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Desautomação
Desde o desenvolvimento das linhas de montagem, no início dos anos 1900,
a maioria das fábricas tem sido projetada em dois estágios. Primeiro, a linha
é organizada com trabalhadores que fazem tarefas específicas em cada
estação. Depois, quando os problemas são resolvidos, robôs e outras
máquinas são gradualmente inseridos para assumir parte do trabalho. Musk
fez o inverso. Em sua visão de uma fábrica moderna do tipo “encouraçado
alienígena”, ele começou automatizando todas as tarefas possíveis.
“Tínhamos uma linha de produção muito automatizada que usava toneladas
de robôs”, diz Straubel. “Só que havia um problema. Não funcionava.”
Certa noite, Musk andava pela fábrica de conjuntos de bateria em
Nevada com seu pelotão — Omead Afshar, Antonio Gracias e Tim
Watkins —, e eles notaram um atraso em uma estação de trabalho na qual
um braço robótico colava células em um tubo. A máquina tinha um
problema para segurar o material e deixá-lo alinhado. Watkins e Gracias
foram até uma mesa e tentaram fazer o processo manualmente. Eles
conseguiam fazer de forma mais confiável. Então chamaram Musk e
calcularam quantos humanos seriam necessários para se livrar da máquina.
Foram contratados trabalhadores para substituir o robô, e a linha de
montagem passou a andar mais rápido.
Musk passou de apóstolo da automação para uma nova missão que
assumiu com zelo similar: encontrar qualquer parte da linha onde houvesse
um atraso e ver se a desautomação poderia torná-la mais rápida.
“Começamos a limar os robôs da linha de produção e a jogá-los no
estacionamento”, conta Straubel. Em um fim de semana, eles marcharam
pela fábrica pintando marcas no maquinário que seria descartado. “Fizemos
um buraco na lateral do prédio só para remover todo o equipamento”, diz
Musk.
O experimento foi uma lição que se tornaria parte do algoritmo de
produção de Musk. Sempre espere até o fim do processo de
desenvolvimento — depois que você questionou todas as especificações e
eliminou as partes desnecessárias — antes de automatizar.
Em abril de 2018, a fábrica de Nevada estava funcionando melhor. O
clima havia esquentado um pouco, então Musk decidiu que ia dormir na laje
da fábrica em vez de dirigir até um hotel de beira de estrada. O assistente
dele comprou barracas e os amigos Bill Lee e Sam Teller se juntaram a ele.
Certa noite, depois de inspecionar as linhas de montagem do módulo e dos
conjuntos até quase a uma da manhã, eles foram para a laje, acenderam uma
pequena fogueira portátil e conversaram sobre o próximo desafio. Musk
estava pronto para dar atenção a Fremont.
***
Um dia, Lars Moravy, um valioso executivo de alto escalão, estava
trabalhando na sede executiva da Tesla, a alguns quilômetros de distância,
em Palo Alto, quando recebeu uma ligação urgente de Omead Afshar
pedindo que fosse até a fábrica. Ao chegar, encontrou Musk sentado de
pernas cruzadas sob o transporte rolante elevado que levava as carrocerias
dos carros pela linha. De novo, Musk estava impressionado com o número
de parafusos que haviam sido especificados. “Por que temos seis aqui?”,
perguntou ele, apontando.
“Para deixá-lo estável numa colisão”, respondeu Moravy.
“Não, o impacto principal numa colisão viria por este anteparo aqui”,
explicou Musk. Ele havia visualizado todos os pontos de pressão e começou
a recitar os números de tolerância em cada ponto. Moravy devolveu aos
engenheiros para que fosse redesenhado e testado.
Em outra estação de trabalho, as carrocerias parcialmente finalizadas do
carro eram presas a uma sapata que as movia através do processo final de
montagem. Os braços robóticos que apertavam os parafusos estavam, Musk
achava, movendo-se muito devagar. “Até eu faria mais rápido”, disse ele.
Então ordenou que os trabalhadores vissem as configurações das chaves de
parafuso, mas ninguém sabia abrir o console de controle. “Ok, vou
simplesmente ficar em pé aqui até que a gente encontre alguém que consiga
abrir o console.” Finalmente, um técnico que conseguia acessar os controles
do robô foi encontrado. Musk descobriu que o robô estava configurado para
20% da velocidade máxima e que a configuração-padrão instruía o braço a
virar o parafuso duas vezes para trás antes de apertá-lo. “As configurações de
fábrica sempre são idiotas”, disse Musk. Então ele rapidamente reescreveu o
código para eliminar as voltas para trás. Depois definiu a velocidade para
100% da capacidade. Isso começou a espanar a rosca, então ele reduziu para
70%. Funcionou direito e reduziu o tempo que levava para prender os carros
nas sapatas para menos da metade.
Uma parte do processo de pintura, uma pintura por eletrodeposição,
envolvia mergulhar a carroceria do carro em um tanque. Áreas da carroceria
têm pequenos buracos para que as cavidades drenem depois do mergulho na
tinta. Esses buracos são então cobertos com remendos de borracha,
conhecidos como remendos butílicos. “Por que estão aplicando isso?”,
perguntou Musk a um dos gerentes da linha, que respondeu ter sido
especificado pelo departamento de estrutura veicular. Então Musk convocou
o chefe do departamento. “Para que diabos serve isso?”, questionou. “Está
atrasando a linha de montagem toda.” Ele foi informado de que, numa
inundação, se a água ficar acima do nível do assoalho, os remendos butílicos
ajudam a evitar que o chão fique encharcado. “Isso é insano”, respondeu
Musk. “Uma inundação desse tipo acontece uma vez a cada dez anos.
Quando acontecer, os tapetes podem molhar.” Os remendos foram
eliminados.
As linhas de produção frequentemente paravam quando os sensores de
segurança eram disparados. Musk chegou à conclusão de que os sensores
eram sensíveis demais, disparando quando não havia um problema real. Ele
testou alguns para ver se algo pequeno, como um pedaço de papel caindo
próximo ao sensor, poderia provocar uma parada. Isso levou a uma cruzada
para eliminar sensores tanto em carros da Tesla quanto em foguetes da
SpaceX. “A menos que um sensor seja absolutamente necessário para ligar
um motor ou pará-lo sem danos antes que exploda, deve ser eliminado”,
escreveu Musk em um e-mail para os engenheiros da SpaceX. “Daqui para a
frente, qualquer um que colocar um sensor (ou qualquer coisa) em um
motor que não seja obviamente indispensável será demitido.”
Alguns dos gerentes apresentaram objeções. Eles achavam que Musk
estava comprometendo a segurança e a qualidade para apressar a produção.
O diretor sênior de qualidade de produção foi embora. Um grupo de atuais
e ex-funcionários disse para a CNBC que eles estavam sendo “pressionados
a cortar caminho para atingir as metas de produção agressivas do Model 3”.
Também disseram que estavam sendo pressionados a fazer consertos
improvisados, como arrumar um suporte de plástico rachado com fita
isolante. O e New York Times noticiou que os funcionários se sentiam
forçados a trabalhar dez horas por dia. “É um constante ‘Quantos carros
fizemos até agora?’, uma pressão incessante para produzir”, declarou um
funcionário ao jornal. Havia um pouco de verdade nas reclamações. O
índice de acidentes de trabalho da Tesla era 30% superior ao das outras
empresas automotivas.
Remoção de robô
Durante o esforço para aumentar a produção na fábrica de baterias de
Nevada, Musk tinha aprendido que certas tarefas, às vezes muito simples,
são desempenhadas melhor por humanos do que por robôs. Com os olhos,
podemos procurar em volta e encontrar a ferramenta certa de que
precisamos. Depois podemos ir até ela, pegá-la com os dedos, ver o lugar
certo para usá-la e guiá-la com nosso braço. Fácil, certo? Não para um robô,
não importa quão boas sejam as câmeras que ele tenha. Em Fremont, onde
cada linha de montagem tinha 1.200 dispositivos robóticos, Musk chegou à
mesma conclusão que chegara em Nevada sobre os riscos de uma
automatização tão implacável.
Perto do fim da linha de montagem havia braços robóticos tentando
ajustar as borrachas vedantes em torno das janelas. Eles estavam tendo
dificuldades. Certo dia, depois de ficar de pé em silêncio na frente dos robôs
obstinados por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com as próprias
mãos. Era fácil para um humano. Então deu uma ordem, parecida com a
que dera em Nevada: “Vocês têm 72 horas para remover todas as máquinas
desnecessárias.”
A remoção dos robôs começou mal. As pessoas haviam investido muito
nas máquinas. Mas então virou um tipo de jogo. Musk começou a andar
pela linha, sacudindo uma lata de tinta spray laranja. “Fica ou vai?”,
perguntava ele para Nick Kalayjian, o vice-presidente de engenharia, ou
para outras pessoas. Se a resposta fosse “vai”, a peça era marcada com um X
laranja e os funcionários a tiravam da linha. “Logo ele estava rindo, como
uma criança”, diz Kalayjian.
Musk assumiu a responsabilidade pela automatização excessiva, e chegou
até a anunciar isso publicamente. “A automatização excessiva na Tesla foi
um erro”, tuitou. “Para ser preciso, erro meu. Os humanos são
subestimados.”
Depois da desautomação e de outras melhorias, a fábrica aprimorada de
Fremont estava produzindo 3.500 sedãs Model 3 por semana no fim de
maio de 2018. Era um número impressionante, mas ainda muito abaixo dos
5 mil por semana que Musk tinha prometido para o fim de junho. Os
operadores que apostavam na baixa das ações, com seus espiões e drones,
determinaram que não havia como a fábrica, com suas duas linhas de
montagem, alcançar essa meta. Eles também sabiam que não havia como a
Tesla construir outra fábrica, ou mesmo conseguir autorização para tal, pelo
menos dentro de um ano. “Os operadores achavam que tinham a
informação perfeita”, diz Musk, “e estavam se gabando on-line, dizendo ‘É,
a Tesla está ferrada’”.
A tenda
Musk gosta de história militar, especialmente das histórias sobre o
desenvolvimento de aviões de guerra. Em uma reunião na fábrica de
Fremont no dia 22 de maio, ele recontou uma história sobre a Segunda
Guerra Mundial. Quando o governo precisou acelerar a produção de
bombardeiros, montou linhas de produção nos estacionamentos das
companhias aéreas na Califórnia. Musk discutiu a ideia com Jerome
Guillen, que em breve seria promovido a presidente de automotivos da
Tesla, e ambos decidiram que podiam fazer algo parecido.
Havia uma cláusula no código de zoneamento de Fremont para algo
chamado “instalação temporária de conserto de veículos”, a qual previa que
postos de combustível tivessem permissão de instalar tendas onde pudessem
trocar pneus ou silenciadores. Entretanto, o regulamento não especificava
um tamanho máximo para essas tendas. “Consiga uma dessas autorizações e
comece a construir uma tenda enorme”, disse Musk para Guillen. “Vamos
ter que pagar uma multa depois.”
Naquela tarde, os funcionários da Tesla começaram a limpar os entulhos
que cobriam um velho estacionamento atrás da fábrica. Não havia tempo
para pavimentar o concreto rachado, então eles simplesmente cobriram uma
longa faixa e começaram a construir a tenda em torno dela. Um dos ases de
Musk na construção de fábricas, Rodney Westmoreland, viajou para lá a fim
de coordenar a construção, e Teller reuniu caminhões de sorvete para
entregar as iguarias doces aos que estavam trabalhando ao sol. Em duas
semanas, conseguiram completar uma instalação dentro da tenda que tinha
trezentos metros de comprimento por 45 metros de largura, grande o
suficiente para acomodar uma linha de montagem improvisada. Em vez de
robôs, havia humanos em cada estação de trabalho.
O problema era que eles não tinham uma esteira transportadora para
mover os carros incompletos pela tenda. Só tinham um sistema antigo para
movimentar partes, mas não era poderoso o suficiente para mover as
carrocerias. “Então instalamos com uma ligeira inclinação, e a gravidade
impulsionava os carros a se moverem na velocidade certa”, diz Musk.
Pouco depois das quatro horas da tarde do dia 16 de junho, apenas três
semanas depois de Musk ter a ideia, a nova linha de montagem já estava
produzindo sedãs Model 3 na tenda improvisada. Neal Boudette, do e
New York Times, tinha ido a Fremont para observar Musk em ação e
escrever sobre isso, e pôde ver a tenda sendo construída no estacionamento.
“Se o pensamento convencional torna uma missão impossível”, disse Musk a
ele, “então o pensamento não convencional é necessário”.
Celebração de aniversário
O aniversário de 47 anos de Musk, em 28 de junho de 2018, aconteceu
pouco antes do prazo prometido para atingir a meta de 5 mil carros por
semana. Ele passou a maior parte do dia na estação de pintura da fábrica
principal. “Por que está atrasado?”, perguntava a cada imprevisto e andava
até o ponto de gargalo, onde ficava em pé até um dos engenheiros resolver a
situação.
Amber Heard ligou para desejar feliz aniversário, e depois disso ele
derrubou o telefone, que se quebrou, portanto Musk não estava de bom
humor. Contudo, logo depois das duas da tarde, Teller conseguiu fazê-lo dar
uma pausa e levá-lo para uma rápida celebração na sala de conferências.
“Aproveite o ano 48 da simulação!”, estava escrito com glacê no bolo de
sorvete que Teller tinha comprado. Não havia facas ou garfos, então eles
comeram com as mãos.
Doze horas depois, pouco após as duas e meia da manhã, Musk
finalmente deixou o chão de fábrica e voltou para a sala de conferências. No
entanto, ainda levaria mais uma hora para que conseguisse dormir. Em vez
disso, ele assistiu em um dos monitores ao lançamento de um foguete da
SpaceX em Cabo Canaveral. O foguete estava carregando um assistente
robótico junto com suprimentos que incluíam sessenta pacotes de café
supercafeinado Death Wish Coffee para os astronautas na Estação Espacial
Internacional. O lançamento aconteceu com perfeição, tornando-se a 15a
missão de carga bem-sucedida que a SpaceX fazia para a NASA.
