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Musk responde afirmando que pessoas como Straubel e McNeill eram

relutantes demais em proceder com demissões. Naquela área da fábrica, as


coisas não estavam funcionando bem. Peças se acumulavam nas estações de
trabalho e a linha de produção não andava. “Ao tentar ser agradável com
algumas pessoas”, diz Musk, “na realidade você não está sendo agradável
com as dezenas de outras pessoas que estão fazendo bem o trabalho e vão
ser prejudicadas se eu não consertar os problemas”.
Ele passou aquele Dia de Ação de Graças na fábrica, junto com alguns
dos filhos, porque havia exigido que os funcionários trabalhassem. Qualquer
dia em que a fábrica não estivesse fazendo baterias atrapalharia o número de
carros que a Tesla podia produzir.

Desautomação
Desde o desenvolvimento das linhas de montagem, no início dos anos 1900,
a maioria das fábricas tem sido projetada em dois estágios. Primeiro, a linha
é organizada com trabalhadores que fazem tarefas específicas em cada
estação. Depois, quando os problemas são resolvidos, robôs e outras
máquinas são gradualmente inseridos para assumir parte do trabalho. Musk
fez o inverso. Em sua visão de uma fábrica moderna do tipo “encouraçado
alienígena”, ele começou automatizando todas as tarefas possíveis.
“Tínhamos uma linha de produção muito automatizada que usava toneladas
de robôs”, diz Straubel. “Só que havia um problema. Não funcionava.”
Certa noite, Musk andava pela fábrica de conjuntos de bateria em
Nevada com seu pelotão — Omead Afshar, Antonio Gracias e Tim
Watkins —, e eles notaram um atraso em uma estação de trabalho na qual
um braço robótico colava células em um tubo. A máquina tinha um
problema para segurar o material e deixá-lo alinhado. Watkins e Gracias
foram até uma mesa e tentaram fazer o processo manualmente. Eles
conseguiam fazer de forma mais confiável. Então chamaram Musk e
calcularam quantos humanos seriam necessários para se livrar da máquina.
Foram contratados trabalhadores para substituir o robô, e a linha de
montagem passou a andar mais rápido.
Musk passou de apóstolo da automação para uma nova missão que
assumiu com zelo similar: encontrar qualquer parte da linha onde houvesse
um atraso e ver se a desautomação poderia torná-la mais rápida.
“Começamos a limar os robôs da linha de produção e a jogá-los no
estacionamento”, conta Straubel. Em um fim de semana, eles marcharam
pela fábrica pintando marcas no maquinário que seria descartado. “Fizemos
um buraco na lateral do prédio só para remover todo o equipamento”, diz
Musk.
O experimento foi uma lição que se tornaria parte do algoritmo de
produção de Musk. Sempre espere até o fim do processo de
desenvolvimento — depois que você questionou todas as especificações e
eliminou as partes desnecessárias — antes de automatizar.
Em abril de 2018, a fábrica de Nevada estava funcionando melhor. O
clima havia esquentado um pouco, então Musk decidiu que ia dormir na laje
da fábrica em vez de dirigir até um hotel de beira de estrada. O assistente
dele comprou barracas e os amigos Bill Lee e Sam Teller se juntaram a ele.
Certa noite, depois de inspecionar as linhas de montagem do módulo e dos
conjuntos até quase a uma da manhã, eles foram para a laje, acenderam uma
pequena fogueira portátil e conversaram sobre o próximo desafio. Musk
estava pronto para dar atenção a Fremont.

Na sala de conferências Júpiter, em Fremont, em 2008, assistindo a um


lançamento e observando os números de produção da Tesla
capítulo 46
O inferno da fábrica de Fremont
Tesla, 2018

Na linha de montagem, e descansando debaixo da mesa dele na fábrica de


Fremont
Vendas a descoberto
À medida que os gargalos na fábrica de baterias de Nevada se resolviam, na
primavera de 2018, Musk voltou a atenção para a montadora de carros de
Fremont, localizada na periferia industrial deteriorada do Vale do Silício, do
outro lado da baía de São Francisco em relação a Palo Alto. No início de
abril, a fábrica estava produzindo apenas 2 mil Models 3 por semana. Não
parecia existir um jeito de as leis da física permitirem que Musk fizesse as
linhas de montagem da fábrica produzirem o número mágico de 5 mil
carros por semana, o que ele estava prometendo a Wall Street que
aconteceria no fim daquele mês de junho.
Musk deu um basta na situação e disse a todos os gerentes que
encomendassem peças e materiais suficientes para produzir aquele total.
Teriam que pagar por isso, mas, se tudo aquilo não fosse transformado em
carros prontos, a Tesla teria problemas de fluxo de caixa que a levariam à
espiral da morte. O resultado foi mais um daqueles exercícios frenéticos de
treinamento contra incêndios que Musk chamava de onda.
No início de 2018, as ações da Tesla estavam variando em torno de seu
maior valor, tornando-a mais valiosa que a General Motors, apesar de a
GM ter vendido 10 milhões de carros com um lucro de 12 bilhões de
dólares no ano anterior, enquanto a Tesla vendera 100 mil carros e perdera
2,2 bilhões de dólares. Esses números e o ceticismo a respeito da promessa
de Musk de 5 mil carros por semana transformaram as ações da Tesla em
um ímã para operações de vendas a descoberto, que geram lucro se o preço
da ação cair. Em 2018, a Tesla havia se tornado a ação mais vendida a
descoberto da história.
Isso enfureceu Musk. Ele acreditava que as pessoas que apostavam na
queda das ações não eram apenas céticas, mas também cruéis: “São
sanguessugas no pescoço do negócio.” Os vendedores a descoberto atacaram
publicamente a Tesla e o próprio Musk. Ele rolava o feed do Twitter
fervilhando de raiva com as informações falsas. Ainda piores eram as
informações verdadeiras. “Eles tinham fontes na empresa e drones que
sobrevoavam nossa fábrica dando a eles dados atualizados e números em
tempo real”, diz. “Eles se organizavam em uma força terrestre e aérea
mercenária. A quantidade de informação interna que tinham era insana.”
Mais tarde isso seria a perdição deles. Os operadores que apostavam na
queda das ações tinham números brutos sobre quantos carros poderiam ser
produzidos pelas duas linhas de montagem em Fremont, e isso os levou a
concluir que não havia maneira de a Tesla atingir os 5 mil carros por semana
em meados de 2018. “Achamos que a decepção está prestes a atingir a
TSLA”, escreveu um dos operadores, David Einhorn. “O comportamento
errático de Elon Musk dá a entender que ele pensa o mesmo.” E o mais
famoso operador de vendas a descoberto, Jim Chanos, declarou
publicamente que as ações da Tesla eram, em suma, inúteis.
Mais ou menos nessa época, Musk fez a aposta contrária. O conselho da
Tesla lhe concedeu o mais ousado pacote de remuneração na história norte-
americana, um modelo que não pagaria nada a ele se as ações não
aumentassem drasticamente, mas que tinha o potencial de pagar 100 bilhões
de dólares, ou mais, se a empresa atingisse um conjunto de objetivos
extraordinariamente agressivos, inclusive um salto nos números de
produção, receita bruta e preço de ações. Havia um ceticismo disseminado
de que ele pudesse bater as metas. “O sr. Musk só será pago se atingir uma
série de metas impressionantes baseadas no valor de mercado da empresa e
em suas operações”, escreveu Andrew Ross Sorkin no e New York Times.
“Caso contrário, ele não receberá nada.” O pagamento máximo só
aconteceria se “o sr. Musk conseguisse, de alguma forma, aumentar o valor
da Tesla para 650 bilhões de dólares — um valor que muitos especialistas
acham risível de tão impossível”.

Andar até o vermelho


No centro da fábrica de Fremont está a principal sala de conferências,
conhecida como Júpiter. Musk a usava como escritório, local de reunião,
refúgio para tormentos mentais e às vezes lugar para dormir. Uma série de
telas, que piscavam e atualizavam como os displays de ações, acompanhava
em tempo real a saída de produção da fábrica e de cada estação de trabalho.
Musk havia percebido que projetar uma boa fábrica era como desenhar
um microchip. Era importante criar, a cada fragmento, a densidade, o
escoamento e os processos certos. Então ele deu mais atenção ao monitor
que mostrava cada estação da linha de montagem com uma luz verde ou
vermelha que indicava se estava fluindo adequadamente. Havia também
luzes verdes e vermelhas nas próprias estações, de modo que Musk era capaz
de andar pelo chão de fábrica e ir até os pontos problemáticos. A equipe
dele chamava isso de “andar até o vermelho”.
A onda em Fremont começou na primeira semana de abril de 2018.
Naquela segunda-feira, ele começou a andar pela fábrica com seu
característico passo rápido de urso, indo até cada luz vermelha que visse.
Qual o problema? Uma peça estava faltando. Quem é o responsável por essa
peça? Traga-o aqui. Um sensor fica disparando. Quem o calibrou? Encontre
alguém que possa abrir o console. Podemos ajustar as configurações? Por que sequer
precisamos da porra do sensor?
O processo foi interrompido naquela tarde porque a SpaceX estava
lançando uma missão importante de carga e suprimentos para a estação
espacial. Então, Musk voltou para a sala de conferências Júpiter com o
intuito de assistir em um dos monitores. Mesmo assim, os olhos dele
ficavam se voltando para as telas que mostravam os números de produção e
os gargalos na linha de montagem da Tesla. Sam Teller pediu comida
tailandesa, e Musk retomou a procissão pela fábrica, procurando por luzes
vermelhas. Às duas e meia da manhã, ele estava junto ao pessoal do turno da
noite sob um carro movido em um rack vendo parafusos sendo instalados.
Por que tem quatro parafusos aqui? Quem especificou isso? Podemos fazer com
dois? Tente.
Durante a primavera e o começo do verão de 2018, Musk circulou pelo
chão de fábrica como tinha feito em Nevada, tomando decisões de pronto.
“Elon estava enlouquecendo, marchando de uma estação a outra”, diz
Juncosa. Musk calculou que em um dia bom tomava cem decisões enquanto
andava pelo chão de fábrica. “Pelo menos 20% se mostrarão erradas e terão
que ser alteradas depois”, fala. “Mas, se eu não tomar decisões, nós
morremos.”

***
Um dia, Lars Moravy, um valioso executivo de alto escalão, estava
trabalhando na sede executiva da Tesla, a alguns quilômetros de distância,
em Palo Alto, quando recebeu uma ligação urgente de Omead Afshar
pedindo que fosse até a fábrica. Ao chegar, encontrou Musk sentado de
pernas cruzadas sob o transporte rolante elevado que levava as carrocerias
dos carros pela linha. De novo, Musk estava impressionado com o número
de parafusos que haviam sido especificados. “Por que temos seis aqui?”,
perguntou ele, apontando.
“Para deixá-lo estável numa colisão”, respondeu Moravy.
“Não, o impacto principal numa colisão viria por este anteparo aqui”,
explicou Musk. Ele havia visualizado todos os pontos de pressão e começou
a recitar os números de tolerância em cada ponto. Moravy devolveu aos
engenheiros para que fosse redesenhado e testado.
Em outra estação de trabalho, as carrocerias parcialmente finalizadas do
carro eram presas a uma sapata que as movia através do processo final de
montagem. Os braços robóticos que apertavam os parafusos estavam, Musk
achava, movendo-se muito devagar. “Até eu faria mais rápido”, disse ele.
Então ordenou que os trabalhadores vissem as configurações das chaves de
parafuso, mas ninguém sabia abrir o console de controle. “Ok, vou
simplesmente ficar em pé aqui até que a gente encontre alguém que consiga
abrir o console.” Finalmente, um técnico que conseguia acessar os controles
do robô foi encontrado. Musk descobriu que o robô estava configurado para
20% da velocidade máxima e que a configuração-padrão instruía o braço a
virar o parafuso duas vezes para trás antes de apertá-lo. “As configurações de
fábrica sempre são idiotas”, disse Musk. Então ele rapidamente reescreveu o
código para eliminar as voltas para trás. Depois definiu a velocidade para
100% da capacidade. Isso começou a espanar a rosca, então ele reduziu para
70%. Funcionou direito e reduziu o tempo que levava para prender os carros
nas sapatas para menos da metade.
Uma parte do processo de pintura, uma pintura por eletrodeposição,
envolvia mergulhar a carroceria do carro em um tanque. Áreas da carroceria
têm pequenos buracos para que as cavidades drenem depois do mergulho na
tinta. Esses buracos são então cobertos com remendos de borracha,
conhecidos como remendos butílicos. “Por que estão aplicando isso?”,
perguntou Musk a um dos gerentes da linha, que respondeu ter sido
especificado pelo departamento de estrutura veicular. Então Musk convocou
o chefe do departamento. “Para que diabos serve isso?”, questionou. “Está
atrasando a linha de montagem toda.” Ele foi informado de que, numa
inundação, se a água ficar acima do nível do assoalho, os remendos butílicos
ajudam a evitar que o chão fique encharcado. “Isso é insano”, respondeu
Musk. “Uma inundação desse tipo acontece uma vez a cada dez anos.
Quando acontecer, os tapetes podem molhar.” Os remendos foram
eliminados.
As linhas de produção frequentemente paravam quando os sensores de
segurança eram disparados. Musk chegou à conclusão de que os sensores
eram sensíveis demais, disparando quando não havia um problema real. Ele
testou alguns para ver se algo pequeno, como um pedaço de papel caindo
próximo ao sensor, poderia provocar uma parada. Isso levou a uma cruzada
para eliminar sensores tanto em carros da Tesla quanto em foguetes da
SpaceX. “A menos que um sensor seja absolutamente necessário para ligar
um motor ou pará-lo sem danos antes que exploda, deve ser eliminado”,
escreveu Musk em um e-mail para os engenheiros da SpaceX. “Daqui para a
frente, qualquer um que colocar um sensor (ou qualquer coisa) em um
motor que não seja obviamente indispensável será demitido.”
Alguns dos gerentes apresentaram objeções. Eles achavam que Musk
estava comprometendo a segurança e a qualidade para apressar a produção.
O diretor sênior de qualidade de produção foi embora. Um grupo de atuais
e ex-funcionários disse para a CNBC que eles estavam sendo “pressionados
a cortar caminho para atingir as metas de produção agressivas do Model 3”.
Também disseram que estavam sendo pressionados a fazer consertos
improvisados, como arrumar um suporte de plástico rachado com fita
isolante. O e New York Times noticiou que os funcionários se sentiam
forçados a trabalhar dez horas por dia. “É um constante ‘Quantos carros
fizemos até agora?’, uma pressão incessante para produzir”, declarou um
funcionário ao jornal. Havia um pouco de verdade nas reclamações. O
índice de acidentes de trabalho da Tesla era 30% superior ao das outras
empresas automotivas.

Remoção de robô
Durante o esforço para aumentar a produção na fábrica de baterias de
Nevada, Musk tinha aprendido que certas tarefas, às vezes muito simples,
são desempenhadas melhor por humanos do que por robôs. Com os olhos,
podemos procurar em volta e encontrar a ferramenta certa de que
precisamos. Depois podemos ir até ela, pegá-la com os dedos, ver o lugar
certo para usá-la e guiá-la com nosso braço. Fácil, certo? Não para um robô,
não importa quão boas sejam as câmeras que ele tenha. Em Fremont, onde
cada linha de montagem tinha 1.200 dispositivos robóticos, Musk chegou à
mesma conclusão que chegara em Nevada sobre os riscos de uma
automatização tão implacável.
Perto do fim da linha de montagem havia braços robóticos tentando
ajustar as borrachas vedantes em torno das janelas. Eles estavam tendo
dificuldades. Certo dia, depois de ficar de pé em silêncio na frente dos robôs
obstinados por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com as próprias
mãos. Era fácil para um humano. Então deu uma ordem, parecida com a
que dera em Nevada: “Vocês têm 72 horas para remover todas as máquinas
desnecessárias.”
A remoção dos robôs começou mal. As pessoas haviam investido muito
nas máquinas. Mas então virou um tipo de jogo. Musk começou a andar
pela linha, sacudindo uma lata de tinta spray laranja. “Fica ou vai?”,
perguntava ele para Nick Kalayjian, o vice-presidente de engenharia, ou
para outras pessoas. Se a resposta fosse “vai”, a peça era marcada com um X
laranja e os funcionários a tiravam da linha. “Logo ele estava rindo, como
uma criança”, diz Kalayjian.
Musk assumiu a responsabilidade pela automatização excessiva, e chegou
até a anunciar isso publicamente. “A automatização excessiva na Tesla foi
um erro”, tuitou. “Para ser preciso, erro meu. Os humanos são
subestimados.”
Depois da desautomação e de outras melhorias, a fábrica aprimorada de
Fremont estava produzindo 3.500 sedãs Model 3 por semana no fim de
maio de 2018. Era um número impressionante, mas ainda muito abaixo dos
5 mil por semana que Musk tinha prometido para o fim de junho. Os
operadores que apostavam na baixa das ações, com seus espiões e drones,
determinaram que não havia como a fábrica, com suas duas linhas de
montagem, alcançar essa meta. Eles também sabiam que não havia como a
Tesla construir outra fábrica, ou mesmo conseguir autorização para tal, pelo
menos dentro de um ano. “Os operadores achavam que tinham a
informação perfeita”, diz Musk, “e estavam se gabando on-line, dizendo ‘É,
a Tesla está ferrada’”.

A tenda
Musk gosta de história militar, especialmente das histórias sobre o
desenvolvimento de aviões de guerra. Em uma reunião na fábrica de
Fremont no dia 22 de maio, ele recontou uma história sobre a Segunda
Guerra Mundial. Quando o governo precisou acelerar a produção de
bombardeiros, montou linhas de produção nos estacionamentos das
companhias aéreas na Califórnia. Musk discutiu a ideia com Jerome
Guillen, que em breve seria promovido a presidente de automotivos da
Tesla, e ambos decidiram que podiam fazer algo parecido.
Havia uma cláusula no código de zoneamento de Fremont para algo
chamado “instalação temporária de conserto de veículos”, a qual previa que
postos de combustível tivessem permissão de instalar tendas onde pudessem
trocar pneus ou silenciadores. Entretanto, o regulamento não especificava
um tamanho máximo para essas tendas. “Consiga uma dessas autorizações e
comece a construir uma tenda enorme”, disse Musk para Guillen. “Vamos
ter que pagar uma multa depois.”
Naquela tarde, os funcionários da Tesla começaram a limpar os entulhos
que cobriam um velho estacionamento atrás da fábrica. Não havia tempo
para pavimentar o concreto rachado, então eles simplesmente cobriram uma
longa faixa e começaram a construir a tenda em torno dela. Um dos ases de
Musk na construção de fábricas, Rodney Westmoreland, viajou para lá a fim
de coordenar a construção, e Teller reuniu caminhões de sorvete para
entregar as iguarias doces aos que estavam trabalhando ao sol. Em duas
semanas, conseguiram completar uma instalação dentro da tenda que tinha
trezentos metros de comprimento por 45 metros de largura, grande o
suficiente para acomodar uma linha de montagem improvisada. Em vez de
robôs, havia humanos em cada estação de trabalho.
O problema era que eles não tinham uma esteira transportadora para
mover os carros incompletos pela tenda. Só tinham um sistema antigo para
movimentar partes, mas não era poderoso o suficiente para mover as
carrocerias. “Então instalamos com uma ligeira inclinação, e a gravidade
impulsionava os carros a se moverem na velocidade certa”, diz Musk.
Pouco depois das quatro horas da tarde do dia 16 de junho, apenas três
semanas depois de Musk ter a ideia, a nova linha de montagem já estava
produzindo sedãs Model 3 na tenda improvisada. Neal Boudette, do e
New York Times, tinha ido a Fremont para observar Musk em ação e
escrever sobre isso, e pôde ver a tenda sendo construída no estacionamento.
“Se o pensamento convencional torna uma missão impossível”, disse Musk a
ele, “então o pensamento não convencional é necessário”.

Celebração de aniversário
O aniversário de 47 anos de Musk, em 28 de junho de 2018, aconteceu
pouco antes do prazo prometido para atingir a meta de 5 mil carros por
semana. Ele passou a maior parte do dia na estação de pintura da fábrica
principal. “Por que está atrasado?”, perguntava a cada imprevisto e andava
até o ponto de gargalo, onde ficava em pé até um dos engenheiros resolver a
situação.
Amber Heard ligou para desejar feliz aniversário, e depois disso ele
derrubou o telefone, que se quebrou, portanto Musk não estava de bom
humor. Contudo, logo depois das duas da tarde, Teller conseguiu fazê-lo dar
uma pausa e levá-lo para uma rápida celebração na sala de conferências.
“Aproveite o ano 48 da simulação!”, estava escrito com glacê no bolo de
sorvete que Teller tinha comprado. Não havia facas ou garfos, então eles
comeram com as mãos.
Doze horas depois, pouco após as duas e meia da manhã, Musk
finalmente deixou o chão de fábrica e voltou para a sala de conferências. No
entanto, ainda levaria mais uma hora para que conseguisse dormir. Em vez
disso, ele assistiu em um dos monitores ao lançamento de um foguete da
SpaceX em Cabo Canaveral. O foguete estava carregando um assistente
robótico junto com suprimentos que incluíam sessenta pacotes de café
supercafeinado Death Wish Coffee para os astronautas na Estação Espacial
Internacional. O lançamento aconteceu com perfeição, tornando-se a 15a
missão de carga bem-sucedida que a SpaceX fazia para a NASA.
O dia 30 de junho, o prazo estabelecido por Musk para chegar à meta de
5 mil carros por semana, era um sábado, e, quando ele acordou no sofá da
sala de conferências naquela manhã e olhou os monitores, percebeu que iam
conseguir. Musk trabalhou por algumas horas na linha de pintura, depois
saiu correndo da fábrica, ainda usando luvas protetoras, e entrou em seu
avião, rumo à Espanha, para chegar a tempo de ser padrinho de casamento
de Kimbal em uma vila catalã medieval.
À 1h53 da manhã no domingo, dia 1o de julho, um Model 3 preto foi
expelido da fábrica com uma faixa no para-brisa em que se lia “5.000”.
Quando Musk recebeu uma fotografia desse carro no iPhone, enviou uma
mensagem para todos os funcionários da Tesla: “Conseguimos! (...) Criamos
soluções totalmente novas que diziam ser impossíveis. Foi intenso, em
tendas.* Não importa. Funcionou... Acho que acabamos de nos tornar uma
empresa automotiva de verdade.”

O algoritmo
Em qualquer reunião de produção, seja na Tesla, seja na SpaceX, há uma
chance nada trivial de Musk entoar, como um mantra, o que ele chama de
“o algoritmo” — elaborado a partir das lições que aprendeu durante as ondas
infernais de produção nas fábricas de Nevada e Fremont. Seus executivos às
vezes movem os lábios e repetem as palavras, como se entoassem a liturgia
junto com o padre. “Eu me tornei um disco arranhado falando do
algoritmo”, diz Musk. “Mas acho que é útil dizer até incomodar.” Eram
cinco mandamentos:

1. Questione todas as especificações. Cada uma deve vir acompanhada


do nome da pessoa que a estabeleceu. Você nunca deve aceitar que
uma especificação veio de um departamento, como “departamento
jurídico” ou “departamento de segurança”. É preciso saber o nome da
pessoa real que criou tal exigência. Em seguida você deve questioná-
la, não importa quão inteligente a pessoa seja. Especificações de
pessoas inteligentes são as mais perigosas, porque é menos provável
que sejam questionadas. Sempre questione, mesmo se a especificação
tiver vindo de mim. Depois deixe as especificações menos idiotas.
2. Elimine qualquer parte ou processo que puder. Talvez você precise
readicionar a etapa mais adiante. Na realidade, se você não
readicionar pelo menos 10%, você não eliminou o suficiente.
3. Simplifique e otimize. Isso deve acontecer depois do passo 2. Um
erro comum é simplificar e otimizar uma parte ou um processo que
não deveria existir.
4. Acelere o tempo do ciclo. Todo processo pode ser acelerado. Mas só
faça isso depois dos três primeiros passos. Na fábrica da Tesla, eu
erroneamente passei muito tempo acelerando processos que depois
percebi que deveriam ter sido eliminados.
5. Automatize. Esse é o último passo. Um grande erro em Nevada e
Fremont foi que comecei tentando automatizar todos as etapas. Nós
deveríamos ter esperado até que todas as especificações fossem
questionadas, partes e processos fossem eliminados e os problemas,
resolvidos.

O algoritmo às vezes era acompanhado por alguns corolários, entre eles:

Todos os gerentes técnicos devem ter experiência prática. Por exemplo,


gerentes de equipes de software devem passar pelo menos 20% do tempo
programando. Gerentes de telhados solares devem passar um tempo nos
telhados fazendo instalações. Caso contrário, são como líderes da
cavalaria que não sabem andar a cavalo ou generais que não sabem usar
uma espada.

Camaradagem é perigoso. Torna difícil para as pessoas desafiar o


trabalho umas das outras. Há uma tendência a não querer ferrar o colega.
Isso precisa ser evitado.

Tudo bem estar errado. Só não seja confiante estando errado.

Nunca peça à sua tropa para fazer algo que você não quer fazer.
Sempre que houver problemas a resolver, não se reúna só com seus
gerentes. Pule um nível e se reúna com quem está logo abaixo dos
gerentes.

Em contratações, escolha pessoas com a atitude certa. Habilidades


podem ser ensinadas. Mudanças de atitude exigem um transplante de
cérebro.

Um sentimento maníaco de urgência é nosso princípio operacional.

As únicas regras são as que são ditadas pelas leis da física. Tudo o mais é
uma recomendação.

Na linha de montagem

* Em inglês, “intense in tents”, um famoso trocadilho com as palavras “intense” [intenso] e “in tents”
[em tendas], que brinca com a dificuldade de acampar e é usado para se referir a algo complicado. [N.
da E.]
capítulo 47
Aviso de malha aberta
2018

Com o primeiro-ministro da Tailândia, inspecionando o minissubmarino;


preparando-se para entrar na caverna onde os meninos estavam
Pedo
Enquanto Kimbal Musk estava em lua de mel no início de julho de 2018,
ele recebeu um e-mail de Antonio Gracias, amigo de longa data de Elon e
membro do conselho. “Desculpa, cara, sei que você quer ficar com sua
esposa, mas preciso que volte imediatamente”, escreveu Gracias. “Elon está
tendo um colapso.”
O sucesso da onda de produção deveria ter deixado Musk feliz. A Tesla
havia atingido a meta de produzir 5 mil carros Model 3 por semana e estava
diante de um trimestre lucrativo. A SpaceX havia completado 56
lançamentos bem-sucedidos, com apenas uma falha em voo, e estava
conseguindo pousar regularmente os impulsores para que pudessem ser
reutilizados. A empresa estava colocando mais cargas em órbita do que
qualquer outra companhia ou país, incluídos a China e os Estados Unidos.
Se Musk fosse o tipo de pessoa capaz de parar e saborear o sucesso, teria
notado que havia acabado de levar o mundo a uma era de carros elétricos,
voos espaciais comerciais e foguetes reutilizáveis. Cada uma dessas
realizações era um grande feito.
Contudo, para Musk, bons tempos eram inquietantes. Ele começou a
explodir sobre questões menores, como um funcionário na fábrica de
baterias de Nevada que vazou a informação de quanto material estava sendo
descartado. Era o começo de uma crise psicológica que durou de julho até
outubro de 2018, na qual Musk foi fustigado pelos impulsos impetuosos e
por um desejo incontrolável por comoções que o caracterizavam. “Era outro
exemplo de como ele é um ímã para drama”, diz Kimbal.

