho de classe. (ANVISA,
2020)

Azevedo (2020), nos traz que atualmente são necessários somente dois
documentos para efetuar o cadastro do paciente que deseja importar um
medicamento à base de cannabis sativa no país: “formulário para importação e uso
de produto à base de canabidiol e laudo de profissional legalmente habilitado
contendo a descrição do caso”. Sem precisar de justificativa para a utilização de
produto não registrado no Brasil em comparação com as alternativas terapêuticas já
existentes registradas pela Anvisa, bem como os tratamentos anteriores.

Um ano após a RDC 335/2020, é publicada a RDC 570/2021 com o intuito de


atualizar o diploma anterior. Esta, define que a aprovação do cadastro da pessoa
que está pleiteando a importação do medicamento, caso preenchido corretamente o
formulário pelo demandante, pode ser aprovado de forma automática. (COSTA,
2022). Sobre o impacto de tal medida, relata o pesquisador

Segundo a Anvisa, essa agilidade no processo resultou na diminuição do


tempo de espera para a análise dos pedidos de importação. Anteriormente a
esta resolução, o tempo de espera chegava a 35 dias, hoje esse tempo se
reduziu a 5 dias, aproximadamente. Otimizando e acelerando o acesso dos
pacientes aos produtos.

Em que pese todas alterações abordadas, a principal crítica por parte dos
pacientes de cannabis sativa é o alto valor dos processos de importação, o que
acaba sendo um impeditivo para o tratamento para muitas pessoas que precisam
das medicações. Sobre o assunto, Costa (2022)

Os custos de importação, mais o preço do produto, ultrapassam o valor de


um salário mínimo, por frasco, tornando-se inacessível a uma grande
parcela dos pacientes que necessitam do tratamento. No que tange aos
medicamentos à base de cannabis dispostos nas farmácias brasileiras,
atualmente, são 11 produtos aprovados pela Anvisa para a comercialização,
e apenas 1 é fabricado no Brasil. Contudo, os valores continuam sendo
muito inacessíveis. O mais barato deles custa, com preço promocional, R$
249,91. Porém, segundo o médico prescritor de uma das associações que
pude ter contato, sua formulação é pouco eficaz em comparação aos mais
caros (esses custam em média R$ 700,00)19, pois há baixa concentração
de canabinóides. Esse argumento também é presente entre a maioria dos
médicos que estavam presentes nos eventos sobre cannabis medicinal que
participei.
28

O crescimento dos pedidos e liberações de importação é visto de forma


exponencial no país. Segundo Dantas, 2022

De 2015 a 2021, o Brasil recebeu mais de 70,4 mil pedidos no total. Há 5


anos, em 2017, a Anvisa havia concedido a importação para produtos à
base de cannabis para 2.101 formulários preenchidos. Em 2021, o número é
15 vezes maior: foram 32.416 liberações feitas pela Agência .

Ante a crescente demanda por remédios à base de maconha medicinal e o


alto custo destes medicamentos no país, urge a necessidade de políticas públicas
no sentido de baratear o acesso a esses medicamentos, seja por meio do fomento
da indústria nacional, ou incentivos fiscais para importação, ou acesso através do
SUS, uma vez que, constitucionalmente, é dever do Estado a promoção da saúde

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988)
29

4.3 PLEITEAR NO PODER JUDICIÁRIO A CONCESSÃO GRATUITA DO


REMÉDIO CANÁBICO PELO SUS OU PLANOS DE SAÚDE

Frente o já mencionado alto custo dos remédios à base de cannabis medicinal


em relação à renda média da classe trabalhadora brasileira, juntamente com a
política de drogas proibicionista adotada pelo Estado brasileiro e a sua ineficiência
em atender as demandas da população no que toca em diversos direitos, em
especial, no caso em tela, o direito à saúde (art. 196 da Carta Maior Magna), a
judicialização para efetivar este direito se tornou uma realidade no país. Logo,
pacientes que necessitam de cannabis medicinal, que não têm condições de arcar
com os custos dos remédios, buscam no judiciário a concretização do seu direito.

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em 1990 pela lei 8.080/1990. De
acordo com a legislação, o sistema se constitui da seguinte maneira

Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e


instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração
direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o
Sistema Único de Saúde (SUS).

§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas


federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e
produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e
hemoderivados, e de equipamentos para saúde. (BRASIL, 1990)

São objetivos do SUS

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes


da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos


econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção,


proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações
assistenciais e das atividades preventivas. (BRASIL, 1990)

A criação do SUS representou uma grande evolução para concretização do


acesso imediato ao direito à saúde, porém se mostra deficitário e limitado. Assim, o
judiciário é acionado na tentativa de sanar falhas e omissões pelo cidadão que
procura a efetivação de seu direito.
30

Segundo Livramento e Saleh (2010), os tribunais mantém posição pacífica


sobre o dever do Estado no fornecimento de tratamentos e medicamentos para
concretizar o direito à vida, saúde e dignidade da pessoa humana.