O dia 30 de junho, o prazo estabelecido por Musk para chegar à meta de
5 mil carros por semana, era um sábado, e, quando ele acordou no sofá da
sala de conferências naquela manhã e olhou os monitores, percebeu que iam
conseguir. Musk trabalhou por algumas horas na linha de pintura, depois
saiu correndo da fábrica, ainda usando luvas protetoras, e entrou em seu
avião, rumo à Espanha, para chegar a tempo de ser padrinho de casamento
de Kimbal em uma vila catalã medieval.
À 1h53 da manhã no domingo, dia 1o de julho, um Model 3 preto foi
expelido da fábrica com uma faixa no para-brisa em que se lia “5.000”.
Quando Musk recebeu uma fotografia desse carro no iPhone, enviou uma
mensagem para todos os funcionários da Tesla: “Conseguimos! (...) Criamos
soluções totalmente novas que diziam ser impossíveis. Foi intenso, em
tendas.* Não importa. Funcionou... Acho que acabamos de nos tornar uma
empresa automotiva de verdade.”
O algoritmo
Em qualquer reunião de produção, seja na Tesla, seja na SpaceX, há uma
chance nada trivial de Musk entoar, como um mantra, o que ele chama de
“o algoritmo” — elaborado a partir das lições que aprendeu durante as ondas
infernais de produção nas fábricas de Nevada e Fremont. Seus executivos às
vezes movem os lábios e repetem as palavras, como se entoassem a liturgia
junto com o padre. “Eu me tornei um disco arranhado falando do
algoritmo”, diz Musk. “Mas acho que é útil dizer até incomodar.” Eram
cinco mandamentos:
Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.
Sempre que houver problemas a resolver, não se reúna só com seus
gerentes. Pule um nível e se reúna com quem está logo abaixo dos
gerentes.
As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o mais é
uma recomendação.
Na linha de montagem
* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in tents”
[em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo complicado. [N.
da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018
***
***
***
* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o explorador de
cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018
Lança-chamas
Musk havia ido ao estúdio de Joe Rogan com um presente para o anfitrião
do podcast: um lança-chamas de plástico com o logo da e Boring
Company. Eles brincaram juntos com o presente, alegremente ativando a
curta chama de propano, enquanto Sam Teller e a equipe do estúdio
desviavam e riam.
O lança-chamas era uma boa metáfora para o próprio Musk. Ele se
divertia em deixar escapar comentários dignos de chamuscar as
sobrancelhas. A ideia surgiu depois que a empresa licenciou bonés com os
dizeres e vendeu 15 mil unidades. “O que podemos
fazer agora?”, perguntou Musk. Alguém sugeriu um lança-chamas de
brinquedo, ao que ele respondeu: “Meu Deus, vamos fazer.” Ele era fã de
S.O.S.: Tem um louco solto no espaço, uma paródia de Mel Brooks à saga Star
Wars que tem uma cena na qual um personagem parecido com Yoda
anunciava os produtos do filme à venda, culminando com a frase “Leve o
lança-chamas para casa”. Os filhos de Musk amavam aquela frase.
Steve Davis, que comandava a e Boring Company, encontrou um
protótipo relativamente seguro capaz de derreter neve e chamuscar
pequenos gravetos, mas que, em termos técnicos, não era quente o suficiente
para ser regulamentado como lança-chamas. Eles começaram a anunciá-lo,
ironicamente, como “não é um lança-chamas”, para evitar problemas com a
lei. Os termos e as condições declaravam:
***
O jeito pateta de Musk é o outro lado do seu modo demoníaco. Quando ele
está nos momentos mais sombrios, frequentemente alterna entre raiva e
estrondosas gargalhadas.
O humor dele tem muitos níveis. O mais baixo é a afeição pueril por
emojis de cocô, sons de pum programados no Tesla e outras demonstrações
de humor escatológico. Dê a ordem “Abrir ânus” para o console de um Tesla
e o carro abre uma porta na traseira do veículo.
Musk também tem um humor mordaz, irônico, demonstrado por um
pôster na parede da baia dele na SpaceX. A imagem mostra um céu azul-
escuro estrelado onde se vê uma estrela cadente, e um texto diz: “Quando
você faz um pedido para uma estrela cadente, seus sonhos podem se tornar
realidade. A menos que seja um meteoro vindo em direção à Terra que
destruirá toda a vida no planeta. Nesse caso você está ferrado, não importa o
que desejou. A menos que seu desejo seja morrer atingido por um
meteorito.”
O tipo mais profundamente enraizado de humor de Musk é uma
esperteza divertida e metafísica da ciência geek que ele absorveu quando leu
e releu o livro de Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias. Em
meio à sua crise em 2018, Musk decidiu lançar seu velho Tesla Roadster
vermelho-cereja no espaço sideral, em uma órbita que iria, depois de quatro
anos, levá-lo para perto de Marte. Ele fez isso no primeiro lançamento do
novo Falcon Heavy, um foguete de 27 motores construído a partir da junção
de três foguetes auxiliares Falcon 9. O Tesla tinha um exemplar de O guia do
mochileiro das galáxias no porta-luvas e um cartaz no painel com
!, regra extraída do livro.
JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava deitado no
chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente exaustivo para
mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018, incentivou-o a
procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não consigo mais
continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado como
futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no início do
inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção. Ele saiu para
ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio para
fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as primeiras
férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de felicidade estava
baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo muito mais num
empreendimento secundário que havia fundado, a Redwood Materials, cujo
objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de carros. Outro fator foi o
comportamento de Musk na época. “Ele estava sofrendo, e por isso se
mostrava mais temperamental que de costume”, explica Straubel. “Eu me
senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que chama de
“ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito tempo na
empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de veraneio, não
têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de fábrica. Mas, no caso
de Straubel, para além da confiança profissional, Musk sentia uma afeição
pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a relutância de Elon em aceitar
minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo e
humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode ser
extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você pensa Ah,
meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e temos uma
ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele olhar vazio,
quando parece que ele está olhando através de você sem emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla na
reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da História
do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local, seria uma
chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos deixou de ser
um sonho para se transformar na rentável pioneira da era dos veículos
elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de Straubel, Drew
Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze anos. Straubel e
Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos esguios, além de uma
profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou aliviado,
porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis. O
Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes juntos
— a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o carro mais
vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos, ninguém teria
acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O humor tolo dele veio
à tona por um momento. Ele começou a rir com o “aplicativo de pum”, o
qual permitia que os motoristas do Tesla, ao apertar um botão, fizessem o
assento do passageiro emitir um som de pum quando alguém se sentasse.
“Talvez seja meu melhor trabalho”, falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos estavam
próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o fim deste
ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido. “Esse carro deve
ser capaz de ir da garagem da sua casa até o estacionamento do trabalho sem
intervenção.” Uma pessoa da plateia foi até o microfone e o desafiou,
quando disse que as promessas anteriores que ele fizera não haviam se
concretizado. Musk riu, pois sabia que o interlocutor estava certo. “Pois é, às
vezes eu sou um pouquinho otimista demais com relação a prazos”, disse
ele. “Vocês já devem ter percebido, não é? Mas será que eu estaria fazendo
isso se não fosse otimista? Jesus!” A plateia aplaudiu. Eles entendiam a
piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com afeição
genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da fundação
da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou dez pessoas, e
desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de todos os principais
projetos que toquei.” Esse seria o momento em que Straubel anunciaria a
aposentadoria, assim havia planejado. Em vez disso, Straubel e Musk
aproveitaram a ocasião para relembrar o passado. “Lembro da origem da
Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com Harold Rosen”, disse
Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida do
mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018
Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que somos
levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo elemento brilhante,
que cria novas e caóticas subtramas. E foi exatamente assim que, na
primavera de 2018, em meio ao tsunami emocional causado pelo
rompimento com Amber Heard, surgiu na vida de Musk uma franzina
tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como Grimes, uma artista
performática inteligente e hipnótica, cujo aparecimento acarretaria três
novos filhos, intermitentes períodos de vida doméstica e até mesmo uma
batalha pública com uma rapper instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na época
em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e memes de
ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura sonora com
elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida curiosidade
intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como um experimento
mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual postula que a inteligência
artificial poderia sair de controle e torturar qualquer humano que não a
tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo de coisa com as quais ela e
Musk se preocupam. Quando Musk quis tuitar um trocadilho sobre o
assunto, deu uma busca no Google para encontrar uma imagem e então
descobriu que Grimes havia transformado isso em um elemento do
videoclipe “Flesh Without Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a
uma conversa no Twitter, que, à maneira moderna, acabou em trocas de
mensagens privadas em redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando Musk
estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra daquele
encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma conversa que tive
com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko no
Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica dele, sua
ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante o frenesi
enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós simplesmente
andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar consertar coisas”,
conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a um restaurante, ele
mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou as mãos do volante,
cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o Autopilot. “Fiquei, tipo,
esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava a seta e mudava de pista
sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.” No restaurante, ele escreveu
+ na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um quiz
com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era realmente fã.
Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz Musk. Grimes deu de
presente para ele uma caixa de ossos de animais que havia colecionado. À
noite, eles ouviam “Hardcore History”, de Dan Carlin, e outros podcasts de
história e audiolivros. “A única maneira de eu estar em um relacionamento
sério é se a pessoa com quem estou também for capaz de ouvir, tipo, uma
hora de história de guerra antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos
por muitos assuntos, como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias
militares da Primeira Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com a
cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu material
de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que gostaria
disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele por algumas
semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas a tempestade
meio que nunca passou, e então você já está embarcado, viajando, e eu
simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula de
oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk de
repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois, ele
perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa. Musk
pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para modificar
um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando estava com ele,
havia momentos em que a mente dele ia para outro lugar, geralmente para
algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na fábrica
da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento anual de gala
do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante em que as pessoas
exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk sugeriu ideias para o
traje dela, um conjunto punk medieval em preto e branco com espartilho de
vidro rígido e um colar feito de pontas que lembravam o logotipo da Tesla.
Ele até conseguiu alguém da equipe de design da Tesla para ajudar Grimes a
produzi-la. Ele usou uma camisa branca com um colarinho clerical e um
smoking branco puro com uma discreta inscrição novus ordo seclorum, uma
frase em latim que anuncia uma nova ordem dos tempos.
Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada trazia
junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da noite e
dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na equipe que
cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha um
relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações dramáticas,
fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da caverna tailandesa e a
confusão sobre tornar a Tesla uma empresa privada estavam saindo de
controle, em agosto de 2018, Grimes convidou a rapper Azealia Banks para
ficar com ela na casa de Musk e colaborar em algumas músicas. Ela havia
esquecido que tinha feito planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder.
Grimes disse a Banks que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de
semana. Naquela manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a
Tesla uma empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas
ligações e viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para ficar
com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil do
Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana todo
enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para saber
que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era mentira
(Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou não apenas a
imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre Grimes e Musk
se tornaram progressivamente mais insanos:
Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks, ela
ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma empresa
privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na cozinha com o
rabinho entre as pernas, pedindo que investidores salvassem o traseiro dele
depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava estressado e com o rosto
vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.
Muitos tons de Musk
Apesar de dramas desse tipo, Grimes era uma boa companheira para Musk.
Como Amber Heard (e o próprio Musk), também era atraída pelo caos,
mas, diferentemente da ex de Musk, o caos de Grimes era fortalecido pela
bondade e até pela doçura. “Meu alinhamento no Dungeons and Dragons era
caoticamente bom”, diz, “enquanto o da Amber deve ser caoticamente
mau”. Ela percebeu que era isso que tornava Amber atraente para Musk.
“Ele é atraído pelo caos ruim. É por causa do pai dele e da infância que teve,
e ele logo se deixa ser maltratado. Associa amor a ser mau ou abusivo. Há
uma ligação entre Errol e Amber.”
Grimes gostava da intensidade dele. Certa noite foram assistir ao filme
Alita: Anjo de combate, em 3-D, mas quando chegaram não havia mais
óculos. Musk insistiu que ficassem e assistissem de qualquer maneira,
mesmo que a tela fosse parecer completamente desfocada. Quando Grimes
estava fazendo as gravações de vozes para a ciborgue popstar a quem ela
dava vida no jogo Cyberpunk 2077, ele apareceu no estúdio sacudindo uma
arma de 200 anos e insistiu que o deixassem fazer uma ponta. “Os caras do
estúdio começaram a suar”, conta Grimes. Musk acrescenta: “Eu disse a eles
que estava armado, mas que não era perigoso.” Eles cederam. Os implantes
cibernéticos no jogo eram uma versão de ficção científica do que Musk
estava fazendo na Neuralink. “Isso me chamou a atenção”, diz.
A percepção básica dela quanto a Musk era a de ele ser diferente dos
outros. “A síndrome de Asperger torna você uma pessoa muito difícil”,
comenta Grimes. “Ele não é bom em sentir o clima. A compreensão
emocional dele é bastante diferente da que as pessoas comuns têm.” As
pessoas deveriam ter em mente a constituição psicológica de Musk quando
o julgam, argumenta ela. “Se alguém tem depressão ou ansiedade, nós
somos empáticos; se tem Asperger, dizemos que é um babaca.”
Grimes aprendeu a lidar com as muitas personalidades de Musk. “Ele
tem diversas mentes e muitas personalidades bem distintas”, diz, “e transita
entre elas em alta velocidade. Você simplesmente sente o clima mudar na
sala e de repente toda a situação simplesmente passa para o outro estado
dele.” Ela notou que as personalidades diferentes têm diferentes gostos,
mesmo com relação a música e decoração. “A minha versão favorita do E é a
que gosta do Burning Man, dorme no sofá, come sopa enlatada e é
relaxado.” A bête noire é o Elon que ela chama de modo demoníaco. “O
modo demoníaco é quando ele fica sombrio e se esconde dentro da
tempestade no próprio cérebro.”