***

Os novos dramas começaram logo depois que a Tesla atingiu o marco de 5


mil carros por semana. Musk estava navegando pelo Twitter e viu uma
mensagem de um usuário desconhecido, com poucos seguidores, que dizia:
“Olá, senhor, se possível, pode ajudar de alguma maneira a tirar os doze
meninos tailandeses e o técnico deles de uma caverna?” Ele estava se
referindo à dúzia de jogadores de futebol da Tailândia que havia ficado presa
por uma enchente enquanto explorava uma caverna.
“Imagino que o governo tailandês esteja com isso sob controle, mas fico
feliz em ajudar, se puder”, tuitou Musk.
Então o impulso de super-herói entrou em ação. Trabalhando com os
engenheiros da SpaceX e da e Boring Company, ele começou a construir
um minissubmarino parecido com uma cápsula, que, pensou, poderia entrar
na caverna inundada para resgatar os meninos. Sam Teller conseguiu que
um amigo os deixasse usar uma piscina escolar para testar o dispositivo
naquele fim de semana, e Musk começou a tuitar fotos dele.
A saga se tornou uma notícia global, e algumas pessoas criticaram a
arrogância de Musk. No início da manhã de domingo, 8 de julho, ele
conversou com um líder da equipe de resgate na Tailândia para garantir que
o que estava construindo poderia ser útil. “Tenho uma das melhores equipes
de engenharia do mundo, que normalmente projetam espaçonaves e roupas
espaciais, trabalhando nisso 24 horas por dia”, disse Musk por e-mail. “Se
isso não é necessário ou não vai ajudar, seria bom saber.” O líder da equipe
de resgate respondeu: “Vale absolutamente a pena continuar.”
Mais tarde naquele dia, Musk e sete engenheiros se amontoaram no
avião a jato dele junto com o minissubmarino e pilhas de equipamento. Eles
chegaram ao norte da Tailândia às onze e meia da noite e foram recebidos
pelo primeiro-ministro, que estava com um boné da SpaceX e os levou
através da floresta até a caverna. Logo depois das duas da manhã, Musk e
seus seguranças e engenheiros, portando lanternas de cabeça, adentraram a
caverna escura com a água na cintura.
Depois que o minissubmarino foi entregue no local da caverna, Musk
voou para Xangai, onde assinaria um acordo para abrir outra gigafábrica da
Tesla. Naquele momento, a operação de resgate com mergulhadores estava
em andamento, e o submarino de Musk não foi necessário. Os meninos e o
técnico foram salvos. A história deveria ter terminado ali, exceto pelo fato
de que um explorador de cavernas inglês de 63 anos chamado Vernon
Unsworth, que havia assessorado os socorristas no local, deu uma entrevista
para a CNN dizendo que os esforços de Musk foram “só uma manobra de
publicidade” que “não tinha nenhuma chance de funcionar”. Unsworth
sugeriu, com uma risada, que “ele podia enfiar o submarino onde dói”.
Trolls e detratores atiravam insultos contra Musk a toda hora, e
ocasionalmente algum o mandava para o espaço. Ele respondeu com uma
sequência de tuítes nos quais atacava Unsworth e concluiu um deles com
“Desculpa, pedo, você realmente pediu isso”. Quando um usuário perguntou
a Musk se ele estava chamando Unsworth de pedófilo, ele respondeu:
“Aposto um dólar autografado que ele é.”
As ações da Tesla caíram 3,5%.
Musk não tinha provas das alegações. Teller, Gracias e o diretor jurídico
da Tesla correram para convencê-lo a se retratar, se desculpar e sair do
Twitter por um tempo. Depois que Teller enviou para ele um e-mail com
uma sugestão de declaração de desculpa, Musk devolveu: “Não estou feliz
com a abordagem sugerida... Precisamos parar de entrar em pânico.”
Contudo, algumas horas depois, Teller e outros o convenceram a tuitar uma
retratação. “Minhas palavras foram ditas com raiva, depois que o sr.
Unsworth falou várias inverdades & sugeriu que eu realizasse um ato sexual
com o minissubmarino, que havia sido construído como um ato de bondade
& de acordo com as especificações do líder da equipe de mergulho... Apesar
disso, as ações dele contra mim não justificam minhas ações contra ele, por
isso eu me desculpo com o sr. Unsworth.”
Mais uma vez, se Musk não tivesse mexido novamente no vespeiro, as
coisas talvez tivessem parado ali. No entanto, em agosto ele respondeu a um
usuário do Twitter que o repreendeu por chamar Unsworth de pedófilo.
“Você não acha estranho ele não ter me processado? Ofereceram a ele apoio
jurídico de graça”, escreveu Musk. Mesmo um dos maiores fãs dele no
Twitter, Johnna Crider, o aconselhou: “Ei, Elon, não alimente o drama,
cara, é o que eles querem.”
Àquela altura, Unsworth havia contratado um advogado, Lin Wood (que
depois se tornaria um infame teórico da conspiração tentando reverter o
resultado das eleições de 2020). Wood enviou uma carta com um alerta de
que estava abrindo um processo em nome de Unsworth por difamação.
Quando Ryan Mac, do Buzzfeed, pediu a Musk um comentário sobre o
assunto, Musk respondeu com um e-mail que começava com “em off ”. O
BuzzFeed, porém, não havia concordado com essa estipulação, e então
publicou o bombardeio que vinha em seguida. “Sugiro que ligue para
pessoas que você conhece na Tailândia, descubra o que está realmente
acontecendo e pare de defender estupradores de crianças, seu cretino idiota”,
começava Musk. “Ele é um velho homem branco inglês que tem viajado
para a Tailândia ou morado lá por trinta ou quarenta anos, principalmente
em Pattaya Beach, até se mudar para Chiang Rai atrás de uma noiva criança
que tinha cerca de 12 anos na época. Existe apenas uma razão para as
pessoas irem para Pattaya Beach. Não se vai até lá para visitar cavernas, você
vai lá para outra coisa. Chiang Rai é reconhecida pelo tráfico sexual de
crianças.” A declaração sobre a esposa de Unsworth era falsa e a alegação de
Musk não ajudou a reforçar a defesa dele de que “pedófilo” era um insulto
aleatório e não uma acusação específica.*

***

Os maiores investidores da Tesla manifestaram preocupação. “Ele estava


perdendo o controle”, diz Joe Fath, da T. Rowe Price, que telefonou depois
dos tuítes sobre “pedo”. “Isso tem que acabar”, falou para Musk,
comparando o comportamento dele com o de Lindsay Lohan, uma atriz
que na época estava saindo de controle. “Você está causando um enorme
prejuízo à marca.” A conversa deles durou 45 minutos e Musk pareceu
escutá-lo. No entanto, o comportamento destrutivo continuou.
Kimbal acreditava que a turbulência de Musk era parcialmente causada
pela angústia que ele ainda sentia, depois de quase um ano, devido ao
rompimento com Amber Heard. “Definitivamente, acho que a perda de
controle em 2018 não foi só causada pela Tesla”, diz Kimbal. “Foi um
resultado da tristeza avassaladora por causa da Amber.”
Os amigos começaram a se referir às crises de Musk como se ele estivesse
operando em “malha aberta”. O termo é usado para um objeto, como uma
bala em contraste com um míssil guiado, que não tem mecanismo de
retorno para alimentá-lo com instruções de direção. “Sempre que nossos
amigos entram em malha aberta, quando não têm retorno interativo e não
parecem se importar com os resultados, nós assumimos a responsabilidade
de informar uns aos outros”, diz Kimbal. Então, depois da repercussão
daqueles tuítes, Kimbal falou para o irmão: “Ok, alerta de malha aberta.”
Era uma frase que ele repetiria quatro anos depois, quando Musk estava
lidando com a compra do Twitter.
Tornar privada
No fim de julho, na Júpiter, na fábrica de Fremont, Musk se encontrou com
líderes do fundo de investimento do governo da Arábia Saudita, que
disseram a ele terem discretamente acumulado quase 5% das ações da Tesla.
Assim como fizeram em reuniões anteriores, Musk e o líder do fundo, Yasir
al-Rumayyan, discutiram a possibilidade de fechar o capital da Tesla. A
ideia era atraente para Musk. Ele odiava ter o valor da empresa determinado
por especuladores e vendedores a descoberto e se irritava com as regras que
vinham atreladas ao fato de ter as ações negociadas na bolsa. Al-Rumayyan
deixou o assunto nas mãos de Musk, dizendo que gostaria de “ouvir mais” e
apoiaria um plano “razoável” para tornar a empresa privada.
Dois dias depois, as ações da Tesla subiram 16% quando foram
anunciados os bons resultados do segundo trimestre, o que incluía ter
atingido a produção de 5 mil carros por semana. Musk se preocupava com
que, se as ações continuassem a subir, se tornassem caras demais para tornar
a empresa privada. Então, naquela noite, ele mandou ao conselho de
diretores um memorando: queria fechar o capital da empresa o mais rápido
possível, e ofereceu para isso o valor de 420 dólares por ação. O cálculo
original dele determinou o preço de 419 dólares, mas ele gostava do número
420 porque era uma gíria para fumar maconha. “Parecia um carma melhor
com 420 do que com 419”, diz. “Mas eu não fumava maconha, só para
deixar claro. Maconha não ajuda na produtividade. Há uma razão para a
palavra ‘chapado’.” Depois ele admitiu para a Comissão de Valores
Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) que escolher o
preço a partir de um trocadilho sobre drogas não foi inteligente.
O conselho não fez nenhuma declaração pública enquanto considerava a
sugestão de Musk. Entretanto, na manhã de 7 de agosto, quando estava
indo para o terminal aéreo privado em Los Angeles, ele publicou um tuíte
fatídico: “Estou analisando tornar a Tesla privada por 420 dólares. O
financiamento está assegurado.”
As ações subiram 7% antes que os operadores da bolsa interrompessem
temporariamente as negociações. Uma regra para empresas públicas é que os
executivos devem alertar a bolsa dez minutos antes de qualquer anúncio que
possa causar volatilidade no mercado. Musk não prestava atenção às regras.
A SEC abriu imediatamente uma investigação.
O conselho e os principais administradores da Tesla foram pegos de
surpresa. Quando o chefe de relações com investidores da empresa viu o
tuíte de Musk, mandou uma mensagem para Teller em que perguntava:
“Isso é legítimo?” Gracias ligou para Musk a fim de expressar oficialmente a
preocupação do conselho e pedir que ele parasse de tuitar até que o assunto
fosse discutido.
Musk permaneceu imperturbável após a confusão causada pelo tuíte. Ele
voou para a gigafábrica de Nevada, onde brincou com os gestores sobre
como “420” era uma referência a maconha e passou o restante do dia
trabalhando na linha de montagem de baterias. À noite, ele voou para a
fábrica de Fremont, onde realizou reuniões até tarde.
Àquela altura, os sauditas estavam expressando desconforto com o fato
de suas conversas sobre tornar a Tesla privada terem sido inflacionadas em
um tuíte sobre “financiamento garantido”. Al-Rumayyan, o líder do fundo,
disse à Bloomberg News que eles estavam “conversando” com Musk. Quando
Musk viu a notícia, ele enviou uma mensagem para Al-Rumayyan: “Essa é
uma declaração muito fraca e não reflete a conversa que tivemos. Vocês
disseram que estavam definitivamente interessados em tornar a Tesla
privada e queriam fazer isso desde 2016. Vocês estão me jogando aos lobos.”
Ele acrescentou que, se Al-Rumayyan não desse uma declaração pública
mais forte, “nunca mais vamos conversar, nunca”.
“Quando um não quer, dois não brigam”, respondeu Al-Rumayyan. “Não
recebemos nada ainda... Não podemos aprovar algo sobre o qual não temos
informação suficiente.”
Musk ameaçou encerrar as discussões com os sauditas. “Desculpe, mas
não podemos trabalhar juntos”, disse ele a Al-Rumayyan.
Enfrentando resistência de investidores institucionais, em 23 de agosto
Musk rescindiu a proposta de tornar a empresa privada. “Dado o retorno
que recebi, está evidente que a maioria dos atuais acionistas da Tesla
acredita que estamos melhor como uma empresa pública”, disse ele em uma
declaração.
A reação foi brutal. “Isso é um comportamento clássico e extremo de
uma pessoa bipolar que põe tudo em risco”, falou Jim Cramer, da CNBC,
no ar. “Estou falando sobre um comportamento que obviamente está sendo
examinado por muitos psiquiatras, que dizem ser uma tendência clássica de
assumir riscos, algo que um CEO não deveria fazer.” No e New York
Times, o colunista James Stewart escreveu que o tuíte sobre tornar a Tesla
privada era “tão impulsivo, potencialmente impreciso, mal escrito e mal
elaborado, e com tantas possíveis consequências terríveis para ele próprio, a
Tesla e os acionistas, que o conselho deve agora fazer uma pergunta sensível,
mas vital: qual era o estado mental do sr. Musk quando escreveu aquilo?”

***

Para evitar um processo federal por enganar os investidores, os advogados de


Musk trabalharam em um acordo com a SEC para resolver as acusações.
Ele permaneceria como CEO da Tesla, deixaria a presidência, pagaria uma
multa de 40 milhões de dólares e colocaria dois diretores independentes no
conselho. Outra condição era destinada a se tornar um ponto de irritação:
Musk não poderia fazer comentários públicos ou tuitar sobre qualquer
informação material sem receber autorização de um monitor da empresa.
Gracias e o CFO da Tesla, Deepak Ahuja, pressionaram muito para que
Musk aceitasse esses termos e deixasse a controvérsia — e talvez os meses de
colapso nervoso — para trás. Musk, porém, os surpreendeu ao
abruptamente rejeitar o acordo proposto. Na noite de 26 de setembro, a
SEC entrou com um processo cuja finalidade era bani-lo para sempre da
administração da Tesla ou de qualquer outra empresa pública.
Sentado na sede da Tesla em Fremont no dia seguinte, Musk bebia de
uma garrafa de água e encarava um grande monitor ligado na CNBC. Na
tela, dizia: “SEC acusa fundador da Tesla e CEO Elon Musk de fraude.”
Um grande gráfico apareceu na tela, anunciando: “Ação da Tesla cai.” As
ações haviam tombado 17%. Os advogados de Musk, junto com Antonio,
Kimbal e Deepak, passaram o dia todo pressionando-o a mudar de ideia e
aceitar o acordo. Relutante, Musk concordou com a decisão pragmática e
aceitou o acordo com a SEC. As ações subiram novamente.
Musk acreditava não ter feito nada de errado. Ele foi forçado a aceitar
um acordo, diz, pois do contrário a Tesla iria à falência. “É como ver alguém
apontando uma arma para a cabeça do seu filho. Fui forçado a ceder à SEC
ilegalmente. Aqueles cretinos.” Ele começou a brincar com o significado de
SEC, sugerindo que a palavra do meio era “Elon”.
Musk foi parcialmente vingado em 2023, quando ganhou um processo
contra um grupo de acionistas que alegava ter perdido dinheiro por causa do
tuíte dele. Um júri decidiu unanimemente que Musk não era responsável
pelas perdas. O advogado-estrela Alex Spiro alegou ao júri: “Elon Musk é
apenas um garoto impulsivo com um hábito terrível de tuitar.” Era uma
estratégia de defesa efetiva que tinha a vantagem extra de ser verdade.

* O processo de difamação, que incluiu os e-mails para o BuzzFeed, foram a julgamento em Los
Angeles em 2019. Em seu depoimento, Musk se desculpou e disse não acreditar que o explorador de
cavernas fosse um pedófilo. O júri absolveu Musk.
capítulo 48
Radioatividade
2018

No programa de Joe Rogan (acima); Kimbal (abaixo)


“Está tudo bem?”
David Gelles, um repórter de negócios do e New York Times, era um dos
muitos jornalistas atrás da história sobre os dramas de Musk em 2018. “Ele
precisa falar com a gente”, disse Gelles a uma pessoa que trabalhava com
Musk. No fim da tarde de 16 de agosto, uma quinta-feira, Gelles recebeu
uma ligação. “O que você quer saber?”, lhe perguntou Musk.
“Você estava sob efeito de drogas quando publicou aquele tuíte?”
“Não”, respondeu Musk. Ele falou que tinha tomado Ambien, um
remédio para dormir para o qual tinha receita. Alguns dos membros do
conselho temiam que ele estivesse fazendo uso excessivo do medicamento.
Gelles percebeu que Musk estava exausto. Em vez de enchê-lo de
perguntas difíceis, decidiu induzi-lo a falar. “Elon, como você está?”,
perguntou. “Está tudo bem?”
A conversa continuou por uma hora.
“Não muito bem, na verdade”, respondeu Musk. “Alguns amigos vieram
aqui, porque estão bastante preocupados.” Então ele fez uma longa pausa,
tomado pela emoção. “Houve períodos em que não saí da fábrica durante
três ou quatro dias, dias em que não pus o pé para fora”, relatou. “Isso me
impedia de ver meus filhos.”
O Times havia recebido a informação de que Musk trabalhara com o
financista Jeffrey Epstein, que tinha caído em desgraça e posteriormente
seria condenado por tráfico sexual de crianças. Musk negou. De fato, ele
não tinha nenhuma ligação com Epstein, exceto pelo fato de que Ghislaine
Maxwell, facilitadora de Epstein que Musk não conhecia, havia “invadido”
uma foto dele uma vez no Met Gala.
Gelles perguntou se as coisas estavam melhorando. Sim, para a Tesla,
disse Musk. “Mas, do ponto de vista da minha dor pessoal, o pior ainda está
por vir”, completou e começou a se emocionar. Havia longas pausas na
conversa, durante as quais Musk tentava se recompor. Gelles destacaria
depois: “Em todas as vezes que falei com grandes empresários ao longo dos
anos, nunca um executivo havia demonstrado tanta vulnerabilidade quanto
Musk demonstrou naquela conversa por telefone.”
“Elon Musk detalha custo pessoal ‘excruciante’ da crise na Tesla”, dizia a
manchete. O texto mencionava como ele havia se emocionado durante a
entrevista. “O sr. Musk alternou risadas e lágrimas”, escreveram Gelles e
seus colegas. “Ele contou que em tempos recentes trabalhou até 120 horas
por semana... [e] que não tira mais de uma semana de folga desde 2001,
quando ficou de cama com malária.” Outros veículos reproduziram a
história. “Entrevista errática com NYT dispara alarme sobre a saúde do
chefe da Tesla”, essa foi a manchete na Bloomberg.
Na manhã seguinte, as ações da Tesla despencaram 9%.

O programa de Joe Rogan


Na esteira das histórias sobre a precária condição psicológica, a consultora
de relações públicas de Musk, Juleanna Glover, recomendou que ele
resolvesse o assunto dando uma longa entrevista. “Precisamos acabar com as
especulações sem sentido sobre o seu estado mental”, escreveu ela. Juleanna
disse que ia sugerir “opções que apresentem você numa perspectiva
completa: liderando empresas, responsável, brincalhão e autoconsciente”.
Ela acrescentou um alerta: “Em hipótese alguma é aceitável continuar a falar
sobre as preferências sexuais de um mergulhador tailandês que insultou
você.”
O lugar que Musk escolheu para acabar com as especulações de que ele
havia enlouquecido foi o videocast de Joe Rogan, um apresentador bem
informado e perspicaz, comediante e (um pouco apropriado demais)
comentarista de UFC, que gosta de passar por terreno minado com os
convidados, desprezando o politicamente correto e flertando com
controvérsias. Rogan deixa seus convidados divagarem, e Musk divagou por
mais de duas horas e meia. Ele descreveu como criar um exoesqueleto tipo
de cobra quando construir túneis. Falou sobre a ameaça da inteligência
artificial, se os robôs poderiam se vingar de nós e como a Neuralink seria
capaz de criar uma ligação direta de alta velocidade entre nossa mente e
nossas máquinas. E eles discutiram sobre como os humanos poderiam ser
avatares involuntários em um jogo de simulação criado por uma inteligência
superior.
Essas divagações talvez não fossem a maneira perfeita de convencer os
investidores institucionais de que Musk tinha plena noção da realidade, mas
a entrevista pelo menos parecia inofensiva. Até que Rogan acendeu um
grande “cigarro de maconha com tabaco” e ofereceu a Musk.
“Você provavelmente não pode por causa dos acionistas, certo?”, disse
Rogan, oferecendo a Musk uma saída.
“Bem, está dentro da lei, certo?”, replicou Musk.
Eles estavam na Califórnia.
“Totalmente dentro da lei”, falou Rogan, entregando o baseado.
Musk deu uma tragada hesitante, travesso.
Alguns minutos depois, quando estavam falando sobre o papel dos gênios
em promover a civilização, Musk se virou para olhar o celular. “Está
recebendo mensagens das gatas?”, perguntou Rogan.
Musk fez que não com a cabeça. “Estou recebendo mensagens de amigos
perguntando ‘Por que diabos você está fumando maconha?’.”
A primeira página do e Wall Street Journal no dia seguinte era
totalmente diferente de tudo que o jornal havia feito até então. Exibia uma
grande foto de Musk, com os olhos vidrados e um sorriso torto forçado,
segurando um baseado na mão esquerda e com uma nuvem de fumaça
pairando em torno da cabeça. “As ações da Tesla Inc. despencaram para
perto do menor valor no ano na sexta-feira depois que a fabricante de carros
elétricos perdeu mais executivos e o executivo-chefe, Elon Musk, apareceu
fumando maconha numa entrevista transmitida na internet”, escreveu o
repórter Tim Higgins.
Musk pode não ter desrespeitado a lei estadual, mas, além de irritar ainda
mais os investidores, ele pareceu ter desrespeitado regulamentações federais,
o que levou a uma investigação da NASA. “A SpaceX era contratada da
NASA, e eles são grandes defensores da lei”, diz Musk. “Então eu tive que
me submeter a exames toxicológicos aleatórios por alguns anos. Felizmente,
realmente não gosto de consumir drogas ilegais.”

Lança-chamas
Musk havia ido ao estúdio de Joe Rogan com um presente para o anfitrião
do podcast: um lança-chamas de plástico com o logo da e Boring
Company. Eles brincaram juntos com o presente, alegremente ativando a
curta chama de propano, enquanto Sam Teller e a equipe do estúdio
desviavam e riam.
O lança-chamas era uma boa metáfora para o próprio Musk. Ele se
divertia em deixar escapar comentários dignos de chamuscar as
sobrancelhas. A ideia surgiu depois que a empresa licenciou bonés com os
dizeres    e vendeu 15 mil unidades. “O que podemos
fazer agora?”, perguntou Musk. Alguém sugeriu um lança-chamas de
brinquedo, ao que ele respondeu: “Meu Deus, vamos fazer.” Ele era fã de
S.O.S.: Tem um louco solto no espaço, uma paródia de Mel Brooks à saga Star
Wars que tem uma cena na qual um personagem parecido com Yoda
anunciava os produtos do filme à venda, culminando com a frase “Leve o
lança-chamas para casa”. Os filhos de Musk amavam aquela frase.
Steve Davis, que comandava a e Boring Company, encontrou um
protótipo relativamente seguro capaz de derreter neve e chamuscar
pequenos gravetos, mas que, em termos técnicos, não era quente o suficiente
para ser regulamentado como lança-chamas. Eles começaram a anunciá-lo,
ironicamente, como “não é um lança-chamas”, para evitar problemas com a
lei. Os termos e as condições declaravam:

Não vou usar dentro de casa, eu juro,


Não vou apontar isso para você
Não vou usar de um jeito inseguro
O melhor uso é para crème brûlée...
... e acabou nossa capacidade de rimar

Eles precificaram o brinquedo em 500 dólares (hoje é vendido pelo dobro


no eBay), e em quatro dias haviam vendido 20 mil lança-chamas, faturando
10 milhões de dólares.

***

O jeito pateta de Musk é o outro lado do seu modo demoníaco. Quando ele
está nos momentos mais sombrios, frequentemente alterna entre raiva e
estrondosas gargalhadas.
O humor dele tem muitos níveis. O mais baixo é a afeição pueril por
emojis de cocô, sons de pum programados no Tesla e outras demonstrações
de humor escatológico. Dê a ordem “Abrir ânus” para o console de um Tesla
e o carro abre uma porta na traseira do veículo.
Musk também tem um humor mordaz, irônico, demonstrado por um
pôster na parede da baia dele na SpaceX. A imagem mostra um céu azul-
escuro estrelado onde se vê uma estrela cadente, e um texto diz: “Quando
você faz um pedido para uma estrela cadente, seus sonhos podem se tornar
realidade. A menos que seja um meteoro vindo em direção à Terra que
destruirá toda a vida no planeta. Nesse caso você está ferrado, não importa o
que desejou. A menos que seu desejo seja morrer atingido por um
meteorito.”
O tipo mais profundamente enraizado de humor de Musk é uma
esperteza divertida e metafísica da ciência geek que ele absorveu quando leu
e releu o livro de Douglas Adams, O guia do mochileiro das galáxias. Em
meio à sua crise em 2018, Musk decidiu lançar seu velho Tesla Roadster
vermelho-cereja no espaço sideral, em uma órbita que iria, depois de quatro
anos, levá-lo para perto de Marte. Ele fez isso no primeiro lançamento do
novo Falcon Heavy, um foguete de 27 motores construído a partir da junção
de três foguetes auxiliares Falcon 9. O Tesla tinha um exemplar de O guia do
mochileiro das galáxias no porta-luvas e um cartaz no painel com  
 !, regra extraída do livro.

Ruptura com Kimbal


Durante a infância difícil e enquanto parceiros no Zip2, Kimbal e Elon
costumavam brigar ferozmente um com o outro. Mas, acima de tudo isso,
Kimbal foi o mais próximo compatriota de Elon, aquele que o entendia e
ficava com ele, mesmo quando lhe dizia verdades desconfortáveis.
Depois que Antonio Gracias o convocou a voltar da lua de mel em julho,
Kimbal trabalhou quase em tempo integral na Tesla, ignorando o
restaurante no estilo “do produtor direto para a mesa” que havia aberto no
Colorado. Durante a crise com a SEC, ele foi uma das vozes mais
ressoantes pressionando Elon a aceitar o acordo. E, quando Elon ficou
temeroso de que alguns membros do conselho pudessem estar se
organizando contra ele, Kimbal voou até Los Angeles para ficar com o
irmão. Durante uma tensa reunião de sábado na casa de Elon, Kimbal fez o
que havia feito depois do fracasso do lançamento do Falcon em Kwaj e
muitas outras vezes: aliviou a tensão cozinhando. Dessa vez, ele preparou
salmão com ervilhas e um cozido de batata com cebola.
Entretanto, a frustração de Kimbal com o irmão vinha crescendo,
especialmente quando pessoas de fora precisavam convencê-lo a aceitar o
acordo com a SEC. Em outubro, houve um ponto de ruptura. A rede de
restaurantes dele estava tendo problemas de financiamento e ele precisava
levantar capital. “Então liguei para o Elon e disse: ‘Olha, preciso da sua
ajuda para financiar meu negócio.’” A rodada deveria ser de cerca de 40
milhões de dólares, e Kimbal precisava que Elon emprestasse 10 milhões.
Elon inicialmente concordou. “Eu me lembro”, diz Kimbal, “de escrever no
meu diário ‘amor incondicional pelo Elon’”. Contudo, quando Kimbal o
procurou para que ele transferisse o dinheiro, Elon havia mudado de ideia.
O gerente financeiro pessoal dele, Jared Birchall, havia analisado os
números e disse a Elon que o negócio de Kimbal não era sustentável. “O
dinheiro que Elon estava colocando na empresa do irmão estava escorrendo
pelo ralo”, me disse Birchall. Então Elon deu a Kimbal a má notícia: “Fiz o
cara das minhas finanças dar uma olhada na situação, e os restaurantes estão
indo mal. Acho que eles deveriam morrer.”
“O que você disse?”, gritou Kimbal. “Vá se foder. Vá se foder. Não é
assim que funciona.” Ele lembrou a Elon, vigorosamente, que, quando as
finanças da Tesla estavam mal das pernas, ele tinha ido trabalhar ao lado do
irmão e fornecido financiamento. “Se você tivesse olhado para as finanças da
Tesla, ela deveria ter morrido também”, disse Kimbal. “Então, não é assim
que funciona.”
Elon acabou cedendo. “Eu basicamente o forcei a colocar 5 milhões”, diz
Kimbal. Os restaurantes sobreviveram, mas o incidente causou uma ruptura.
“Fiquei furioso com o Elon e não falei com ele”, relata Kimbal. “Senti como
se tivesse perdido meu irmão. Que a experiência na Tesla o havia feito
perder a cabeça. Naquele momento eu pensei: ‘Para mim já deu.’”
Depois de seis semanas de silêncio, Kimbal tentou contato para resolver o
conflito. “Decidi voltar a ser o irmão do Elon porque não queria perdê-lo”,
diz ele. “Senti falta do meu irmão.” Perguntei como Elon reagiu quando ele
o procurou. “Reagiu como se nada tivesse acontecido”, respondeu Kimbal.
“Elon é assim.”