Uma das vias judiciais mais procuradas para atender este tipo de demanda, é
o mandado de segurança. Acerca deste remédio constitucional previsto no artigo 5º,
LXIX da Lei Maior, explica Moraes (2003)

O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles


se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder,
constituindo - se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade
política. Desta forma, importante ressaltar que o mandado de segurança
caberá contra os atos discricionários e os atos vinculados, pois nos
primeiros, apesar de não se poder examinar o mérito do ato, deve-se
verificar se ocorreram os pressupostos autorizadores de sua edição e,
nos últimos, as hipóteses vinculadoras da expedição do ato.

Sobre quem figura no polo passivo da demanda, entende-se que tanto à


União, os Estados e os Municípios são legítimos para ocupar a posição de
demandados

Não poderá qualquer ente da federação eximir-se da responsabilidade


de assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso
à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou
abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves,
alegando ser responsabilidade de outro ente federado, ou ainda, de que
este atendimento está vinculado a previsão orçamentária, pois o SUS
é composto pela União, Estados -membros e Municípios. (MARTINS, 2008)

A hipossuficiência é a maior motivadora dos pleitos junto ao judiciário


nacional. Porém, esta não é condição única e imprescindível para buscar a
concretização do direito à saúde pela via judicial. O “direito líquido e certo” deve ser
provado nos autos, levando provas robustas ao magistrado para que se possa
convencê-lo da necessidade do deferimento da demanda do requerente.
(LIVRAMENTO E SALEH, 2010).
31

Para defender-se das demandas judiciais, o Estado criou a teoria da “reserva


do possível”, que “atrela a concretização de tais direitos à dotação orçamentária”.
Porém, o Judiciário não tem se curvado frente à esquiva do Estado, que se esconde
atrás da teoria da reserva do possível para que consiga se eximir da sua obrigação
constitucional em concretizar direitos sociais como a saúde, deferindo diversos
pleitos de demandas que buscam o fornecimento gratuito de medicamentos.
(LIVRAMENTO E SALEH, 2010).

Os pacientes também podem demandar os planos de saúde para que


forneçam o medicamento à base de cannabis sativa. De acordo com a Lei
14.454/2022, os planos de saúde devem fornecem tratamentos, medicamentos e
exames aos pacientes que preencherem os critérios estabelecidos pelo legislador,
ainda que não contemplados pelo rol de procedimentos e eventos em saúde
suplementar, conhecido popularmente como “rol da ANS”. Os critérios são

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em


evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de


Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação
de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que
tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus
nacionais.” (NR) (BRASIL, 2022)

Como é cediço, o Poder Judiciário Brasileiro é considerado lento. Fato que


corrobora com tal afirmação é a de que a lentidão da justiça é o maior motivo de
reclamação acerca da prestação jurisdicional

Entre os mais de 240 mil contatos recebidos pela Ouvidoria nos últimos 10
anos, as reclamações representam 71,2%, com 171 mil registros. E, entre
as queixas, a lentidão processual lidera desde o início do serviço. Quase
39% de todos os relatos já feitos tratam do tema. Foram, no mínimo, 93,3
mil casos em dez anos. (MONTEIRO, 2020)

Dantas (2022), aponta o levantamento da empresa Kaya Mind, criada para


analisar o mercado canábico. Segundo levantamento, entre 2015 e 2017, mais de
R$ 50 milhões de reais foram gastos pelos estados para fornecer medicamentos à
base de cannabis em 13 estados brasileiros. Figurando entre os três primeiros
estão: São Paulo (R$ 42 milhões), Santa Catarina (R$ 2,6 milhões) e Goiás (R$ 2,2
milhões).
32

Da matéria narrada, infere-se que as principais dificuldades de se obter


medicamentos à base de cannabis pela vida da judicialização para fornecimento
gratuito através do SUS ou seguradoras de planos de saúde, são a demora na
prestação jurisdicional (uma vez que nem sempre os juízes concedem as liminares
para fornecimento dos medicamentos) bem como o impacto orçamentário dos entes
federativos que se vêem na obrigação de apertar o orçamento para atender às
decisões de magistrados que, através dos poderes lhes conferidos por lei, impõem
aos entes públicos a efetivação de direitos, no caso deste trabalho, o direito à saúde
e à dignidade da pessoa humana.