Certa noite, enquanto jantavam com um grupo, eu percebi o momento
em que o clima pesou e o humor dele mudou. Grimes se afastou. “Quando
ficamos juntos, eu me asseguro que estou com o Elon certo”, explicou ela
depois. “Há alguns caras naquela mente que não gostam de mim, e eu não
gosto deles.”
Às vezes, uma das versões de Elon vai parecer não se lembrar do que a
outra fez. “Você vai dizer coisas para ele e depois ele simplesmente não vai
se recordar de nada, porque estava em um espaço cerebral”, diz Grimes. “Se
ele estiver concentrado em algo em particular, não vai receber estímulo, não
vai absorver nenhuma informação do mundo externo. As coisas podem estar
bem na frente dos olhos dele, mas Elon não vai ver.” Igual a como acontecia
na época da escola.
Durante a turbulência emocional de 2018 na Tesla, ela tentou fazê-lo
relaxar. “Nem tudo precisa ser ruim”, disse para Musk certa noite. “Você não
precisa ficar eufórico com tudo o tempo todo.” Grimes também entendia,
de maneiras que outras pessoas não entendem, que a inquietação de Musk
era um dos motores do sucesso dele. Assim como o modo demoníaco,
embora ela tenha demorado mais a valorizar esse aspecto. “O modo
demoníaco causa muito caos”, diz Grimes, “mas também faz as coisas
acontecerem”.
capítulo 50
Xangai
Tesla, 2015-2019
***
O grande desafio de Ren era encontrar uma forma de fabricar na China. Ele
podia ou insistir até dissuadir a resistência de Musk e fazer a Tesla criar uma
joint-venture, que era o que todas as outras empresas automotivas tinham
feito, ou convencer os principais líderes chineses a mudar a lei que havia
definido o crescimento industrial chinês por três décadas. Descobriu que
esta última opção era mais fácil. Mês após mês, Ren fez lobby junto ao
governo chinês. O próprio Musk voltou para lá em abril de 2017 a fim de se
encontrar com os líderes chineses novamente. “Nós continuávamos a
explicar por que seria bom para a China deixar a Tesla construir uma fábrica
automotiva, mesmo que não fosse uma joint-venture”, diz Ren.
Como parte dos planos do presidente Xi Jinping de fazer do país um
centro da inovação na energia limpa, a China finalmente concordou, no
início de 2018, em deixar a Tesla construir uma fábrica sem ter que entrar
numa joint-venture. Ren e sua equipe conseguiram negociar um acordo por
mais de oitenta hectares perto de Xangai com empréstimos a juros baixos.
Ren voltou para os Estados Unidos com o propósito de discutir o acordo
com Musk em fevereiro de 2018. Infelizmente, Musk encontrava-se em
meio ao inferno de produção na fábrica de baterias em Nevada, e estava em
tal frenesi andando pelo chão de fábrica que Ren não foi capaz de conseguir
encurralá-lo para uma conversa. Os dois foram para Los Angeles juntos
naquela noite, mas só depois de pousarem Ren conseguiu conversar com ele.
Ren começou a mostrar uma sequência de slides com mapas, condições de
financiamento e termos do acordo, mas Musk não olhou para aquilo. Em
vez disso, ficou olhando para fora da janela do avião dele por quase um
minuto. Então encarou Ren e disse: “Você acredita que é a coisa certa a se
fazer?” Ren ficou tão desconcertado que parou por alguns segundos antes de
responder que sim. “Ok, vamos nessa”, decretou Musk e saiu do avião.
A cerimônia formal de assinatura com os líderes chineses aconteceu em
10 de julho de 2018. Musk foi a Xangai saído direto da caverna na
Tailândia, onde esteve com água até a cintura para entregar o
minissubmarino que havia construído para resgatar os jovens jogadores de
futebol. Ele trocou de roupa e vestiu um terno escuro, então ficou de pé
rigidamente no salão de banquetes vermelho enquanto todos trocavam
brindes. Os primeiros modelos Tesla começaram a sair da fábrica em
outubro de 2019. Em dois anos, a China estaria fabricando mais da metade
dos veículos da empresa.
capítulo 51
Cybertruck
Tesla, 2018-2019
***
Mark Juncosa
Em meio ao infernal verão de 2018, o sentido-aranha de Musk o estava
alertando para algo errado na Starlink. Os satélites eram grandes demais,
caros e difíceis de fabricar. Para conseguir uma escala lucrativa, eles teriam
que ser fabricados por um décimo do custo e dez vezes mais rápido. A
equipe da Starlink, porém, não parecia sentir essa urgência, o que para
Musk é um pecado capital.
Por isso, numa noite de domingo, em junho, sem muito alarde, ele voou
até Seattle para demitir toda a equipe de chefes da Starlink. Musk levou
consigo oito de seus mais experientes engenheiros de foguetes da SpaceX.
Nenhum deles sabia muito sobre satélites, mas todos sabiam como resolver
problemas de engenharia e aplicar o algoritmo de Musk.
O engenheiro que ele escolheu para assumir o comando foi Mark
Juncosa, que já era encarregado da engenharia estrutural na SpaceX. Isso
tinha como vantagem a integração do design e da produção de todos os
produtos da empresa, desde foguetes auxiliares até satélites, sob o controle
de um único gestor. O fato de esse gestor ser Juncosa era outra vantagem,
porque ele é um engenheiro febrilmente brilhante, capaz de fundir a mente
com a de Musk.
Juncosa cresceu como um surfista magricela no sul da Califórnia,
profundamente apaixonado pelo clima, pela cultura e pela atmosfera do
local, mas sem se deixar influenciar por aquela languidez despreocupada.
Ele usa o iPhone como fidget spinner, girando-o entre o polegar e o
indicador com a mágica de um equilibrista circense, e fala como uma
metralhadora de exclamações, cheias de “sabe”, “tipo” e “uau, cara”.
Juncosa estudou em Cornell, onde participou da equipe de Fórmula 1 da
faculdade. Em seu primeiro emprego, fabricava carrocerias de carros,
aproveitando as habilidades de construir pranchas, e depois foi integrado à
equipe de engenharia. “Eu, tipo, me apaixonei por aquilo, sabe, e fiquei, tipo
assim, sério, eu nasci para isso, cara”, diz ele.
Em uma visita a Cornell em 2004, Musk enviou um bilhete para alguns
professores de engenharia convidando-os a levar um ou dois alunos
prediletos para um almoço. “Foi, tipo, sabe, você quer comer de graça com
esse ricaço?”, conta Juncosa. “Superquero, estou dentro, claro.” Quando
Musk descreveu o que estava fazendo na SpaceX, Juncosa pensou: Cara, esse
sujeito é muito doido, e acho que vai perder todo o dinheiro, mas ele parece
superesperto e motivado, e eu gosto do estilo dele. No momento em que Musk
lhe ofereceu um emprego, ele aceitou na hora.
Juncosa impressionou Musk com seu jeito de correr riscos e quebrar
regras. Quando estava supervisionando o desenvolvimento da cápsula
Dragon, que leva carga do Falcon 9 até a órbita, ele foi repreendido várias
vezes pelo gerente de garantia de qualidade da SpaceX por não preencher a
papelada adequadamente. A equipe de Juncosa projetava a cápsula durante o
dia e passava a maior parte da noite construindo-a. “Eu disse para o cara
que a gente não tinha tempo pra documentar nossas ordens de serviço e
checagens de qualidade, a gente simplesmente ia construir e testar no final”,
diz ele. “O cara da qualidade ficou bem irritado, e com razão, e aí a gente foi
parar na baia do Musk, discutindo isso.” Musk ficou agitado e começou a
dar uma bronca no gerente de qualidade. “Foi muito tenso, mas ele e eu
estávamos superdecididos a fazer essa cápsula porque existia o risco de o
dinheiro acabar”, explica Juncosa.
Starlinks aprimorados
Quando assumiu a Starlink, Juncosa jogou fora o design existente e
recomeçou desde os princípios básicos, questionando todas as especificações
com base na física elementar. O objetivo era construir o satélite de
comunicação da forma mais simples possível e depois acrescentar os
penduricalhos. “Tínhamos reuniões que pareciam maratonas, e Elon insistia
em cada detalhe”, diz Juncosa.
Por exemplo, as antenas do satélite ficavam em uma estrutura à parte do
computador de voo. Os engenheiros haviam decretado que essas partes
ficassem termicamente isoladas umas das outras. Juncosa perguntara a razão
disso. Quando disseram que as antenas podiam superaquecer, ele pediu para
ver os dados dos testes. “Ao perguntar ‘por quê’ pela quinta vez, as pessoas
estavam tipo: ‘Caramba, talvez a gente devesse fazer um componente
integrado.’”
No fim do processo de design, Juncosa tinha transformado um ninho de
ratos em um satélite simples e plano. Esse satélite tinha o potencial de ser
muito mais barato. Era possível carregar uma quantidade duas vezes maior
na ogiva do Falcon 9, o que duplicava o número de satélites que cada voo
era capaz de colocar em órbita. “Eu fiquei, tipo, bem feliz com isso”, diz
Juncosa. “Fiquei ali pensando como eu tinha sido esperto.”
Musk, porém, continuava esquadrinhando todos os detalhes. Quando os
satélites foram lançados em um Falcon 9, havia conexões ligando cada
satélite ao solo para que eles fossem lançados um por vez e não esbarrassem
uns nos outros. “Por que não lançar todos de uma vez?”, perguntou ele. De
início, Juncosa e os outros engenheiros acharam que isso era maluquice. Eles
tinham medo de colisões. No entanto, Musk disse que o movimento da
espaçonave faria com que os satélites se separassem naturalmente. Se por
acaso eles se chocassem, seria algo lento e inofensivo. Então, eles se livraram
dos conectores, o que significou uma pequena economia de custo,
complexidade e massa. “A vida ficou muito mais fácil por termos reunido
essas partes”, diz Juncosa. “Eu fui bundão demais para sugerir isso, mas o
Elon fez a gente tentar.”
Em maio de 2019, o design do Starlink simplificado estava completo, e o
foguete Falcon 9 começou a lançá-los em órbita. Quatro meses depois,
quando entraram em operação, Musk estava em sua casa no sul do Texas e
postou no Twitter: “Publicando este tuíte por meio de um satélite da
Starlink no espaço.” Agora ele podia tuitar usando sua própria internet.
capítulo 53
Starship
SpaceX, 2018-2019
A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete mais
eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios satélites
de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma receita
abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um empreendedor
espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria possível fazer isso em
um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o Falcon Heavy. Os Falcons
só eram capazes de voar até uma certa altura. “Eu podia ganhar muito
dinheiro, mas não teria como tornar a vida multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de BFR.
Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e uma
espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120 metros de
altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais alto do que o
foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo, na década de
1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar mais de cem
toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o Falcon 9. E, em
algum momento, conseguiria transportar cem passageiros para Marte.
Embora estivesse assoberbado com as fábricas da Tesla de Nevada e de
Fremont, Musk encontrava tempo toda semana para dar uma olhada nas
renderizações dos serviços e das comodidades que a Starship ofereceria aos
passageiros durante uma viagem de nove meses a Marte.
***
Starbase
Boca Chica, no extremo sul do Texas, é uma versão do paraíso pouco
desenvolvida. Suas dunas de areia e as praias não têm o mesmo encanto de
Padre Island, uma área de resorts subindo a costa, mas as áreas de
preservação ambiental no entorno tornam o ambiente seguro para o
lançamento de foguetes. Em 2014, a SpaceX construiu uma plataforma de
lançamento rudimentar ali como plano B para Cabo Canaveral e
Vandenberg, mas o lugar ficou basicamente às moscas até 2018, quando
Musk decidiu que iria transformá-lo numa base dedicada à Starship.
Como a Starship era imensa, não fazia sentido construir em Los Angeles
e depois transportar para Boca Chica. Por isso, Musk decidiu que eles
deveriam construir uma unidade de fabricação de foguetes a cerca de três
quilômetros da plataforma de lançamento, em meio às áreas ensolaradas e
úmidas de Boca Chica, tomadas por vegetação rasteira e infestadas de
mosquitos. A equipe da SpaceX ergueu três imensas tendas parecidas com
hangares para abrigar as linhas de montagem e três galpões altos de metal
corrugado capazes de acomodar as Starships em posição vertical. Uma velha
construção que ficava no terreno foi dividida em baias, uma sala de
conferências e uma cantina com comida aceitável e café de primeira. No
início de 2020, havia quinhentos engenheiros e operários, cerca de metade
moradores da região, trabalhando 24 horas por dia, em turnos.
“Você precisa vir para Boca Chica e fazer o que for preciso para deixar
este lugar perfeito”, disse Musk para Elissa Butterfield, assistente dele na
época. “O futuro do progresso da humanidade no espaço depende disso.” Os
hotéis mais próximos ficavam em Brownsville, cerca de cinquenta
quilômetros para o interior, por isso Butterfield criou um parque de trailers
Airstream para servir de acomodação, com palmeiras compradas na Home
Depot, um bar tiki e um deque com lareira ao ar livre. Sam Patel, o jovem e
ansioso chefe de instalações, alugou drones e pulverizadores para tentar
controlar os mosquitos. “Não dá para chegar em Marte se os mosquitos nos
comerem antes”, disse Musk.