JB Straubel sai
Não foi surpresa que muitos dos principais executivos de Musk tenham
fugido durante o inferno da produção de 2018 e da tempestade que se
seguiu. Jon McNeill, o presidente da Tesla que supervisionava vendas e
marketing, havia assumido o papel de ajudar Musk durante as crises de
sofrimento mental que o acometiam, como fez quando ele estava deitado no
chão da sala de conferências. “Estava ficando absolutamente exaustivo para
mim”, diz McNeill. Ele foi até Musk em janeiro de 2018, incentivou-o a
procurar ajuda psicológica e disse: “Adoro você, mas não consigo mais
continuar assim.”
Doug Field, o vice-presidente sênior de engenharia, era cogitado como
futuro CEO da Tesla. Musk, contudo, perdeu a confiança nele no início do
inferno da onda e o tirou do papel de supervisor de produção. Ele saiu para
ir trabalhar na Apple e depois na Ford.
A saída mais importante, pelo menos dos pontos de vista simbólico e
emocional, foi a de JB Straubel, o animado cofundador que havia
acompanhado Musk por dezesseis anos, desde o jantar deles em 2003,
quando Straubel exaltou a possibilidade de usar baterias de íon de lítio para
fazer carros elétricos. No fim de 2018, ele tirou longas férias, as primeiras
férias de verdade em quinze anos. “Meu nível percentual de felicidade estava
baixo e tendendo a cair”, diz. Ele estava se divertindo muito mais num
empreendimento secundário que havia fundado, a Redwood Materials, cujo
objetivo era reciclar baterias de íon de lítio de carros. Outro fator foi o
comportamento de Musk na época. “Ele estava sofrendo, e por isso se
mostrava mais temperamental que de costume”, explica Straubel. “Eu me
senti terrível por ele e tentei ajudá-lo como amigo, mas não consegui.”
Geralmente, Musk não é sentimental com a partida das pessoas. Ele
gosta de sangue novo. O que o preocupa mais é um fenômeno que chama de
“ricos preguiçosos”, ou seja, pessoas que trabalham por muito tempo na
empresa e, como já adquiriram dinheiro suficiente e casas de veraneio, não
têm mais o apetite para passar a noite toda no chão de fábrica. Mas, no caso
de Straubel, para além da confiança profissional, Musk sentia uma afeição
pessoal. “Fiquei um pouco surpreso com a relutância de Elon em aceitar
minha demissão”, diz Straubel.
Durante o início de 2019, eles tiveram várias conversas e Straubel foi
capaz de perceber as complexidades das oscilações emocionais de Musk.
“Ele pode mudar, normalmente sem aviso, de um humor muito emotivo e
humano para o exato oposto disso”, diz Straubel. “Às vezes ele pode ser
extremamente amável e carinhoso, de forma chocante até, e você pensa Ah,
meu Deus, é verdade, já passamos por grandes dificuldades juntos e temos uma
ligação profunda, e eu te amo, cara. Então isso se mistura àquele olhar vazio,
quando parece que ele está olhando através de você sem emoção alguma.”
O plano que eles elaboraram era anunciar a saída de Straubel da Tesla na
reunião anual de junho de 2019, que seria realizada no Museu da História
do Computador, perto de Palo Alto. Considerando o local, seria uma
chance de andar pela história da Tesla, que em dezesseis anos deixou de ser
um sonho para se transformar na rentável pioneira da era dos veículos
elétricos. Em seguida, eles apresentariam o sucessor de Straubel, Drew
Baglino, um veterano que estava na empresa havia doze anos. Straubel e
Baglino tinham a mesma linguagem corporal e modos esguios, além de uma
profunda afeição.
Nos bastidores, antes do evento, Musk repensou se faria o anúncio da
saída de Straubel. “Estou com um mau pressentimento sobre isso”, disse.
“Não acho que a gente deva fazer o anúncio hoje.” Straubel ficou aliviado,
porque lidar com a própria saída estava sendo emocionalmente difícil.
Musk fez a primeira parte da apresentação sozinho. “Foi um ano
infernal”, começou ele, uma frase que era verdadeira em muitos níveis. O
Model 3 estava, na época, vendendo mais que todos os concorrentes juntos
— a gasolina e elétricos — na categoria de carro de luxo e era o carro mais
vendido em receita nos Estados Unidos. “Há dez anos, ninguém teria
acreditado que isso poderia acontecer”, disse Musk. O humor tolo dele veio
à tona por um momento. Ele começou a rir com o “aplicativo de pum”, o
qual permitia que os motoristas do Tesla, ao apertar um botão, fizessem o
assento do passageiro emitir um som de pum quando alguém se sentasse.
“Talvez seja meu melhor trabalho”, falou Musk.
Ele também, como sempre, prometeu que os Teslas autônomos estavam
próximos. “Esperamos apresentar a autonomia completa até o fim deste
ano”, declarou — mais um ano em que isso era prometido. “Esse carro deve
ser capaz de ir da garagem da sua casa até o estacionamento do trabalho sem
intervenção.” Uma pessoa da plateia foi até o microfone e o desafiou,
quando disse que as promessas anteriores que ele fizera não haviam se
concretizado. Musk riu, pois sabia que o interlocutor estava certo. “Pois é, às
vezes eu sou um pouquinho otimista demais com relação a prazos”, disse
ele. “Vocês já devem ter percebido, não é? Mas será que eu estaria fazendo
isso se não fosse otimista? Jesus!” A plateia aplaudiu. Eles entendiam a
piada.
Quando Musk convidou Straubel e Baglino ao palco, houve aplausos.
Entre os fãs da Tesla, eles eram astros queridos. Straubel disse com afeição
genuína: “Drew se juntou à minha equipe alguns anos depois da fundação
da empresa, quando meu time era pequeno, apenas cinco ou dez pessoas, e
desde então ele tem sido meu braço direito, fez parte de todos os principais
projetos que toquei.” Esse seria o momento em que Straubel anunciaria a
aposentadoria, assim havia planejado. Em vez disso, Straubel e Musk
aproveitaram a ocasião para relembrar o passado. “Lembro da origem da
Tesla, em 2003, quando JB e eu almoçamos com Harold Rosen”, disse
Musk. “É, aquela foi uma boa conversa.”
“Nós não previmos exatamente como as coisas aconteceriam”,
acrescentou Straubel.
“Eu tinha certeza absoluta de que não ia dar certo”, falou Musk. “Em
2003, as pessoas achavam que carros elétricos eram a coisa mais estúpida do
mundo, ruim em todos os sentidos, algo como um carrinho de golfe.”
“Mas era algo que precisava ser feito”, disse Straubel.
Durante uma reunião de resultados algumas semanas depois, Musk
anunciou casualmente a saída de Straubel. O respeito de Musk por ele,
entretanto, permaneceu. Em 2023, ele iria convidar Straubel para fazer
parte do conselho da Tesla.
capítulo 49
Grimes
2018

Claire Boucher, conhecida como Grimes, vestida para uma apresentação; com
Musk no Met Gala
em+cb
De vez em quando, frequentemente nos momentos mais complexos, os
Criadores da Nossa Simulação — os patifes que conjuram aquilo que somos
levados a acreditar ser realidade — apresentam um novo elemento brilhante,
que cria novas e caóticas subtramas. E foi exatamente assim que, na
primavera de 2018, em meio ao tsunami emocional causado pelo
rompimento com Amber Heard, surgiu na vida de Musk uma franzina
tecelã de sons: Claire Boucher, conhecida como Grimes, uma artista
performática inteligente e hipnótica, cujo aparecimento acarretaria três
novos filhos, intermitentes períodos de vida doméstica e até mesmo uma
batalha pública com uma rapper instável.
Nascida em Vancouver, Grimes havia produzido quatro álbuns na época
em que começou a sair com Musk. Baseando-se em temas e memes de
ficção científica, ela combinava de forma hipnotizante textura sonora com
elementos de dream pop e música eletrônica. Uma intrépida curiosidade
intelectual a levou a se interessar por ideias ecléticas, como um experimento
mental conhecido como Basilisco de Roko, o qual postula que a inteligência
artificial poderia sair de controle e torturar qualquer humano que não a
tenha ajudado a ganhar poder. Esse é o tipo de coisa com as quais ela e
Musk se preocupam. Quando Musk quis tuitar um trocadilho sobre o
assunto, deu uma busca no Google para encontrar uma imagem e então
descobriu que Grimes havia transformado isso em um elemento do
videoclipe “Flesh Without Blood”, de 2015. Ela e Musk deram início a
uma conversa no Twitter, que, à maneira moderna, acabou em trocas de
mensagens privadas em redes sociais e mensagens de celular.
Os dois já haviam se encontrado antes — ironicamente, quando Musk
estava em um elevador com Amber Heard. “Você se lembra daquele
encontro no elevador?”, perguntou Grimes durante uma conversa que tive
com ela e Musk tarde da noite. “Foi superestranho.”
“De tantos momentos em que a gente podia ter se encontrado...”,
concordou Musk. “Você estava me encarando muito intensamente.”
“Não”, corrigiu ela, “era você que estava me encarando com um olhar
estranho”.
Depois que se reencontraram na conversa sobre o Basilisco de Roko no
Twitter, Musk a convidou para voar até Fremont e visitar a fábrica dele, sua
ideia de um bom encontro. Era fim de março de 2018, durante o frenesi
enlouquecido para fazer 5 mil carros por semana. “Nós simplesmente
andamos pelo chão de fábrica a noite toda, e eu o vi tentar consertar coisas”,
conta Grimes. Na noite seguinte, enquanto a levava a um restaurante, ele
mostrou quão rápido o carro acelerava, depois tirou as mãos do volante,
cobriu os próprios olhos e a deixou experimentar o Autopilot. “Fiquei, tipo,
esse cara é muito louco”, diz ela. “O carro dava a seta e mudava de pista
sozinho. Parecia uma cena de filme da Marvel.” No restaurante, ele escreveu
+ na parede.
Quando ela comparou os poderes dele aos de Gandalf, Musk fez um quiz
com ela sobre O Senhor dos Anéis. Ele queria testar se ela era realmente fã.
Ela passou no teste. “Era importante para mim”, diz Musk. Grimes deu de
presente para ele uma caixa de ossos de animais que havia colecionado. À
noite, eles ouviam “Hardcore History”, de Dan Carlin, e outros podcasts de
história e audiolivros. “A única maneira de eu estar em um relacionamento
sério é se a pessoa com quem estou também for capaz de ouvir, tipo, uma
hora de história de guerra antes de dormir”, diz ela. “Elon e eu passamos
por muitos assuntos, como Grécia Antiga, Napoleão e as estratégias
militares da Primeira Guerra Mundial.”
Tudo isso estava acontecendo enquanto Musk passava por suas crises
mentais e de trabalho em 2018. “Cara, você realmente parece estar com a
cabeça bem cheia”, disse Grimes para ele. “Quer que eu traga meu material
de música para cá e trabalhe na sua casa?” Musk respondeu que gostaria
disso. Não queria ficar sozinho. Ela achou que ficaria com ele por algumas
semanas, até que a turbulência emocional abrandasse. “Mas a tempestade
meio que nunca passou, e então você já está embarcado, viajando, e eu
simplesmente fui ficando ali.”
Ela foi com Musk à fábrica em algumas noites quando ele estava no
modo batalha. “Elon está sempre procurando pelo que está errado com o
motor, o que está errado com o mecanismo, o escudo térmico, a válvula de
oxigênio líquido”, diz ela. Certa noite, eles saíram para jantar e Musk de
repente ficou em silêncio, pensando. Depois de um minuto ou dois, ele
perguntou se ela tinha uma caneta. Ela tirou um delineador da bolsa. Musk
pegou e começou a desenhar em um guardanapo uma ideia para modificar
um escudo térmico do motor. “Percebi que, mesmo quando estava com ele,
havia momentos em que a mente dele ia para outro lugar, geralmente para
algum problema do trabalho”, comenta Grimes.
Em maio, Musk tirou uma breve folga do inferno de produção na fábrica
da Tesla e foi com ela a Nova York para participar do evento anual de gala
do Metropolitan Museum, uma extravagância cintilante em que as pessoas
exibem uma moda fora do comum e fantasias. Musk sugeriu ideias para o
traje dela, um conjunto punk medieval em preto e branco com espartilho de
vidro rígido e um colar feito de pontas que lembravam o logotipo da Tesla.
Ele até conseguiu alguém da equipe de design da Tesla para ajudar Grimes a
produzi-la. Ele usou uma camisa branca com um colarinho clerical e um
smoking branco puro com uma discreta inscrição novus ordo seclorum, uma
frase em latim que anuncia uma nova ordem dos tempos.

Batalha de rap
Embora quisesse ajudar Musk durante a crise, Grimes não era uma
influência tranquila. A intensidade que a tornava uma artista ousada trazia
junto um estilo de vida confuso. Ela ficava acordada boa parte da noite e
dormia durante o dia. Grimes era exigente e não confiava na equipe que
cuidava dos afazeres domésticos de Musk, bem como tinha um
relacionamento difícil com Maye.
Musk era viciado em drama e Grimes tinha uma característica que
intensificava isso: era um ímã para drama. Ela atraía situações dramáticas,
fosse de propósito ou não. Bem quando o incidente da caverna tailandesa e a
confusão sobre tornar a Tesla uma empresa privada estavam saindo de
controle, em agosto de 2018, Grimes convidou a rapper Azealia Banks para
ficar com ela na casa de Musk e colaborar em algumas músicas. Ela havia
esquecido que tinha feito planos com Musk de visitar Kimbal em Boulder.
Grimes disse a Banks que ela poderia ficar na casa de hóspedes no fim de
semana. Naquela manhã de sexta, três dias depois do tuíte sobre tornar a
Tesla uma empresa privada, Musk se levantou, se exercitou, fez algumas
ligações e viu de relance Banks na casa. Quando está concentrado em outras
coisas, ele não presta muita atenção no que acontece ao redor. Musk não
sabia ao certo quem vinha a ser ela, apenas que era amiga de Grimes.
Chateada por Grimes ter cancelado a sessão de gravação delas para ficar
com Musk, Banks soltou uma sequência de ofensas em seu perfil do
Instagram, que tinha muitos seguidores. “Esperei o fim de semana todo
enquanto grimes mimava o namorado por ser estúpido demais para saber
que não se entra no twitter sob efeito de ácido”, postou. Isso era mentira
(Musk nunca usou ácido), mas compreensivelmente instigou não apenas a
imprensa, como também a SEC. Os posts de Banks sobre Grimes e Musk
se tornaram progressivamente mais insanos:

LOL, Elon musk se daria melhor contratando uma acompanhante. Pelo


menos uma acompanhante teria ficado de boca fechada sobre as coisas
dele. Ele tem uma viciada em metanfetamina suja, traiçoeira, saída da
floresta, tipo aquela gata da cerveja Pabst, correndo pela cidade contando
TUDO SOBRE ELE PRA TODO MUNDO. Só porque ele precisava
de uma companhia para o Met Gala para esconder da Amber Heard o
pau encolhido LOL... Ele está no espectro da síndrome de Down. Tem
alguma coisa errada com aquele cara. Não acho que ele mereça ser
chamado de alienígena. Ele é um mutante... Branquelos do cacete.
Última vez que tento trabalhar com uma cadela branca.

Quando a Business Insider fez uma entrevista por telefone com Banks, ela
ligou a situação ao compromisso de Musk de tornar a Tesla uma empresa
privada, o que deixou as coisas legalmente piores. “Eu o vi na cozinha com o
rabinho entre as pernas, pedindo que investidores salvassem o traseiro dele
depois daquele tuíte”, disse ela. “Ele estava estressado e com o rosto
vermelho.”
Até então, histórias malucas envolvendo Musk tinham uma vida útil
curta. Essa história foi sensação nos tabloides por cerca de uma semana,
depois começou a sumir quando Banks postou um pedido de desculpa.
Grimes conseguiu transformar a situação em munição para uma música.
Em 2021, lançou uma faixa chamada “100% Tragedy”, que era sobre “ter
que derrotar Azealia Banks quando ela tentou destruir minha vida”.
Muitos tons de Musk
Apesar de dramas desse tipo, Grimes era uma boa companheira para Musk.
Como Amber Heard (e o próprio Musk), também era atraída pelo caos,
mas, diferentemente da ex de Musk, o caos de Grimes era fortalecido pela
bondade e até pela doçura. “Meu alinhamento no Dungeons and Dragons era
caoticamente bom”, diz, “enquanto o da Amber deve ser caoticamente
mau”. Ela percebeu que era isso que tornava Amber atraente para Musk.
“Ele é atraído pelo caos ruim. É por causa do pai dele e da infância que teve,
e ele logo se deixa ser maltratado. Associa amor a ser mau ou abusivo. Há
uma ligação entre Errol e Amber.”
Grimes gostava da intensidade dele. Certa noite foram assistir ao filme
Alita: Anjo de combate, em 3-D, mas quando chegaram não havia mais
óculos. Musk insistiu que ficassem e assistissem de qualquer maneira,
mesmo que a tela fosse parecer completamente desfocada. Quando Grimes
estava fazendo as gravações de vozes para a ciborgue popstar a quem ela
dava vida no jogo Cyberpunk 2077, ele apareceu no estúdio sacudindo uma
arma de 200 anos e insistiu que o deixassem fazer uma ponta. “Os caras do
estúdio começaram a suar”, conta Grimes. Musk acrescenta: “Eu disse a eles
que estava armado, mas que não era perigoso.” Eles cederam. Os implantes
cibernéticos no jogo eram uma versão de ficção científica do que Musk
estava fazendo na Neuralink. “Isso me chamou a atenção”, diz.
A percepção básica dela quanto a Musk era a de ele ser diferente dos
outros. “A síndrome de Asperger torna você uma pessoa muito difícil”,
comenta Grimes. “Ele não é bom em sentir o clima. A compreensão
emocional dele é bastante diferente da que as pessoas comuns têm.” As
pessoas deveriam ter em mente a constituição psicológica de Musk quando
o julgam, argumenta ela. “Se alguém tem depressão ou ansiedade, nós
somos empáticos; se tem Asperger, dizemos que é um babaca.”
Grimes aprendeu a lidar com as muitas personalidades de Musk. “Ele
tem diversas mentes e muitas personalidades bem distintas”, diz, “e transita
entre elas em alta velocidade. Você simplesmente sente o clima mudar na
sala e de repente toda a situação simplesmente passa para o outro estado
dele.” Ela notou que as personalidades diferentes têm diferentes gostos,
mesmo com relação a música e decoração. “A minha versão favorita do E é a
que gosta do Burning Man, dorme no sofá, come sopa enlatada e é
relaxado.” A bête noire é o Elon que ela chama de modo demoníaco. “O
modo demoníaco é quando ele fica sombrio e se esconde dentro da
tempestade no próprio cérebro.”
Certa noite, enquanto jantavam com um grupo, eu percebi o momento
em que o clima pesou e o humor dele mudou. Grimes se afastou. “Quando
ficamos juntos, eu me asseguro que estou com o Elon certo”, explicou ela
depois. “Há alguns caras naquela mente que não gostam de mim, e eu não
gosto deles.”
Às vezes, uma das versões de Elon vai parecer não se lembrar do que a
outra fez. “Você vai dizer coisas para ele e depois ele simplesmente não vai
se recordar de nada, porque estava em um espaço cerebral”, diz Grimes. “Se
ele estiver concentrado em algo em particular, não vai receber estímulo, não
vai absorver nenhuma informação do mundo externo. As coisas podem estar
bem na frente dos olhos dele, mas Elon não vai ver.” Igual a como acontecia
na época da escola.
Durante a turbulência emocional de 2018 na Tesla, ela tentou fazê-lo
relaxar. “Nem tudo precisa ser ruim”, disse para Musk certa noite. “Você não
precisa ficar eufórico com tudo o tempo todo.” Grimes também entendia,
de maneiras que outras pessoas não entendem, que a inquietação de Musk
era um dos motores do sucesso dele. Assim como o modo demoníaco,
embora ela tenha demorado mais a valorizar esse aspecto. “O modo
demoníaco causa muito caos”, diz Grimes, “mas também faz as coisas
acontecerem”.
capítulo 50
Xangai
Tesla, 2015-2019

Com Robin Ren em Xangai


Robin Ren, o campeão da Olimpíada de Física nascido em Xangai que
havia sido parceiro de laboratório de Musk na Penn, não entendia muito de
carros. Na realidade, quase tudo que ele sabia aprendera quando atravessou
o país de carro com Musk, após se formarem, em 1995. Musk ensinara Ren
a lidar com uma BMW enguiçada e a dirigir com câmbio manual,
habilidades das quais ele não precisou depois de se tornar chefe de
tecnologia na subsidiária de flash drives da Dell Computers. Foi por isso que
Ren ficou surpreso com o convite de Musk, vinte anos depois, para almoçar
em Palo Alto.
Vender carros na China era fundamental para as ambições globais da
Tesla, mas as coisas não estavam indo bem. Musk havia demitido
sucessivamente dois gerentes na China e, depois de a empresa ter vendido
só 120 carros no país em um mês, ele se preparava para demitir toda a
equipe principal baseada lá. “Como eu acerto o negócio da Tesla na
China?”, perguntou a Ren no almoço. Ren expressou sua ignorância sobre a
indústria automobilística e simplesmente fez algumas considerações de alto
nível sobre como fazer negócios no país. “Vou à China na semana que vem
para me encontrar com o vice-primeiro-ministro”, disse Musk quando
estavam prestes a ir embora. “Você pode ir comigo?”
Ren hesitou. Ele havia acabado de voltar de uma viagem de negócios na
China. Contudo, sentiu a atração irresistível de ser parte da missão de
Musk, então enviou um e-mail na manhã seguinte para dizer que estava
pronto para ir. Eles tiveram uma reunião cordial com o vice-primeiro-
ministro. Depois, se encontraram com um ex-integrante do governo e
outros consultores, os quais disseram que, para ter sucesso vendendo carros
na China, a Tesla teria que fabricar carros lá. De acordo com a lei chinesa,
isso exigia criar uma joint-venture com uma empresa nacional.
Musk era alérgico a joint-ventures. Ele não era bom em compartilhar o
controle. Então enfatizou, lançando mão de seu modo brincalhão, que a
Tesla não queria se casar. “A Tesla é jovem demais”, disse. “Somos quase um
bebê, como vocês querem casar?” Ele se levantou e imitou duas crianças
pequenas andando até o altar, e deu sua típica risada. Todo mundo na sala
riu, os chineses de maneira um pouco hesitante.
No voo de volta no jato de Musk, ele e Ren ficaram se lembrando da
faculdade e compartilharam fatos curiosos sobre física. Foi só depois que o
jato pousou, enquanto estavam descendo as escadas, que Musk fez a
pergunta: “Você entraria para a Tesla?” Ren disse que sim.

***

O grande desafio de Ren era encontrar uma forma de fabricar na China. Ele
podia ou insistir até dissuadir a resistência de Musk e fazer a Tesla criar uma
joint-venture, que era o que todas as outras empresas automotivas tinham
feito, ou convencer os principais líderes chineses a mudar a lei que havia
definido o crescimento industrial chinês por três décadas. Descobriu que
esta última opção era mais fácil. Mês após mês, Ren fez lobby junto ao
governo chinês. O próprio Musk voltou para lá em abril de 2017 a fim de se
encontrar com os líderes chineses novamente. “Nós continuávamos a
explicar por que seria bom para a China deixar a Tesla construir uma fábrica
automotiva, mesmo que não fosse uma joint-venture”, diz Ren.
Como parte dos planos do presidente Xi Jinping de fazer do país um
centro da inovação na energia limpa, a China finalmente concordou, no
início de 2018, em deixar a Tesla construir uma fábrica sem ter que entrar
numa joint-venture. Ren e sua equipe conseguiram negociar um acordo por
mais de oitenta hectares perto de Xangai com empréstimos a juros baixos.
Ren voltou para os Estados Unidos com o propósito de discutir o acordo
com Musk em fevereiro de 2018. Infelizmente, Musk encontrava-se em
meio ao inferno de produção na fábrica de baterias em Nevada, e estava em
tal frenesi andando pelo chão de fábrica que Ren não foi capaz de conseguir
encurralá-lo para uma conversa. Os dois foram para Los Angeles juntos
naquela noite, mas só depois de pousarem Ren conseguiu conversar com ele.
Ren começou a mostrar uma sequência de slides com mapas, condições de
financiamento e termos do acordo, mas Musk não olhou para aquilo. Em
vez disso, ficou olhando para fora da janela do avião dele por quase um
minuto. Então encarou Ren e disse: “Você acredita que é a coisa certa a se
fazer?” Ren ficou tão desconcertado que parou por alguns segundos antes de
responder que sim. “Ok, vamos nessa”, decretou Musk e saiu do avião.
A cerimônia formal de assinatura com os líderes chineses aconteceu em
10 de julho de 2018. Musk foi a Xangai saído direto da caverna na
Tailândia, onde esteve com água até a cintura para entregar o
minissubmarino que havia construído para resgatar os jovens jogadores de
futebol. Ele trocou de roupa e vestiu um terno escuro, então ficou de pé
rigidamente no salão de banquetes vermelho enquanto todos trocavam
brindes. Os primeiros modelos Tesla começaram a sair da fábrica em
outubro de 2019. Em dois anos, a China estaria fabricando mais da metade
dos veículos da empresa.
capítulo 51
Cybertruck
Tesla, 2018-2019

Com Franz von Holzhausen, discutindo o design do Cybertruck, em 2018


Aço
Quase toda sexta-feira à tarde, desde que criara o estúdio de design da
Tesla, em 2008, Musk fazia uma reunião de avaliação de produto com o
chefe da equipe de design, Franz von Holzhausen. Essas reuniões,
geralmente realizadas no silencioso showroom de piso branco do estúdio de
design nos fundos da sede da SpaceX, em Los Angeles, eram um respiro,
sobretudo quando a semana fora tumultuada. Musk e Von Holzhausen
vagavam pela sala, que parecia um hangar, tocando em protótipos e modelos
de argila dos veículos que eles vislumbravam para o futuro da Tesla.
No começo de 2017, eles principiaram a discutir ideias para uma
caminhonete da Tesla. Von Holzhausen começou com os designs
tradicionais, usando como modelo uma Chevrolet Silverado, que foi
colocada no centro do estúdio para que eles estudassem as proporções e os
componentes do veículo. Musk disse que queria algo mais empolgante,
talvez até mesmo surpreendente. Então pesquisaram veículos históricos com
um ar arrojado, principalmente a El Camino, um cupê retrofuturista feito
pela Chevrolet na década de 1960. Von Holzhausen projetou uma
caminhonete com um ar semelhante, mas, ao andar em torno do modelo,
eles concordaram que o veículo não parecia “durão” o suficiente. “Tinha
curvas demais”, diz Von Holzhausen. “Não transmitia a autoridade de uma
caminhonete.”
Musk então acrescentou mais uma referência de design que o inspirou: a
Lotus Esprit do fim da década de 1970, um veículo esportivo britânico
anguloso e com a frente em forma de cunha. Especificamente, ele estava
apaixonado por uma versão que aparecia no filme 007: O espião que me
amava, de James Bond, de 1977. Por cerca de 1 milhão de dólares, Musk
comprou o carro usado no filme e o expôs no estúdio de design da Tesla.
As sessões de brainstorming eram divertidas, mas mesmo assim não
culminaram em um conceito que empolgasse os dois. Para se inspirarem,
eles visitaram o Museu Automotivo Petersen, onde repararam em algo
surpreendente. “Percebemos”, diz Von Holzhausen, “que as caminhonetes
não haviam mudado de forma e o processo de fabricação ainda era o mesmo
nos últimos oitenta anos”.
Com isso em mente, Musk mudou o foco para algo mais básico: qual
material eles deveriam usar para a carroceria da caminhonete? Ao repensar
os materiais e até mesmo a física da estrutura do veículo, talvez
vislumbrassem designs tremendamente inovadores.
“Originalmente, pensamos em alumínio”, relata Von Holzhausen.
“Também cogitamos titânio, porque a durabilidade era realmente
importante.” Contudo, mais ou menos nessa época, Musk se encantou com
a possibilidade de produzir um foguete usando aço inoxidável brilhante. E
ele percebeu que isso talvez funcionasse também para a picape. Uma
carroceria de aço inoxidável não precisaria de pintura e poderia suportar
parte da carga estrutural do veículo. Era uma ideia de fato inovadora, um
modo de repensar o que um veículo podia ser. Numa sexta à tarde, depois de
algumas semanas de discussão, Musk entrou e simplesmente anunciou:
“Vamos fazer essa coisa toda de aço inoxidável.”
Charles Kuehmann era o vice-presidente de engenharia de materiais
tanto da Tesla quanto da SpaceX. Uma das vantagens de que Musk usufruía
era que as empresas dele podiam compartilhar conhecimento de engenharia.
Kuehmann desenvolveu um aço inoxidável ultrarresistente que era
“laminado a frio” em vez de exigir tratamentos a quente — e que foi
patenteado pela Tesla. O material era forte e barato o bastante para ser
usado tanto em caminhonetes quanto em foguetes.
A decisão de usar aço inoxidável na fabricação da Cybertruck teve uma
grande consequência para a engenharia do veículo. Uma carroceria de aço
podia servir como estrutura para suportar a carga do veículo, em vez de
exigir que o chassi desempenhasse esse papel. “Vamos colocar a resistência
na parte externa, usar como um exoesqueleto, e fixar todo o restante pelo
lado de dentro”, sugeriu Musk.
O uso de aço inoxidável também abriu novas possibilidades para a
aparência da caminhonete. No lugar de usar máquinas que esculpiriam a
fibra de carbono para fazer painéis com curvas e formas sutis, o aço
inoxidável favoreceria superfícies planas e ângulos afilados. Isso permitiria
— e de certa maneira forçaria — que a equipe de design explorasse ideias
mais futuristas, ousadas, até mesmo chocantes.
“Não resista a mim”
No segundo semestre de 2018, Musk estava saindo do inferno de produção
das fábricas de Nevada e de Fremont, dos tuítes sobre pedofilia e acerca de
tornar a Tesla uma empresa privada e do turbilhão mental daquele que ele
chamou de o ano mais aflitivo que já tivera na vida. Em momentos
desafiadores, um dos refúgios de Musk era se concentrar em algum projeto
futuro. E foi isso que ele fez no tranquilo porto seguro do estúdio de design
naquele 5 de outubro, quando transformou a visita regular das sextas-feiras
em uma sessão de brainstorming sobre a caminhonete.
O Chevrolet Silverado continuava no showroom como referência. Diante
dela havia três grandes quadros com imagens de uma ampla gama de
veículos, alguns extraídos de videogames e de filmes de ficção científica.
Eles iam dos modelos retrô aos futuristas, dos mais aerodinâmicos aos mais
angulosos, dos curvilíneos aos chocantes. Com as mãos casualmente nos
bolsos, Von Holzhausen tinha a postura tranquila de um surfista à espera da
onda certa. Musk, com as mãos na cintura, parecia um urso encolhido à
procura de uma presa. Depois de um tempo, Dave Morris e, mais tarde,
alguns outros designers também começaram a participar.
Enquanto olhava para as fotos nos quadros, Musk gravitava na direção
dos modelos com um visual futurista, cibernético. Pouco tempo antes, eles
haviam decidido o design do Model Y, uma versão crossover do Model 3, e
Musk tinha sido dissuadido de parte de suas sugestões mais radicais e
anticonvencionais. Depois de não ter arriscado no Model Y, ele não queria
que isso acontecesse com o projeto da picape. “Vamos ser ousados”, disse.
“Vamos surpreender as pessoas.”
Toda vez que alguém apontava para uma imagem mais convencional,
Musk rechaçava e apontava para o carro do videogame Halo, para o que
aparecia no trailer do jogo Cyberpunk 2077, que ainda seria lançado, ou para
o do filme Blade Runner, de Ridley Scott. Seu filho Saxon, que é autista,
tinha feito recentemente uma pergunta fora do comum que ficava
retumbando na mente de Musk: “Por que o futuro não tem cara de futuro?”
Musk citava repetidas vezes a pergunta de Saxon. E assim ele disse para a
equipe de design naquela sexta-feira: “Eu quero que o futuro tenha cara de
futuro.”
Havia umas poucas vozes dissonantes, as quais acreditavam que algo
futurista demais não venderia. Afinal, era uma caminhonete. “Não me
importo se ninguém comprar”, falou Musk no fim de uma reunião. “Não
vamos fazer uma caminhonete tradicional e chata. Podemos fazer isso
depois. Quero fazer uma coisa maneira. Tipo, não resistam a mim.”