4.4 IMPETRAR HABEAS CORPUS PARA CULTIVAR A MACONHA E


FABRICAR O PRÓPRIO REMÉDIO

Outra alternativa encontrada para quem deseja obter tratamento à base de


cannabis é cultivar a cannabis e extrair da planta o remédio. Sobre os benefícios
acerca desta alternativa, Azevedo (2020)

O custo mais baixo para o paciente (que não precisará arcar com um valor
exacerbado para compra na farmácia ou para importação de um fármaco
dolarizado) e, também a não solicitação ao Estado, que terá que arcar com
gasto para importação dolarizada, são argumentos de peso, levando em
conta as questões social e econômica envolvidas.

Porém, a pessoa que plantar a cannabis sativa pode ser enquadrado


penalmente como usuário ou traficante, nos termos dos artigos 28 e 32 da Lei de
Drogas. (BRASIL, 2006). Daí a necessidade de se “blindar” juridicamente para que o
Estado não seja uma barreira na vida do paciente que busca efetivar o seu direito à
saúde.

O habeas corpus é um remédio constitucional que será concedido sempre


que “alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;” (BRASIL, 1998). No
artigo 664, §4º do Código de Processo Penal, tem-se que “§ 4o “Se a ordem de
habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-
se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz.” (BRASIL, 1941)
33

Segundo alguns doutrinadores, o instrumento jurídico adequado não seria o


habeas corpus, mas sim o mandado de injunção. O mandado de injunção, previsto
no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição da República, estabelece que “conceder-
se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;” (BRASIL, 1988). Sobre o
assunto, aprofunda Dias (2020)

O remédio constitucional para sanar a omissão da Anvisa é o mandado de


injunção (CF, artigo 5º, inc. LXXI), haja vista que a falta de norma
regulamentadora torna inviável o exercício do direito constitucional à saúde.
(...) Conclui-se, dessa forma, que é o mandado de injunção — e não o
Habeas Corpus — o remédio constitucional adequado para garantir o direito
de o paciente obter o óleo da cannabis sativa para seu tratamento de saúde.
A conduta ilegal não é dos órgãos de segurança pública e sim do órgão de
vigilância sanitária.

Emílio Figueiredo, é advogado e “considerado a maior autoridade do país em


casos que envolvem a liberação do cultivo da erva para fins medicinais” (VEJA,
2019). Ele integra a Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas. Sobre a sua
atuação e o número crescente de habeas corpus para auto cultivo de maconha,
expõe

Estima-se que metade das 95 permissões para auto cultivo tenham passado
pelas mãos dos profissionais do grupo. Segundo Emilio Figueiredo,
advogado do Reforma, o número de habeas corpus concedidos vem
aumentando a cada ano. Foram três casos em 2016, mais nove em 2017 e
outros 16 no ano seguinte. No ano passado, a Justiça concedeu outros 25
habeas corpus e, até julho de 2020, mesmo com a pausa de tribunais na
pandemia, já foram novas 42 permissões.

Como exposto inicialmente, o habeas corpus é importante para se evitar que


pessoas que procuram efetivar seu tratamento através do cultivo da cannabis sativa
não sejam enquadrados penalmente pelo Estado. Trazemos, então, alguns
exemplos de pessoas que foram condenadas por tráfico (art. 32 da Lei de Drogas)
por estarem buscando efetivar o seu direito à saúde
34

A justiça federal do Pará, que perseguiu um indivíduo que importou 20


sementes com finalidade de semear, cultivar e colher inflorescências da
planta para produzir medicamento para sua esposa, paciente de câncer que
sofria dos efeitos colaterais da quimioterapia. Por sua vez, o juízo rejeitou a
denúncia de tráfico internacional de drogas e, na decisão, o magistrado
reconhece a “finalidade altruísta e humanitária que moveu o denunciado ao
adquirir as sementes no Reino Unido, qual seja, para o exclusivo fim
medicinal, em face à grave moléstia que foi sua esposa acometida”
(FIGUEIREDO, OTERO, 2016)

Sobre um segundo caso:

Um caso emblemático de cultivo medicinal erroneamente interpretado como


crime foi o de um gaúcho que, para enfrentar um tratamento pela cura de
um câncer, comprou um sítio no interior do Rio Grande do Sul para plantar
cannabis, outras plantas medicinais, verduras e legumes orgânicos. O sítio
foi invadido pela polícia de forma truculenta, sua plantação foi devastada e
quando processado, ele foi condenado por tráfico.(FIGUEIREDO, OTERO,
2016)

É importante salientar que o tratamento realizado à base de cannabis pode


ser mais efetivo do que com remédios convencionais, isto por conta da ocorrência
do Efeito Entourage. (YUAN, 2017). Este efeito, no que toca à maconha, age de
modo a juntar o CBD e o THC, bem como outras substâncias (flavonóides, terpenos,
etc) o que representa um produto final mais benéfico do que só com o uso de uma
das substâncias isoladamente. (PHARMACEUTICAL, 2020). Por isso, os remédios
industrializados podem não ser tão efetivos quanto o óleo artesanal para o
tratamento de diversas patologias (RUSSO, 2011). O que evidencia ainda mais a
atual importância da concessão de habeas corpus “autorizando” o cultivo da
maconha.