Musk se concentrou no projeto e no funcionamento das tendas que
serviam de fábrica, discutindo como as linhas de montagem deveriam ser
organizadas. Em uma visita no fim de 2019, ele ficou frustrado com o ritmo
lento. A equipe ainda não tinha produzido sequer uma ogiva que encaixasse
perfeitamente na Starship. Parado em frente a uma das tendas, lançou um
desafio: construir uma ogiva até o nascer do sol. Isso não era viável, lhe
disseram, porque eles não tinham o equipamento para calibrar o tamanho
preciso. “Nós vamos fazer uma ogiva até o nascer do sol nem que a gente
morra”, insistiu Musk. Ordenou que cortassem fora a parte de cima do
corpo do foguete e usassem isso para fazer as medições. Eles fizeram isso, e
ele ficou acordado com a equipe de quatro engenheiros e soldadores até a
ogiva ficar pronta. “Na verdade, a gente não tinha uma ogiva pronta quando
o dia raiou”, admite um dos membros da equipe, Jim Vo. “Só ficou pronta lá
para umas nove da manhã.”
***
***
Certa noite, James Musk, um primo jovem de Musk que era programador
da equipe do Autopilot, estava jantando com o chefe da equipe, Milan
Kovac, em um restaurante chique de São Francisco quando o celular tocou.
“Vi que era o Elon e pensei Ah, coisa boa não é”, lembra-se James. Ele andou
até o estacionamento, onde ouviu Musk dizer em um tom sombrio que a
Tesla iria quebrar se eles não fizessem algo dramático. Por mais de uma
hora, Musk perguntou a James quem na equipe do Autopilot era realmente
bom. Como acontecia muitas vezes quando ele entrava no modo crise,
Musk queria limpar a casa e demitir gente, mesmo em meio a uma onda de
trabalho.
Ele decidiu que precisava se livrar de todos os principais gestores da
equipe do Autopilot, mas Omead Afshar interveio e o convenceu a pelo
menos esperar o Dia da Autonomia. Shivon Zilis, que tinha a ingrata tarefa
de tentar servir de escudo entre Musk e a equipe, também tentou adiar as
demissões, assim como Sam Teller. Musk, não sem certa relutância,
concordou em esperar o Dia da Autonomia, mas não estava feliz. Ele
transferiu Zilis da Tesla para um cargo na Neuralink. Teller também acabou
saindo durante o turbilhão.
James Musk recebeu a tarefa de tentar integrar no software do Autopilot
a capacidade de ler sinais vermelhos e verdes em semáforos, uma tarefa
bastante básica que ainda não era parte do sistema. Ele conseguiu, mas ficou
evidente que a equipe não daria conta do desafio de Musk de demonstrar
um carro capaz de se autoconduzir por Palo Alto. À medida que o Dia da
Autonomia se aproximava, ele diminuiu a exigência para uma tarefa que era
apenas, como descreveria tempos depois, “insanamente difícil”: o carro teria
que andar pela sede da Tesla, ir até a rodovia, fazer uma volta que abrangia
sete curvas e voltar. “A gente não acreditava que ia conseguir fazer o que
Musk estava exigindo, mas ele acreditava”, diz Anand Swaminathan, um
membro da equipe do Autopilot. “Em questão de semanas, conseguimos
fazer o carro contornar sete curvas difíceis.”
Na apresentação do Dia da Autonomia, Musk mesclou, como fazia com
frequência, visão e empolgação. Nem na cabeça dele havia mais uma
fronteira clara entre aquilo em que ele acreditava e aquilo em que queria
acreditar. A Tesla, voltou ele a dizer, estava a mais ou menos um ano de
criar um veículo completamente autônomo. Àquela altura, a empresa
colocaria nas ruas 1 milhão de Robotáxis que as pessoas poderiam chamar
para levá-las de um lugar a outro.
Em uma reportagem, a CNBC disse que Musk “fez promessas ousadas e
visionárias que só os seguidores mais leais dele acreditavam que pudessem
ser cumpridas”. Musk também não impressionou plenamente grandes
investidores. “Fizemos várias perguntas difíceis quando falamos com ele em
uma chamada mais tarde na presença de analistas”, diz Joe Fath, gerente de
investimentos da T. Rowe Price. “Ele ficava dizendo: ‘Vocês simplesmente
não entendem.’ E então ele desligou na nossa cara.”
O ceticismo era justificado. Um ano depois — na verdade, nem sequer
quatro anos depois — não haveria 1 milhão de Robotáxis da Tesla, ou pelo
menos um único deles, andando de forma autônoma pelas ruas das cidades.
No entanto, por trás da empolgação e da fantasia, Musk conservava,
convicto, a visão de que, assim como foguetes reutilizáveis, um dia
transformaria nossa vida.
capítulo 55
Giga Texas
Tesla, 2020-2021
Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre Musk
e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles pegavam os
respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam nomes. Chicago
e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse propósito. A área de
Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que eles estavam tentando
fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de gente se opondo a qualquer
novo empreendimento no local, entupida de regulamentações e de
comissões enxeridas, além de estar assustada demais com a covid. Que tal
Tulsa? Ninguém tinha pensado no Oklahoma, mas as lideranças locais
haviam feito uma campanha animada que precisava ser levada em
consideração. Nashville? Omead Afshar disse que Nashville era um lugar
que as pessoas queriam visitar, mas não era um bom lugar para morar.
Dallas? O Texas era sedutor, mas Dallas, eles concordavam, era texana
demais. Que tal Austin, uma cidade universitária que tinha boa música e se
orgulhava de proteger os bolsos contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que fosse
grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade de
Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros mais
produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por semana,
mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto, confiando na
própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a ideia de desperdiçar
meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e vendo apresentações de
PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava sentado
no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos antes de a
SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas humanos, Musk
mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir morar em Tulsa ou
Austin?” Quando Afshar, com todo o devido respeito por Tulsa, deu a
Ó
resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo. Vamos construir a fábrica em
Austin, e você vai ser o responsável pela unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de Fremont e
Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e Afshar
ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário da
construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos construindo
com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado, apesar das
regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas, como
ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de Fremont e 50%
a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros, explicou Afshar, seria
a maior fábrica do mundo em área, depois que fossem acrescentados alguns
mezaninos. Havia um shopping center na China com mais metros
quadrados, e a Boeing, com vários hangares imensos, talvez tivesse mais
volume. “De quanto mais precisaríamos para podermos dizer que essa é a
maior construção do mundo?”, perguntou Musk. Mesmo com a expansão
de cerca de 45 mil metros quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu:
“Não vamos chegar lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na
conversa. Depois ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam quase
do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser melhor se elas
fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma proposta voltou
com vidraças produzidas sob medida, cada uma com quase dez metros de
altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve Jobs, que tinha uma
obsessão por vidro, não economizava para conseguir vidraças imensas para
lugares que serviriam de cartão de visitas da Apple, como a loja na Quinta
Avenida, em Nova York. Musk era mais cauteloso. Ele perguntou se o vidro
precisava ser tão espesso como o sugerido e também de que forma aquilo
afetaria o modo como o sol aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas
tolas do ponto de vista do custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado. “Não
dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O sujeito
explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento. Musk
insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será que o aço
pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso por dentro? O
técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer perguntas, mas a
intuição o levou a concluir que o processo deveria levar menos de um
minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo de atingir essa
meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não pode passar de 59
segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso pessoalmente”, disse Musk.
Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na sede
da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura do Model
S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao desmontar ele
viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No entanto, todo o fundo
do carro tinha sido fundido em uma peça única de metal. Numa reunião
com a equipe naquele dia, Musk pegou o brinquedo e o colocou na mesa de
reuniões branca. “Por que a gente não pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez Musk.
“Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de fundição
maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que trabalhavam
com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia. Contudo, uma empresa
chamada Idra Presse, na Itália, especializada em máquinas de fundição de
alta pressão, topou o desafio de construir máquinas muito grandes que
seriam capazes de produzir em grande escala o fundo inteiro do Model Y,
tanto a parte de trás quanto a da frente. “Fizemos a maior máquina de
fundição do mundo”, diz Afshar. “A máquina que produz o Model Y pesa 6
mil toneladas, e vamos usar uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio de
fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser soldadas,
rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores e
vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um processo
que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de brinquedos.
“Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e sem falhas, e
precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão ficar tristes.”
Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de brinquedos, como
robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica, Musk falou com um
grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão da modelagem das peças
de Lego. Elas são precisas e idênticas, com uma diferença que não passa de
mícrons, o que significa que cada parte pode ser facilmente substituída por
outra. Peças de carros precisavam ser assim. “Precisão não é algo caro”, diz
Musk. “Tem mais a ver com cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas
com precisão? Então dá para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020
Os adolescentes
Uma semana depois, os filhos mais velhos de Musk foram ver o pai e X.
Saxon, o filho com autismo, ficou particularmente empolgado porque
adorava bebês. Musk tinha começado a colecionar as observações simples e
sábias feitas por Saxon, e às vezes as compartilhava com Justine. “Saxon tem
uma percepção realmente interessante”, opina ela, “porque dá para ver que
ele está se debatendo com conceitos abstratos, como o tempo e o sentido da
vida. Ele pensa em termos bastante literais que te fazem perceber o universo
de modo diferente”.
Saxon é um trigêmeo, concebido por fertilização in vitro, e os dois
gêmeos dele eram idênticos: Kai e Damian. No começo, eles eram tão
parecidos que mesmo Justine dizia ter dificuldade em saber quem era quem.
Entretanto, eles se tornaram um estudo interessante sobre o papel da
genética, do ambiente e do acaso. “Eles moravam na mesma casa e no
mesmo quarto, e tinham as mesmas experiências e tiravam notas parecidas
nas provas”, afirma Musk. “Mas o Damian se achava inteligente e o Kai,
não, por algum motivo. Muito estranho.”
As personalidades deles eram muito diferentes. Damian era introvertido,
comia pouco, e aos 8 anos de idade anunciou que era vegetariano. Quando
perguntei a Justine por que ele havia tomado essa decisão, ela passou o
telefone para que Damian respondesse. “Para diminuir minha pegada de
carbono”, explicou. Ele se tornou um prodígio da música clássica, compôs
sonatas soturnas e praticava piano por horas, sem parar. Musk mostrava
vídeos, que ele gravava no iPhone, de Damian tocando. Ele também era um
mago da matemática e da física. “Acho que o Damian é mais brilhante do
que você”, disse Maye Musk certa vez para o filho, que assentiu com a
cabeça.
Kai, mais alto e de uma beleza impressionante, é extrovertido e adora
resolver problemas práticos pondo a mão na massa. “Ele é maior e mais
atlético do que o Damian, e protege muito o irmão”, conta Justine. Dos
filhos, ele é quem mais se interessa pelos aspectos técnicos dos trabalhos do
pai, e era ele quem tinha maior probabilidade de acompanhar Elon nas idas
a Cabo Canaveral para lançamentos de foguetes. Isso era um prazer para
Musk, que diz que sua grande tristeza se dá quando os filhos dizem que não
querem ficar com ele.
O irmão mais velho deles, Griffin, tinha a mesma visão ética e a mesma
doçura. Ele também entendia bem o pai. Certa noite no Texas, em um
evento na fábrica da Tesla, Griffin estava com alguns amigos quando o pai
perguntou se ele podia acompanhá-lo até a sala de espera nos bastidores.
Griffin hesitou e disse que queria ficar com os amigos; depois, olhou para
eles, deu de ombros e foi com o pai. Brilhante em ciências e matemática, o
garoto tinha uma ternura que faltava ao pai, além de ser a pessoa mais
sociável da família, pelo menos até a chegada de X.
E havia ainda o gêmeo não idêntico de Griffin. Xavier, cujo nome era
parcialmente em homenagem ao personagem favorito de Musk na série dos
X-Men, da Marvel, tinha muita determinação e desenvolveu um profundo
ódio ao capitalismo e à riqueza. Ocorriam longas e amargas discussões,
pessoalmente e por mensagens de texto, em que Xavier dizia várias vezes:
“Eu odeio você e tudo que você representa.” Esse foi um dos fatores que
levou Musk a vender suas casas e viver de modo menos luxuoso, mas isso
teve pouco efeito na relação. Em 2020, a situação já era irreparável. Xavier
não foi com os outros irmãos visitar o meio-irmão recém-nascido.
Por isso, Xavier e Elon estavam afastados quando Xavier, então com 16
anos, fez a transição de gênero, mais ou menos na época em que X nasceu.
“Oi, eu sou trans e meu nome agora é Jenna”, comunicou ela a Christiana,
esposa de Kimbal, por mensagem de texto. “Não conte para o meu pai.”
Jenna também mandou uma mensagem para Grimes, e igualmente pediu
que ela guardasse segredo. Tempos depois, Musk acabou sabendo por um de
seus seguranças.
***
Casas
A fúria de Jenna tornou Musk sensível ao ódio contra bilionários. Ele
acreditava que não havia nada de errado em ficar rico por meio de empresas
bem-sucedidas e de manter o dinheiro investido nelas. No entanto, em
2020, ele tinha passado a perceber que ficar com essas riquezas e gastá-las
generosamente com consumo pessoal era improdutivo e indecente.
Até então, Musk vivera no luxo. Sua casa principal, na área de Los
Angeles conhecida como Bel Air, que ele havia comprado por 17 milhões de
dólares em 2002, era um falso palácio de 1.400 metros quadrados com sete
quartos e uma suíte de hóspedes, onze banheiros, academia de ginástica,
quadra de tênis, piscina, uma biblioteca de dois andares, sala de cinema e
um pomar. Era um castelo para os cinco filhos dele, que ficavam com o pai
quatro dias por semana e tinham uma rotina que incluía aulas de tênis, artes
marciais e outras atividades na casa.
Quando a casa do ator Gene Wilder, do outro lado da rua, foi posta à
venda, Musk comprou-a para preservá-la. Depois, adquiriu três casas no
entorno e cogitou demolir algumas para construir sua casa dos sonhos. Ele
também era dono de uma propriedade de dezenove hectares, com treze
quartos, em estilo mediterrâneo, no Vale do Silício, avaliada em 32 milhões
de dólares.