***

Em julho de 2019, Von Holzhausen e Morris tinham construído um mock-


up em tamanho real de um desenho futurista, ousado, cibernético, cheio de
ângulos e faces como um diamante. Certa sexta-feira, eles surpreenderam
Musk, que ainda não tinha visto o modelo, colocando-o no centro do
showroom, perto do modelo mais tradicional que vinham cogitando.
Quando Musk entrou pela porta principal da fábrica da SpaceX, sua reação
foi instantânea: “É isso!”, exclamou. “Adorei. Vamos fazer isso. Sim, é isso
que a gente vai fazer. Isso, ok, fechado.”
O modelo ficou conhecido como Cybertruck.
“A maioria das pessoas do estúdio odiou o carro”, diz Von Holzhausen.
“Eles diziam algo assim: ‘Você não está falando sério.’ Não queriam ter nada
a ver com aquilo. Era esquisito demais.” Alguns engenheiros começaram a
trabalhar em segredo numa versão alternativa. Von Holzhausen, que é tão
gentil quanto Musk é brusco, dedicava um tempo a escutar com atenção as
preocupações deles. “Se as pessoas à sua volta não compram a ideia, é difícil
fazer com que as coisas aconteçam”, explica ele. Musk era menos paciente.
Diante da insistência de alguns designers para que ele fizesse pelo menos
algum tipo de teste de mercado, Musk respondia: “Eu não faço grupos
focais.”
Quando o projeto da caminhonete ficou pronto, em agosto de 2019,
Musk disse à equipe que queria exibir publicamente o protótipo em
novembro — em três meses, em vez dos habituais nove meses que se leva
para produzir um protótipo funcional. “Até novembro não vamos ter um
carro que as pessoas possam dirigir”, afirmou Von Holzhausen. Musk
respondeu: “Vamos ter, sim.” Os prazos irreais dele geralmente não
funcionam, mas em alguns casos dava certo. “Isso forçava a equipe a
trabalhar unida, 24 horas por dia, sete dias por semana, focada naquela
data”, diz Von Holzhausen.
Em 21 de novembro de 2019, a caminhonete foi levada até um palco no
estúdio de design para uma apresentação à imprensa e também a
convidados. Houve suspiros. “Muita gente na plateia claramente não
acreditava que aquele era o veículo que tinham ido ver”, noticiou a CNN.
“O Cybertruck parece um grande trapezoide de metal sobre rodas, lembra
mais uma obra de arte do que uma caminhonete.” Também houve uma
grande surpresa quando Von Holzhausen tentou demonstrar a resistência do
veículo. Ele bateu com uma marreta na carroceria, que não ficou com
nenhum amassado. Depois, jogou uma bola de metal numa das janelas de
“vidro blindado”, para mostrar que não ia quebrar. Para surpresa dele, houve
uma rachadura. “Ai, meu Deus!”, exclamou Musk. “Bem, vai ver que foi um
pouco forte demais.”
No geral, a apresentação não foi um grande sucesso. As ações da Tesla
caíram 6% no dia seguinte, mas Musk estava satisfeito. “As caminhonetes
têm sido feitas do mesmo modo há muito tempo, há uns cem anos”, disse
ele para a plateia. “Queremos tentar algo diferente.”
Mais tarde, Musk levou Grimes para passear no protótipo e foram até o
restaurante Nobu, onde os manobristas ficaram apenas olhando a
caminhonete, sem tocar. Na saída, perseguido por paparazzi, ele dirigiu até
um cone no estacionamento onde havia uma placa com os dizeres 
  , e virou à esquerda.
capítulo 52
Starlink
SpaceX, 2015-2018

Uma internet em órbita terrestre baixa


Quando lançou a SpaceX, em 2002, Musk concebeu a empresa como um
esforço para levar a humanidade a Marte. Toda semana, em meio a todas as
reuniões técnicas sobre motores e design de foguetes, ele fazia uma reunião
esotérica chamada “Colonizador de Marte”. Nela, imaginava como seria
uma colônia em Marte e de que forma seria governada. “A gente sempre
tentava não faltar ao Colonizador de Marte, porque era a reunião mais
divertida para o Musk e sempre o deixava de bom humor”, diz a ex-
assistente Elissa Butterfield.
Ir a Marte custava muito dinheiro. Por isso Musk combinou, como
muitas vezes fazia, uma missão ambiciosa com um plano de negócios
prático. Havia muitas oportunidades de rendimento que ele podia tentar,
entre as quais o turismo espacial (como Bezos e Branson) e lançamentos de
satélites para os Estados Unidos e outros países e empresas. No fim de
2014, ele voltou a atenção para uma mina de ouro muito maior: oferecer
serviço de internet para consumidores pagantes. A SpaceX faria e lançaria
satélites de comunicação próprios, na prática reconstruindo a internet no
espaço sideral.
“A receita da internet é de cerca de 1 trilhão de dólares por ano”, diz
Musk. “Se pudermos atender a 3% disso, serão 30 bilhões de dólares, o que
é mais do que o orçamento da NASA. Essa foi a inspiração para a Starlink
financiar a viagem a Marte.” Ele faz uma pausa e em seguida enfatiza: “A
perspectiva de chegar a Marte motivou todas as decisões da SpaceX.”
Mirando nessa missão, em janeiro de 2015 Musk anunciou a criação de
uma divisão da SpaceX, com base perto de Seattle, chamada Starlink. O
plano era enviar satélites para a baixa órbita terrestre, a mais ou menos 550
quilômetros de altitude, para que a latência dos sinais não fosse tão ruim
quanto a dos sistemas que dependiam de satélites geoestacionários, que
orbitam a 36 mil quilômetros acima da Terra. De sua baixa altitude, os
satélites da Starlink não conseguem cobrir uma área tão grande, por isso
seriam necessários muitos. A meta da Starlink era que no fim do processo
houvesse uma megaconstelação de 40 mil satélites.

Mark Juncosa
Em meio ao infernal verão de 2018, o sentido-aranha de Musk o estava
alertando para algo errado na Starlink. Os satélites eram grandes demais,
caros e difíceis de fabricar. Para conseguir uma escala lucrativa, eles teriam
que ser fabricados por um décimo do custo e dez vezes mais rápido. A
equipe da Starlink, porém, não parecia sentir essa urgência, o que para
Musk é um pecado capital.
Por isso, numa noite de domingo, em junho, sem muito alarde, ele voou
até Seattle para demitir toda a equipe de chefes da Starlink. Musk levou
consigo oito de seus mais experientes engenheiros de foguetes da SpaceX.
Nenhum deles sabia muito sobre satélites, mas todos sabiam como resolver
problemas de engenharia e aplicar o algoritmo de Musk.
O engenheiro que ele escolheu para assumir o comando foi Mark
Juncosa, que já era encarregado da engenharia estrutural na SpaceX. Isso
tinha como vantagem a integração do design e da produção de todos os
produtos da empresa, desde foguetes auxiliares até satélites, sob o controle
de um único gestor. O fato de esse gestor ser Juncosa era outra vantagem,
porque ele é um engenheiro febrilmente brilhante, capaz de fundir a mente
com a de Musk.
Juncosa cresceu como um surfista magricela no sul da Califórnia,
profundamente apaixonado pelo clima, pela cultura e pela atmosfera do
local, mas sem se deixar influenciar por aquela languidez despreocupada.
Ele usa o iPhone como fidget spinner, girando-o entre o polegar e o
indicador com a mágica de um equilibrista circense, e fala como uma
metralhadora de exclamações, cheias de “sabe”, “tipo” e “uau, cara”.
Juncosa estudou em Cornell, onde participou da equipe de Fórmula 1 da
faculdade. Em seu primeiro emprego, fabricava carrocerias de carros,
aproveitando as habilidades de construir pranchas, e depois foi integrado à
equipe de engenharia. “Eu, tipo, me apaixonei por aquilo, sabe, e fiquei, tipo
assim, sério, eu nasci para isso, cara”, diz ele.
Em uma visita a Cornell em 2004, Musk enviou um bilhete para alguns
professores de engenharia convidando-os a levar um ou dois alunos
prediletos para um almoço. “Foi, tipo, sabe, você quer comer de graça com
esse ricaço?”, conta Juncosa. “Superquero, estou dentro, claro.” Quando
Musk descreveu o que estava fazendo na SpaceX, Juncosa pensou: Cara, esse
sujeito é muito doido, e acho que vai perder todo o dinheiro, mas ele parece
superesperto e motivado, e eu gosto do estilo dele. No momento em que Musk
lhe ofereceu um emprego, ele aceitou na hora.
Juncosa impressionou Musk com seu jeito de correr riscos e quebrar
regras. Quando estava supervisionando o desenvolvimento da cápsula
Dragon, que leva carga do Falcon 9 até a órbita, ele foi repreendido várias
vezes pelo gerente de garantia de qualidade da SpaceX por não preencher a
papelada adequadamente. A equipe de Juncosa projetava a cápsula durante o
dia e passava a maior parte da noite construindo-a. “Eu disse para o cara
que a gente não tinha tempo pra documentar nossas ordens de serviço e
checagens de qualidade, a gente simplesmente ia construir e testar no final”,
diz ele. “O cara da qualidade ficou bem irritado, e com razão, e aí a gente foi
parar na baia do Musk, discutindo isso.” Musk ficou agitado e começou a
dar uma bronca no gerente de qualidade. “Foi muito tenso, mas ele e eu
estávamos superdecididos a fazer essa cápsula porque existia o risco de o
dinheiro acabar”, explica Juncosa.

Starlinks aprimorados
Quando assumiu a Starlink, Juncosa jogou fora o design existente e
recomeçou desde os princípios básicos, questionando todas as especificações
com base na física elementar. O objetivo era construir o satélite de
comunicação da forma mais simples possível e depois acrescentar os
penduricalhos. “Tínhamos reuniões que pareciam maratonas, e Elon insistia
em cada detalhe”, diz Juncosa.
Por exemplo, as antenas do satélite ficavam em uma estrutura à parte do
computador de voo. Os engenheiros haviam decretado que essas partes
ficassem termicamente isoladas umas das outras. Juncosa perguntara a razão
disso. Quando disseram que as antenas podiam superaquecer, ele pediu para
ver os dados dos testes. “Ao perguntar ‘por quê’ pela quinta vez, as pessoas
estavam tipo: ‘Caramba, talvez a gente devesse fazer um componente
integrado.’”
No fim do processo de design, Juncosa tinha transformado um ninho de
ratos em um satélite simples e plano. Esse satélite tinha o potencial de ser
muito mais barato. Era possível carregar uma quantidade duas vezes maior
na ogiva do Falcon 9, o que duplicava o número de satélites que cada voo
era capaz de colocar em órbita. “Eu fiquei, tipo, bem feliz com isso”, diz
Juncosa. “Fiquei ali pensando como eu tinha sido esperto.”
Musk, porém, continuava esquadrinhando todos os detalhes. Quando os
satélites foram lançados em um Falcon 9, havia conexões ligando cada
satélite ao solo para que eles fossem lançados um por vez e não esbarrassem
uns nos outros. “Por que não lançar todos de uma vez?”, perguntou ele. De
início, Juncosa e os outros engenheiros acharam que isso era maluquice. Eles
tinham medo de colisões. No entanto, Musk disse que o movimento da
espaçonave faria com que os satélites se separassem naturalmente. Se por
acaso eles se chocassem, seria algo lento e inofensivo. Então, eles se livraram
dos conectores, o que significou uma pequena economia de custo,
complexidade e massa. “A vida ficou muito mais fácil por termos reunido
essas partes”, diz Juncosa. “Eu fui bundão demais para sugerir isso, mas o
Elon fez a gente tentar.”
Em maio de 2019, o design do Starlink simplificado estava completo, e o
foguete Falcon 9 começou a lançá-los em órbita. Quatro meses depois,
quando entraram em operação, Musk estava em sua casa no sul do Texas e
postou no Twitter: “Publicando este tuíte por meio de um satélite da
Starlink no espaço.” Agora ele podia tuitar usando sua própria internet.
capítulo 53
Starship
SpaceX, 2018-2019

A sala de estar e o quintal de Musk em Boca Chica; Bill Riley e Mark Juncosa
Grande foguete
Se o objetivo de Musk fosse criar uma empresa lucrativa de foguetes, ele
poderia ter se permitido reunir suas conquistas e relaxar depois de ter
sobrevivido a 2018. O Falcon 9 reutilizável havia se tornado o foguete mais
eficiente e confiável do mundo, e ele tinha desenvolvido os próprios satélites
de comunicação, que posteriormente proporcionariam uma receita
abundante.
O objetivo dele, porém, não era meramente se tornar um empreendedor
espacial. Era levar a humanidade a Marte. E não seria possível fazer isso em
um Falcon 9 nem em seu irmão mais reforçado, o Falcon Heavy. Os Falcons
só eram capazes de voar até uma certa altura. “Eu podia ganhar muito
dinheiro, mas não teria como tornar a vida multiplanetária”, diz ele.
Foi por isso que em setembro de 2017 ele anunciou que a SpaceX iria
desenvolver um foguete reutilizável muito maior, o mais alto e mais
poderoso já construído. Musk deu ao grande foguete o codinome de BFR.
Um ano depois, ele tuitou: “Rebatizando o BFR como Starship.”
O sistema Starship teria um foguete auxiliar no primeiro estágio e uma
espaçonave no segundo estágio que, juntos, somariam quase 120 metros de
altura, 50% mais alto do que o Falcon 9 e dez metros mais alto do que o
foguete Saturno V usado pela NASA no programa Apollo, na década de
1970. Com 33 motores auxiliares, seria capaz de lançar mais de cem
toneladas de carga em órbita, quatro vezes mais do que o Falcon 9. E, em
algum momento, conseguiria transportar cem passageiros para Marte.
Embora estivesse assoberbado com as fábricas da Tesla de Nevada e de
Fremont, Musk encontrava tempo toda semana para dar uma olhada nas
renderizações dos serviços e das comodidades que a Starship ofereceria aos
passageiros durante uma viagem de nove meses a Marte.

Aço inoxidável, de novo


Em razão da infância, quando perambulava pelo escritório de design do pai,
em Pretória, Musk tinha uma boa noção das propriedades dos materiais de
construção. Nas reuniões da Tesla e da SpaceX, ele se concentrava nas várias
opções de cátodos e ânodos de baterias, válvulas de motor, chassis,
estruturas de foguetes e de carroceria de caminhonete. Ele podia (e com
frequência o fazia) discorrer longamente sobre lítio, ferro, cobalto, inconel e
outras ligas de níquel e cromo, compostos plásticos, graus de alumínio e
ligas de aço. Em 2018, Musk estava se apaixonando por uma liga bastante
comum, que, ele percebeu, funcionaria igualmente bem num foguete e no
Cybertruck: o aço inoxidável. “O aço inoxidável e eu temos uma história de
amor”, brincava com a equipe dele.
Havia um alegre e humilde engenheiro chamado Bill Riley trabalhando
com Musk na Starship. Ele tinha sido membro da lendária equipe de
corrida de Cornell e ajudado a treinar Mark Juncosa, que mais tarde o
convenceu a entrar para a SpaceX. Riley e Musk tinham um amor em
comum pela história militar — especialmente pelos conflitos aéreos da
Primeira e da Segunda Guerra Mundiais — e por ciência de materiais.
Um dia, no fim de 2018, eles estavam visitando a unidade de produção
da Starship, que ficava perto do porto de Los Angeles, mais ou menos 25
quilômetros ao sul da fábrica e da sede da SpaceX. Riley explicou que
estavam tendo problemas com a fibra de carbono. As placas estavam
enrugando. Além disso, o processo era lento e caro. “Se continuarmos com a
fibra de carbono, vamos nos ferrar”, disse Musk. “Extrapolando isso, morrer
é o nosso fim. Eu nunca vou conseguir chegar a Marte.” Fabricantes que
trabalham com custo mais margem não pensam assim.
Musk sabia que os primeiros foguetes Atlas, que no início dos anos 1960
impulsionaram os primeiros quatro norte-americanos até a órbita, foram
feitos de aço inoxidável, e ele havia decidido usar esse material na carroceria
do Cybertruck. No fim de uma caminhada pela unidade, ele ficou muito
quieto e olhou para os navios que chegavam ao porto. “Pessoal, a gente
precisa mudar de rumo”, disse Musk. “Nunca vamos construir foguetes
rápido o suficiente com esse processo. Que tal aço inoxidável?”
De início houve resistência, até certa incredulidade. Quando se reuniu
com seu time de executivos na sala de conferências da SpaceX poucos dias
depois, eles argumentaram que um foguete de aço inoxidável provavelmente
seria mais pesado do que um construído com fibra de carbono ou com a liga
de alumínio-lítio usada no Falcon 9. Os instintos de Musk diziam outra
coisa. “Façam as contas”, falou para os executivos. “Façam as contas.”
Quando fizeram, eles determinaram que o aço poderia, na verdade, ser mais
leve nas condições que a Starship enfrentaria. Em temperaturas muito frias,
a resistência do aço inoxidável aumenta em 50%, o que significa que ele
seria mais forte quando estivesse carregado com o combustível de oxigênio
líquido super-resfriado.
Além disso, o alto ponto de fusão do aço inoxidável eliminaria a
necessidade de um escudo contra o calor na lateral da Starship voltada para
o espaço, o que reduziria o peso total do foguete. Uma última vantagem era
a simplicidade de soldar juntas as peças de aço inoxidável. A liga de
alumínio-lítio do Falcon 9 exigia um processo chamado soldagem por
fricção, que precisava ser feito num ambiente imaculado. O aço inoxidável,
entretanto, podia ser soldado em grandes tendas ou mesmo ao ar livre, o que
tornava mais fácil realizar o processo no Texas ou na Flórida, perto dos
locais de lançamento. “Com o aço inoxidável, você pode fumar um charuto
enquanto solda”, diz Musk.

***

A mudança para o aço inoxidável permitiu que a SpaceX contratasse


construtores sem o conhecimento especializado necessário para a fabricação
da fibra de carbono. No local de teste de motores em McGregor, no Texas, a
SpaceX contratou uma empresa que fazia torres de caixa-d’água de aço
inoxidável. Musk disse a Riley que pedisse ajuda a eles. Uma questão era
determinar a espessura das paredes da Starship. Musk falou com alguns dos
operários, quem realmente fazia a solda, e não com os executivos da
empresa, e perguntou a eles se achavam que seria seguro. “Uma das regras
de Elon é: ‘Chegue o mais perto possível da fonte para obter informação’”,
diz Riley. Os operários responderam que as paredes do tanque poderiam,
talvez, ter apenas 4,8 milímetros. “Que tal quatro?”, perguntou Musk.
“Isso ia deixar a gente bem nervoso”, respondeu um dos operários.
“Certo”, disse Musk, “vamos fazer com quatro milímetros. Vamos
tentar”.
Funcionou.
Em poucos meses, eles tinham um protótipo, conhecido como
Starhopper, pronto para ser testado em saltos de baixa altitude. O protótipo
contava com três pernas projetadas para testar como a Starship seria capaz
de aterrissar em segurança depois de um voo e ser reutilizada. Em julho de
2019, o foguete foi testado em um salto de 25 metros de altitude.
Musk estava tão feliz com o conceito da Starship que, certa tarde,
durante uma reunião da SpaceX na sala de conferências, impulsivamente
decidiu botar em ação a estratégia dele de tomar uma atitude irreversível.
“Cancelem o Falcon Heavy”, determinou. Os executivos na sala mandaram
uma mensagem de texto para Gwynne Shotwell contando o que estava
acontecendo. Shotwell saiu às pressas da baia, desabou numa cadeira e disse
a Musk que ele não podia fazer aquilo. O Falcon Heavy, com três núcleos de
foguetes auxiliares, era decisivo para cumprir os contratos com as Forças
Armadas de lançar grandes satélites de inteligência. Shotwell tinha moral
para poder fazer esse tipo de questionamento. “Quando contextualizei a
situação para Elon, ele concordou que nós não podíamos fazer o que ele
queria”, diz ela. O fato de a maioria das pessoas próximas a Musk ter medo
de fazer isso era um problema para ele.

Starbase
Boca Chica, no extremo sul do Texas, é uma versão do paraíso pouco
desenvolvida. Suas dunas de areia e as praias não têm o mesmo encanto de
Padre Island, uma área de resorts subindo a costa, mas as áreas de
preservação ambiental no entorno tornam o ambiente seguro para o
lançamento de foguetes. Em 2014, a SpaceX construiu uma plataforma de
lançamento rudimentar ali como plano B para Cabo Canaveral e
Vandenberg, mas o lugar ficou basicamente às moscas até 2018, quando
Musk decidiu que iria transformá-lo numa base dedicada à Starship.
Como a Starship era imensa, não fazia sentido construir em Los Angeles
e depois transportar para Boca Chica. Por isso, Musk decidiu que eles
deveriam construir uma unidade de fabricação de foguetes a cerca de três
quilômetros da plataforma de lançamento, em meio às áreas ensolaradas e
úmidas de Boca Chica, tomadas por vegetação rasteira e infestadas de
mosquitos. A equipe da SpaceX ergueu três imensas tendas parecidas com
hangares para abrigar as linhas de montagem e três galpões altos de metal
corrugado capazes de acomodar as Starships em posição vertical. Uma velha
construção que ficava no terreno foi dividida em baias, uma sala de
conferências e uma cantina com comida aceitável e café de primeira. No
início de 2020, havia quinhentos engenheiros e operários, cerca de metade
moradores da região, trabalhando 24 horas por dia, em turnos.
“Você precisa vir para Boca Chica e fazer o que for preciso para deixar
este lugar perfeito”, disse Musk para Elissa Butterfield, assistente dele na
época. “O futuro do progresso da humanidade no espaço depende disso.” Os
hotéis mais próximos ficavam em Brownsville, cerca de cinquenta
quilômetros para o interior, por isso Butterfield criou um parque de trailers
Airstream para servir de acomodação, com palmeiras compradas na Home
Depot, um bar tiki e um deque com lareira ao ar livre. Sam Patel, o jovem e
ansioso chefe de instalações, alugou drones e pulverizadores para tentar
controlar os mosquitos. “Não dá para chegar em Marte se os mosquitos nos
comerem antes”, disse Musk.
Musk se concentrou no projeto e no funcionamento das tendas que
serviam de fábrica, discutindo como as linhas de montagem deveriam ser
organizadas. Em uma visita no fim de 2019, ele ficou frustrado com o ritmo
lento. A equipe ainda não tinha produzido sequer uma ogiva que encaixasse
perfeitamente na Starship. Parado em frente a uma das tendas, lançou um
desafio: construir uma ogiva até o nascer do sol. Isso não era viável, lhe
disseram, porque eles não tinham o equipamento para calibrar o tamanho
preciso. “Nós vamos fazer uma ogiva até o nascer do sol nem que a gente
morra”, insistiu Musk. Ordenou que cortassem fora a parte de cima do
corpo do foguete e usassem isso para fazer as medições. Eles fizeram isso, e
ele ficou acordado com a equipe de quatro engenheiros e soldadores até a
ogiva ficar pronta. “Na verdade, a gente não tinha uma ogiva pronta quando
o dia raiou”, admite um dos membros da equipe, Jim Vo. “Só ficou pronta lá
para umas nove da manhã.”