Embora o cultivo de cannabis e a produção do remédio por parte do paciente


seja mais barato em relação aos remédios convencionais e sua eficácia possa ser
maior, é preciso conhecimento e trabalho para tal. É o que salienta Azevedo (2020)

Plantar a Cannabis medicinal exige conhecimento sobre a planta, suas


propriedades, formas de extração do óleo, formas de conservação da planta
e do óleo, dosagem do óleo etc. Questões como ‘de que forma extrair o óleo
de forma segura e efetiva?”, “o que são terpenos?”, “o que é
descarboxilação?” etc podem ser relevantes caso seja necessário cultivar a
planta. Por isso, algumas Associações que plantam e fornecem óleos aos
pacientes, realizam cursos para extração do óleo em casa. É o caso da
Santa Cannabis, que promove cursos de cultivo e extração.
35

Ante o exposto, fica evidenciado que, no cenário atual, a concessão de


habeas corpus para quem deseja plantar a diamba e extrair dela seu remédio é
extremamente importante para que o paciente não possa vir a ter sua liberdade de
locomoção cerceada pelo Estado por ser enquadrado como traficante nos termos do
artigo 32 da Lei de Drogas.

Evidente, também, que a falta de regulamentação do cultivo da cannabis e da


produção do medicamento pelo paciente com fim medicinal, diminui o acesso às
terapias com maconha medicinal.(FIGUEIREDO, OTERO, 2016)

4.5 ADQUIRIR O ÓLEO FABRICADO POR ASSOCIAÇÕES

A Associação Brasileira de Cannabis Esperança (ABRACE), em 2017, foi a


primeira a ter uma decisão favorável da justiça para cultivar e fornecer,
coletivamente, o óleo da diamba no país (FIGUEIREDO, 2019). Juntou-se a ela, em
2020, a Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal
(APEPI), que também recebeu autorização para “plantar cannabis, realizar
pesquisas e fornecer medicamentos para os pacientes associados” (MACHADO,
2020).

Atualmente, diversas associações aguardam decisões da justiça para


obterem a mesma “autorização”. A respeito do tema, Azevedo (2020) aponta

Diversas associações espalhadas pelo Brasil já ingressaram com ações


para receber o salvo-conduto para plantar e fornecer medicamentos aos
pacientes solicitantes. Enquanto não recebem a resposta do poder
judiciário, continuam suas atividades que impactam positivamente de
centenas a milhares de pacientes no tratamento das mais diversas
patologias.

Em recente decisão da 2ª Vara da Justiça Federal de Florianópolis, a Santa


Cannabis teve salvo conduto deferido para que seus integrantes não tivessem sua
liberdade de locomoção restringida pelos órgãos do Estado em função do cultivo e
fabricação de remédios à base de cannabis sativa. (CUPERTINO, 2023).
36

Associações como a Aliança Medicinal e a Associação Brasileira de Apoio ao


Cultivo e Pesquisa de Cannabis Medicinal localizadas em Olinda e Aracaju,
respectivamente, obtiveram na justiça “autorização” para o cultivo da maconha e
extração do óleo. (SOARES, 2023) (SOLLITTO, 2023)

As associações cumprem um papel importante na sociedade. Alguns


benefícios que as associações proporcionam para a população podem ser listado:
se comprometem com a pauta antiproibicionista “Esse posicionamento contra o
proibicionismo das drogas é óbvio nas associações que adotam uma visão ampla
sobre os potenciais terapêuticos da planta”; apoiam pesquisas científicas com
universidades e centros de pesquisa “estabelecendo parcerias de pesquisa,
colaboração técnica, de extensão e divulgação científica articulam demandas legais
junto a pacientes e familiares; estabelecem uma rede de solidariedade entre os
pacientes e familiares (POLICARPO, 2020).

Conclui, o autor

As associações funcionam como catalisadoras de todas essas informações:


sobre as plantas, sobre a saúde, sobre o acesso aos direitos, sobre as
enfermidades, sobre justiça. Ao colocar lado a lado os pacientes e seus
familiares com médicos, advogados, pesquisadores e ativistas, as
associações permitem a circulação e a produção de conhecimentos de um
modo inovador e original. Fazer parte de uma associação é fazer parte de
uma rede de troca de informações variadas (...) As associações permitem
essa fluidez de conhecimentos entre a ciência, direito e a sociedade civil
que não é simples de se alcançar, além de promover a educação cívica
através do engajamento político pela regulamentação da maconha. Elas
representam um modelo interessante de educação, controle social e de uso
responsável da cânabis que pode ser difundido, incentivando a participação
da sociedade civil na implementação da regulamentação da maconha e
também de outras políticas públicas. Nesse sentido, as associações podem
ser vistas como uma importante tecnologia social em defesa da saúde, do
direito e da justiça de todos aqueles que demandam o acesso legal à
maconha. É um modelo a ser seguido, não combatido. (POLICARPO, 2020)