No início de 2020, Musk decidiu se livrar de todas elas. “Estou vendendo
quase todos os meus bens materiais”, tuitou três dias depois do nascimento
de X. “Não vou ter mais casa.” Ele explicou para Joe Rogan o sentimento
que o levou a tomar essa decisão. “Acho que ter posses é meio que um peso,
e se transformou num motivo para ataques”, declarou Musk. “Nos últimos
anos, a palavra ‘bilionário’ virou um termo pejorativo, como se fosse algo
ruim. Eles dizem: ‘Ei, bilionário, você tem todas essas coisas.’ Bem, agora
eu não tenho coisas, e então, o que você vai fazer?”
***
Depois de concluir a venda das casas na Califórnia, Musk se mudou para o
Texas e Grimes foi logo em seguida. A casinha no condomínio de Boca
Chica, que ele alugou da SpaceX, se tornou a residência principal. Ele
passava a maior parte do tempo em Austin, onde ficava na casa de um
amigo da PayPal, Ken Howery, que fora embaixador na Suécia e depois
tirara um tempo para viajar pelo mundo. A casa de setecentos metros
quadrados em um lago formado pelo rio Colorado era parte de um
condomínio fechado onde muitos outros bilionários de Austin moravam.
Era um lugar perfeito para Musk reunir os filhos em datas especiais, até o
e Wall Street Journal contar que ele estava morando ali. “Parei de ficar na
casa do Ken depois que o Journal me dedurou”, diz. “As pessoas ficavam
indo lá, e alguém conseguiu passar pelo portão e entrar na casa quando eu
não estava.”
Depois de procurar sem muita vontade, Musk encontrou uma casa ali
perto que era grande o bastante e, em suas palavras, era “uma casa bacana,
mas não ia aparecer na Architectural Digest”. Os vendedores estavam pedindo
70 milhões de dólares, e ele ofereceu 60 milhões, o valor que recebeu
quando vendeu as casas na Califórnia. Àquela altura, porém, os vendedores,
que estavam lidando com a pessoa mais rica do mundo em um mercado
imobiliário superaquecido, queriam ainda mais do que tinham pedido
inicialmente. Musk recuou. Ele preferiu optar entre ficar no apartamento de
um amigo em Austin ou ficar na casa que Grimes alugara numa rua sem
saída e isolada.
* O termo woke refere-se a um conceito muito difundido nos Estados Unidos e significa algo como
“despertar”, o aumento da conscientização sobre questões sociais, raciais e políticas. [N. da E.]
capítulo 57
A pleno vapor
SpaceX, 2020
Kiko Dontchev
Depois de lançar astronautas rumo à estação espacial em maio de 2020, a
SpaceX fez, num período de cinco meses, uma série impressionante de onze
lançamentos de satélite não tripulado bem-sucedidos. Mas Musk, como
sempre, temia a complacência. A não ser que mantivesse um senso maníaco
de urgência, ele receava que a SpaceX pudesse acabar sem vigor e lenta,
como a Boeing.
Depois de um dos lançamentos em outubro daquele ano, Musk fez uma
visita tarde da noite ao Pad 39 A. Havia apenas duas pessoas trabalhando.
Visões como essa eram um gatilho para ele. Em todas as empresas que lhe
pertenciam, como os empregados do Twitter descobririam, ele esperava que
todo mundo trabalhasse com uma intensidade inclemente. “Nós temos 783
funcionários em Cabo Canaveral”, disse ele com uma raiva fria para o vice-
presidente de lançamentos. “Por que só dois deles estão trabalhando agora?”
Musk deu ao executivo 48 horas para preparar um relatório sobre o que
todos deveriam estar fazendo.
Quando não conseguiu as respostas que queria, Musk decidiu descobrir
por conta própria. Ele entrou no modo hardcore. Assim como tinha feito
nas fábricas da Tesla em Nevada e Fremont, e como faria mais tarde no
Twitter, mudou-se para o prédio — nesse caso, o hangar em Cabo
Canaveral — e começou a trabalhar sem parar. A presença dele durante
toda a noite era ao mesmo tempo uma performance e algo real. Na segunda
noite, ele não conseguiu encontrar o vice-presidente de lançamentos, que
tinha mulher e filhos, e, na visão de Musk, se ausentara sem permissão,
então pediu para falar com um dos engenheiros que vinha trabalhando com
ele no hangar, Kiko Dontchev.
Dontchev nasceu na Bulgária e migrou para os Estados Unidos ainda
criança, quando o pai, um matemático, aceitou um emprego na
Universidade do Michigan. Dontchev fez graduação e pós-graduação em
engenharia aeroespacial, o que o levou àquela que ele imaginou ser a
oportunidade dos sonhos: um estágio na Boeing. Contudo, ele rapidamente
se desencantou e decidiu visitar um amigo que estava trabalhando na
SpaceX. “Nunca vou esquecer aquele dia, quando andei pela SpaceX”, disse.
“Todos aqueles engenheiros jovens trabalhando duro, vestindo camisetas,
exibindo tatuagens e sendo exigentes pra cacete para fazer as coisas
acontecerem. Pensei: Esse é o meu pessoal. Eu não tinha nada a ver com o
clima engomadinho e terrível da Boeing.”
No verão daquele ano, ele fez uma apresentação para um dos vice-
presidentes da Boeing em que contava como a SpaceX estava dando espaço
para que jovens engenheiros inovassem. “Se a Boeing não mudar”, disse,
“vocês vão perder os maiores talentos”. O vice-presidente respondeu que
não estava em busca de revolucionários. “Talvez a gente não queira os
melhores, mas aqueles que vão ficar por aqui mais tempo.” Dontchev se
demitiu.
Em uma conferência em Utah, ele foi a uma festa dada pela SpaceX e,
depois de alguns drinques, tomou coragem para falar com Gwynne
Shotwell. Dontchev tirou do bolso um currículo amassado e mostrou a ela
uma foto do hardware de satélite em que vinha trabalhando. “Eu consigo
fazer as coisas acontecerem”, disparou para ela.
Shotwell achou divertido. “Qualquer um que tenha coragem de me trazer
um currículo amassado pode ser um bom candidato”, disse. Ela o convidou
para fazer uma entrevista na SpaceX. Ele tinha hora marcada, às três da
tarde, para falar com Musk, que continuava entrevistando todos os
engenheiros que desejavam ser contratados. Como sempre, Musk estava
irritado, e disseram a Dontchev que ele teria que voltar outro dia. Em vez
disso, Dontchev ficou sentado do lado de fora da baia de Musk por cinco
horas. Quando finalmente conseguiu se encontrar com ele, às oito,
Dontchev aproveitou a oportunidade para falar de como seu entusiasmo não
era valorizado na Boeing.
Sempre que estava contratando ou promovendo, Musk fazia questão de
priorizar a atitude, não as habilidades descritas no currículo. E a definição
dele de boa atitude era um desejo maníaco de trabalhar. Musk contratou
Dontchev na hora.
***
Desafio
A pressão de Musk para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar regras e
questionar exigências permitiu, por um lado, que ele realizasse grandes
façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes quantidades de
carros elétricos e tirar proprietários de casas da rede elétrica. Por outro, isso
significava que ele fazia coisas — como ignorar as regras da Comissão de
Valores Mobiliários ou desafiar as restrições impostas pela Califórnia
durante a pandemia de covid — que lhe criavam problemas.
Hans Koenigsmann era um dos engenheiros originais recrutados por
Musk para a SpaceX em 2002. Ele tinha sido parte do intrépido grupo em
Kwaj durante os três primeiros voos fracassados e depois da primeira missão
bem-sucedida do Falcon 1. Musk o promoveu a vice-presidente encarregado
da confiabilidade de voo, para ter certeza de que os voos eram seguros e
seguiam as regulamentações. Não era um trabalho fácil quando o chefe era
Musk.
No fim de 2020, a SpaceX se preparava para lançar como teste não
tripulado o foguete auxiliar Super Heavy. Todos os voos precisam seguir as
exigências impostas pela Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla
em inglês), o que incluía as orientações relativas ao clima. Naquela manhã, o
inspetor da FAA que estava monitorando o lançamento remotamente
determinou que os ventos em altitude tornavam o procedimento inseguro.
Caso houvesse uma explosão no lançamento, as casas por perto poderiam
ser impactadas. A SpaceX apresentou o modelo dela de previsão climática, o
qual afirmava que as condições eram seguras, e pediu permissão para seguir
em frente, mas a FAA recusou.
Ninguém da FAA estava na sala de controle, e havia uma leve dúvida
(não muito séria) sobre quais eram as regras, de modo que o diretor de
lançamento se virou para Elon e inclinou a cabeça, sem falar nada, como se
perguntasse se deveria prosseguir. Musk silenciosamente fez que sim. O
foguete decolou. “Foi tudo muito sutil”, diz Koenigsmann. “É típico do
Elon. Uma decisão de correr um risco comunicada por um movimento com
a cabeça.”
O lançamento do foguete foi perfeito, e o clima não atrapalhou, embora
o foguete de fato tenha apresentado problemas quando tentou pousar a dez
quilômetros dali. A FAA abriu uma investigação para saber por que a
determinação dela quanto ao clima havia sido ignorada, e decidiu suspender
todos os testes da SpaceX por dois meses, mas acabou não impondo penas
mais severas.
Como parte de seu trabalho, Koenigsmann escreveu um relatório sobre o
incidente, e não tentou disfarçar o que a SpaceX tinha feito. “A FAA é
incompetente e conservadora, uma combinação ruim; mesmo assim, eu
precisava de uma autorização deles antes da decolagem, o que nós não
tínhamos”, disse. “Elon ordenou o lançamento quando a FAA disse que nós
não podíamos prosseguir. Então, escrevi um relatório sincero que dizia isso.”
Ele queria que a SpaceX e Musk assumissem a culpa.
Essa não era a atitude que Musk valorizava. “Ele não via as coisas assim,
e ficou irritado, muito irritado”, lembra Koenigsmann.
Koenigsmann estava na SpaceX desde os primeiros e difíceis dias, e
Musk não quis demiti-lo na hora. No entanto, retirou de Koenigsmann a
atribuição de supervisionar os voos e acabou demitindo-o meses depois.
“Você fez um trabalho incrível durante muitos anos, mas a hora da
aposentadoria chega para todo mundo”, escreveu Musk para ele num e-
mail. “A sua chegou agora.”
capítulo 58
Bezos versus Musk, 2o round
SpaceX, 2021
Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para saber
quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk ganhou),
quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse chegado ao limite
do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que pusesse carga em órbita
(Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk). O espaço era uma paixão
pessoal dos dois, e a competição entre eles, assim como a que havia ocorrido
entre os barões das ferrovias um século antes, serviria para tornar os avanços
no campo mais rápidos. Apesar das reclamações sobre o espaço ter se
tornado um hobby de meninos bilionários, a visão deles de privatizar os
lançamentos foi o que impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado
atrás da China e até mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração
espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava de
algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir um só
foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de Musk no
Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin, e Musk
participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou ele.
***
***
Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área de
satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado quase
2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no espaço estava
disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início a planos para que
a Amazon criasse uma constelação semelhante de satélites e uma internet
própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o momento, nenhum satélite
havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o número
médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção humana. No
caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar quantos fótons eram
coletados pelos painéis solares dos satélites em comparação com o que eles
eram capazes de mandar de forma útil para a Terra. Era uma proporção
enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa jamais havia pensado naquilo.
“Eu certamente nunca tinha pensado nisso como uma métrica”, conta ele.
“Isso me forçou a testar ideias criativas sobre como podíamos aumentar a
eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da Starlink,
e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal de
Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma altitude
orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que reduziria a
latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela constelação
da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo que este
protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no Twitter, e
escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual à palavra em
espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e agora tem um
emprego em tempo integral: se dedica a processar a SpaceX.” A FCC
determinou que Musk podia prosseguir com os planos.
Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão de
2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão Mark iriam
voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a entrar em órbita)
em um salto de onze minutos em um foguete da Blue Origin. Ele seria o
primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um modelo
de negócios em grande medida dependente de levar ricos em busca de novas
experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O talento para o
marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o espírito da empresa.
Ele sabia que não havia maneira melhor de promover a empresa de turismo
espacial, e de se divertir muito (algo que ele adorava fazer), do que entrar
em um dos foguetes dele próprio. Por isso, depois que ficou impossível para
Bezos mudar a data de lançamento de seu foguete, Branson anunciou que
voaria no dia 11 de julho, nove dias antes. Sempre interessado em
transformar tudo em espetáculo, ele convidou o apresentador Stephen
Colbert para narrar a transmissão e o cantor Khalid para apresentar uma
música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do lançamento,
Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali com o bebê X.
“Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”, conta Branson. Musk
estava descalço e vestia uma camiseta preta estampada com a frase
, em comemoração aos 50 anos da missão à Lua. Eles
se sentaram e conversaram por algumas horas. “Parece que ele não dorme
muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a altitude
de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco funcionários
da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros, o que criou uma
pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao “espaço” de fato —
que, pela definição da NASA, começa oitenta quilômetros acima da Terra,
mas outras nações dizem que começa na linha de Kármán, a cem
quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida. Musk,
obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e a equipe
atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha de Kármán,
o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula espacial deles pousou
delicadamente de paraquedas no deserto do Texas, onde a mãe de Bezos,
muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar disso,
ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um passo
pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita exige mais
ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para um voo
suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você precisa queimar
essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado para se proteger do
calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens de magnitude mais
difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo na
imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas que
eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante quando
Bezos comprou o e Washington Post. Ao ser contatado pelo jornal em
2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não se
meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos espaciais
Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de Musk, incluído
um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk está bem à frente
em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A SpaceX enviou três grupos
de astronautas para a Estação Espacial Internacional, e na terça-feira deve
enviar uma equipe de astronautas civis em uma viagem de três dias
orbitando a Terra. A Blue Origin realizou apenas uma missão suborbital ao
espaço, que durou somente cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021
Custos do Raptor
Poucas semanas depois desse surto, Musk voltou a atenção para o Raptor, o
motor que impulsionaria a Starship. Movido a metano líquido super-
resfriado e a oxigênio líquido, o Raptor tinha mais do que o dobro do
empuxo do motor Merlin do Falcon 9. Isso significava que a Starship teria
mais empuxo do que qualquer outro foguete na história.