***

A mais ou menos 1,5 quilômetro da unidade da SpaceX, havia um


loteamento dos anos 1960 com 31 casas em estado precário, algumas pré-
fabricadas, espalhadas por apenas duas ruas. A SpaceX tinha oferecido três
vezes o valor estimado de mercado e conseguido comprar a maioria delas,
mas uns poucos donos haviam se recusado a vender, ou por teimosia ou pela
empolgação de morar perto de uma plataforma de lançamento de foguetes.
Musk escolheu uma casa com dois quartos para ele. A casa tem um
cômodo principal de conceito aberto, com paredes brancas e um piso de
tábuas ligeiramente manchado, que serve como sala de estar, sala de jantar e
cozinha. Uma pequena mesa de madeira faz as vezes de mesa de trabalho.
Debaixo dela fica um roteador wi-fi conectado a uma antena da Starlink. Os
balcões da cozinha são de fórmica branca, e a única coisa que se destaca é
uma geladeira de tamanho industrial, cheia de Coca-Cola Diet
descafeinada. Os objetos são semelhantes aos de um dormitório de
universidade, com direito a pôsteres das capas da revista Amazing Stories. Na
mesinha de centro estão o volume 3 da história da Segunda Guerra
Mundial, de Winston Churchill, Our Dumb Century, do e Onion, e a
série Fundação, de Isaac Asimov, além de um álbum de fotos preparado pelo
Saturday Night Live como registro da participação dele no programa em
maio de 2021. Um pequeno quarto contíguo tem uma esteira ergométrica,
que ele não usa muito.
O quintal tem grama rala e duas palmeiras que, apesar de serem tropicais,
murcham com o calor de agosto. A parede de tijolos caiados nos fundos está
coberta de grafites feitos por Grimes, que incluem corações vermelhos e
nuvens que parecem emojis de bolhas azuis. O telhado de painéis solares
está conectado a duas grandes Powerwalls da Tesla. Um galpão no quintal às
vezes é usado por Grimes como estúdio ou por Maye Musk como quarto.
Dizer que o lugar é humilde para servir de residência principal de um
bilionário é pouco. Entretanto, Musk encontrou ali um refúgio. Depois de
longas reuniões na Starbase ou de tensas rondas de inspeção pelas linhas de
montagem, ele dirigia até lá e deixava o corpo relaxar enquanto andava pela
casa, assobiando como um pai do subúrbio.
capítulo 54
Dia da Autonomia
Tesla, abril de 2019

Noite após noite, Musk se sentava empertigado na beira da cama ao lado de


Grimes, sem conseguir dormir. Havia noites em que ele não se mexia até o
sol raiar. A Tesla tinha sobrevivido às ondas e tempestades de 2018, mas
precisava de mais uma rodada de financiamento para continuar operando, e
os investidores que apostavam na baixa das ações continuavam rondando-a
como abutres. Em março de 2019, Musk voltou a entrar no modo crise e
drama. “Precisamos de dinheiro, ou estamos ferrados”, disse para Grimes
certo dia, ao nascer do sol. Ele precisava ter uma ideia grandiosa que
mudasse a narrativa e convencesse os investidores de que a Tesla se tornaria
a empresa automotiva mais valiosa do mundo.
Uma noite, Musk deixou a luz acesa e ficou olhando para o cômodo em
silêncio. “Eu acordava de vez em quando e ele continuava sentado ali, na
pose da estátua do Pensador, em completo silêncio, na beirada da cama”, diz
Grimes. Quando ela acordou pela manhã, ele falou: “Achei a solução.” A
solução, segundo ele, era que a Tesla promovesse um Dia da Autonomia, em
que os investidores teriam uma demonstração de como a Tesla estava
fabricando um carro que poderia se guiar sozinho.
Desde 2016, Musk vinha impondo sua visão de um carro completamente
autônomo, um carro capaz de ser chamado e de dirigir sozinho sem que
ninguém mexesse no volante. Na verdade, naquele ano ele tentou se livrar
de vez do volante. Por insistência de Musk, Von Holzhausen e os designers
da equipe vinham produzindo modelos de um Robotáxi sem freios, pedais
ou volante. Musk ia ao estúdio de design às sextas-feiras e tirava fotos com
o celular dos vários mock-ups. “É nessa direção que o mundo está indo”,
disse ele numa sessão. “Vamos trabalhar para chegar lá.” Todos os anos, ele
previa em público que um carro totalmente autônomo chegaria dentro de
mais ou menos um ano.
No entanto, não chegava. A autonomia completa continuava sendo uma
miragem fugidia, sempre a mais ou menos um ano de distância.
Mesmo assim, Musk chegou à conclusão de que o melhor modo de
conseguir mais financiamento era fazer uma demonstração impactante
comprovando que os veículos autônomos eram o caminho que levaria a
empresa a ser fenomenalmente lucrativa. Ele estava convencido de que sua
equipe conseguiria realizar uma demonstração — inclusive exibindo um
protótipo crível — de como seria esse futuro.
Musk marcou uma data para dali a quatro semanas: em 22 de abril de
2019, eles fariam uma demonstração de uma versão de carro parcialmente
autônomo naquele que seria o primeiro Dia da Autonomia da Tesla.
“Precisamos mostrar para as pessoas que isso é real”, disse ele, embora ainda
não fosse. O resultado foi mais uma das maratonas de trabalho que eram a
marca registrada de Musk: um frenesi com todos se esforçando 24 horas por
dia, sete dias por semana, para obter um resultado até um prazo que era
artificial e irrealista.
O trabalho alucinado no Autopilot de Musk não enlouqueceu só a equipe
dele, mas ele próprio também. “Elon precisava se dissociar da realidade para
sair de uma situação de merda em que ele achava que o desastre era
iminente”, diz Shivon Zilis, a amiga íntima que ele havia recrutado para
ajudar em projetos de inteligência artificial. “Teve uma vez que Elon me
pediu que o avisasse se ele pirasse. Foi a única vez que eu entrei na sala,
olhei para ele e disse a palavra ‘pirado’. Foi a primeira vez que ele me viu
chorar.”

***

Certa noite, James Musk, um primo jovem de Musk que era programador
da equipe do Autopilot, estava jantando com o chefe da equipe, Milan
Kovac, em um restaurante chique de São Francisco quando o celular tocou.
“Vi que era o Elon e pensei Ah, coisa boa não é”, lembra-se James. Ele andou
até o estacionamento, onde ouviu Musk dizer em um tom sombrio que a
Tesla iria quebrar se eles não fizessem algo dramático. Por mais de uma
hora, Musk perguntou a James quem na equipe do Autopilot era realmente
bom. Como acontecia muitas vezes quando ele entrava no modo crise,
Musk queria limpar a casa e demitir gente, mesmo em meio a uma onda de
trabalho.
Ele decidiu que precisava se livrar de todos os principais gestores da
equipe do Autopilot, mas Omead Afshar interveio e o convenceu a pelo
menos esperar o Dia da Autonomia. Shivon Zilis, que tinha a ingrata tarefa
de tentar servir de escudo entre Musk e a equipe, também tentou adiar as
demissões, assim como Sam Teller. Musk, não sem certa relutância,
concordou em esperar o Dia da Autonomia, mas não estava feliz. Ele
transferiu Zilis da Tesla para um cargo na Neuralink. Teller também acabou
saindo durante o turbilhão.
James Musk recebeu a tarefa de tentar integrar no software do Autopilot
a capacidade de ler sinais vermelhos e verdes em semáforos, uma tarefa
bastante básica que ainda não era parte do sistema. Ele conseguiu, mas ficou
evidente que a equipe não daria conta do desafio de Musk de demonstrar
um carro capaz de se autoconduzir por Palo Alto. À medida que o Dia da
Autonomia se aproximava, ele diminuiu a exigência para uma tarefa que era
apenas, como descreveria tempos depois, “insanamente difícil”: o carro teria
que andar pela sede da Tesla, ir até a rodovia, fazer uma volta que abrangia
sete curvas e voltar. “A gente não acreditava que ia conseguir fazer o que
Musk estava exigindo, mas ele acreditava”, diz Anand Swaminathan, um
membro da equipe do Autopilot. “Em questão de semanas, conseguimos
fazer o carro contornar sete curvas difíceis.”
Na apresentação do Dia da Autonomia, Musk mesclou, como fazia com
frequência, visão e empolgação. Nem na cabeça dele havia mais uma
fronteira clara entre aquilo em que ele acreditava e aquilo em que queria
acreditar. A Tesla, voltou ele a dizer, estava a mais ou menos um ano de
criar um veículo completamente autônomo. Àquela altura, a empresa
colocaria nas ruas 1 milhão de Robotáxis que as pessoas poderiam chamar
para levá-las de um lugar a outro.
Em uma reportagem, a CNBC disse que Musk “fez promessas ousadas e
visionárias que só os seguidores mais leais dele acreditavam que pudessem
ser cumpridas”. Musk também não impressionou plenamente grandes
investidores. “Fizemos várias perguntas difíceis quando falamos com ele em
uma chamada mais tarde na presença de analistas”, diz Joe Fath, gerente de
investimentos da T. Rowe Price. “Ele ficava dizendo: ‘Vocês simplesmente
não entendem.’ E então ele desligou na nossa cara.”
O ceticismo era justificado. Um ano depois — na verdade, nem sequer
quatro anos depois — não haveria 1 milhão de Robotáxis da Tesla, ou pelo
menos um único deles, andando de forma autônoma pelas ruas das cidades.
No entanto, por trás da empolgação e da fantasia, Musk conservava,
convicto, a visão de que, assim como foguetes reutilizáveis, um dia
transformaria nossa vida.
capítulo 55
Giga Texas
Tesla, 2020-2021

Omead Afshar
Austin
Quais são suas cidades favoritas? Esse se tornou um passatempo entre Musk
e outras pessoas na Tesla no início de 2020, e muitas vezes eles pegavam os
respectivos celulares, abriam o aplicativo de mapas e diziam nomes. Chicago
e Nova York? Claro, mas não funcionariam para esse propósito. A área de
Los Angeles e São Francisco? Não, era disso que eles estavam tentando
fugir. A Califórnia estava conturbada, cheia de gente se opondo a qualquer
novo empreendimento no local, entupida de regulamentações e de
comissões enxeridas, além de estar assustada demais com a covid. Que tal
Tulsa? Ninguém tinha pensado no Oklahoma, mas as lideranças locais
haviam feito uma campanha animada que precisava ser levada em
consideração. Nashville? Omead Afshar disse que Nashville era um lugar
que as pessoas queriam visitar, mas não era um bom lugar para morar.
Dallas? O Texas era sedutor, mas Dallas, eles concordavam, era texana
demais. Que tal Austin, uma cidade universitária que tinha boa música e se
orgulhava de proteger os bolsos contra esquisitices?
A questão era onde construir uma nova fábrica da Tesla, uma que fosse
grande o suficiente para merecer o rótulo de gigafábrica. A unidade de
Fremont, na Califórnia, estava à beira de se tornar a fábrica de carros mais
produtiva dos Estados Unidos, entregando mais de 8 mil carros por semana,
mas já operava em plena capacidade e uma expansão seria difícil.
Diferentemente de Jeff Bezos, que promoveu uma disputa entre as
cidades que estavam ávidas para receber uma segunda sede da Amazon,
Musk decidiu tomar a decisão de seu modo usual, por instinto, confiando na
própria intuição e na de seus executivos. Ele detestava a ideia de desperdiçar
meses sendo obrigado a ouvir discursos políticos e vendo apresentações de
PowerPoint de consultores.
No fim de maio de 2020, surgiu um consenso. Enquanto estava sentado
no centro de comando de Cabo Canaveral, quinze minutos antes de a
SpaceX fazer seu primeiro lançamento de astronautas humanos, Musk
mandou uma mensagem para Afshar. “Você ia preferir morar em Tulsa ou
Austin?” Quando Afshar, com todo o devido respeito por Tulsa, deu a
Ó
resposta esperada, Musk escreveu: “Ótimo. Vamos construir a fábrica em
Austin, e você vai ser o responsável pela unidade.”
Um processo semelhante levou à escolha de Berlim para ser a sede de
uma gigafábrica europeia. As fábricas da Alemanha e de Austin seriam
construídas em menos de dois anos e, junto com as unidades de Fremont e
Xangai, se tornariam os pilares da fabricação de carros da Tesla.
Em julho de 2021, um ano depois de a construção ter começado, a
estrutura básica da gigafábrica de Austin estava completa. Musk e Afshar
ficaram de pé diante de uma parede em um escritório temporário da
construção e analisaram fotos da obra em várias fases. “Estamos construindo
com o dobro da velocidade de Xangai por metro quadrado, apesar das
regulamentações que enfrentamos”, disse Afshar.
Com 930 mil metros quadrados de chão de fábrica, a Giga Texas, como
ficou conhecida, teria o dobro de área de chão de fábrica de Fremont e 50%
a mais que o Pentágono. Segundo alguns parâmetros, explicou Afshar, seria
a maior fábrica do mundo em área, depois que fossem acrescentados alguns
mezaninos. Havia um shopping center na China com mais metros
quadrados, e a Boeing, com vários hangares imensos, talvez tivesse mais
volume. “De quanto mais precisaríamos para podermos dizer que essa é a
maior construção do mundo?”, perguntou Musk. Mesmo com a expansão
de cerca de 45 mil metros quadrados que eles cogitavam, Afshar respondeu:
“Não vamos chegar lá.” Musk assentiu. Houve uma pausa muito longa na
conversa. Depois ele deixou a ideia para lá.
Os construtores mostraram a Afshar planos para janelas que iam quase
do nível do piso de cada andar até o teto. “Será que não ia ser melhor se elas
fossem exatamente do piso ao teto?”, perguntou ele. Uma proposta voltou
com vidraças produzidas sob medida, cada uma com quase dez metros de
altura, e Afshar mostrou as fotos para Musk. Steve Jobs, que tinha uma
obsessão por vidro, não economizava para conseguir vidraças imensas para
lugares que serviriam de cartão de visitas da Apple, como a loja na Quinta
Avenida, em Nova York. Musk era mais cauteloso. Ele perguntou se o vidro
precisava ser tão espesso como o sugerido e também de que forma aquilo
afetaria o modo como o sol aquecia o prédio. “Não podemos fazer coisas
tolas do ponto de vista do custo”, afirmou.
Enquanto caminhava pela fábrica quase pronta, Musk parava em cada
estação ao longo da linha de montagem. A certa altura ele começou a
interrogar o técnico que estava na estação em que o aço seria resfriado. “Não
dá para fazer o processo de resfriamento ser mais rápido?” O sujeito
explicou os limites da velocidade do processo de resfriamento. Musk
insistiu. Esses limites são baseados de fato na física do aço? Será que o aço
pode ser igual a um biscoito, que fica duro por fora e viscoso por dentro? O
técnico manteve o ponto de vista. Musk parou de fazer perguntas, mas a
intuição o levou a concluir que o processo deveria levar menos de um
minuto. Ele deixou a cargo do técnico descobrir um modo de atingir essa
meta. “Quero deixar claro: o tempo de resfriamento não pode passar de 59
segundos, ou eu vou voltar aqui e resolver isso pessoalmente”, disse Musk.

Gigapress
Um dia, no fim de 2018, Musk estava sentado diante da mesa dele na sede
da Tesla, em Palo Alto, brincando com uma versão em miniatura do Model
S. Parecia uma versão miniaturizada do carro de verdade, e ao desmontar ele
viu que havia inclusive uma suspensão ali dentro. No entanto, todo o fundo
do carro tinha sido fundido em uma peça única de metal. Numa reunião
com a equipe naquele dia, Musk pegou o brinquedo e o colocou na mesa de
reuniões branca. “Por que a gente não pode fazer assim?”, perguntou.
Um dos engenheiros apontou o óbvio, que o fundo de um carro de
verdade é muito maior. Não havia máquinas de fundição grandes o
suficiente para fazer algo daquele tamanho. A resposta não satisfez Musk.
“Descubram como fazer”, disse ele. “Peçam uma máquina de fundição
maior. Isso não quebra as leis da física.”
Ele e seus executivos chamaram seis grandes empresas que trabalhavam
com fundição, e cinco delas desdenharam da ideia. Contudo, uma empresa
chamada Idra Presse, na Itália, especializada em máquinas de fundição de
alta pressão, topou o desafio de construir máquinas muito grandes que
seriam capazes de produzir em grande escala o fundo inteiro do Model Y,
tanto a parte de trás quanto a da frente. “Fizemos a maior máquina de
fundição do mundo”, diz Afshar. “A máquina que produz o Model Y pesa 6
mil toneladas, e vamos usar uma de 9 mil toneladas para o Cybertruck.”
As máquinas injetam rajadas de alumínio derretido num molde frio de
fundição, capaz de produzir em apenas oitenta segundos um chassi
completo que antes tinha mais de cem peças que precisavam ser soldadas,
rebitadas ou unidas. O processo antigo gerava falhas, tremores e
vazamentos. “Então passamos de um pesadelo horroroso para um processo
que é insanamente barato, fácil e rápido”, diz Musk.
O processo reforçou a admiração de Musk pela indústria de brinquedos.
“Eles precisam produzir as coisas muito rápido, barato e sem falhas, e
precisam fazer tudo a tempo do Natal, ou as crianças vão ficar tristes.”
Repetidas vezes, ele fez a equipe ter ideias a partir de brinquedos, como
robôs e Legos. Enquanto andava pelo chão de fábrica, Musk falou com um
grupo de mecânicos de usinagem sobre a precisão da modelagem das peças
de Lego. Elas são precisas e idênticas, com uma diferença que não passa de
mícrons, o que significa que cada parte pode ser facilmente substituída por
outra. Peças de carros precisavam ser assim. “Precisão não é algo caro”, diz
Musk. “Tem mais a ver com cuidado. Você se preocupa em fazer as coisas
com precisão? Então dá para fazer com precisão.”
capítulo 56
Vida familiar
2020

Com Grimes e o bebê X, e com os lhos mais velhos


X Æ A-12
A vida pessoal de Musk foi transformada em maio de 2020 pelo nascimento
de um filho, que ficou conhecido como X. Primeiro dos três filhos com
Grimes, X tinha uma doçura sobrenatural que acalmava e encantava Musk,
que queria sempre ter o bebê por perto. Ele levava X para todo lugar. O
menino ficava no colo do pai durante longas reuniões, nos ombros dele em
andanças pelas fábricas da Tesla e da SpaceX, vagava com seus passinhos
incertos pelos lugares onde estavam sendo instalados telhados solares,
transformava áreas de descanso do Twitter em seu parquinho de diversões e
tagarelava no fundo de conferências telefônicas tarde da noite. Ele e o pai
viam várias vezes lançamentos de foguetes, e o menino aprendeu a fazer
contagem regressiva de dez a um antes de contar de um a dez.
As interações de Musk e X também eram de uma natureza muskiana.
Eles tinham uma ligação íntima; no entanto, paradoxalmente, mantinham
certa distância e desfrutavam a presença um do outro respeitando o espaço
de cada um. Musk, assim como os pais dele próprio, não era superprotetor
nem vigiava os filhos. X nunca foi grudento nem dependente. Havia muita
interação, mas não muito carinho.
Musk e Grimes, que conceberam o menino por meio de fertilização in
vitro, queriam ter uma menina, mas o óvulo fertilizado que foi implantado
enquanto os dois se preparavam para ir ao Burning Man em 2019 acabou
sendo masculino. Eles já tinham se decidido por um nome que era (mais ou
menos) feminino, Exa, como em exaflops, um termo da área de
supercomputadores que designa a capacidade de se poder realizar 1
quintilhão de operações por segundo. Até o dia do nascimento, ainda não
haviam conseguido escolher nomes para um menino.
Acabaram optando por algo que parecia uma senha druídica autogerada:
X Æ A-12. O X, segundo Grimes, representava “a variável desconhecida”.
Æ, uma ligadura do latim e do inglês antigo pronunciada como “ash”, era
“minha grafia élfica para Ai (amor &/ou inteligência artificial)”. O A-12,
que precisou ser escrito como A-Xii na certidão de nascimento porque a
Califórnia não permite o uso de numerais em nomes, foi a contribuição de
Musk, uma referência a um lindo avião espião conhecido como Arcanjo.
“Combatendo com informações, não com armas”, diz Grimes sobre o A-12.
“O terceiro nome é sempre uma guerra, porque o Elon quer apagar por
achar ser demais. Eu ia gostar de colocar cinco nomes, mas três é um meio-
termo que deixou todo mundo satisfeito.”
Quando X nasceu, Musk tirou uma foto de Grimes durante a cesariana e
mandou-a para amigos e parentes, inclusive o pai e os irmãos dela. Como
era de esperar, Grimes ficou horrorizada e fez o que pôde para apagar a
imagem. “Era o Asperger do Elon a todo o vapor”, comenta ela. “Ele
simplesmente não conseguia entender por que eu estava chateada.”

Os adolescentes
Uma semana depois, os filhos mais velhos de Musk foram ver o pai e X.
Saxon, o filho com autismo, ficou particularmente empolgado porque
adorava bebês. Musk tinha começado a colecionar as observações simples e
sábias feitas por Saxon, e às vezes as compartilhava com Justine. “Saxon tem
uma percepção realmente interessante”, opina ela, “porque dá para ver que
ele está se debatendo com conceitos abstratos, como o tempo e o sentido da
vida. Ele pensa em termos bastante literais que te fazem perceber o universo
de modo diferente”.
Saxon é um trigêmeo, concebido por fertilização in vitro, e os dois
gêmeos dele eram idênticos: Kai e Damian. No começo, eles eram tão
parecidos que mesmo Justine dizia ter dificuldade em saber quem era quem.
Entretanto, eles se tornaram um estudo interessante sobre o papel da
genética, do ambiente e do acaso. “Eles moravam na mesma casa e no
mesmo quarto, e tinham as mesmas experiências e tiravam notas parecidas
nas provas”, afirma Musk. “Mas o Damian se achava inteligente e o Kai,
não, por algum motivo. Muito estranho.”
As personalidades deles eram muito diferentes. Damian era introvertido,
comia pouco, e aos 8 anos de idade anunciou que era vegetariano. Quando
perguntei a Justine por que ele havia tomado essa decisão, ela passou o
telefone para que Damian respondesse. “Para diminuir minha pegada de
carbono”, explicou. Ele se tornou um prodígio da música clássica, compôs
sonatas soturnas e praticava piano por horas, sem parar. Musk mostrava
vídeos, que ele gravava no iPhone, de Damian tocando. Ele também era um
mago da matemática e da física. “Acho que o Damian é mais brilhante do
que você”, disse Maye Musk certa vez para o filho, que assentiu com a
cabeça.
Kai, mais alto e de uma beleza impressionante, é extrovertido e adora
resolver problemas práticos pondo a mão na massa. “Ele é maior e mais
atlético do que o Damian, e protege muito o irmão”, conta Justine. Dos
filhos, ele é quem mais se interessa pelos aspectos técnicos dos trabalhos do
pai, e era ele quem tinha maior probabilidade de acompanhar Elon nas idas
a Cabo Canaveral para lançamentos de foguetes. Isso era um prazer para
Musk, que diz que sua grande tristeza se dá quando os filhos dizem que não
querem ficar com ele.
O irmão mais velho deles, Griffin, tinha a mesma visão ética e a mesma
doçura. Ele também entendia bem o pai. Certa noite no Texas, em um
evento na fábrica da Tesla, Griffin estava com alguns amigos quando o pai
perguntou se ele podia acompanhá-lo até a sala de espera nos bastidores.
Griffin hesitou e disse que queria ficar com os amigos; depois, olhou para
eles, deu de ombros e foi com o pai. Brilhante em ciências e matemática, o
garoto tinha uma ternura que faltava ao pai, além de ser a pessoa mais
sociável da família, pelo menos até a chegada de X.
E havia ainda o gêmeo não idêntico de Griffin. Xavier, cujo nome era
parcialmente em homenagem ao personagem favorito de Musk na série dos
X-Men, da Marvel, tinha muita determinação e desenvolveu um profundo
ódio ao capitalismo e à riqueza. Ocorriam longas e amargas discussões,
pessoalmente e por mensagens de texto, em que Xavier dizia várias vezes:
“Eu odeio você e tudo que você representa.” Esse foi um dos fatores que
levou Musk a vender suas casas e viver de modo menos luxuoso, mas isso
teve pouco efeito na relação. Em 2020, a situação já era irreparável. Xavier
não foi com os outros irmãos visitar o meio-irmão recém-nascido.
Por isso, Xavier e Elon estavam afastados quando Xavier, então com 16
anos, fez a transição de gênero, mais ou menos na época em que X nasceu.
“Oi, eu sou trans e meu nome agora é Jenna”, comunicou ela a Christiana,
esposa de Kimbal, por mensagem de texto. “Não conte para o meu pai.”
Jenna também mandou uma mensagem para Grimes, e igualmente pediu
que ela guardasse segredo. Tempos depois, Musk acabou sabendo por um de
seus seguranças.

***

Musk acabaria combatendo, muitas vezes publicamente, questões relativas a


pessoas trans. Poucos meses depois da transição de Jenna, mas antes que
isso fosse a público, Musk tuitou um cartum que mostrava um soldado
sofrendo e a seguinte legenda: “Quando você coloca ele/dele em sua bio.”
Ao ser criticado, Musk deletou o tuíte e tentou se explicar. “Eu apoio 100%
os trans, mas todos esses pronomes são um pesadelo estético.” Ele passaria a
falar cada vez mais sobre questões ligadas a pessoas trans, e em 2023 estava
apoiando a reação conservadora contra a permissão para que médicos
dessem apoio a adolescentes menores de idade que desejavam fazer a
transição.
Christiana insiste que Elon não tem preconceito contra pessoas gays ou
trans. A briga com Jenna, segundo ela, foi causada mais pelo marxismo
radical da filha do que pela identidade de gênero. Christiana fala com base
em certa experiência. Ela por vezes se afastou do pai bilionário e, antes de se
casar com Kimbal, foi casada com uma mulher negra, a estrela do rock
Deborah Anne Dyer, conhecida como Skin. “Quando eu ainda estava com
minha ex-mulher, Elon tentou convencer a gente a ter filhos”, diz
Christiana. “Ele não tem preconceito contra gays ou transgêneros nem
preconceito racial.”
As divergências com Jenna, diz Musk, “ficaram mais intensas quando ela
passou de socialista a comunista e também a achar que todo mundo que é
rico é ruim”. Em parte, ele culpa aquilo que chama de doutrinação
progressista woke,* que ocorria na escola particular de Los Angeles que
Jenna frequentou, a Crossroads. Quando os filhos eram menores, Musk os
matriculou em uma escola que ele tinha criado para a família e os amigos,
chamada Ad Astra. “Eles ficaram lá até os 14 anos, mas aí eu achei que
precisavam ser colocados no mundo real no ensino médio”, conta Musk.
“Eu devia ter ampliado a Ad Astra até o ensino médio.”
A briga com Jenna, segundo Musk, foi o que mais lhe causou dor desde a
morte do bebê primogênito, Nevada. “Eu fiz muitas tentativas”, lembra ele,
“mas ela não quer conviver comigo”.

Casas
A fúria de Jenna tornou Musk sensível ao ódio contra bilionários. Ele
acreditava que não havia nada de errado em ficar rico por meio de empresas
bem-sucedidas e de manter o dinheiro investido nelas. No entanto, em
2020, ele tinha passado a perceber que ficar com essas riquezas e gastá-las
generosamente com consumo pessoal era improdutivo e indecente.
Até então, Musk vivera no luxo. Sua casa principal, na área de Los
Angeles conhecida como Bel Air, que ele havia comprado por 17 milhões de
dólares em 2002, era um falso palácio de 1.400 metros quadrados com sete
quartos e uma suíte de hóspedes, onze banheiros, academia de ginástica,
quadra de tênis, piscina, uma biblioteca de dois andares, sala de cinema e
um pomar. Era um castelo para os cinco filhos dele, que ficavam com o pai
quatro dias por semana e tinham uma rotina que incluía aulas de tênis, artes
marciais e outras atividades na casa.
Quando a casa do ator Gene Wilder, do outro lado da rua, foi posta à
venda, Musk comprou-a para preservá-la. Depois, adquiriu três casas no
entorno e cogitou demolir algumas para construir sua casa dos sonhos. Ele
também era dono de uma propriedade de dezenove hectares, com treze
quartos, em estilo mediterrâneo, no Vale do Silício, avaliada em 32 milhões
de dólares.
No início de 2020, Musk decidiu se livrar de todas elas. “Estou vendendo
quase todos os meus bens materiais”, tuitou três dias depois do nascimento
de X. “Não vou ter mais casa.” Ele explicou para Joe Rogan o sentimento
que o levou a tomar essa decisão. “Acho que ter posses é meio que um peso,
e se transformou num motivo para ataques”, declarou Musk. “Nos últimos
anos, a palavra ‘bilionário’ virou um termo pejorativo, como se fosse algo
ruim. Eles dizem: ‘Ei, bilionário, você tem todas essas coisas.’ Bem, agora
eu não tenho coisas, e então, o que você vai fazer?”

***
Depois de concluir a venda das casas na Califórnia, Musk se mudou para o
Texas e Grimes foi logo em seguida. A casinha no condomínio de Boca
Chica, que ele alugou da SpaceX, se tornou a residência principal. Ele
passava a maior parte do tempo em Austin, onde ficava na casa de um
amigo da PayPal, Ken Howery, que fora embaixador na Suécia e depois
tirara um tempo para viajar pelo mundo. A casa de setecentos metros
quadrados em um lago formado pelo rio Colorado era parte de um
condomínio fechado onde muitos outros bilionários de Austin moravam.
Era um lugar perfeito para Musk reunir os filhos em datas especiais, até o
e Wall Street Journal contar que ele estava morando ali. “Parei de ficar na
casa do Ken depois que o Journal me dedurou”, diz. “As pessoas ficavam
indo lá, e alguém conseguiu passar pelo portão e entrar na casa quando eu
não estava.”
Depois de procurar sem muita vontade, Musk encontrou uma casa ali
perto que era grande o bastante e, em suas palavras, era “uma casa bacana,
mas não ia aparecer na Architectural Digest”. Os vendedores estavam pedindo
70 milhões de dólares, e ele ofereceu 60 milhões, o valor que recebeu
quando vendeu as casas na Califórnia. Àquela altura, porém, os vendedores,
que estavam lidando com a pessoa mais rica do mundo em um mercado
imobiliário superaquecido, queriam ainda mais do que tinham pedido
inicialmente. Musk recuou. Ele preferiu optar entre ficar no apartamento de
um amigo em Austin ou ficar na casa que Grimes alugara numa rua sem
saída e isolada.