Infelizmente, alguns julgadores não compartilham das mesmas convicções de


seus colegas magistrados que se posicionam favoravelmente ao plantio coletivo da
diamba por associações, por isso, suas posições acabam se tornando um obstáculo
para pacientes que procuram no tratamento à base de maconha a solução para suas
patologias ou uma melhora na qualidade de vida
37

A ONG Reconstruir, do Rio Grande do Norte, teve seu pedido negado pelo
juiz federal Janilson Bezerra de Siqueira — o Ministério Público Federal se
posicionou a favor da liberação nesse caso. Para o magistrado, não deve
ser o Judiciário a decidir sobre o tema. Ele também argumentou que
estudos "contraditórios" em relação à eficácia do medicamento sugerem
"temor" e "potenciais danos" ao bem-estar dos pacientes. O juiz também
considerou a opinião do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do
Norte que foi amicus curiae do processo — o órgão historicamente tem se
posicionado contra o uso medicinal de cannabis. (MACHADO, SOUZA,
2020)

O proibicionismo também se mostra outro criador de entraves legais e


administrativos que acabam por dificultar o funcionamento de associações de
cannabis medicinal no país (POLICARPO, 2020)

4.6 ACESSAR OS REMÉDIOS CANÁBICOS ATRAVÉS DOS SUS NOS ENTES


FEDERATIVOS QUE LEGISLARAM SOBRE O TEMA

Por fim, a última via legal para obter tratamento à base de cannabis sativa é
através do SUS nos entes federativos que legislam e regulamentaram o uso desses
medicamentos.

Até meados de dezembro de 2022, aproximadamente 10 leis municipais


versavam sobre o fornecimento via SUS de remédios canábicos (BRITO, 2023).
Sabe-se que ao menos três estados e o Distrito Federal também têm leis aprovadas
sobre o mesmo tema: São Paulo, Rio Grande do Norte e Alagoas (MACHADO,
2032). Além dos citados, podemos trazer outros entes que fizeram o mesmo, como
os municípios da Salvador/BA (Lei nº 9663/2023), Ribeirão Pires/SP (Lei nº
6.737/2022), Volta Redonda/RJ (Lei nº 6.085/2022) e Armação dos Búzios/RJ (Lei nº
1.707/2021).

As leis que regulamentam a distribuição da cannabis pelo SUS não contam


com muitos artigos, ficando entre 7 e 17 artigos, com vários deles vetados. Isto
ocorre porque todas elas preveem a regulamentação da norma pelo poder
executivo.
38

Passemos, então, para a análise de algumas das leis dos entes federativos
citados, quais sejam: estado de São Paulo, Salvador (BA), Ribeirão Pires (SP) e
Volta Redonda (RJ). Os critério para análise das leis promulgadas que atendem à
melhor consecução deste trabalho são: os requisitos para recebimento dos
medicamentos, quanto à priorização de pacientes com algumas patologias em
detrimento de outras ou em função de sua condição financeira e se as leis preveem
a possibilidade de parcerias com associações sem fins lucrativos para aquisição do
fármaco

4.6.1 Quanto aos requisitos para recebimento

A Lei nº 17.618/2032, aprovada na Assembleia Legislativa do Estado de São


Paulo, é a única das mencionadas que não estabelece critério algum para
recebimento dos fármacos, estabelecendo, no p.ú. do art. 5º a responsabilidade da
Secretaria da Saúde para regulamentar o tema (SÃO PAULO, 2023).

Em Salvador (BA), a lei exige, nos incisos do artigo 2º

I - prescrição feita por profissional médico legalmente habilitado, a qual deve


conter obrigatoriamente o nome do paciente e do medicamento, a
posologia, o quantitativo necessário, a duração do tratamento, data,
assinatura e número do registro profissional no Conselho Regional de
Medicina;

II - laudo médico contendo a descrição do caso, CID da doença, justificativa


para a utilização do medicamento indicado e a viabilidade em detrimento às
alternativas terapêuticas já disponibilizadas, no âmbito do SUS, e aos
tratamentos anteriores. (SALVADOR, 2023)

Em Ribeirão Pires, é exigido, também, a apresentação de “Declaração de


Responsabilidade e Esclarecimento para a utilização excepcional do medicamento”
(RIBEIRÃO PIRES, 2023), além de determinar prazo de validade do cadastramento
do paciente junto à Secretaria da Saúde pelo período de um ano, exigindo a
renovação do cadastro após o referido período mediante
39

[...]apresentação de novo laudo de profissional legalmente habilitado


contendo a evolução do caso após o uso de medicamento de derivado
vegetal à base de canabidiol, e, nova prescrição contendo obrigatoriamente
nome do paciente e do medicamento, posologia, quantitativo necessário,
tempo de tratamento, data, assinatura e número do registro do profissional
inscrito em seu conselho de classe.(RIBEIRÃO PIRES, 2023).