Todavia, o motor Raptor não iria levar a humanidade a Marte
simplesmente por ser potente. Ele também precisaria ser fabricado às
centenas a um custo razoável. Cada Starship precisaria de cerca de quarenta
deles, e Musk vislumbrou uma frota de dezenas de Starships. O Raptor era
complexo demais para ser fabricado em massa. Ele parecia um emaranhado
de espaguete. Por isso, em agosto de 2021, Musk demitiu a pessoa
encarregada do design e assumiu pessoalmente o título de vice-presidente de
propulsão. O objetivo era reduzir o custo de cada propulsor em cerca de 200
mil dólares, um décimo do custo na época.
Certa tarde, Gwynne Shotwell e o CFO da SpaceX, Bret Johnsen,
organizaram um pequeno encontro com a pessoa do departamento
financeiro encarregada de supervisionar os custos do Raptor. Entra em cena
um jovem analista financeiro com aparência de estudioso chamado Lucas
Hughes, cujo visual ligeiramente elitista era mitigado por um rabo de
cavalo. Ele jamais havia interagido diretamente com Musk, e não tinha
certeza se o patrão sabia seu nome. Portanto, estava nervoso.
Musk começou um sermão sobre coleguismo. “Quero ser superclaro”,
começou. “Você não é amigo dos engenheiros. Você é o juiz. Se você for
popular entre os engenheiros, isso é mau sinal. Se você não pisar no calo de
ninguém, eu vou te demitir. Está claro?” Hughes gaguejou um pouco
enquanto dizia que sim.
Desde que tinha voltado da Rússia e calculado os custos para produzir
seus foguetes, Musk havia usado algo que ele apelidou de “índice de
idiotice”. Essa era a proporção entre o custo total de um componente e o
custo das matérias-primas utilizadas. Algo com um alto índice de idiotice
— digamos, um componente que custa mil dólares quando o alumínio
usado em sua fabricação custa apenas cem — tinha alta probabilidade de ter
um design complexo demais ou um processo de manufatura ineficiente. Nas
palavras de Musk, “se a proporção for alta, você é um idiota”.
“Quais são as melhores peças do Raptor segundo o índice de idiotice?”,
perguntou Musk.
“Não tenho certeza”, respondeu Hughes. “Vou descobrir.” Isso não era
bom. O rosto de Musk se fechou e Shotwell me olhou preocupada.
“No futuro, é melhor você ter certeza de que saiba essas coisas de cor”,
disse Musk. “Se chegar numa reunião e não souber quais são as peças
idiotas, sua demissão vai ser aceita imediatamente”, falou sem alterar a voz
nem demonstrar qualquer emoção. “Como você pode não saber quais são as
melhores e piores peças?”
“Eu conheço a planilha de custo nos mínimos detalhes”, comentou
Hughes em voz baixa. “Só não sei o custo das matérias-primas dessas
peças.”
“Quais são as cinco piores peças?”, perguntou Musk. Hughes olhou para
o computador para ver se conseguia calcular uma resposta. “NÃO! Não olhe
para a sua tela”, esbravejou Musk. “Diga só uma. Você deveria saber quais
são as peças problemáticas.”
“Tem a tampa da injeção”, disse Hughes hesitante. “Acho que custa 13
mil dólares.”
“É feita de apenas uma peça de aço”, retrucou Musk, passando a
interrogar o funcionário. “Quanto custa essa matéria-prima?”
“Acho que na casa dos milhares de dólares”, respondeu Hughes.
Musk sabia a resposta. “Não. É só aço. São uns 200 dólares. Você errou
feio. Se você não melhorar, sua demissão será aceita. Esta reunião acabou.
Chega.”
***
A lição de Lucas
Um ano depois, decidi ver o que tinha acontecido com as duas pessoas que
Musk tinha criticado no verão de 2021, Lucas Hughes e Andy Krebs.
Hughes se lembrava nitidamente de cada momento. “Musk ficava
insistindo comigo sobre os custos da tampa da injeção”, diz. “Ele estava
certo sobre o custo da matéria-prima, e na hora eu não consegui explicar
direito os outros custos.” Quando Musk continuou interrompendo o que ele
dizia, Hughes recorreu ao treinamento como ginasta.
Ele fora criado em Golden, no Colorado, e era apaixonado por ginástica.
Desde os 8 anos, treinava trinta horas por semana. A ginástica ajudou
Hughes a ter um alto rendimento acadêmico. “Eu era superatento aos
detalhes, supercompetitivo, dedicado e disciplinado”, comenta. Em
Stanford, ele competiu em todas as seis modalidades masculinas, o que
exigiu treinamento ao longo do ano todo, ao mesmo tempo que cursava
engenharia e finanças. A aula favorita dele se chamava construindo o futuro
com materiais de engenharia. Quando se formou, em 2010, ele foi trabalhar
na Goldman Sachs, mas queria fazer algo mais próximo da engenharia de
verdade. “Eu era um nerd que adorava coisas espaciais quando criança”, diz,
de modo que ele se candidatou quando soube que a SpaceX tinha anunciado
uma vaga de analista financeiro. Hughes foi trabalhar lá em dezembro de
2013.
“Quando o Elon estava me dando aquela bronca, eu me concentrei muito
em tentar manter a compostura”, revela ele. “A ginástica te ensina a manter
a calma em situações de muita pressão. Eu só estava tentando manter a
calma e não desabar.”
Após a segunda reunião, quando já tinha todas as informações sobre o
“índice de idiotice” na ponta da língua, ele nunca mais teve problemas com
Musk. Sempre que surgiam questões relativas a custos em reuniões
posteriores sobre o Raptor, Musk costumava perguntar o que Hughes
achava, e o chamava pelo nome. Por acaso, Musk reconhecia que tinha
passado por cima dele como um trator? “Essa é uma boa pergunta”,
responde Hughes. “Não faço ideia. Não sei se ele internaliza essas reuniões
ou se lembra delas. Só sei que, depois disso, ele ao menos sabia o meu
nome.”
Pergunto se Hughes estava distraído na primeira reunião em função da
morte da filha. Ele faz uma pausa, talvez surpreso por eu saber disso, e
depois pede que eu não mencione isso no livro. Uma semana depois, porém,
ele me mandou um e-mail. “Conversei com a minha esposa, e não tem
problema se você contar a história.” Apesar da crença de Musk de que todo
feedback deve ser impessoal, às vezes as coisas são, na verdade, pessoais.
Shotwell entende isso. “Gwynne definitivamente se importa com as pessoas,
e acho que é importante que ela exerça esse papel na empresa”, opina
Hughes. “Elon se importa muito com a humanidade, mas com a
humanidade num sentido bem mais amplo.”
Tendo passado doze anos compenetrado em treinos de ginástica, Hughes
gostava da mentalidade superdedicada de Musk. “Ele está disposto a
simplesmente se jogar por completo nessa missão, e é isso o que ele espera
dos outros”, fala. “Isso tem um lado bom e um lado ruim. Você certamente
percebe que está sendo usado como ferramenta para atingir esse objetivo
maior, e isso é ótimo. As ferramentas, porém, ficam gastas, e ele acha que
pode simplesmente substituí-las.” Na verdade, como ele demonstrou ao
comprar o Twitter, Musk não vê as coisas assim. Ele acha que quando as
pessoas querem priorizar o conforto e o lazer, elas devem sair.
Foi o que Hughes fez em maio de 2022. “Trabalhar para o Elon é uma
das coisas mais empolgantes que você pode fazer, mas não sobra tempo para
mais nada na vida”, confessa ele. “Às vezes isso compensa. Se o Raptor se
tornar o propulsor mais acessível já criado e nos levar a Marte, os danos
colaterais vão ter valido a pena. Foi nisso que eu acreditei por mais de oito
anos. Mas agora, principalmente depois da morte de nosso bebê, é hora de
eu me concentrar em outras coisas na vida.”
A lição de Andy
Andy Krebs lidou de outra forma, pelo menos no começo. Assim como
Hughes, ele fala com tranquilidade e é naturalmente gentil, com uma
covinha no queixo e um sorriso largo, mas não fica tão à vontade quanto
Mark Juncosa e Kiko Dontchev quando vira alvo durante uma conversa com
Musk. Num encontro preparatório para uma reunião em que a equipe
discutia quem iria apresentar certos dados desagradáveis sobre vazamento de
metano, Krebs disse que não estaria presente, então Juncosa começou a
balançar os cotovelos e a cacarejar, querendo dizer que ele era covarde. No
entanto, Krebs tem moral com Juncosa e outras pessoas na Starbase, pois
acham que ele se saiu bem quando Musk o usou como alvo no incidente da
torre de lançamento que deu início à onda de trabalho.
Musk frequentemente se repete em reuniões. Em parte, o objetivo é dar
ênfase; em parte, é só uma invocação de um mantra, como num transe.
Krebs aprendeu que um modo de tranquilizá-lo era repetir o que ele dizia.
“Musk quer ter certeza de que você escutou”, comenta ele. “Então, aprendi a
repetir o feedback dele. Se ele diz que as paredes deviam ser amarelas, eu
digo: ‘Entendi, isso não deu certo, vamos pintar as paredes de amarelo.’”
O método funcionou naquela noite na torre de lançamento. Embora
Musk às vezes pareça não perceber como as pessoas estão reagindo, ele pode
ser bom em determinar quem é capaz de lidar com situações difíceis. “Eu
acho, na verdade, que o Krebs sabia que tinha feito besteira”, diz Musk. “A
reação dele ao feedback foi boa. Consigo trabalhar com as pessoas se elas
têm uma reação boa a feedbacks importantes.”
Como resultado, perto da meia-noite de uma sexta-feira, poucas semanas
depois da onda, Musk ligou para Krebs e deu a ele novas atribuições em
Boca Chica, entre as quais a tarefa importantíssima de colocar os
propelentes nos motores. “Ele vai reportar diretamente a mim”, escreveu
Musk num e-mail para a equipe. “Por favor, deem a ele todo o apoio
possível.”
Certo domingo, poucos meses depois, quando a Starship estava
novamente sendo montada na torre de lançamento, o vento aumentou e
alguns dos funcionários não quiseram subir até o topo da torre, onde havia
trabalho a ser feito, como a remoção do revestimento e a feitura das
conexões necessárias. Por isso, o próprio Krebs subiu e começou a fazer o
trabalho. “Eu precisava garantir que todos os funcionários continuassem
motivados”, fala ele. Perguntei se ele tinha feito isso por ter sido inspirado
por Musk, que gostava de ser um general na frente de batalha, ou se fora
por medo. “É como Maquiavel ensinava”, respondeu Krebs. “Você precisa
sentir medo e amor pelo líder. As duas coisas.”
Essa atitude sustentou Krebs por mais dois anos. Contudo, no início de
2023, ele se tornou mais um refugiado da estratégia superintensa de Musk.
Depois de se casar e ter um filho, decidiu que era hora de seguir em frente e
encontrar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal.
capítulo 60
Onda solar
Verão de 2021
***
A disposição de Brian Dow nunca diminuiu. “Sou a pessoa que vai
literalmente varrer o chão se isso for ajudar a empresa”, disse ele para Musk.
Apesar disso, ele tinha uma tarefa impossível. O negócio de instalar
telhados solares exige muito trabalho, e não dá para ser feito em escala.
Musk era um mestre em desenhar fábricas que poderiam reduzir o custo dos
produtos físicos ao produzi-los em quantidades cada vez maiores, mas o
custo de cada instalação de telhado não se altera se você instalar dez ou cem
por mês. Musk não tinha paciência para esse tipo de empreendimento.
Apenas três meses depois de contratá-lo para dirigir o negócio de
telhados solares da Tesla, Musk convocou Dow de volta a Boca Chica. Era
aniversário de Dow, e ele tinha planejado ficar com a família, mas correu
para ir até lá. Quando perdeu a conexão em Houston, alugou um carro,
dirigiu seis horas pela costa do Texas e chegou às onze da noite. Uma equipe
estava refazendo o telhado na mesma casa em que havíamos estado em
agosto, dessa vez com novos métodos e componentes. Quando Dow
chegou, Musk estava em pé no topo do telhado, e as coisas pareciam estar
correndo bem o bastante. “A equipe está indo bem usando nossos novos
métodos”, diz Dow. “Estavam terminando a instalação em apenas um dia.”
No entanto, quando Dow subiu e se juntou a ele no topo, Musk começou
a questioná-lo sobre valores. Dow é um homem grande, maior do que
Musk, e eles estavam com dificuldade para se manter em pé no telhado,
escorregadio devido à maresia. Então, eles se sentaram no topo enquanto
Dow revisava as cifras em seu iPhone. O queixo de Musk endureceu
quando ele viu quanto dinheiro estavam perdendo em cada telhado
instalado. “Você precisa cortar custos”, falou. “Tem que me mostrar um
plano na semana que vem para reduzir os custos pela metade.” Assim como
antes, Dow demonstrou entusiasmo. “Ok, vamos nessa”, falou. “Vamos
arrasar e reduzir custos.”
Ele passou todo o fim de semana trabalhando em um plano de corte de
custos para apresentar para Musk na segunda. Contudo, assim que a reunião
começou, Musk mudou de assunto e questionou Dow sobre quantas
instalações haviam sido concluídas na semana anterior e pediu detalhes
sobre a redistribuição de pessoal. Dow não tinha algumas das respostas, e
reclamou que estava trabalhando desde o aniversário dele no plano para
reduzir custos, não nos detalhes sobre os quais Musk o questionava agora.