Elon e Kimbal juntos outra vez


Depois de uma viagem a Estocolmo para a festa de aniversário de Ken
Howery em novembro de 2020, Musk testou positivo para covid. Ele ligou
para Kimbal, que tinha sido infectado mais ou menos na mesma época. A
relação deles não estava tão boa, especialmente depois das tensões de 2018.
Contudo, eles reataram quando Elon viajou para Boulder com o propósito
de que os dois se curassem juntos de seus casos leves de covid.
Kimbal, que acreditava em cura pela mente usando alucinógenos
legalizados, tinha planejado uma cerimônia com ayahuasca, que envolve
beber chás alucinógenos sob a orientação de um xamã. Tentou convencer
Elon a participar da experiência, a qual achou que poderia ajudar a domar os
demônios do irmão. “A cerimônia da ayahuasca envolve a morte do ego”,
explica Kimbal. “Toda a bagagem que você carrega morre. Você se torna um
ser humano diferente depois disso.”
Elon recusou a oferta. “Tenho emoções soterradas sob tantas camadas de
concreto que não estou pronto para expor isso”, confessou. Ele só queria
ficar perto de Kimbal. Depois de assistir a um lançamento da SpaceX em
seus computadores e de ficar fazendo bobagens em Boulder, os dois ficaram
entediados e pegaram o avião de Elon rumo a Austin. Lá, jogaram o
videogame que era a nova obsessão de Elon, Polytopia, e fizeram uma
maratona de Cobra Kai, uma série da Netflix baseada no filme Karatê Kid.
Na série, os personagens do filme original estavam agora na casa dos 50
anos, assim como Elon e Kimbal, com filhos que tinham a idade dos filhos
de Elon. “Nós dois nos vimos representados, porque tem uma pessoa cheia
de empatia, que é o personagem do Ralph Macchio, e outra que com zero
empatia”, diz Kimbal. “Os dois estão enfrentando desafios com a figura
paterna, e agora também têm que descobrir como ser essa figura paterna
para os próprios filhos.” A experiência foi catártica, mesmo sem a cerimônia
com a ayahuasca. “Éramos dois meninos de novo”, lembra Kimbal. “Foi
bonito, o melhor dos tempos. Nunca imaginamos que viveríamos outra
semana assim de novo.”

* O termo woke refere-se a um conceito muito difundido nos Estados Unidos e significa algo como
“despertar”, o aumento da conscientização sobre questões sociais, raciais e políticas. [N. da E.]
capítulo 57
A pleno vapor
SpaceX, 2020

Com Kiko Dontchev, e na torre de lançamento de Cabo Canaveral


Civis em órbita
Desde a aposentadoria do ônibus espacial, em 2011, os Estados Unidos
passaram por um lapso de habilidade, determinação e imaginação que era
impressionante para um país que, duas gerações antes, tinha enviado nove
missões à Lua. Ao longo de quase toda a década seguinte à última missão
do ônibus espacial, o país não foi capaz de mandar humanos ao espaço. Os
Estados Unidos passaram a depender de foguetes russos para levar seus
astronautas até a estação espacial. Em 2020, a SpaceX mudou isso.
Em maio daquele ano, o foguete Falcon 9, que tinha no topo uma
cápsula Crew Dragon, estava pronto para transportar dois astronautas da
NASA até a Estação Espacial Internacional, no primeiro lançamento de
humanos em órbita na história feito por uma empresa privada. O então
presidente, Trump, e o vice-presidente, Pence, foram a Cabo Canaveral e
ficaram nos lugares reservados à plateia, perto do Pad 39 A, para assistir ao
lançamento. Musk, com fones de ouvido e o filho Kai ao lado, ficou na sala
de controle. Dez milhões de pessoas assistiram ao vivo na TV e em várias
plataformas de streaming. “Não sou uma pessoa religiosa”, declarou Musk
posteriormente para o podcaster Lex Fridman, “mesmo assim, fiquei de
joelhos e rezei por aquela missão”.
Quando o foguete começou a subir, gritos de comemoração irromperam
na sala de controle. Trump e outros políticos entraram para dar parabéns.
“Essa é a primeira grande mensagem espacial em cinquenta anos, pense
nisso”, falou Trump. “E é uma honra estar fazendo isso.” Musk não fazia
muita ideia do que o presidente estava falando, e manteve uma certa
distância. No momento em que Trump foi até Musk e sua equipe e
perguntou “Vocês estão prontos para mais quatro anos?”, Musk se afastou e
deu-lhe as costas.
Ao fechar com a SpaceX o contrato para construir um foguete que levaria
astronautas rumo à estação espacial, a NASA fechou também, no mesmo
dia de 2014, um contrato concorrente, com 40% a mais de financiamento,
com a Boeing. No entanto, enquanto a SpaceX obtinha sucesso, em 2020, a
Boeing nem sequer havia conseguido fazer um voo de teste sem tripulação
para acoplar na estação.
Para comemorar o lançamento bem-sucedido da SpaceX, Musk foi com
Kimbal, Grimes, Luke Nosek e mais umas poucas pessoas para um resort
nos Everglades, duas horas ao sul de Cabo Canaveral. Nosek lembra que
eles começaram a se dar conta da “importância histórica do momento”. Eles
dançaram a noite toda, e Kimbal em certo momento saltou e gritou: “Meu
irmão acaba de mandar astronautas ao espaço.”

Kiko Dontchev
Depois de lançar astronautas rumo à estação espacial em maio de 2020, a
SpaceX fez, num período de cinco meses, uma série impressionante de onze
lançamentos de satélite não tripulado bem-sucedidos. Mas Musk, como
sempre, temia a complacência. A não ser que mantivesse um senso maníaco
de urgência, ele receava que a SpaceX pudesse acabar sem vigor e lenta,
como a Boeing.
Depois de um dos lançamentos em outubro daquele ano, Musk fez uma
visita tarde da noite ao Pad 39 A. Havia apenas duas pessoas trabalhando.
Visões como essa eram um gatilho para ele. Em todas as empresas que lhe
pertenciam, como os empregados do Twitter descobririam, ele esperava que
todo mundo trabalhasse com uma intensidade inclemente. “Nós temos 783
funcionários em Cabo Canaveral”, disse ele com uma raiva fria para o vice-
presidente de lançamentos. “Por que só dois deles estão trabalhando agora?”
Musk deu ao executivo 48 horas para preparar um relatório sobre o que
todos deveriam estar fazendo.
Quando não conseguiu as respostas que queria, Musk decidiu descobrir
por conta própria. Ele entrou no modo hardcore. Assim como tinha feito
nas fábricas da Tesla em Nevada e Fremont, e como faria mais tarde no
Twitter, mudou-se para o prédio — nesse caso, o hangar em Cabo
Canaveral — e começou a trabalhar sem parar. A presença dele durante
toda a noite era ao mesmo tempo uma performance e algo real. Na segunda
noite, ele não conseguiu encontrar o vice-presidente de lançamentos, que
tinha mulher e filhos, e, na visão de Musk, se ausentara sem permissão,
então pediu para falar com um dos engenheiros que vinha trabalhando com
ele no hangar, Kiko Dontchev.
Dontchev nasceu na Bulgária e migrou para os Estados Unidos ainda
criança, quando o pai, um matemático, aceitou um emprego na
Universidade do Michigan. Dontchev fez graduação e pós-graduação em
engenharia aeroespacial, o que o levou àquela que ele imaginou ser a
oportunidade dos sonhos: um estágio na Boeing. Contudo, ele rapidamente
se desencantou e decidiu visitar um amigo que estava trabalhando na
SpaceX. “Nunca vou esquecer aquele dia, quando andei pela SpaceX”, disse.
“Todos aqueles engenheiros jovens trabalhando duro, vestindo camisetas,
exibindo tatuagens e sendo exigentes pra cacete para fazer as coisas
acontecerem. Pensei: Esse é o meu pessoal. Eu não tinha nada a ver com o
clima engomadinho e terrível da Boeing.”
No verão daquele ano, ele fez uma apresentação para um dos vice-
presidentes da Boeing em que contava como a SpaceX estava dando espaço
para que jovens engenheiros inovassem. “Se a Boeing não mudar”, disse,
“vocês vão perder os maiores talentos”. O vice-presidente respondeu que
não estava em busca de revolucionários. “Talvez a gente não queira os
melhores, mas aqueles que vão ficar por aqui mais tempo.” Dontchev se
demitiu.
Em uma conferência em Utah, ele foi a uma festa dada pela SpaceX e,
depois de alguns drinques, tomou coragem para falar com Gwynne
Shotwell. Dontchev tirou do bolso um currículo amassado e mostrou a ela
uma foto do hardware de satélite em que vinha trabalhando. “Eu consigo
fazer as coisas acontecerem”, disparou para ela.
Shotwell achou divertido. “Qualquer um que tenha coragem de me trazer
um currículo amassado pode ser um bom candidato”, disse. Ela o convidou
para fazer uma entrevista na SpaceX. Ele tinha hora marcada, às três da
tarde, para falar com Musk, que continuava entrevistando todos os
engenheiros que desejavam ser contratados. Como sempre, Musk estava
irritado, e disseram a Dontchev que ele teria que voltar outro dia. Em vez
disso, Dontchev ficou sentado do lado de fora da baia de Musk por cinco
horas. Quando finalmente conseguiu se encontrar com ele, às oito,
Dontchev aproveitou a oportunidade para falar de como seu entusiasmo não
era valorizado na Boeing.
Sempre que estava contratando ou promovendo, Musk fazia questão de
priorizar a atitude, não as habilidades descritas no currículo. E a definição
dele de boa atitude era um desejo maníaco de trabalhar. Musk contratou
Dontchev na hora.

***

Naquela noite de outubro, durante a maratona de trabalho em Cabo


Canaveral, quando Musk pediu para falar com Dontchev, o engenheiro
tinha acabado de chegar em casa depois de três dias de trabalho
consecutivos e aberto uma garrafa de vinho. A princípio, ele ignorou o
número desconhecido no celular, mas então um dos colegas ligou para a
esposa dele. Mande o Kiko voltar para o hangar imediatamente, disseram,
porque Musk o quer aqui. “Eu estava exausto, meio bêbado, não dormia
fazia dias. Então, entrei no carro, comprei um maço de cigarros para ficar
acordado e voltei para o hangar”, conta ele. “Tive medo de ser parado por
dirigir bêbado, mas esse parecia um risco menor se comparado a ignorar
Elon.”
Quando Dontchev chegou ao hangar, Musk mandou que ele organizasse
uma série de encontros em que se “pularia um nível” para falar com os
engenheiros que estavam um nível abaixo dos altos gestores. Disso veio uma
mudança radical. Dontchev foi promovido a engenheiro-chefe em Cabo
Canaveral e seu mentor, Rich Morris, um gestor calmo e experiente, foi
colocado como novo chefe de operações. Dontchev fez um pedido
inteligente. Ele disse que queria responder a Morris, não diretamente a
Musk. O resultado foi uma equipe que funcionava bem, liderada por um
gestor que sabia ser um mentor à la Yoda e por um engenheiro que estava
ansioso para atingir a intensidade de Musk.

Desafio
A pressão de Musk para ir mais rápido, correr mais riscos, quebrar regras e
questionar exigências permitiu, por um lado, que ele realizasse grandes
façanhas, como colocar humanos em órbita, vender grandes quantidades de
carros elétricos e tirar proprietários de casas da rede elétrica. Por outro, isso
significava que ele fazia coisas — como ignorar as regras da Comissão de
Valores Mobiliários ou desafiar as restrições impostas pela Califórnia
durante a pandemia de covid — que lhe criavam problemas.
Hans Koenigsmann era um dos engenheiros originais recrutados por
Musk para a SpaceX em 2002. Ele tinha sido parte do intrépido grupo em
Kwaj durante os três primeiros voos fracassados e depois da primeira missão
bem-sucedida do Falcon 1. Musk o promoveu a vice-presidente encarregado
da confiabilidade de voo, para ter certeza de que os voos eram seguros e
seguiam as regulamentações. Não era um trabalho fácil quando o chefe era
Musk.
No fim de 2020, a SpaceX se preparava para lançar como teste não
tripulado o foguete auxiliar Super Heavy. Todos os voos precisam seguir as
exigências impostas pela Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla
em inglês), o que incluía as orientações relativas ao clima. Naquela manhã, o
inspetor da FAA que estava monitorando o lançamento remotamente
determinou que os ventos em altitude tornavam o procedimento inseguro.
Caso houvesse uma explosão no lançamento, as casas por perto poderiam
ser impactadas. A SpaceX apresentou o modelo dela de previsão climática, o
qual afirmava que as condições eram seguras, e pediu permissão para seguir
em frente, mas a FAA recusou.
Ninguém da FAA estava na sala de controle, e havia uma leve dúvida
(não muito séria) sobre quais eram as regras, de modo que o diretor de
lançamento se virou para Elon e inclinou a cabeça, sem falar nada, como se
perguntasse se deveria prosseguir. Musk silenciosamente fez que sim. O
foguete decolou. “Foi tudo muito sutil”, diz Koenigsmann. “É típico do
Elon. Uma decisão de correr um risco comunicada por um movimento com
a cabeça.”
O lançamento do foguete foi perfeito, e o clima não atrapalhou, embora
o foguete de fato tenha apresentado problemas quando tentou pousar a dez
quilômetros dali. A FAA abriu uma investigação para saber por que a
determinação dela quanto ao clima havia sido ignorada, e decidiu suspender
todos os testes da SpaceX por dois meses, mas acabou não impondo penas
mais severas.
Como parte de seu trabalho, Koenigsmann escreveu um relatório sobre o
incidente, e não tentou disfarçar o que a SpaceX tinha feito. “A FAA é
incompetente e conservadora, uma combinação ruim; mesmo assim, eu
precisava de uma autorização deles antes da decolagem, o que nós não
tínhamos”, disse. “Elon ordenou o lançamento quando a FAA disse que nós
não podíamos prosseguir. Então, escrevi um relatório sincero que dizia isso.”
Ele queria que a SpaceX e Musk assumissem a culpa.
Essa não era a atitude que Musk valorizava. “Ele não via as coisas assim,
e ficou irritado, muito irritado”, lembra Koenigsmann.
Koenigsmann estava na SpaceX desde os primeiros e difíceis dias, e
Musk não quis demiti-lo na hora. No entanto, retirou de Koenigsmann a
atribuição de supervisionar os voos e acabou demitindo-o meses depois.
“Você fez um trabalho incrível durante muitos anos, mas a hora da
aposentadoria chega para todo mundo”, escreveu Musk para ele num e-
mail. “A sua chegou agora.”
capítulo 58
Bezos versus Musk, 2o round
SpaceX, 2021

Jeff Bezos logo após sua viagem; Richard Branson logo antes da dele
Provocação mútua
A partir de 2013, Jeff Bezos e Elon Musk começaram a disputar para saber
quem alugaria o célebre Pad 39 A em Cabo Canaveral (Musk ganhou),
quem seria o primeiro a pousar um foguete que houvesse chegado ao limite
do espaço sideral (Bezos), a pousar um foguete que pusesse carga em órbita
(Musk) e a colocar humanos em órbita (Musk). O espaço era uma paixão
pessoal dos dois, e a competição entre eles, assim como a que havia ocorrido
entre os barões das ferrovias um século antes, serviria para tornar os avanços
no campo mais rápidos. Apesar das reclamações sobre o espaço ter se
tornado um hobby de meninos bilionários, a visão deles de privatizar os
lançamentos foi o que impulsionou os Estados Unidos, que haviam ficado
atrás da China e até mesmo da Rússia, a voltar à liderança da exploração
espacial.
A rivalidade voltou em abril de 2021, quando a SpaceX venceu a Blue
Origin de Bezos na disputa por um contrato para levar astronautas da
NASA na parte final de uma viagem à Lua. A Blue Origin recorreu da
decisão, mas não teve sucesso. O site da empresa exibiu um gráfico que
criticava o plano da SpaceX, afirmando em letras garrafais que se tratava de
algo “imensamente complexo” e de “alto risco”. A SpaceX respondeu
ressaltando que a Blue Origin nem sequer havia conseguido produzir um só
foguete ou uma espaçonave capaz de atingir a órbita. Os fãs de Musk no
Twitter fizeram um flash mob para ridicularizar a Blue Origin, e Musk
participou. “Não consegue subir (para a órbita) rsrsrs”, tuitou ele.

***

Bezos e Musk têm semelhanças em alguns aspectos. Os dois transformaram


indústrias por meio da paixão, da inovação e da força de vontade. Ambos
são bruscos com os funcionários, rápidos para dizer que algo é imbecil e
ficam furiosos com quem duvida ou diz não para eles. Os dois se
concentram em pensar no futuro, em vez de buscar lucros no curto prazo.
Quando perguntado se ao menos sabia como soletrar a palavra “lucro” (em
inglês, “profit”), Bezos respondeu: “P-r-o-f-e-t-a” (em inglês, “prophet”).
No entanto, quando o assunto é engenharia, os dois diferem. Bezos é
metódico. O lema dele é gradatim ferociter, ou “gradualmente, ferozmente”.
Os instintos de Musk o fazem pressionar, intensificar e forçar as pessoas a
cumprir prazos insanos, ainda que isso signifique assumir riscos.
Bezos é cético, até mesmo desdenhoso, em relação às práticas de Musk
de passar horas em encontros de engenharia propondo sugestões para os
técnicos e dando ordens abruptas. Bezos comenta que ex-funcionários da
SpaceX e da Tesla diziam para ele que Musk raramente sabia tanto quanto
alegava e que em geral as intervenções que fazia eram inúteis ou
problemáticas.
Musk, por sua vez, acha que Bezos é um diletante cuja falta de foco na
engenharia é a razão para que a Blue Origin faça menos progresso do que a
SpaceX. Em uma entrevista no fim de 2021, ele elogiou Bezos de má
vontade por ter uma “atitude razoavelmente boa na engenharia”, porém em
seguida acrescentou: “Mas ele parece não ter disposição de gastar energia
mental nos detalhes da engenharia. O diabo mora nos detalhes.”
Uma vez que Musk vendera todas as casas que possuía e estava morando
de aluguel no Texas, também começou a desdenhar de Bezos pelo estilo de
vida luxuoso, com múltiplas mansões. “Em certo sentido, estou tentando
provocá-lo a passar mais tempo na Blue Origin para que eles façam mais
progresso”, diz Musk. “Ele devia passar mais tempo na Blue Origin e menos
tempo na hidromassagem.”

***

Outra disputa irrompeu em função das empresas rivais dos dois na área de
satélites de comunicação. No verão de 2021, a SpaceX tinha colocado quase
2 mil satélites da Starlink em órbita. Sua internet com base no espaço estava
disponível em catorze países. Em 2019, Bezos dera início a planos para que
a Amazon criasse uma constelação semelhante de satélites e uma internet
própria, chamada Projeto Kuiper, mas, até o momento, nenhum satélite
havia sido lançado.
Musk acreditava que a inovação era guiada pelo estabelecimento de
métricas claras, como o custo por tonelada colocada em órbita ou o número
médio de quilômetros dirigidos no Autopilot sem intervenção humana. No
caso da Starlink, ele surpreendeu Juncosa ao perguntar quantos fótons eram
coletados pelos painéis solares dos satélites em comparação com o que eles
eram capazes de mandar de forma útil para a Terra. Era uma proporção
enorme — talvez 10 mil para 1 —, e Juncosa jamais havia pensado naquilo.
“Eu certamente nunca tinha pensado nisso como uma métrica”, conta ele.
“Isso me forçou a testar ideias criativas sobre como podíamos aumentar a
eficiência.”
Como resultado, a SpaceX desenvolveu uma segunda versão da Starlink,
e a empresa decidiu solicitar a aprovação da Comissão Federal de
Comunicações (FCC, na sigla em inglês). A solicitação previa uma altitude
orbital mais baixa no caso de futuros satélites da Starlinks, o que reduziria a
latência da rede.
Isso deixaria a empresa mais perto das órbitas planejadas pela constelação
da Kuiper, a concorrente de propriedade de Bezos, de modo que este
protocolou uma objeção. Mais uma vez, Musk o atacou no Twitter, e
escreveu seu nome errado de propósito, para que ficasse igual à palavra em
espanhol para “beijos”: “Na verdade, Besos se aposentou e agora tem um
emprego em tempo integral: se dedica a processar a SpaceX.” A FCC
determinou que Musk podia prosseguir com os planos.

Passeios de bilionários
Um dos sonhos de Bezos era ir ele mesmo ao espaço. Por isso, no verão de
2020, em meio às brigas com Musk, anunciou que ele e o irmão Mark iriam
voar até o limite do espaço sideral (embora sem chegar a entrar em órbita)
em um salto de onze minutos em um foguete da Blue Origin. Ele seria o
primeiro bilionário no espaço.
Sir Richard Branson, o sorridente bilionário britânico que fundou a
Virgin Airlines e a Virgin Music, também tinha esse sonho. Ele havia
criado uma empresa de voos espaciais, a Virgin Galactic, com um modelo
de negócios em grande medida dependente de levar ricos em busca de novas
experiências a viajar nos foguetes da empresa dele. O talento para o
marketing o fez incluir a si mesmo como o rosto e o espírito da empresa.
Ele sabia que não havia maneira melhor de promover a empresa de turismo
espacial, e de se divertir muito (algo que ele adorava fazer), do que entrar
em um dos foguetes dele próprio. Por isso, depois que ficou impossível para
Bezos mudar a data de lançamento de seu foguete, Branson anunciou que
voaria no dia 11 de julho, nove dias antes. Sempre interessado em
transformar tudo em espetáculo, ele convidou o apresentador Stephen
Colbert para narrar a transmissão e o cantor Khalid para apresentar uma
música nova na ocasião.
Quando acordou pouco antes da uma da manhã, no dia do lançamento,
Branson foi à cozinha da casa em que estava e viu Musk ali com o bebê X.
“Elon foi supergentil de ir com o bebê ver nosso voo”, conta Branson. Musk
estava descalço e vestia uma camiseta preta estampada com a frase 
  , em comemoração aos 50 anos da missão à Lua. Eles
se sentaram e conversaram por algumas horas. “Parece que ele não dorme
muito”, comenta Branson.
O voo, em um foguete suborbital com asas que foi alçado até a altitude
de lançamento por um cargueiro, correu bem. Branson e cinco funcionários
da Virgin Galactic chegaram à altitude de 89 quilômetros, o que criou uma
pequena discussão sobre eles terem ou não chegado ao “espaço” de fato —
que, pela definição da NASA, começa oitenta quilômetros acima da Terra,
mas outras nações dizem que começa na linha de Kármán, a cem
quilômetros.
A missão de Bezos, nove dias depois, também foi bem-sucedida. Musk,
obviamente, não esteve presente no lançamento. Bezos, o irmão e a equipe
atingiram uma altitude de 106 quilômetros, bem acima da linha de Kármán,
o que deu a ele mais motivos para se gabar. A cápsula espacial deles pousou
delicadamente de paraquedas no deserto do Texas, onde a mãe de Bezos,
muito ansiosa, e o pai, calmo, estavam à espera.
Musk fez elogios superficiais a Bezos e a Branson. “Eu achava bacana
que eles estivessem gastando dinheiro no avanço da exploração espacial”,
disse para Kara Swisher na Conferência Code em setembro. Apesar disso,
ele apontou que saltar a pouco mais de cem quilômetros era um passo
pequeno. “Para colocar as coisas em perspectiva, entrar em órbita exige mais
ou menos cem vezes a quantidade de energia necessária para um voo
suborbital”, explicou. “E depois, para voltar de órbita, você precisa queimar
essa energia, e para isso precisa de um escudo pesado para se proteger do
calor. Entrar em órbita é mais ou menos duas ordens de magnitude mais
difícil do que fazer um voo suborbital.”
Musk era amaldiçoado com uma mentalidade conspiratória, o que o
levava a crer que grande parte dos comentários negativos sobre si mesmo na
imprensa se deviam a interesses secretos ou inconfessáveis das pessoas que
eram donas dos veículos de comunicação. Isso se acentuou bastante quando
Bezos comprou o e Washington Post. Ao ser contatado pelo jornal em
2021 para uma reportagem, Musk enviou um e-mail que dizia
simplesmente: “Mande um abraço para o sujeito que está manipulando
você.” Na verdade, Bezos sempre manteve uma atitude admirável de não se
meter na cobertura do Post, e o respeitado repórter de assuntos espaciais
Christian Davenport publicava matérias sobre os êxitos de Musk, incluído
um texto sobre a rivalidade com Bezos. “Por ora, Musk está bem à frente
em quase todas as áreas”, escreveu Davenport. “A SpaceX enviou três grupos
de astronautas para a Estação Espacial Internacional, e na terça-feira deve
enviar uma equipe de astronautas civis em uma viagem de três dias
orbitando a Terra. A Blue Origin realizou apenas uma missão suborbital ao
espaço, que durou somente cerca de dez minutos.”
capítulo 59
A onda da Starship
SpaceX, julho de 2021