Para os pacientes de Volta Redonda (RJ), também é necessário laudo médico


para recebimento dos medicamentos, porém, este pode ser substituído por
autorização administrativa da ANVISA

II — laudo médico, contendo a descrição do caso, o CID da doença,


justificativa para a utilização do medicamento indicado e a viabilidade em
detrimento às alternativas terapêuticas já disponibilizadas no âmbito do SUS
e aos tratamentos anteriores, podendo o referido laudo ser substituído por
autorização administrativa da ANVISA; (VOLTA REDONDA, 2020)

A lei ainda estabelece um acompanhamento ambulatorial semestral para o


paciente que deseja receber medicamentos à base de cannabis, sob pena de
suspensão do fornecimento do produto prescrito. O legislador estabelece, ainda,
quantidade máxima para retirada dos medicamentos (equivalente a três meses de
tratamento) e procedimentos para devolução dos frascos ao poder executivo.
(VOLTA REDONDA, 2020).

4.6.2 Quanto à priorização de pacientes com algumas patologias em detrimento de


outras ou em função de sua condição financeira.

Apenas em Volta Redonda (RJ) é estabelecida preferência em função de alguma


patologia ou condição financeira.

No que diz respeitos às patologias, na cidade, gozam de preferência os portadores


de autismo, epilepsia refratária e mal de Parkinson

Os pacientes beneficiários desta Lei, serão preferencialmente os portadores


de autismo, epilepsia refratária e mal de Parkinson, podendo ser estendido
tal benefício às demais patologias sensíveis a este tratamento, a juízo da
Secretaria Municipal de Saúde e mediante estudos e pesquisas próprios ou
em convênio com instituições especializadas nesta fase de atendimento,
considerando as dotações orçamentárias existentes. (VOLTA REDONDA,
2022)

No que toca à condição financeira dos pacientes, estabelece o parágrafo 2º


do artigo 4º
40

O fornecimento que trata o caput somente será permitido mediante o


cumprimento de todos os requisitos estabelecidos nesta Lei, e desde que o
paciente comprovadamente não possua condições financeiras de adquirir os
medicamentos nem de tê-los adquiridos pelo respectivo grupo familiar e/ou
responsáveis legais, sem prejuízo do respectivo sustento. (VOLTA
REDONDA, 2022) (grifo meu)

4.6.3 Quanto à menção à possibilidade de fornecimento dos medicamentos em


parcerias com associações sem fins lucrativos

O inciso 1º do artigo 199 da Constituição da República, permite a participação


das instituições privadas no Sistema Único de Saúde, de modo complementar,
dando preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos (BRASIL, 1988).

É importante verificar se as legislações preveem a possibilidade de


participação das associações no fornecimento dos fármacos, uma vez que isso pode
demonstrar as intenções do legislador em atuar conjuntamente com elas. As
associações, como exposto ao longo do trabalho, são responsáveis por
atendimentos de diversos pacientes, com remédios a preços acessíveis, muitas
vezes de qualidade superior, fomentam o desenvolvimento econômico e científico
local e servem como uma rede apoio e informação para pacientes e familiares.

Salvador é o único ente federativo, entre os analisados, que faz menção


direta às associações. O inciso III do artigo 3º da Lei 9.663/2023 estabelece

III - adquirir medicamentos de entidades nacionais, preferencialmente de


entidades sem fins lucrativos, conforme previsto no art. 199, § 1º, da
Constituição Federal, que possuam autorização legal, administrativa ou
judicial para o cultivo e a manipulação para fins medicinais de plantas do
gênero Cannabis sp. (SALVADOR, 2023)

Embora o acesso à cannabis medicinal via SUS seja uma conquista da


comunidade canábica, pacientes e familiares de pessoas que precisam se tratar com
remédios à base de maconha, na prática, alguns entraves aparecem para quem
deseja receber os medicamentos por essa via.

Segundo Brito (2023), ainda não há registros de grandes compras por meio
de secretarias de saúde
41

[...]as secretarias municipais de saúde não conseguem realizar a compra de


grandes quantidades desses medicamentos para operacionalizar as
entregas aos pacientes de forma rápida e gratuita. Hoje, já existem cerca de
10 leis municipais e nenhuma notícia de nenhum município que tenha feito
uma compra de produtos em grande quantidade para manter estoques para
pronta entrega à pacientes com receita médica, seja para produtos full
spectro, balanceados ou rico em THC.