“Obrigado por tentar”, disse Musk finalmente, “mas não está dando certo”.
Dow levou um minuto para perceber que estava sendo demitido. “Foi a
demissão mais estranha que você pode imaginar”, comentou Dow depois.
“Já tínhamos passado por muitas coisas juntos, e no fundo Elon sabe que
tenho algo de especial. Ele sabe que dou conta do recado, porque já fizemos
isso no passado, na fábrica de baterias de Nevada. Mas ele achava que eu
estava perdendo o jeito, apesar de eu ter perdido meu aniversário com
minha família para estar em cima daquele telhado com ele.”
Após a saída de Dow, Musk ainda não havia conseguido acertar os
números. Um ano depois, a Tesla Energy estava instalando cerca de trinta
telhados por semana, muito longe dos mil telhados que Musk ficava
insistindo que fizessem. Todavia, o fervor em resolver o problema cedeu em
abril de 2022, quando um tribunal em Delaware decidiu a favor de Musk
em um processo pela compra da SolarCity pela Tesla. Com aquela ameaça
encerrada, ele não se sentia mais tão desesperado assim para mostrar que a
aquisição fazia sentido do ponto de vista das finanças.
capítulo 61
Luzes apagadas
Verão de 2021
Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os carros
elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial. Você acha
que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu timidamente
enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador convidado do
Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna para outra, ele estava
fazendo um trabalho passável ao tentar transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco aqui
hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu emulador
funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e fez
isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia que
eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke de Musk,
envolvia-o representando um James Bond totalmente woke, mas não
funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora por
volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras pessoas,
para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por mais
algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na infância não
sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou isso”.
Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava. Entretanto,
quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de 2021, ele havia
acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço para aliviar a dor da
lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de sumô na festa de
aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma reunião tranquila com
amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e Saxon.
Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos foguetes de
garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode fazer o que
quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde se
irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser mínimo —
só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras exigências de
design devem ter um nome individual atribuído a elas. Nada de design
coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente acordou,
reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para funcionários
que a SpaceX havia construído perto da base de lançamento. Depois, todos
foram para a pequena casa dele e se reuniram no estúdio ainda menor, que
ficava na cabana no quintal em que Grimes trabalhava. Havia apenas
almofadões no chão, e eles simplesmente ficaram ali, Musk deitado no chão
com uma almofada sob o pescoço, e conversaram até o dia raiar.
* “Se eu o amasse menos/ Faria com que ele ficasse/ Mas ele tem que ser o melhor/ Jogador/ Estou
apaixonada pelo maior jogador/ Mas ele sempre vai amar o jogo/ Mais do que me ama/ Navegue para
longe/ Para a fria imensidão do espaço/ Nem mesmo o amor/ Conseguiu te segurar aqui.” [N. da T.]
capítulo 62
Inspiration4
SpaceX, setembro de 2021
***
A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que essa
era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a Inspiration4
faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira mestra”, e lançou
feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair da
Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido que
lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi empurrando o ex-
parceiro para fora após o relatório que ele escreveu sobre a desobediência às
ordens meteorológicas da FAA. Depois que o foguete Inspiration4 decolou,
ele se aproximou e abraçou desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei
preocupado com a possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou
emotivo”, confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando Koenigsmann
estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a fim de checar seu
feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a última missão dele”,
disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito, mas
não é emocionalmente carinhoso.”
***
***
Jake McKenzie
Enquanto comandava reuniões na sala de conferências todas as noites,
Musk estava procurando alguém que pudesse supervisionar o design do
Raptor. “Há algum líder em ascensão?”, perguntou Shotwell a ele depois de
uma das sessões de Musk com engenheiros menos graduados.
“Minha rede neural para avaliar capacidade de engenharia é boa, mas é
difícil quando eles estão camuflados”, reclamou Musk. Então, ele começou a
fazer também sessões individuais, nas quais enchia de perguntas os
engenheiros de nível médio.
Depois de algumas semanas, um jovem engenheiro chamado Jacob
McKenzie começou a se destacar. A combinação de um sorriso angelical
com dreadlocks na altura dos ombros o deixava com uma aparência
descolada mas discreta. Musk gosta de dois tipos de assistente: os Red Bulls,
como Mark Juncosa, altamente cafeinados, loquazes e que vomitam ideias, e
os Spocks, cuja fala comedida lhes dá a típica aura de competência de um
vulcano. McKenzie fazia parte desta última categoria.
Ele havia sido criado na Jamaica e depois se mudou para o norte da
Califórnia, onde se interessou por carros, foguetes e “qualquer coisa com
muita engenharia pesada”. A família dele era pobre, e ele trabalhou num
armazém para ganhar algum dinheiro durante o ensino médio. McKenzie
economizou com o objetivo de ir para a Santa Rosa Junior College, onde
estudou engenharia, e se saiu bem o suficiente a ponto de conseguir se
transferir para Berkeley e depois para a graduação no MIT, onde fez um
doutorado em engenharia mecânica.
Na SpaceX, onde começou a trabalhar em 2015, ele geria uma equipe
que produzia as válvulas para o motor Raptor. É uma função
importantíssima. Muitas vezes quando a contagem regressiva é
interrompida, a causa é um vazamento em uma válvula. McKenzie tinha
interagido com Musk poucas vezes, e ficou surpreso quando o patrão
começou a falar sobre a possibilidade de ele comandar o programa Raptor.
“Eu achava que Musk nem sabia o meu nome”, confessa McKenzie. Talvez
fosse o caso, mas Musk sabia que o trabalho dele era bom. A equipe de
McKenzie havia melhorado os atuadores da Starship, um dos muitos
projetos nos quais Musk mergulhou pessoalmente.
Certa noite em setembro de 2021, pouco depois da meia-noite, Musk
enviou uma mensagem para McKenzie: “Está acordado?” De modo nada
surpreendente, McKenzie respondeu: “Sim, acordado, vou ficar no
escritório pelo menos mais algumas horas.” Musk ligou e disse que ia
promovê-lo. Às quatro e meia da manhã, ele enviou um e-mail. “Jake
McKenzie vai responder diretamente a mim daqui em diante”, escreveu.
Musk disse que um dos seus objetivos era “trocar a maioria dos flanges e das
peças feitas de liga Inconel por ligas de aço soldáveis, bem como excluir
qualquer peça que seja *potencialmente* desnecessária. Se nós não tivermos
que recolocar algumas peças, significa que não eliminamos o suficiente”.
McKenzie começou a aplicar soluções no estilo da indústria automotiva,
o que em alguns casos resultava em peças 90% mais baratas. Ele pediu a
Lars Moravy, um dos principais executivos na Tesla, para caminhar com ele
pela linha de produção da SpaceX e sugerir técnicas automotivas que
poderiam simplificar as coisas. Às vezes, Moravy ficava tão chocado com as
complexidades desnecessárias na linha de motores de foguetes que cobria os
olhos. “Ok, dá para tirar as mãos do rosto?”, perguntou McKenzie. “Porque
isso está me magoando demais.”
A maior mudança que Musk fez foi colocar engenheiros de projeto no
comando da produção, como havia feito por um tempo na Tesla. “Criei
grupos de design e produção separados há muito tempo, e foi um erro
idiota”, disse em uma das primeiras reuniões que McKenzie liderou. “Você é
responsável pelo processo de produção. Não pode repassar essa tarefa para
ninguém. Se o design custa caro para produzir, mude o design.” McKenzie e
toda a equipe dele de engenharia deslocaram as 75 mesas para que ficassem
ao lado das linhas de montagem.
O motor 1337
Um método que Musk usava quando um problema se tornava complicado
era voltar a atenção para o projeto de uma versão futura do produto. Foi isso
que ele fez com o Raptor algumas semanas depois que McKenzie assumiu:
declarou que passariam a se dedicar a fazer um motor completamente novo.
Seria algo tão diferente que ele não queria batizá-lo com o nome em inglês
de alguma espécie de falcão, como Merlin ou Kestrel. Em vez disso, decidiu
usar um meme do mundo da programação e chamá-lo de 1337, que se
pronunciava “LEET” (os números se assemelham ligeiramente a essas
letras). O objetivo era fazer um motor que custasse menos de mil dólares
por tonelada de impulso, e que dessa forma seria, disse ele, “o
desenvolvimento fundamental necessário para tornar a vida
multiplanetária”.
O objetivo de desenhar um motor novo era fazer todo mundo pensar de
modo ousado. “Nosso objetivo é o grande motor da aventura”, disse Musk
em um discurso motivacional para a equipe. “Existe uma chance de êxito
maior que zero? Caso sim, inclua no projeto! Se descobrirmos que as
mudanças que fizemos são ousadas demais, voltamos atrás.” O objetivo
principal era fazer um motor reduzido às características mais essenciais. “Há
muitas maneiras de se esfolar um gato”, disse. “Mas é importante saber
como é o gato sem pele. A resposta é: musculoso e cheio de saliências.”
Ainda naquela noite, ele mandou uma sequência de mensagens para
enfatizar como estava falando sério sobre esse novo plano. “Não estamos
mirando na Lua”, escreveu. “Estamos mirando em Marte. Um sentimento
maníaco de urgência é o nosso princípio operacional.” Em uma mensagem
que mandou diretamente para McKenzie, ele acrescentou: “O motor
SpaceX 1337 é o último grande avanço crítico necessário para levar a
humanidade a Marte!!! Nenhuma palavra basta para captar quão importante
isso é para o futuro da civilização.”
Ele sugeriu pessoalmente algumas ideias extremas, como excluir todo o
coletor de gás combustível quente e fundir a bomba turbomolecular de
combustível com o injetor da câmara principal. “Pode resultar em uma má
distribuição de gás combustível, ou não. Vamos descobrir.” Ele reforçou a
cruzada com e-mails quase toda a noite. “Estamos numa *fúria* de
exclusão!!”, escreveu em um deles. “Nada é sagrado. Todo tubo, sensor, peça
etc. levemente questionável será eliminado esta noite. Por favor, sejam
ultrafirmes na eliminação e na simplificação.”
Ao longo de outubro de 2021, as reuniões noturnas sempre atrasavam, e
a maioria começava por volta das onze horas. Mesmo assim, geralmente
havia dezenas de pessoas na sala de conferências e mais de cinquenta
participando remotamente. Em cada sessão costumava surgir uma nova
ideia para simplificação ou eliminação. Certa noite, por exemplo, Musk se
concentrou em se livrar de toda a saia do propulsor, que é a parte aberta não
pressurizada situada bem embaixo. “Isso não ajuda a conter uma parte
significativa do propelente”, comentou ele. “É como mijar numa piscina.
Não afeta muito a piscina.”
Depois de um mês, tão abruptamente quanto havia forçado a equipe a se
concentrar em um motor futurista 1337, Musk voltou a atenção de todos
novamente para a revisão do Raptor, a fim de transformá-lo em um Raptor
2 mais elegante e potente. “Estou mudando o foco da propulsão da SpaceX
de volta para o Raptor”, anunciou ele em uma mensagem às duas da manhã.
“Precisamos de ritmo de produção de motor de um por dia para manter uma
cadência decente de lançamento. Atualmente, é de um a cada três dias.”
Perguntei se isso reduziria a velocidade do desenvolvimento do 1337. “Sim”,
respondeu ele. “Não podemos tornar a vida multiplanetária com o Raptor,
porque é muito caro, mas o Raptor é necessário para nos levar adiante até
que o 1337 esteja pronto.”
O surto envolvendo o 1337 e o recuo posterior foram uma estratégia
cuidadosamente elaborada por Musk para fazer a equipe pensar de modo
mais ousado, ou tudo não passou de um ato impulsivo em que ele acabou
voltando atrás? Como lhe é comum, foi uma mistura das duas coisas. Isso
serviu ao propósito de incitar o surgimento de ideias novas, inclusive a de se
livrar de várias capas e saias, que seriam incorporadas aos objetivos dele para
um Raptor aprimorado. “O exercício ajudou a definir como seria um motor
ideal”, afirma McKenzie. “Mas não estava nos permitindo progredir em
coisas que eram imediatamente necessárias para avançar no programa
Starship.” Ao longo do ano seguinte, McKenzie e sua equipe foram capazes
de produzir Raptors quase como se fossem carros em uma linha de
montagem. No feriado de Ação de Graças de 2022, eles estavam fabricando
mais de um por dia, e fizeram um estoque para futuros lançamentos da
Starship.
capítulo 64
Nasce o Optimus
Tesla, agosto de 2021
Dia da IA
Quarenta e oito horas antes do Dia da IA, Musk fez virtualmente uma
reunião de preparação com a equipe da Tesla de Boca Chica. O dia também
incluiu uma reunião com o Escritório de Conservação de Peixes e Vida
Selvagem do Texas com o propósito de conseguir apoio para os lançamentos
da Starship, uma reunião financeira da Tesla, uma discussão sobre as
finanças dos telhados solares, uma reunião sobre os lançamentos futuros de
civis, uma caminhada controversa pelas tendas em que a Starship estava
sendo montada, uma entrevista para um documentário da Netflix e a
segunda visita de Musk, tarde da noite, ao loteamento residencial onde a
equipe de Brian Dow estava instalando telhados solares. Depois da meia-
noite, ele entrou no avião e seguiu para Palo Alto.
“É exaustivo ter que transitar entre tantas questões”, disse ele quando
finalmente relaxou no avião. “Mas há muitos problemas, e tenho que
resolver tudo.” Então, por que ele estava agora saltando para o mundo da IA
e dos robôs? “Porque estou preocupado com Larry Page”, respondeu. “Tive
conversas longas com ele sobre os perigos da IA, mas ele não entende.
Agora, mal nos falamos.”