Andy Krebs (acima), Lucas Hughes (abaixo), e os braços Mechazilla sendo


instalados na Starship
Mechazilla
X, de 10 meses de idade, engatinhava em cima da mesa de reunião branca
da Starbase em Boca Chica e abria e fechava os bracinhos. Ele estava
imitando a animação que via na tela, a qual mostrava os braços da torre de
lançamento em Boca Chica. As primeiras três palavras que ele aprendeu a
falar foram “foguete”, “carro” e “papai”. Naquele momento, ele estava
praticando mais uma, “pauzinhos”, em referência ao talher usado em parte
dos países do Oriente. O pai prestava pouca atenção, e os outros cinco
engenheiros presentes na sala naquela noite estavam acostumados a fingir
que aquilo não os distraía.
A história dos pauzinhos tinha começado oito meses antes, no fim de
2020, quando a equipe da SpaceX estava discutindo o trem de pouso que
seria instalado na Starship. O princípio que orientava Musk era a
possibilidade de reutilização rápida, que, segundo ele afirmava com
frequência, era “o santo graal para fazer dos humanos uma civilização capaz
de viajar pelo espaço”. Em outras palavras, os foguetes deveriam ser como
aviões. Deveriam decolar, aterrissar e depois decolar de novo o mais rápido
possível.
O Falcon 9 havia se tornado o único foguete no mundo rapidamente
reutilizável. Durante o ano de 2020, os foguetes auxiliares do Falcon tinham
pousado em segurança 23 vezes, descendo verticalmente sobre o trem de
pouso. Os vídeos das aterrissagens ferozes e ao mesmo tempo suaves ainda
faziam Musk saltar da cadeira. No entanto, ele não estava exatamente
apaixonado pelo trem de pouso planejado para os foguetes auxiliares da
Starship. Eles aumentavam o peso, o que reduzia o tamanho da carga que os
foguetes podiam levar.
“Por que a gente não tenta usar a torre para pegar os foguetes?”,
perguntou. Ele estava se referindo à torre que segura o foguete na base de
lançamento. Musk já tinha sugerido usar aquela torre para montar o
foguete; o equipamento possuía braços capazes de pegar o foguete auxiliar
do primeiro estágio, colocá-lo sobre a base e, depois, pegar a espaçonave do
segundo estágio e colocá-la sobre o foguete auxiliar. Naquele momento, ele
estava sugerindo que esses braços também fossem usados para pegar o
foguete auxiliar quando ele voltasse para a Terra.
Era uma ideia ousada, e houve grande consternação na sala. “Se o foguete
auxiliar voltar para a torre e sofrer um acidente, você vai levar muito tempo
para lançar o próximo”, diz Bill Riley. “Mas concordamos em estudar meios
diferentes de fazer isso.”
Poucas semanas depois, logo após o Natal de 2020, a equipe se reuniu
para discutir ideias. A maior parte dos engenheiros era contra tentar usar a
torre para pegar o foguete auxiliar. Os braços usados para empilhar o
foguete já eram perigosamente complexos. Depois de mais de uma hora de
discussão, estava se formando um consenso de que a melhor coisa a se fazer
era manter a ideia de colocar um trem de pouso no foguete auxiliar.
Contudo, Stephen Harlow, o diretor de engenharia de veículos, continuava
defendendo a abordagem mais ousada. “Nós temos a torre, por que não
tentamos usá-la?”
Após mais uma hora de debate, Musk entrou na discussão. “Harlow, você
concorda com esse plano”, falou. “Então, por que você não fica responsável
por ele?”
Assim que tomou a decisão, o humor de Musk entrou no modo
“comédia-pastelão”. Ele começou a rir da cena de Karatê Kid em que o
mestre do caratê, sr. Miyagi, usa um par de pauzinhos para pegar uma
mosca. Os braços da torre, disse Musk, iam ser chamados de pauzinhos, e
ele chamou a torre toda de “Mechazilla”. Ele celebrou com um tuíte:
“Vamos tentar pegar o foguete auxiliar com o braço da torre de
lançamento!” Quando foi questionado por um seguidor sobre o motivo de
não usar um trem de pouso, Musk respondeu: “Um trem de pouso
certamente funcionaria, mas a melhor peça é a ausência de peças.”
Numa tarde quente de quarta-feira, no fim de julho de 2021, a parte final
da Mechazilla com os braços móveis foi colocada em seu lugar no ponto de
lançamento em Boca Chica. Quando a equipe lhe mostrou uma animação
do equipamento, Musk se empolgou: “Legal pra cacete!”, exclamou. “O
número de visualizações dessa vez vai ser imenso.” Ele encontrou um clipe
de dois minutos de Karatê Kid e tuitou pelo iPhone. “A SpaceX vai tentar
agarrar o maior objeto voador de todos os tempos com braços robóticos”,
disse. “Não há como garantir o sucesso, mas a empolgação está garantida!”
A onda
“Precisamos empilhar a nave sobre o foguete auxiliar”, disse Musk ao
agrupamento improvisado de centenas de trabalhadores reunidos num
semicírculo em uma das três tendas em formato de hangar em Boca Chica.
Era um dia de sol brutal em julho de 2021, e ele estava concentrado em
obter a aprovação da FAA para que a Starship voasse. O melhor modo,
decidiu ele, era empilhar o foguete auxiliar e a espaçonave do segundo
estágio na torre de lançamento para mostrar que estavam prontos. “Isso vai
forçar a agência reguladora a tirar a bunda da cadeira”, disse ele. “Vai haver
pressão da opinião pública para que eles aprovem.”
Aquilo não tinha muito sentido, mas era típico de Musk. A Starship, na
verdade, só ficaria pronta em abril de 2023, 21 meses depois. Contudo, ele
esperava que criar um senso maníaco de urgência fizesse com que todos
trabalhassem mais rápido, o que incluía os reguladores, os funcionários e até
ele mesmo.
Durante as horas seguintes, Musk andou em meio às linhas de
montagem, balançando os braços sem pelos, inclinando levemente o
pescoço e parando de vez em quando para olhar algo em silêncio.
Gradualmente, o rosto dele foi ficando cada vez mais fechado, e as pausas
passaram a dar uma impressão sinistra. Perto das nove da noite, uma lua
cheia havia surgido sobre o oceano, e parecia que ia transformá-lo num
homem possuído.
Eu já tinha visto Musk entrar em seu modo demoníaco, e sabia o que
vinha pela frente. Como acontece com frequência — pelo menos duas ou
três vezes por ano com grande intensidade —, uma grande compulsão vai
crescendo dentro dele, até que Musk determine uma “onda”, uma atividade
frenética 24 horas por dia, como ele havia feito na fábrica de baterias de
Nevada, na montadora de Fremont e nos escritórios responsáveis pelo
sistema de direção autônoma, e como faria posteriormente no mês insano
que se seguiu à compra do Twitter. O objetivo era sacudir tudo e “expulsar a
merda do sistema”, segundo ele.
As nuvens de tempestade que vinham se formando sobre Musk
estouraram quando ele e um grupo de altos gestores foram até o ponto de
lançamento e não viram ninguém trabalhando. Isso talvez não parecesse
incomum para a maior parte das pessoas no fim de noite de uma sexta-feira,
mas Musk surtou. O alvo imediato foi um engenheiro civil alto, de jeito
tranquilo, chamado Andy Krebs, que estava encarregado de construir a
infraestrutura na Starbase. “Por que não tem ninguém trabalhando?”,
perguntou Musk.
Infelizmente para Krebs, era a primeira vez em três semanas que ele não
passava todo o turno da noite trabalhando na torre e no ponto de
lançamento. De fala suave e ligeiramente gago, o engenheiro hesitou ao
responder, o que não ajudou. “Qual é o problema?”, exigiu saber Musk.
“Quero ver gente trabalhando.”
Foi aí que ele determinou uma onda de produção. O foguete auxiliar da
Starship e o segundo estágio deveriam ser retirados das áreas de fabricação e
empilhados na torre de lançamento dentro de dez dias. Ele queria que
quinhentos trabalhadores de toda a SpaceX — Cabo Canaveral, Los
Angeles e Seattle — fossem enviados imediatamente para Boca Chica e
colocados em ação. “Isso aqui não é uma organização de trabalho
voluntário”, reclamou Musk. “Não estamos vendendo biscoitos de
bandeirantes. Ponham todo mundo aqui.” Quando ligou para Gwynne
Shotwell, que estava em Los Angeles, dormindo, para descobrir quais
trabalhadores e supervisores iriam para Boca Chica, ela se queixou e disse
que os engenheiros de Cabo Canaveral ainda precisavam preparar os
lançamentos do Falcon 9. Musk determinou que isso fosse atrasado. A onda
era a prioridade dele.
Pouco depois da uma da manhã, Musk enviou um e-mail intitulado
“Onda da Starship” para todos os empregados da SpaceX. “Qualquer um
que não esteja trabalhando em outros projetos que sejam obviamente
decisivos para a SpaceX deve se transferir de imediato para trabalhar na
primeira órbita da Starship”, escreveu. “Por favor, venham de avião, de carro,
ou cheguem aqui por qualquer meio possível.”
Em Cabo Canaveral, Kiki Dontchev, que ganhou o cargo de chefia
quando Musk deflagrou um frenesi semelhante depois de não ver ninguém
trabalhando no Pad 39 A certa noite, começou a acordar seus melhores
funcionários com o objetivo de ir para o Texas. A assistente de Musk, Jehn
Balajadia, tentou reservar quartos de hotel em Brownsville, perto de Boca
Chica, mas a maioria já estava reservada para uma convenção de controle de
fronteiras, de modo que ela teve dificuldades em fazer os preparativos para
que os funcionários dormissem em colchões de ar. Sam Patel trabalhou a
noite toda imaginando as estruturas de hierarquia e supervisão que seriam
criadas, e também como levar comida suficiente para alimentar todos em
Boca Chica.
Quando Musk voltou da torre de lançamento para o prédio principal da
Starbase, o monitor de vídeo da porta dianteira tinha sido reprogramado. O
texto dizia “Nave + Foguete Empilhados T -196h 44m 23s” e estava numa
contagem regressiva segundo a segundo. Balajadia explicou que Musk não
deixou que eles arredondassem dias nem horas. Todo segundo contava.
“Nós precisamos chegar a Marte antes que eu morra”, disse ele. “A única
força que nos impele a chegar a Marte somos nós, e às vezes isso se resume
a mim.”
A onda de trabalho foi bem-sucedida. Em pouco mais de dez dias, o
foguete auxiliar e a espaçonave Starship foram empilhados na torre.
Também foi meio sem sentido, uma vez que o foguete ainda não tinha
capacidade para voar, e a montagem do conjunto não forçou a FAA a
apressar a aprovação. A crise inventada, contudo, forçou a equipe a
continuar trabalhando freneticamente, e deu a Musk uma dose do drama
que a personalidade dele exige. “Sinto minha fé no futuro da humanidade
renovada”, comentou ele naquela noite. Mais uma tempestade havia
passado.

Custos do Raptor
Poucas semanas depois desse surto, Musk voltou a atenção para o Raptor, o
motor que impulsionaria a Starship. Movido a metano líquido super-
resfriado e a oxigênio líquido, o Raptor tinha mais do que o dobro do
empuxo do motor Merlin do Falcon 9. Isso significava que a Starship teria
mais empuxo do que qualquer outro foguete na história.
Todavia, o motor Raptor não iria levar a humanidade a Marte
simplesmente por ser potente. Ele também precisaria ser fabricado às
centenas a um custo razoável. Cada Starship precisaria de cerca de quarenta
deles, e Musk vislumbrou uma frota de dezenas de Starships. O Raptor era
complexo demais para ser fabricado em massa. Ele parecia um emaranhado
de espaguete. Por isso, em agosto de 2021, Musk demitiu a pessoa
encarregada do design e assumiu pessoalmente o título de vice-presidente de
propulsão. O objetivo era reduzir o custo de cada propulsor em cerca de 200
mil dólares, um décimo do custo na época.
Certa tarde, Gwynne Shotwell e o CFO da SpaceX, Bret Johnsen,
organizaram um pequeno encontro com a pessoa do departamento
financeiro encarregada de supervisionar os custos do Raptor. Entra em cena
um jovem analista financeiro com aparência de estudioso chamado Lucas
Hughes, cujo visual ligeiramente elitista era mitigado por um rabo de
cavalo. Ele jamais havia interagido diretamente com Musk, e não tinha
certeza se o patrão sabia seu nome. Portanto, estava nervoso.
Musk começou um sermão sobre coleguismo. “Quero ser superclaro”,
começou. “Você não é amigo dos engenheiros. Você é o juiz. Se você for
popular entre os engenheiros, isso é mau sinal. Se você não pisar no calo de
ninguém, eu vou te demitir. Está claro?” Hughes gaguejou um pouco
enquanto dizia que sim.
Desde que tinha voltado da Rússia e calculado os custos para produzir
seus foguetes, Musk havia usado algo que ele apelidou de “índice de
idiotice”. Essa era a proporção entre o custo total de um componente e o
custo das matérias-primas utilizadas. Algo com um alto índice de idiotice
— digamos, um componente que custa mil dólares quando o alumínio
usado em sua fabricação custa apenas cem — tinha alta probabilidade de ter
um design complexo demais ou um processo de manufatura ineficiente. Nas
palavras de Musk, “se a proporção for alta, você é um idiota”.
“Quais são as melhores peças do Raptor segundo o índice de idiotice?”,
perguntou Musk.
“Não tenho certeza”, respondeu Hughes. “Vou descobrir.” Isso não era
bom. O rosto de Musk se fechou e Shotwell me olhou preocupada.
“No futuro, é melhor você ter certeza de que saiba essas coisas de cor”,
disse Musk. “Se chegar numa reunião e não souber quais são as peças
idiotas, sua demissão vai ser aceita imediatamente”, falou sem alterar a voz
nem demonstrar qualquer emoção. “Como você pode não saber quais são as
melhores e piores peças?”
“Eu conheço a planilha de custo nos mínimos detalhes”, comentou
Hughes em voz baixa. “Só não sei o custo das matérias-primas dessas
peças.”
“Quais são as cinco piores peças?”, perguntou Musk. Hughes olhou para
o computador para ver se conseguia calcular uma resposta. “NÃO! Não olhe
para a sua tela”, esbravejou Musk. “Diga só uma. Você deveria saber quais
são as peças problemáticas.”
“Tem a tampa da injeção”, disse Hughes hesitante. “Acho que custa 13
mil dólares.”
“É feita de apenas uma peça de aço”, retrucou Musk, passando a
interrogar o funcionário. “Quanto custa essa matéria-prima?”
“Acho que na casa dos milhares de dólares”, respondeu Hughes.
Musk sabia a resposta. “Não. É só aço. São uns 200 dólares. Você errou
feio. Se você não melhorar, sua demissão será aceita. Esta reunião acabou.
Chega.”

***

Quando Hughes entrou na sala de conferências no dia seguinte para uma


apresentação que continuaria a conversa, Musk não demonstrou que se
lembrava dele. “O que estamos vendo aqui são as vinte piores peças pelo
‘índice de idiotice’”, falou Hughes enquanto mostrava um slide. “Mas sem
dúvida há alguns temas.” Fora o fato de ter ficado mexendo num lápis, ele
conseguiu esconder o nervosismo. Musk escutou em silêncio e assentiu com
a cabeça. “São basicamente as partes que precisam de maquinário de alta
precisão, como bombas e carenagem”, prosseguiu Hughes. “Temos que
cortar o máximo de maquinário possível.” Musk começou a sorrir. Esse era
um dos objetivos dele. Musk fez algumas perguntas específicas sobre o uso
de cobre e o melhor jeito de selar e fazer furos. Já não era um interrogatório
ou um confronto. Musk estava interessado em saber as respostas.
“Estamos investigando algumas técnicas que as fábricas de automóveis
usam para manter esses custos baixos”, prosseguiu Hughes. Ele também
tinha montado um slide que mostrava como eles estavam aplicando o
algoritmo de Musk a cada uma das peças. Colunas exibiam quais
especificações haviam sido questionadas, quais peças tinham sido deletadas
e o nome da pessoa encarregada de cada componente.
“Devíamos perguntar a cada um para ver se eles podem reduzir o custo
da peça pela qual são responsáveis em 80%”, sugeriu Musk, “e, se eles não
conseguirem, devíamos pensar em pedir que saiam caso exista outra pessoa
capaz de fazer isso”.
No fim da reunião, eles tinham um mapa que mostrava como fazer com
que o custo de cada propulsor baixasse de 2 milhões para 200 mil dólares
dentro de doze meses.
Depois dessas reuniões, falei à parte com Shotwell e pedi que ela
avaliasse como Musk tinha tratado Hughes. Ela se importa com a dimensão
humana que Musk ignora. “Ouvi dizer que o Lucas perdeu o primeiro filho
faz umas sete semanas”, disse ela, com a voz mais baixa. “O bebê teve
problemas no parto e nunca chegou a sair do hospital.” A impressão de
Shotwell era a de que aquele fora o motivo para Hughes estar confuso e
menos preparado do que o normal. Considerando que Musk teve um
problema semelhante quando seu primeiro bebê morreu, deixando-o de luto
por meses, sugeri a Shotwell que ele devia conseguir entender a dor. “Eu
ainda não contei para o Elon”, falou ela.
Não mencionei isso a Musk quando conversamos mais tarde naquele dia,
porque Shotwell tinha me dito que era confidencial, mas perguntei se ele
achava ter sido duro demais com Hughes. Musk me olhou meio sem
expressão, como se não tivesse certeza sobre o que eu estava falando. Depois
de algum silêncio, ele me deu uma resposta vaga. “Eu dou um feedback
duro para as pessoas, basicamente correto, e tento não fazer isso de maneira
ad hominem”, diz ele. “Tento criticar a ação, não a pessoa. Todo mundo
comete erros. O que importa é se a pessoa evolui com o feedback, se é capaz
de pedir críticas a outros colegas e se pode melhorar. A física não se importa
com sentimentos feridos. Ela quer saber se você fez o foguete direito.”

A lição de Lucas
Um ano depois, decidi ver o que tinha acontecido com as duas pessoas que
Musk tinha criticado no verão de 2021, Lucas Hughes e Andy Krebs.
Hughes se lembrava nitidamente de cada momento. “Musk ficava
insistindo comigo sobre os custos da tampa da injeção”, diz. “Ele estava
certo sobre o custo da matéria-prima, e na hora eu não consegui explicar
direito os outros custos.” Quando Musk continuou interrompendo o que ele
dizia, Hughes recorreu ao treinamento como ginasta.
Ele fora criado em Golden, no Colorado, e era apaixonado por ginástica.
Desde os 8 anos, treinava trinta horas por semana. A ginástica ajudou
Hughes a ter um alto rendimento acadêmico. “Eu era superatento aos
detalhes, supercompetitivo, dedicado e disciplinado”, comenta. Em
Stanford, ele competiu em todas as seis modalidades masculinas, o que
exigiu treinamento ao longo do ano todo, ao mesmo tempo que cursava
engenharia e finanças. A aula favorita dele se chamava construindo o futuro
com materiais de engenharia. Quando se formou, em 2010, ele foi trabalhar
na Goldman Sachs, mas queria fazer algo mais próximo da engenharia de
verdade. “Eu era um nerd que adorava coisas espaciais quando criança”, diz,
de modo que ele se candidatou quando soube que a SpaceX tinha anunciado
uma vaga de analista financeiro. Hughes foi trabalhar lá em dezembro de
2013.
“Quando o Elon estava me dando aquela bronca, eu me concentrei muito
em tentar manter a compostura”, revela ele. “A ginástica te ensina a manter
a calma em situações de muita pressão. Eu só estava tentando manter a
calma e não desabar.”
Após a segunda reunião, quando já tinha todas as informações sobre o
“índice de idiotice” na ponta da língua, ele nunca mais teve problemas com
Musk. Sempre que surgiam questões relativas a custos em reuniões
posteriores sobre o Raptor, Musk costumava perguntar o que Hughes
achava, e o chamava pelo nome. Por acaso, Musk reconhecia que tinha
passado por cima dele como um trator? “Essa é uma boa pergunta”,
responde Hughes. “Não faço ideia. Não sei se ele internaliza essas reuniões
ou se lembra delas. Só sei que, depois disso, ele ao menos sabia o meu
nome.”
Pergunto se Hughes estava distraído na primeira reunião em função da
morte da filha. Ele faz uma pausa, talvez surpreso por eu saber disso, e
depois pede que eu não mencione isso no livro. Uma semana depois, porém,
ele me mandou um e-mail. “Conversei com a minha esposa, e não tem
problema se você contar a história.” Apesar da crença de Musk de que todo
feedback deve ser impessoal, às vezes as coisas são, na verdade, pessoais.
Shotwell entende isso. “Gwynne definitivamente se importa com as pessoas,
e acho que é importante que ela exerça esse papel na empresa”, opina
Hughes. “Elon se importa muito com a humanidade, mas com a
humanidade num sentido bem mais amplo.”
Tendo passado doze anos compenetrado em treinos de ginástica, Hughes
gostava da mentalidade superdedicada de Musk. “Ele está disposto a
simplesmente se jogar por completo nessa missão, e é isso o que ele espera
dos outros”, fala. “Isso tem um lado bom e um lado ruim. Você certamente
percebe que está sendo usado como ferramenta para atingir esse objetivo
maior, e isso é ótimo. As ferramentas, porém, ficam gastas, e ele acha que
pode simplesmente substituí-las.” Na verdade, como ele demonstrou ao
comprar o Twitter, Musk não vê as coisas assim. Ele acha que quando as
pessoas querem priorizar o conforto e o lazer, elas devem sair.
Foi o que Hughes fez em maio de 2022. “Trabalhar para o Elon é uma
das coisas mais empolgantes que você pode fazer, mas não sobra tempo para
mais nada na vida”, confessa ele. “Às vezes isso compensa. Se o Raptor se
tornar o propulsor mais acessível já criado e nos levar a Marte, os danos
colaterais vão ter valido a pena. Foi nisso que eu acreditei por mais de oito
anos. Mas agora, principalmente depois da morte de nosso bebê, é hora de
eu me concentrar em outras coisas na vida.”

A lição de Andy
Andy Krebs lidou de outra forma, pelo menos no começo. Assim como
Hughes, ele fala com tranquilidade e é naturalmente gentil, com uma
covinha no queixo e um sorriso largo, mas não fica tão à vontade quanto
Mark Juncosa e Kiko Dontchev quando vira alvo durante uma conversa com
Musk. Num encontro preparatório para uma reunião em que a equipe
discutia quem iria apresentar certos dados desagradáveis sobre vazamento de
metano, Krebs disse que não estaria presente, então Juncosa começou a
balançar os cotovelos e a cacarejar, querendo dizer que ele era covarde. No
entanto, Krebs tem moral com Juncosa e outras pessoas na Starbase, pois
acham que ele se saiu bem quando Musk o usou como alvo no incidente da
torre de lançamento que deu início à onda de trabalho.
Musk frequentemente se repete em reuniões. Em parte, o objetivo é dar
ênfase; em parte, é só uma invocação de um mantra, como num transe.
Krebs aprendeu que um modo de tranquilizá-lo era repetir o que ele dizia.
“Musk quer ter certeza de que você escutou”, comenta ele. “Então, aprendi a
repetir o feedback dele. Se ele diz que as paredes deviam ser amarelas, eu
digo: ‘Entendi, isso não deu certo, vamos pintar as paredes de amarelo.’”
O método funcionou naquela noite na torre de lançamento. Embora
Musk às vezes pareça não perceber como as pessoas estão reagindo, ele pode
ser bom em determinar quem é capaz de lidar com situações difíceis. “Eu
acho, na verdade, que o Krebs sabia que tinha feito besteira”, diz Musk. “A
reação dele ao feedback foi boa. Consigo trabalhar com as pessoas se elas
têm uma reação boa a feedbacks importantes.”
Como resultado, perto da meia-noite de uma sexta-feira, poucas semanas
depois da onda, Musk ligou para Krebs e deu a ele novas atribuições em
Boca Chica, entre as quais a tarefa importantíssima de colocar os
propelentes nos motores. “Ele vai reportar diretamente a mim”, escreveu
Musk num e-mail para a equipe. “Por favor, deem a ele todo o apoio
possível.”
Certo domingo, poucos meses depois, quando a Starship estava
novamente sendo montada na torre de lançamento, o vento aumentou e
alguns dos funcionários não quiseram subir até o topo da torre, onde havia
trabalho a ser feito, como a remoção do revestimento e a feitura das
conexões necessárias. Por isso, o próprio Krebs subiu e começou a fazer o
trabalho. “Eu precisava garantir que todos os funcionários continuassem
motivados”, fala ele. Perguntei se ele tinha feito isso por ter sido inspirado
por Musk, que gostava de ser um general na frente de batalha, ou se fora
por medo. “É como Maquiavel ensinava”, respondeu Krebs. “Você precisa
sentir medo e amor pelo líder. As duas coisas.”
Essa atitude sustentou Krebs por mais dois anos. Contudo, no início de
2023, ele se tornou mais um refugiado da estratégia superintensa de Musk.
Depois de se casar e ter um filho, decidiu que era hora de seguir em frente e
encontrar um equilíbrio melhor entre trabalho e vida pessoal.
capítulo 60
Onda solar
Verão de 2021

Inspecionando uma instalação de telhado solar juntamente com Brian Dow na


ponta direita
Os surtos de Musk são sequenciais. Depois da onda de trabalho na
montagem da Starship no verão de 2021, o próximo grupo na linha de fogo
dele era a equipe dos telhados solares.
Musk havia ajudado os primos Peter e Lyndon Rive a lançar a SolarCity
em 2006, e salvou a empresa dez anos depois ao fazer a Tesla comprá-la por
2,6 bilhões de dólares. Isso provocou uma ação judicial coletiva dos
acionistas da Tesla, o que fez Musk ficar obcecado em tirar o máximo do
negócio para poder justificar a aquisição na Justiça. Ele demitiu os primos,
que haviam se concentrado na venda de porta em porta em vez de fazer um
bom produto. “Eu odeio meus primos”, disse a Kunal Girotra, um dos
quatro chefes da Tesla Energy que ele contratou e demitiu ao longo dos
cinco anos seguintes. “Não acho que eu vá falar com eles de novo.”
Musk contratava chefes, exigia uma taxa de crescimento milagrosa na
instalação dos telhados, dava prazos insanos para que isso fosse feito e
demitia os chefes quando fracassavam.
Girotra foi substituído por um capitão reformado do Exército norte-
americano de queixo quadrado chamado RJ Johnson, que contratou
supervisores sem frescura para gerir as equipes de instalação. No início de
2021, quando o número de instalações não estava crescendo rápido o
suficiente, Musk chamou Johnson e deu o ultimato de costume. “Você tem
duas semanas para consertar isso. Demiti meus primos e vou demitir você se
não conseguir fazer as instalações dez vezes mais rápido.” Johnson não
conseguiu.
Depois veio Brian Dow, um guerreiro feliz com um entusiasmo de quem
achava que conseguiria fazer tudo e que havia trabalhado ao lado de Musk
durante a onda de produção na fábrica de baterias de Nevada em 2017. Ele
começou bem. Musk, sentado diante da pequena mesa na sua sala de estar
em Boca Chica, telefonou para Dow na Califórnia para falar sobre o que
queria. “Não se preocupe com as táticas de vendas, que foram um erro dos
meus primos”, disse. “Produtos incríveis crescem no boca a boca.” O
objetivo principal era fazer um excelente telhado solar que fosse fácil de
instalar.
Como sempre, ele invocou para Dow os passos do algoritmo e procedeu
mostrando como deveriam ser aplicados ao telhado solar. “Questione todas
as especificações.” Eles deveriam questionar sobretudo a exigência de que os
instaladores devem desviar de cada tubo de ventilação e chaminé da casa. Os
tubos para secadoras e ventiladores deveriam ser simplesmente cortados fora
e as telhas, colocadas em cima deles, sugeriu. O ar ainda conseguiria passar
sob as telhas. “Delete.” O sistema de telhado tinha 240 peças diferentes, de
parafusos a braçadeiras para trilhos. Mais da metade deveria ser eliminada.
“Simplifique.” O site deveria oferecer só três tipos de telhado: pequeno,
médio e grande. Depois disso, a meta era “acelerar”. Instalar o máximo de
telhados possível por semana.
Musk decidiu que precisava descobrir com os instaladores o que poderia
ser feito para acelerar as coisas. Então, certo dia em agosto de 2021, ele
disse a Dow que fosse a Boca Chica com uma equipe que pudesse instalar
um telhado em uma das 31 casas do conjunto habitacional na subdivisão
vizinha à Starbase, onde ele morava.
Enquanto os trabalhadores de Dow corriam para ver se podiam instalar
um telhado em um dia, Musk passou a tarde na sala de conferências
revisando os desenhos para futuros foguetes e motores. Como sempre, as
reuniões duraram mais do que o previsto, com Musk propondo novas ideias
e permitindo que as conversas saíssem pela tangente. Dow esperava que
Musk chegasse ao local antes do pôr do sol, mas já eram quase nove da
noite quando ele finalmente entrou no Tesla, dirigiu até a casa dele para
pegar X e então o levou nos ombros por uma quadra até onde os
instaladores estavam trabalhando.
Mesmo àquela hora, fazia 34ºC e a noite estava abafada. Oito
trabalhadores suados espantavam mosquitos enquanto tentavam manter o
equilíbrio em cima do telhado da casa, que estava sendo iluminada por
holofotes. Enquanto X brincava entre os fios e equipamentos embaixo,
Musk subiu por uma escada até o topo do telhado, onde ficou em pé
precariamente. Ele não estava feliz. Disse que havia prendedores demais.
Cada um precisava ser pregado, o que aumentaria o tempo de instalação.
Musk insistiu que metade deveria ser eliminada. “Em vez de dois pregos em
cada pé, tente com um só”, mandou. “Se passar um furacão, a vizinhança
toda está ferrada, então quem se importa? Um prego só está bom.” Alguém
reclamou e argumentou que isso poderia causar infiltrações. “Não precisa ser
tão impermeável quanto um submarino”, falou ele. “Minha casa na
Califórnia tinha infiltrações. Algo que fique entre uma peneira e um
submarino deve funcionar.” Por um instante, Musk riu antes de voltar à
intensidade sombria que lhe era própria.
Nada era um mero detalhe. As telhas e as grades eram enviadas para os
locais em embalagens de papelão. Isso era desperdício. Levava tempo para
empacotar e depois desembalar as coisas. Livrem-se do papelão, decretou
ele, até mesmo nos armazéns. Os funcionários deveriam enviar fotos das
fábricas, dos armazéns e dos locais de instalação para ele a cada semana,
para mostrar que não estavam mais usando papelão.
O rosto de Musk ficou cada vez mais fechado e sombrio, como os céus
que prenunciam uma tempestade vinda do golfo. “Precisamos trazer os
engenheiros que projetaram esse sistema aqui para que vejam como é difícil
de instalá-lo”, disse com raiva. Depois, explodiu: “Quero ver os próprios
engenheiros instalando isso aqui. E não apenas por cinco minutos. Quero
vê-los em pé em cima do telhado por dias, dias!” Ele decretou que, no
futuro, todo mundo em uma equipe de instalação, até mesmo os
engenheiros e gerentes, tinham que passar tempo furando e pregando e
suando como os outros trabalhadores.
Quando finalmente voltamos para o chão, Brian Dow e seu assessor,
Marcus Mueller, reuniram uma dezena de engenheiros e instaladores ao
lado do jardim para ouvir as ideias de Musk. Não foi agradável. Ele quis
saber por que levava oito vezes mais tempo para instalar um telhado solar do
que um com telhas normais. Um dos engenheiros, chamado Tony, começou
a mostrar para Musk os fios e as partes eletrônicas. Musk já conhecia o
funcionamento de cada componente, e Tony cometeu o erro de parecer
confiante e condescendente. “Quantos telhados você instalou?”, perguntou
Musk para ele.
“Tenho vinte anos de experiência no ramo de telhados”, respondeu Tony.
“Mas quantos telhados solares você já instalou?”, insistiu Musk.
Tony explicou que era um engenheiro, por isso não tinha estado em um
telhado fazendo a instalação. “Então você não sabe do que está falando”,
disse Musk. “É por isso que os seus telhados são uma merda e levam tanto
tempo para serem instalados.”
Por mais de uma hora, a raiva de Musk fluiu e refluiu, mas
principalmente refluiu. Se eles não descobrissem maneiras de instalar os
telhados mais rápido, a divisão Tesla Energy continuaria perdendo dinheiro
e ele iria fechá-la. Isso seria um revés não só para a Tesla, mas também para
o planeta, segundo ele. “Se fracassarmos”, disse Musk, “não vamos ter um
futuro de energia sustentável”.
Dow, ansioso por agradar, concordou fervorosamente com cada
declaração. Eles haviam estabelecido um recorde na semana anterior ao
instalar 74 telhados em todo o país. “Não é o suficiente”, declarou Musk.
“Precisamos multiplicar isso por dez.” Depois, caminhou uma quadra de
volta para a sua pequena casa, e parecia irritado. Quando chegou à porta da
frente, se virou e disse: “Reuniões de telhados solares são como facas nos
meus olhos.”
No dia seguinte, ao meio-dia, a temperatura chegou a 36ºC na sombra
— e não havia sombra. Dow e os instaladores estavam em cima de uma casa
que ficava ao lado daquela em que eles tinham feito uma instalação no dia
anterior. Dois dos instaladores sucumbiram ao calor e começaram a vomitar,
de modo que Dow os mandou para casa. Alguns dos que ficaram colocaram
ventiladores nos coletes de segurança. Por instrução de Musk, eles estavam
usando apenas um prego para cada telha, mas sem sucesso. As telhas saíam
do lugar e se viravam. Então, a equipe voltou a usar dois pregos. Perguntei a
Musk se aquilo o irritaria, e ele me assegurou de que, se lhe mostrassem
evidências físicas, ele mudaria de opinião.
Eles tinham razão. Quando Musk chegou, às nove da noite, mostraram a
ele por que precisavam do segundo prego, e ele concordou. Fazia parte do
algoritmo: se não tiver que recolocar 10% das peças que eliminou, então
você não eliminou o bastante. Ele estava mais de bom humor na segunda
noite, em parte porque o processo de instalação melhorou e em parte porque
o humor dele muda muito. Depois da tempestade vem a bonança. “Bom
trabalho, pessoal”, elogiou Musk. “Vocês deveriam cronometrar cada passo.
Isso vai tornar tudo mais divertido, como um jogo.”
Perguntei sobre a raiva dele na noite anterior. “Não é minha maneira
favorita de resolver as coisas, mas funciona”, comentou. “As melhorias de
ontem para hoje foram gigantescas. A grande diferença é que hoje os
engenheiros estão realmente no telhado instalando em vez de ficarem
apenas diante do teclado.”