A burocracia para regulamentação das leis, que é realizada pelas Secretarias


de Saúde, também atrapalha quem deseja se tratar com medicamentos advindos da
cannabis sativa. Assim, pesquisadores, a comunidade médica e associações
perdem o protagonismo no debate. (REZENDE, 2023). Aponta, a autora, um outro
problema, que é sobre a falta de uma lei nacional sobre o tema

O que causa preocupação é que, apesar dos esforços dos estados e


municípios nessa temática, a inexistência de uma lei nacional que garanta o
acesso universal e público a esses medicamentos impede que pacientes de
localidades não abrangidas por leis estaduais e/ou municipais tenham
acesso a esse tipo de medicação.
42

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto ao longo deste trabalho, o estudo sobre as vias legais para
obtenção de remédios à base de cannabis no Brasil é essencial para pacientes que
precisam de acesso a esses fármacos, seus familiares, juristas, profissionais da
saúde, e todos agentes da sociedade que querem entender e participar do debate
sobre saúde pública no território nacional.

No primeiro capítulo, procurei contextualizar o tema, trazendo dados que


justificassem a presente pesquisa, expondo os objetivos gerais e específicos e
indicando a metodologia a ser utilizada.

No segundo capítulo, a intenção foi dissertar sobre a cannabis sativa,


entendendo sua origem, sua composição, como ela interage com o corpo humano e
trazer literatura médica relatando quais os usos terapêuticos, bem como relatos de
pacientes, pois pouco é debatido sobre a planta em si e entendo que o primeiro
passo para falar sobre vias legais para obtenção de remédios à base de maconha é
ter uma visão geral sobre a planta e desmistificar o assunto.
43

Já no terceiro capítulo, foi possível observar a origem escravocrata, colonial e


racista da proibição da maconha no Brasil. Em vista disso, conclui-se que a
proibição do cânhamo por parte dos governantes se deu para reprimir o povo negro,
visto que o uso da cannabis fora trazido para terras brasileiras pelos povos africanos
escravizados. O medo de uma revolução desses povos, que eram maioria em
relação à elite portuguesa, foi o motivo pelo qual a diamba foi tornada ilegal, mesmo
que os próprios colonizadores, à época, utilizassem a maconha para produzir
diversos materiais, como as velas das caravelas que desambarcaram em terras
tupiniquins. Após mudanças na dinâmica de produção em que a figura do escravo
não mais servia ao capitalismo do século XIX, o poder punitivo ganhou nova
roupagem com a teoria de Cesare Lombroso que criminalizar os os negros, sua
cultura e religão, ao defener que algumas raças portavam características naturais
que os tornavam criminosas. Tal teoria encontrou respaldo nas elites dominantes
que temiam uma insurgência do povo negro. Conclui-se que a atual política de
criminalização do povo negro através do probicionismo da cannabis continua até os
dias atuais, vez que a Lei de Drogas não define critérios objetivos para distrinção
entre usuário e traficante, o que implica, conforme dados expostos, que a maioria
das pessoas presas como traficantes se autodeclaram negras.
44

No quarto capítulo, procurou-se demonstrar a contradição entre um país que


consagra, em teoria, na sua Constituição, que seus cidadãos têm direito à saúde e o
à dignidade, enquanto criminaliza o uso de uma planta que tem larga literatura
científica comprovando seus benefícios e se omite quanto à regulamentação do uso
da planta, bem como apontar apontar a subjetividade dos critérios estabelecidos
pela lei de drogas para distinguir entre usuário e traficante e como isso afeta
pacientes e familiares que necessitam da cannabis para seus tratamentos médicos.
Observou-se que o conflito entre a norma e o direito fundamental à saúde, de fato
existe, e que deve ser resolvido através da aplicação do princípio da
proporcionalidade, cuja função é a coerção de medidas ou leis adotadas pelo Estado
que ajam com excesso de poder. No caso analisado, fica evidente que as benesses
decorrentes do uso dos remédios canábicos se sobrepõem à proibição normativa
acerca da produção e usos desses fármacos. Em relação à subjetividade acerca dos
critérios legais para distinção entre usuário e traficante, restou compreendido que ela
implica numa seletividade penal, contribuindo para o aumento considerável da
juventude negra e periférica, bem como exclui do debate os atores sociais mais
importantes que participam da economia da droga, como grandes empresários e
políticos, que quase nunca são alvos da polícia.

No quinto capítulo foi explorada a classificação da ANVISA acerca das


substâncias químicas presentes na maconha e da própria planta.Constatou-se que o
a planta cannabis sativa integra a list E “plantas que podem originar substâncias
entorpecentes ou psicotrópicas” enquanto o THC e o CBD, fazem parte,
respectivamente, das listas F2 “substâncias psicotrópicas” e C1 “outras substâncias
sujeitas a controle especial”.