Quando pousamos, às quatro da manhã, ele foi para a casa de um amigo
para dormir por algumas horas e em seguida dirigiu-se à sede da Tesla em
Palo Alto para um encontro com a equipe que se preparava para o anúncio
do robô. O plano era que uma atriz se vestisse como o robô e subisse no
palco. Musk ficou empolgado. “Ela vai fazer acrobacias!”, declarou, como se
fosse um esquete de Monty Python. “Podemos pedir que ela faça coisas legais
que parecem impossíveis? Como sapatear com um chapéu e uma bengala?”
Musk tinha uma meta séria: o robô deveria parecer mais divertido do que
ameaçador. Como se tivesse sido combinado, X começou a dançar na mesa
da sala de conferências. “O menino tem baterias boas”, disse o pai. “Ele
recebe atualizações de software andando, olhando e ouvindo.” Era este o
objetivo: um robô que pudesse aprender a fazer coisas ao ver e imitar
humanos.
Depois de mais algumas piadas sobre danças com chapéu e bengala,
Musk começou a mergulhar nas especificações finais. “Vamos fazer o robô
andar a oito quilômetros por hora, não seis, e dar potência para levantar um
pouco mais de peso”, afirmou ele. “Nós exageramos na tentativa de fazê-lo
parecer dócil.” Quando os engenheiros disseram que estavam planejando ter
baterias que pudessem ser trocadas quando se exaurissem, Musk vetou a
ideia. “Muitos tolos foram pelo caminho da bateria substituível, e
geralmente isso se deu porque a bateria deles era ruim”, declarou ele. “Nós
originalmente fizemos isso com a Tesla. Sem conjunto de bateria
substituível. Basta fazer o conjunto maior para que possa operar por
dezesseis horas.”
Depois da reunião, ele continuou na sala de conferências. O pescoço dele
estava doendo por causa do antigo acidente com o lutador de sumô, e ele se
deitou no chão com uma bolsa de gelo na cabeça. “Se conseguirmos
produzir um robô de uso geral que pode te observar e aprender a fazer uma
tarefa, isso vai turbinar a economia a um grau que é uma loucura”, disse. “Aí
então podemos instituir um salário mínimo universal. Trabalhar se tornaria
uma escolha.” Sim, e alguns ainda seriam levados a trabalhar de modo
maníaco.
***
O chip
A tecnologia subjacente para o chip Neuralink se baseou no Utah Array,
inventado na Universidade de Utah em 1992, que é um microchip cravejado
com cem agulhas que podem ser enfiadas no cérebro. Cada agulha detecta a
atividade de um único neurônio e envia os dados por um fio para uma caixa
presa no crânio de alguém. Como o cérebro tem cerca de 86 bilhões de
neurônios, esse era apenas um nanopasso em direção à interface humano-
computador.
Em agosto de 2019, Musk publicou um artigo científico em que
descrevia como a Neuralink iria melhorar o Utah Array para criar o que
chamou de “uma plataforma integrada cérebro-máquina com milhares de
canais”. Os chips da Neuralink tinham mais de 3 mil eletrodos em 96 fios.
Como sempre, Musk se concentrou não apenas no produto, mas também
em como ele seria fabricado e utilizado. Robôs trabalhando em alta
velocidade iriam cortar um pequeno buraco no crânio humano, inserir o
chip e introduzir os fios no cérebro.
Ele revelou uma versão inicial do dispositivo em uma apresentação
pública em agosto de 2020 na Neuralink, na qual mostrou uma porca
chamada Gertrude que tinha um chip no cérebro. Um vídeo dela andando
em uma esteira mostrava como o chip poderia detectar sinais no cérebro do
animal e enviar para um computador. Musk segurou o chip, que tinha o
tamanho de uma moeda de 25 centavos de dólar. Quando colocado sob o
crânio, ele poderia transmitir dados sem precisar de fios, o que garantia que
o usuário não ficasse parecendo um ciborgue de um filme de horror. “Eu
posso ter um Neuralink implantado agora e vocês não saberiam”, disse
Musk. “Talvez eu tenha.”
Alguns meses depois, Musk foi ao laboratório da Neuralink em Fremont,
perto da fábrica da Tesla, onde os engenheiros mostraram para ele a última
versão. Ela combinava quatro chips separados, cada um com cerca de mil
fios. Eles seriam implantados em diferentes partes do crânio com fios
conectados a um roteador preso atrás da orelha. Musk ficou parado em
silêncio por quase dois minutos, enquanto Zilis e os colegas dela assistiam.
Então, ele deu o veredito: havia odiado. Era complexo demais, com muitos
fios e conexões.
Ele estava no processo de eliminar conexões nos motores Raptor da
SpaceX. Cada uma era um possível ponto de falha. “Isso tem que ser um
único dispositivo”, disse ele aos desanimados engenheiros da Neuralink.
“Um só pacote elegante sem fios, sem conexões e sem roteador.” Não havia
nenhuma lei da física — nenhum princípio básico — que impedisse toda a
funcionalidade poder estar contida em um único dispositivo. Quando os
engenheiros tentaram explicar por que precisavam do roteador, a expressão
de Musk enrijeceu. “Eliminem”, decretou ele. “Deletem, deletem, deletem.”
Depois que deixaram a reunião, os engenheiros passaram pelos estágios
típicos do transtorno de estresse pós-Musk: perplexidade, raiva e ansiedade.
Apesar disso, em uma semana ficaram intrigados, porque perceberam que a
nova abordagem poderia funcionar.
Quando Musk voltou ao laboratório semanas depois, eles mostraram um
só chip que poderia lidar com o processamento dos dados de todos os fios e
transmiti-los por Bluetooth para um computador. Sem conexões, sem
roteador, sem fios. “Achávamos que era impossível”, comentou um dos
engenheiros, “mas agora estamos muito empolgados com isso”.
Um problema que os engenheiros enfrentavam era causado pela exigência
de que o chip fosse muito pequeno. Isso tornava desafiador ter uma bateria
de vida longa e suporte a muitos fios. “Por que tem que ser tão pequeno
assim?”, perguntou Musk. Alguém cometeu o erro de dizer que era um dos
pré-requisitos que eles receberam. Isso fez com que Musk entoasse seu
algoritmo, a começar pelo questionamento de todas as especificações.
Depois ele falou da ciência básica do tamanho do chip. Nosso crânio é
redondo; o chip não pode ser um pouco abaulado? E o diâmetro não
poderia ser maior? Eles chegaram à conclusão de que o crânio humano
acomodaria facilmente um chip maior.
Quando o dispositivo estava pronto, eles o implantaram em um dos
macacos, chamado Pager, que estava hospedado no laboratório. Ensinaram-
no a jogar Pong no videogame e lhe davam como recompensa uma vitamina
de fruta quando ele se saía bem. O dispositivo da Neuralink gravava quais
neurônios estavam funcionando cada vez que ele mexia o controle de uma
certa maneira. Posteriormente o controle foi desativado, e os sinais do
cérebro do macaco passaram a controlar o jogo. Era um grande passo em
direção ao objetivo de Musk de criar uma conexão direta entre o cérebro e a
máquina. A Neuralink publicou um vídeo disso no YouTube que foi visto 6
milhões de vezes no período de um ano.
capítulo 66
Pura visão
Tesla, janeiro de 2021
Controvérsia
A decisão de Musk de eliminar o radar causou um debate público. Uma
reportagem investigativa minuciosa do e New York Times feita por Cade
Metz e Neal Boudette revelou que muitos engenheiros da Tesla estavam
bastante apreensivos. “Diferentemente dos tecnólogos em quase todas as
outras empresas que estão trabalhando em carros autônomos, o sr. Musk
insiste que a autonomia pode ser atingida só com câmeras”, escreveram.
“Mas muitos dos engenheiros da Tesla questionavam se era seguro o
bastante confiar em câmeras sem o benefício de outros dispositivos sensores,
e se o sr. Musk não estava exagerando em suas promessas aos motoristas
sobre as capacidades do Autopilot.”
Edward Niedermeyer, que havia escrito um livro crítico sobre a Tesla
chamado Ludicrous [Ridículo], publicou uma sequência de tuítes.
“Melhorias nos sistemas comuns de assistência ao motorista estão levando o
setor a usar mais radares, além de modalidades ainda mais inovadoras, como
o LiDAR e imagens térmicas”, escreveu ele. “A Tesla, ao contrário, está
dando um passo para trás.” E Don O’Dowd, um empreendedor de
segurança de software, comprou um anúncio de página inteira no e New
York Times em que chamava o sistema de direção autônoma da Tesla de “o
pior software já vendido por uma empresa incluída na lista Fortune 500”.
A Tesla foi por muito tempo alvo de investigações da National Highway
Traffic Safety Administration, que ganharam impulso depois da eliminação
do radar em 2021. Em um estudo, a agência governamental registrou 273
acidentes com motoristas de carros da Tesla que estavam usando algum
nível de direção assistida, cinco dos quais resultaram em mortes. Também
foi aberta uma investigação sobre onze colisões de Teslas com veículos de
emergência.
Musk estava convencido de que motoristas ruins, não um software ruim,
eram a principal razão por trás da maioria dos acidentes. Em uma reunião,
ele sugeriu usar os dados coletados das câmeras dos carros — uma das quais
fica dentro do veículo e está direcionada ao motorista — para provar quando
havia erro do motorista. Uma das mulheres na mesa reagiu. “Já discutimos
isso com a equipe de privacidade”, disse ela. “Não podemos associar as
transmissões de selfies a nenhum veículo específico, nem mesmo quando há
uma colisão; pelo menos é essa a orientação dos nossos advogados.”
Musk não ficou feliz. O conceito de “equipe de privacidade” não o
comovia. “Sou eu o tomador de decisões nesta empresa, não a equipe de
privacidade”, disse. “Nem sei quem são. Eles são tão privados que nunca
sabemos quem são.” Ouviram-se algumas risadas nervosas. “Talvez a gente
possa fazer um anúncio pop-up para dizer às pessoas que se elas usarem a
FSD [direção totalmente autônoma] vamos coletar dados para o caso de
haver uma colisão”, sugeriu ele. “Haveria algum problema quanto a isso?”
A mulher pensou por um instante e depois assentiu. “Contanto que isso
seja comunicado aos clientes, acho que está tudo bem.”
O Phoenix se levanta
Apesar de teimoso, provas podem fazer Musk mudar de ideia. Ele estava
decidido a eliminar radares em 2021 porque a qualidade técnica desse
dispositivo na época não permitia resolução suficiente para acrescentar
informação significativa ao sistema de visão. No entanto, ele concordou em
permitir que os engenheiros continuassem o programa Phoenix para ver se
conseguiam desenvolver uma tecnologia de radar melhor.
Lars Moravy, o chefe de engenharia automotiva de Musk, colocou um
engenheiro nascido na Dinamarca chamado Pete Scheutzow como
encarregado. “Elon não é contra o radar”, diz Moravy, “ele é contra um
radar ruim”. A equipe de Scheutzow desenvolveu um sistema de radar que
se concentrava nos casos em que o motorista humano não fosse capaz de ver
algo. “Você talvez tenha razão”, disse Musk, e secretamente autorizou testes
do novo sistema no Model S e no Model Y, que são mais caros.
“É um radar muito mais sofisticado do que o radar automotivo comum”,
afirma Musk. “É o que se vê em sistemas de armas. Cria uma imagem do
que está acontecendo, em vez de receber só um sinal de retorno.” Ele de fato
planejava colocá-lo nos carros de luxo da Tesla? “Vale a pena experimentar.
Estou sempre aberto a receber provas de experimentos físicos.”
capítulo 67
Dinheiro
2021-2022
Desde 2007, talvez até o ano passado, a dor tem sido ininterrupta. Tem
uma arma apontada para a sua cabeça, você tem que fazer a Tesla dar
certo, tirar um coelho da cartola e, depois, tirar mais um coelho da
cartola. Uma sequência de coelhos voando pelos ares. Se o próximo
coelho não sair, você estará morto. Isso tem um preço. Não dá para viver
em uma luta constante por sobrevivência, sempre com a adrenalina
altíssima, e não se machucar.
Mas tem outra coisa que descobri este ano: lutar para sobreviver
estimula por um tempo. Quando você não está mais no modo
sobrevivência, não é fácil se motivar todos os dias.
Esse foi um lampejo essencial que Musk teve sobre si mesmo. Quanto
mais terrível a situação, mais energizado ele ficava. No entanto, quando não
estava no modo sobrevivência, sentia-se incomodado. Os momentos que
deveriam ser bons eram enervantes. Isso o levava a armar ondas insanas de
trabalho, promover dramas, se jogar em batalhas que poderia evitar e
assumir novos empreendimentos.
Naquele feriado de Ação de Graças, a mãe dele e a irmã voaram até
Austin a fim de comemorar com ele, os quatro filhos mais velhos, X e
Grimes. Dois dos primos de Elon e as duas meias-irmãs do segundo
casamento do pai também estavam lá. “Precisávamos estar com Elon porque
ele se sente sozinho”, diz Maye. “Ele ama ter a família por perto, e temos
que fazer isso por ele, sabe, porque ele está sob muito estresse.”
No dia seguinte, Damian cozinhou massa para todos e tocou música
clássica no piano. Mas Musk decidiu se concentrar nos motores Raptor, da
Starship. Depois de andar algum tempo pela sala de jantar, parecendo
estressado, ele passou a maior parte do dia em reuniões por telefone.
Depois, abruptamente, anunciou que tinha que voar de volta a Los Angeles
para lidar com a crise do Raptor. Era uma crise que existia principalmente
na cabeça dele. Era fim de semana de Ação de Graças, e o Raptor não seria
necessário por pelo menos um ano.
“Semana passada foi uma boa semana”, comentou ele comigo por
mensagem de texto. “A bem da verdade, passei a noite toda de sexta e
sábado na fábrica de foguetes trabalhando nos problemas do Raptor; ainda
assim, foi uma boa semana. É muito doloroso, mas temos que nos esforçar
para construir o Raptor, mesmo que ele de fato precise de um redesenho
completo.”
capítulo 68
Pai do ano
2021