No sexto capítulo, abordou-se o tema central, que são as vias legais para
obtenção de remédios à base de cannabis no Brasil e as principais dificuldades. São
elas: comprar o remédio nas farmácias brasileiras, importar o medicamento através
de autorização da ANVISA, pleitear no judiciário a concessão gratuita do remédio
pelo SUS ou planos de saúde, impetrar habeas corpus para cultivar a maconha e
fabricar o próprio remédio, adquirir o óleo fabricado por associações e acessar os
remédios através dos SUS nos entes federativos que legislar sobre o tema.
45

Restou provado que para adquirir os medicamentos em farmácias no Brasil, a


principal barreira é o preço dos fármacos. Muitos pacientes que desejam realizar o
tratamento à base de cannabis sativa até conseguem um médico prescritor com
CRM válido (requisitos estabelecidos por normativa da ANVISA), porém não tem
condições financeiras de arcarem com seus tratamentos.

Para importação dos remédios, verificou-se um aumento exponencial na


procura por essa forma de obtenção de tratamento. Ponto positivo foi a redução da
burocracia para autorização da importação, que antes podia chegar até 70 dias.
Porém, o alto custo dos remédios se mostra um entrave de quem precisa de
tratamento com maconha medicinal.

Para os que procuram o Poder Judiciário para obrigar o SUS ou o plano de


saúde a fornecer os remédios, esbarram na morosidade do judiciário (uma vez que
nem sempre os juízes concedem liminares) e na insegurança jurídica acerca do
tema, já que vários magistrados acabam acatando a principal tese de defesa do
poder público (a tese da reserva do possível) para não obrigar os entes fornecerem
os fármacos.

Para quem recorre ao Judiciário, desta vez para obter salvo conduto para não
serem presos pelo Estado por cultivar a diamba e produzir o próprio remédio,
encontra o principais benefícios no baixo valor para realizarem seus tratamentos e
muitas vezes obtêm um remédio de maior qualidade em relação aos
industrializados, porém a barreira encontrada foi a própria necessidade de recorrer
ao judiciário e também ao maior trabalho que pacientes e familiares têm em relação
aos cuidados com a plantação e os conhecimentos necessários para extração do
óleo medicinal.

As associações são alternativas para quem deseja se tratar com


medicamentos à base de cannabis. Os benefícios para os pacientes são obter um
óleo de alta qualidade e baixo custo, ao mesmo tempo que têm uma rede de
soliedariedade entre pacientes e familiares, e também encontram nas associações
um local para se informar acerca dos aspectos medicinais e legais em relação ao
uso medicinal da maconha.
46

Por fim, temos o acesso via SUS para pacientes que moram nos entes
federativos que legislaram sobre o fornecimento da cannabis medicinal. Mais de dez
municípios e ao menos dois estados membros, atualmente, têm leis sobre
fornecimento de remédios canábicos pelo SUS. Embora seja uma conquista da
comunidade canábica, médica, dos pacientes e familiares, algumas dificuldades
surgem para quem pleiteia receber os medicamentos por essa via. Vê-se que ainda
não consta registros de grandes compras por Secretarias de Saúde, bem como a
burocracia para regulamentação das leis atrapalha o acesso, vez que as Secretarias
de Saúde ficam responsáveis por regulamentar, o que exclui o protagonismo dos
profissionais de saúde, associações e sociedade civil sobre o tema. A falta de uma
lei nacional também é grande entrave para que os pacientes de localidades não
abrangidas por leis estaduais/municipais tenham acesso a esse tipo de medicação.

Ante o exposto, fica evidente que o proibicionismo, cujas origens são


coloniais, escravistas e racistas, é o grande problema que impede o avanço do
debate acerca dos benefícios do cânhamo e a implantação de políticas públicas para
acesso a remédios à base de cannabis no Brasil. É necessário fomentar o debate
civil, pressionar instituições públicas e mobilizar as massas sociais para que se faça
valer o conhecimento científico e milenar acerca do uso medicinal da diamba,
especialmente através das associações, pois essas apresentam remédios de alta
qualidade, fomentam pesquisas científicas e o mercado interno, servem como rede
apoio a pacientes e familiares e levantam a pauta antiproibicionista. Neste sentido, é
urgente uma nova Lei de Drogas que não criminalize o uso recreativo e medicinal,
bem como uma lei nacional para fornecimento desses medicamentos no SUS, para
assim, democratizar o acesso e efetivar o direito à saúde e à dignidade da pessoa
humana previstos na Carta Maior.
47

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(CBD) e-ou “Tetrahidrocanabinol” (THC) e/ou demais componentes presentes no
extrato integral da Cannabis ssp, nas unidades de saúde pública municipal e
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tetrahidrocanabidiol-em-carater-de-excepcionalidade-pelo-poder-executivo-nas-
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