***
A disposição de Brian Dow nunca diminuiu. “Sou a pessoa que vai
literalmente varrer o chão se isso for ajudar a empresa”, disse ele para Musk.
Apesar disso, ele tinha uma tarefa impossível. O negócio de instalar
telhados solares exige muito trabalho, e não dá para ser feito em escala.
Musk era um mestre em desenhar fábricas que poderiam reduzir o custo dos
produtos físicos ao produzi-los em quantidades cada vez maiores, mas o
custo de cada instalação de telhado não se altera se você instalar dez ou cem
por mês. Musk não tinha paciência para esse tipo de empreendimento.
Apenas três meses depois de contratá-lo para dirigir o negócio de
telhados solares da Tesla, Musk convocou Dow de volta a Boca Chica. Era
aniversário de Dow, e ele tinha planejado ficar com a família, mas correu
para ir até lá. Quando perdeu a conexão em Houston, alugou um carro,
dirigiu seis horas pela costa do Texas e chegou às onze da noite. Uma equipe
estava refazendo o telhado na mesma casa em que havíamos estado em
agosto, dessa vez com novos métodos e componentes. Quando Dow
chegou, Musk estava em pé no topo do telhado, e as coisas pareciam estar
correndo bem o bastante. “A equipe está indo bem usando nossos novos
métodos”, diz Dow. “Estavam terminando a instalação em apenas um dia.”
No entanto, quando Dow subiu e se juntou a ele no topo, Musk começou
a questioná-lo sobre valores. Dow é um homem grande, maior do que
Musk, e eles estavam com dificuldade para se manter em pé no telhado,
escorregadio devido à maresia. Então, eles se sentaram no topo enquanto
Dow revisava as cifras em seu iPhone. O queixo de Musk endureceu
quando ele viu quanto dinheiro estavam perdendo em cada telhado
instalado. “Você precisa cortar custos”, falou. “Tem que me mostrar um
plano na semana que vem para reduzir os custos pela metade.” Assim como
antes, Dow demonstrou entusiasmo. “Ok, vamos nessa”, falou. “Vamos
arrasar e reduzir custos.”
Ele passou todo o fim de semana trabalhando em um plano de corte de
custos para apresentar para Musk na segunda. Contudo, assim que a reunião
começou, Musk mudou de assunto e questionou Dow sobre quantas
instalações haviam sido concluídas na semana anterior e pediu detalhes
sobre a redistribuição de pessoal. Dow não tinha algumas das respostas, e
reclamou que estava trabalhando desde o aniversário dele no plano para
reduzir custos, não nos detalhes sobre os quais Musk o questionava agora.
“Obrigado por tentar”, disse Musk finalmente, “mas não está dando certo”.
Dow levou um minuto para perceber que estava sendo demitido. “Foi a
demissão mais estranha que você pode imaginar”, comentou Dow depois.
“Já tínhamos passado por muitas coisas juntos, e no fundo Elon sabe que
tenho algo de especial. Ele sabe que dou conta do recado, porque já fizemos
isso no passado, na fábrica de baterias de Nevada. Mas ele achava que eu
estava perdendo o jeito, apesar de eu ter perdido meu aniversário com
minha família para estar em cima daquele telhado com ele.”
Após a saída de Dow, Musk ainda não havia conseguido acertar os
números. Um ano depois, a Tesla Energy estava instalando cerca de trinta
telhados por semana, muito longe dos mil telhados que Musk ficava
insistindo que fizessem. Todavia, o fervor em resolver o problema cedeu em
abril de 2022, quando um tribunal em Delaware decidiu a favor de Musk
em um processo pela compra da SolarCity pela Tesla. Com aquela ameaça
encerrada, ele não se sentia mais tão desesperado assim para mostrar que a
aquisição fazia sentido do ponto de vista das finanças.
capítulo 61
Luzes apagadas
Verão de 2021

Com Maye, no palco do Saturday Night Live, e com Grimes em uma festa
Saturday Night Live
“A quem quer que eu tenha ofendido, só quero dizer que reinventei os carros
elétricos e estou enviando pessoas a Marte num foguete espacial. Você acha
que eu seria um cara tranquilo, normal?” Musk sorriu timidamente
enquanto fazia o monólogo de abertura como apresentador convidado do
Saturday Night Live. Alternando o peso de uma perna para outra, ele estava
fazendo um trabalho passável ao tentar transformar estranheza em charme.
Este era o objetivo dele: mostrar-se que estava consciente das próprias
limitações emocionais. Com a ajuda da capacidade infalível do produtor
Lorne Michaels de fazer um convidado se sair bem, Musk usou a
participação como anfitrião em maio de 2021 para suavizar sua imagem.
“Na verdade, estou entrando para a história esta noite como a primeira
pessoa com Asperger a apresentar o SNL — ou pelo menos a primeira a
admitir isso”, disse. “Não vou fazer muito contato visual com o elenco aqui
hoje, mas não se preocupem, sei fazer o modo ‘humano’ do meu emulador
funcionar muito bem.”
Era Dia das Mães, então Maye teve a chance de subir ao palco. No
ensaio, na sexta-feira, ela leu os cartazes com as falas e disse: “Isso não é
engraçado.” Então recebeu permissão para improvisar algumas falas, e fez
isso. “Deixamos mais real e engraçado”, opina ela. Grimes também
apareceu, em um quadro inspirado no jogo Super Mario Bros. Uma ideia que
eles ensaiaram, em que a piada era com alguns dos tuítes antiwoke de Musk,
envolvia-o representando um James Bond totalmente woke, mas não
funcionou, e essa parte foi cortada do programa.
A festa pós-programa aconteceu na badalada casa de shows de Ian
Schrager, o Public Hotel, que estava fechada por causa da covid, mas
reabriu só para o evento. Chris Rock, Alexander Skarsgård e Colin Jost
estavam lá junto com Grimes, Kimbal, Tosca e Maye. Elon foi embora por
volta das seis da manhã e rumou, com Kimbal e algumas outras pessoas,
para a casa de Tim Urban, o blogueiro, onde ficou acordado por mais
algumas horas conversando. “Ele é um cara tão nerd que na infância não
sabia cair na farra”, diz Maye, “mas agora já compensou isso”.
Aniversário de 50 anos
Musk costumava comemorar seus aniversários com festas à fantasia
elaboradas. Principalmente as que Talulah Riley coreografava. Entretanto,
quando chegou ao marco de 50 anos, em 28 de junho de 2021, ele havia
acabado de se submeter à terceira cirurgia no pescoço para aliviar a dor da
lesão que sofrera ao tentar derrubar um lutador de sumô na festa de
aniversário de 42 anos. Então, decidiu fazer só uma reunião tranquila com
amigos próximos em Boca Chica.
No trajeto de saída do aeroporto de Brownsville, Kimbal comprou a
maioria dos fogos de artifício em uma banca de beira de estrada, os quais
disparou com os filhos mais velhos de Elon, Griffin, Kai, Damian e Saxon.
Eram fogos de artifício de verdade, não pequenos e fracos foguetes de
garrafa, porque, como Kimbal explica, “no Texas você pode fazer o que
quiser”.
Além da dor no pescoço, Musk estava exausto do trabalho. Ele havia
passado o dia andando pelas tendas de produção em Boca Chica, onde se
irritou com a complexidade da seção que ligava o foguete auxiliar da
Starship com a espaçonave de segundo estágio. “Há tantas aberturas na
cobertura que parece um queijo suíço!”, reclamou ele em um e-mail para
Mark Juncosa. “O tamanho dos buracos para antenas deveria ser mínimo —
só o suficiente para passar o fio. Todas as cargas e outras exigências de
design devem ter um nome individual atribuído a elas. Nada de design
coletivo.”
Durante boa parte do fim de semana de aniversário, os amigos dele o
deixaram sozinho para que pudesse dormir. Quando finalmente acordou,
reuniu todo mundo para um jantar no Flaps, o restaurante para funcionários
que a SpaceX havia construído perto da base de lançamento. Depois, todos
foram para a pequena casa dele e se reuniram no estúdio ainda menor, que
ficava na cabana no quintal em que Grimes trabalhava. Havia apenas
almofadões no chão, e eles simplesmente ficaram ali, Musk deitado no chão
com uma almofada sob o pescoço, e conversaram até o dia raiar.

Burning Man 2021


Para Elon e Kimbal, ir ao Burning Man — o imenso festival de arte e
autoexpressão que acontece no fim do verão no deserto de Nevada — era,
desde o fim dos anos 1990, um ritual espiritual importante e uma chance
para criar vínculos, dançar e festejar em um acampamento com Antonio
Gracias, Mark Juncosa e outros amigos. Depois que o evento foi cancelado
em 2020 por causa da covid, Kimbal assumiu o papel de captar recursos para
garantir que ele voltaria no fim do verão de 2021. Elon concordou em
colaborar com 5 milhões de dólares, com a condição de que Kimbal entrasse
para o conselho.
Na primeira reunião, em abril de 2021, Kimbal ficou chocado ao ver que
o conselho tinha decidido cancelar o evento daquele verão também. “Vocês
estão brincando?”, perguntava repetidas vezes. Ele e alguns dos outros
baluartes do Burning Man organizaram um “Renegade Burn” não
autorizado no mesmo local. Cerca de 20 mil participantes, em vez dos
tradicionais 80 mil, apareceram, mas isso conferiu ao evento um clima
intimista e rebelde, igual ao que o festival tinha nos primórdios. Como o
festival não tinha alvará, eles não podiam fazer a enorme fogueira ritual em
que se queimava uma efígie de madeira que dá nome ao festival, de modo
que Kimbal trabalhou com um amigo para reproduzir o visual do homem
em chamas usando luzes de drones. “Esta é uma experiência religiosa para
uma comunidade leal”, disse Kimbal. “O homem deve ser queimado! E
queimou.”
Elon foi apenas para a noite de sábado e ficou no acampamento de
Kimbal, situado em volta de uma tenda em formato de lótus que tinha
espaço para quarenta pessoas dançarem ou apenas ficarem por lá. Como
costumava ser o caso, desencadeou-se uma crise — dessa vez, reuniões sobre
problemas na cadeia de suprimentos da Tesla —, o que servia de desculpa
para ele não tirar muito tempo de folga.
Grimes foi com Elon, mas o relacionamento não andava bem. Os
romances dele frequentemente envolviam uma quantidade enorme e nada
saudável de mesquinhez mútua, e com Grimes não foi diferente. Às vezes
ele parecia prosperar na tensão, e exigia que Grimes fizesse coisas como
constrangê-lo por estar gordo. Quando chegaram ao Burning Man, os dois
entraram no trailer deles e não saíram por horas. “Eu te amo, mas não te
amo”, disse Musk a ela. Grimes respondeu que se sentia da mesma forma.
Eles estavam esperando outro filho via barriga de aluguel para o fim do ano,
e concordaram que seria mais fácil para ambos ser pai e mãe se não
estivessem envolvidos romanticamente, de modo que terminaram.
Grimes depois expressou seus sentimentos em uma música na qual estava
trabalhando, “Player of Games”... Um título adequado em muitos níveis
para o maior de todos em jogos de estratégia:

If I loved him any less


I’d make him stay
But he has to be the best
Player of games...
I’m in love with the greatest gamer
But he’ll always love the game
More than he loves me
Sail away
To the cold expanse of espace
Even love
Couldn’t keep you in your place*

Met Gala, setembro de 2021


O término com Grimes não durou muito, ou pelo menos não totalmente.
Em vez de terminar, o relacionamento deles se tornou uma montanha-russa
de companheirismo, criação conjunta de filhos, fuga da solidão,
estabelecimento de limites, afastamento, bloqueios, mensagens sem
respostas e reencontros.
Algumas semanas depois do Burning Man, eles foram do sul do Texas
para Nova York com a finalidade de participar do Met Gala, o espetáculo
extravagante de fantasias que Grimes adorava. Eles ficaram com Maye no
pequeno apartamento dela em Greenwich Village. Musk havia acabado de
enviar seu avião para buscar um recém-comprado cachorro shiba inu — raça
que é o rosto da criptomoeda Dogecoin — chamado Floki. Ele também
levou seu outro cachorro, Marvin, que não se dava bem com Floki. Nenhum
dos dois era adestrado. O apartamento de dois quartos de Maye virou uma
arena.
A roupa que Grimes preparou para o baile era uma homenagem a Duna,
o livro de ficção científica adaptado em filme: um vestido transparente com
capa preta, uma máscara prateada e uma espada. Musk não deixara claro se
iria ou não, e, numa decisão nada surpreendente, encontrou uma desculpa
de trabalho para evitar chegar no início da festa. Um foguete Falcon 9
estava sendo lançado naquela noite, e uma confusão burocrática causara um
atraso na obtenção de permissão para a espaçonave reentrar no espaço aéreo
indiano. Isso foi resolvido de pronto e provavelmente não exigia a atenção
dele, mas Musk amava se jogar nos dramas do trabalho, grandes ou
pequenos.
Depois do baile, ele e Grimes deram uma festa no badalado clube Zero
Bond, no bairro de NoHo, em Manhattan. Leonardo DiCaprio e Chris
Rock estavam entre as celebridades presentes. Contudo, durante a maior
parte da festa, Musk ficou na sala dos fundos, fascinado pelos truques de um
mágico. “Fui chamar o Elon para ir lá na frente cumprimentar as pessoas,
mas ele queria ficar vendo o mágico”, disse Maye.
Tendo alcançado o auge da fama no verão de 2021, Musk achou a
situação empolgante, mas estranha. No dia seguinte, eles foram ver uma
instalação que Grimes havia feito como parte de uma badalada exposição
audiovisual no Brooklyn, que apresentava uma animação na qual ela
representava uma ninfa guerreira que vivia em um futuro distópico. De lá,
rumaram direto para o jato de Musk e voaram até Cabo Canaveral para
acompanhar a tentativa da SpaceX de ser a primeira empresa privada a
lançar civis no espaço. A realidade dele era capaz de superar a fantasia.

* “Se eu o amasse menos/ Faria com que ele ficasse/ Mas ele tem que ser o melhor/ Jogador/ Estou
apaixonada pelo maior jogador/ Mas ele sempre vai amar o jogo/ Mais do que me ama/ Navegue para
longe/ Para a fria imensidão do espaço/ Nem mesmo o amor/ Conseguiu te segurar aqui.” [N. da T.]
capítulo 62
Inspiration4
SpaceX, setembro de 2021

Jared Isaacman, e Musk com Hans Koenigsmann


Os voos de julho de 2021 de Branson e Bezos haviam levantado uma
questão. Musk iria seguir esse caminho e se tornar o terceiro bilionário a se
lançar no espaço? Apesar de ter um apetite voraz por atenção e aventuras
arriscadas, ele nunca cogitou a ideia. Musk insistia que a missão dele tinha a
ver com a humanidade, não consigo mesmo, o que soava grandioso, mas não
era bem verdade. A ideia de que foguetes eram brinquedos de meninos
bilionários ameaçava deixar as pessoas com má impressão acerca das viagens
de cidadãos comuns ao espaço.
Em vez disso, para o primeiro voo civil da SpaceX, ele escolheu Jared
Isaacman, um empreendedor da área de tecnologia e piloto de avião
discreto, que aparentava a humildade calma de um aventureiro de queixo
quadrado respeitado em tantos campos que não precisava mais ser
imprudente. Isaacman havia largado a escola no ensino médio, aos 16 anos,
para trabalhar em uma empresa de processamento de pagamentos, e depois
fundou uma empresa, a Shift4 Payments, que movimentava mais de 200
bilhões de dólares em pagamentos todos os anos para restaurantes e redes
hoteleiras. Ele se tornou um piloto bem-sucedido, que fazia shows aéreos e
conquistara um recorde mundial ao dar a volta ao mundo num jato leve em
62 horas. Depois, cofundou uma empresa que tinha 150 jatos e realizava
treinamentos para empreiteiras militares e de defesa.
Isaacman comprou da SpaceX o direito de comandar um voo de três dias
— chamado Inspiration4 — que se tornaria a primeira missão orbital
privada da história. O propósito dele era arrecadar dinheiro para o St. Jude
Children’s Research Hospital em Memphis, e ele convidou uma
sobrevivente de câncer nos ossos de 29 anos, Hayley Arceneaux, para se
juntar à equipe, junto com outros dois civis.
Uma semana antes da data programada para o lançamento, Musk fez
uma reunião por telefone com a equipe da SpaceX para se prepararem.
Como era comum em missões tripuladas, ele fez o discurso-padrão sobre
segurança. “Quero que qualquer um com preocupações ou qualquer
sugestão escreva diretamente para mim”, disse.
No entanto, ele sabia que grandes aventuras envolviam riscos, e sabia
também — assim como Isaacman — que para aventureiros era importante
correr riscos. No início da ligação, eles abordaram um risco que havia se
tornado público. “Há um risco sobre o qual queremos informá-lo”, falou um
dos gerentes de voo para Musk. “Estamos planejando voar mais alto do que
uma missão típica até a estação espacial e do que a maioria das outras
experiências em voo espacial tripulado.” De fato, a cápsula Dragon, da
SpaceX, iria orbitar a uma altitude de 364 milhas (585 quilômetros). Essa
era a órbita mais alta para qualquer equipe humana desde a missão que o
ônibus espacial fez para atender ao telescópio espacial Hubble em 1999. “O
risco de colidir com detrito orbital é realmente grande”, afirmou o gerente.
Detrito orbital é o lixo que flutua pelo espaço, oriundo de naves espaciais
e satélites desativados e outros objetos feitos por humanos. Na época do
lançamento da Inspiration4, havia 129 milhões de objetos no espaço que
eram pequenos demais para serem rastreados. Muitas espaçonaves haviam
sido danificadas por eles. A enorme altitude da missão piorava a situação: o
lixo e os detritos persistem por mais tempo em altitudes maiores, nas quais
há menos arrasto para queimá-los ou derrubá-los na Terra. “Receamos que a
penetração de algum detrito na cabine ou alguma avaria nos escudos
térmicos possa comprometer o veículo durante a reentrada”, declarou o
responsável.
Hans Koenigsmann, que Musk queria que se aposentasse, havia sido
substituído como vice-presidente de segurança de voo por Bill
Gerstenmaier, um ex-oficial casca-grossa da NASA conhecido como Gerst.
Ele descreveu para Musk a recomendação da equipe de segurança para
reduzir o risco: mudar a maneira como a cápsula Dragon fica posicionada
enquanto orbita a Terra, o que diminuiria a exposição aos detritos. Uma
mudança excessiva faria os radiadores esfriarem demais, mas eles haviam
chegado a um consenso sobre como equilibrar os dois riscos. Com a posição
original, o risco de colisão com detritos era de 1 em 700. A nova posição
reduziria o risco para 1 em 2 mil. Nesse quesito, porém, ele mostrou um
slide com um alerta grave: “Há uma incerteza significativa quanto ao risco
previsto.” Musk aprovou o plano.
Gerstenmaier prosseguiu observando que havia uma abordagem ainda
mais segura: voar mais baixo. “Há órbitas potenciais em altitudes mais
baixas”, disse, “incluindo descer para 190 quilômetros”. Eles já haviam
determinado como atingir essa altura reduzida e chegar ao local de pouso
como planejado.
“Por que não vamos fazer isso?”, perguntou Musk.
“O cliente quer ir mais alto do que a Estação Espacial Internacional”,
explicou Gerstenmaier, referindo-se a Isaacman. “Ele realmente quer ir o
mais alto que puder. Nós o informamos a respeito dos detritos orbitais. Ele
e a equipe entendem o risco e o aceitam.”
“Certo, ótimo”, respondeu Musk, que respeitava pessoas dispostas a
correr riscos. “Acho que é justo, desde que ele esteja informado de tudo.”
Depois, quando perguntei por que ele não havia optado pela altitude
mais baixa, Isaacman disse: “Se vamos voltar à Lua e ir a Marte, temos que
sair um pouco de nossa zona de conforto.”

***

A última vez que civis haviam sido lançados em órbita fora em 1986, na
missão do ônibus espacial Challenger, que levava a professora Christie
McAuliffe e explodiu um minuto após a decolagem. Grimes achava que essa
era uma ferida que os Estados Unidos precisavam curar, e a Inspiration4
faria isso. Por isso, ela assumiu o papel de “feiticeira mestra”, e lançou
feitiços de boa sorte no foguete antes do lançamento.
Como sempre ocorria durante momentos de tensão, Musk distraía a
mente pensando no futuro. Sentado na sala de controle ao lado de Kiko
Dontchev, que estava tentando se concentrar na contagem regressiva, ele
ficou fazendo perguntas sobre o sistema da Starship que estava sendo
construído em Boca Chica e sobre como convencer os engenheiros a sair da
Flórida e se mudar para lá.
Hans Koenigsmann estava participando de seu último lançamento.
Depois de trabalhar por vinte anos na SpaceX, desde o grupo destemido que
lançou os voos originais da Falcon 1 em Kwaj, Musk foi empurrando o ex-
parceiro para fora após o relatório que ele escreveu sobre a desobediência às
ordens meteorológicas da FAA. Depois que o foguete Inspiration4 decolou,
ele se aproximou e abraçou desajeitadamente Musk para se despedir. “Fiquei
preocupado com a possibilidade de eu acabar ficando um pouco chateado ou
emotivo”, confessa Koenigsmann. “Trabalhei lá mais tempo do que todos os
outros.”
Eles conversaram por alguns minutos sobre quão importante era essa
missão civil para a história da exploração do espaço. Quando Koenigsmann
estava saindo, Musk voltou a atenção para o telefone a fim de checar seu
feed no Twitter. Grimes deu um cutucão nele: “É a última missão dele”,
disse ela.
“Eu sei”, replicou Musk, olhando para Koenigsmann e acenando.
“Não fiquei ofendido”, diz Koenigsmann. “Musk se importa muito, mas
não é emocionalmente carinhoso.”

***

“Parabéns a @elonmusk e à equipe da @SpaceX pelo lançamento bem-


sucedido da Inspiration4 na noite passada”, tuitou Bezos. “Mais um passo
em direção a um futuro no qual o espaço é acessível a todos nós.” Musk
respondeu educadamente, mas de modo sucinto: “Obrigado.”
Isaacman estava tão empolgado que ofereceu 500 milhões de dólares por
três voos futuros, em que iria tentar alcançar uma órbita ainda mais alta e
fazer uma caminhada espacial usando um novo traje desenhado pela
SpaceX. Ele também pediu o direito de ser o primeiro cliente privado da
Starship quando ela estivesse pronta.
Outros clientes potenciais também tentaram reservar voos. Um deles, um
promotor de lutas de MMA, queria realizar uma luta em gravidade zero no
espaço. Musk falou aos risos sobre a ideia certa noite enquanto tomava
drinques em Boca Chica. “Não queremos fazer isso”, disse Bill Riley.
“Por que não?”, perguntou Musk. “Gwynne disse que pagariam meio
bilhão de dólares.”
“Vamos perder o equivalente em reputação”, respondeu Sam Patel, o
engenheiro responsável por construir a Starbase.
“É, não deve ser algo que devemos fazer tão cedo”, concordou Musk. “Só
depois que entrar em órbita talvez passe a ser uma coisa banal.”

***

A missão Inspiration4, lançada por uma empresa privada para cidadãos


privados, foi o prenúncio de uma nova economia orbital, cheia de
empreendimentos empresariais, satélites comerciais e grandes aventuras. “A
SpaceX e Elon são uma história de sucesso incrível”, comentou o
administrador da NASA, Bill Nelson, na manhã seguinte. “Existe uma
sinergia entre o setor público e o setor privado, e tudo isso em prol da
humanidade.”
Processando o significado do lançamento, Musk se tornou filosófico ao
seu modo O guia do mochileiro das galáxias. “Construir carros elétricos em
massa era inevitável”, disse. “Isso teria acontecido sem a minha intervenção.
Mas se tornar uma civilização que viaja pelo espaço não é inevitável.”
Cinquenta anos antes, os Estados Unidos haviam enviado um homem à
Lua, mas desde então não houve mais progresso — muito pelo contrário. O
ônibus espacial só voava em órbitas baixas, e depois que foi aposentado os
Estados Unidos não tinham nem mais como fazer isso. “A tecnologia não
progride automaticamente”, disse Musk. “Esse voo é um grande exemplo de
como o progresso exige ação humana.”
capítulo 63
Mudanças no Raptor
SpaceX, 2021

Jake McKenzie no alto de um galpão; a construção de tendas e galpões em Boca


Chica
Modo engenheiro
“Minha rede neural está acesa feito os fogos de artifício em um 4 de Julho”,
exultou Musk. “Isso é o que eu mais gosto de fazer: iterar com engenheiros
incríveis!” Ele estava sentado na sala de conferências da Starbase em Boca
Chica, no início de setembro de 2021, com um corte de cabelo em dégradé
que parecia ter sido feito pelo barbeiro de um líder norte-coreano prestes a
ser executado. “Eu mesmo corto”, disse ele aos engenheiros. “Fiz outra
pessoa cortar atrás.”
Nas semanas anteriores, Musk vinha alternando períodos de desespero e
fúria com o motor da Starship, o Raptor, que tinha se tornado complexo,
caro e difícil de fabricar. “Quando vejo um cano que custa 20 mil dólares,
me dá vontade de enfiar um garfo no olho”, comentou ele. Musk anunciou
que, no futuro, realizaria reuniões em sua sala de conferências da SpaceX
com a equipe do Raptor às oito da noite, todas as noites, inclusive nos fins
de semana.
Musk tinha um interesse especial pela massa de materiais usados. A
espessura do cilindro do motor era igual à do domo, ressaltou ele, mesmo
que os dois sofressem pressões diferentes. “O que está acontecendo?”,
perguntou. “Tem uma tonelada de metal lá que não faz nenhum sentido.”
Cada grama a mais de massa reduziria a quantidade de carga que o foguete
poderia lançar.
Uma grande decisão — tomada em uma reunião que havia sido
remarcada para a meia-noite porque os astronautas da Inspiration4 estavam
pousando — era fazer a maior parte possível do motor com o material
favorito dele, aço inoxidável. Depois de ver uma série de slides sobre
maneiras de minimizar o uso de ligas caras, Musk interrompeu: “Vocês
estão sofrendo de paralisia da análise. Vamos mudar cada peça possível para
aço de baixo custo.”
De início, as únicas exceções que ele permitiu eram para partes expostas a
combustão de gás rico em oxigênio quente. Alguns dos engenheiros
resistiram e sugeriram que cobre, com maior capacidade de absorver calor,
era necessário para a placa frontal. Musk, porém, argumentou que cobre
tinha um ponto de fusão pior. “Estou convencido de que dá para fazer uma
placa frontal de aço”, disse. “Por favor, façam isso. Acho que fui muito claro:
façam de aço.” Ele admitiu que havia uma probabilidade razoável de que
aquilo não funcionasse, mas era melhor tentar e fracassar do que ficar
analisando o assunto por meses. “Se fizerem isso rápido, podem descobrir
rápido. E consertar rápido.” Ele acabou conseguindo trocar a matéria-prima
da maior parte das peças para aço inoxidável.

Jake McKenzie
Enquanto comandava reuniões na sala de conferências todas as noites,
Musk estava procurando alguém que pudesse supervisionar o design do
Raptor. “Há algum líder em ascensão?”, perguntou Shotwell a ele depois de
uma das sessões de Musk com engenheiros menos graduados.
“Minha rede neural para avaliar capacidade de engenharia é boa, mas é
difícil quando eles estão camuflados”, reclamou Musk. Então, ele começou a
fazer também sessões individuais, nas quais enchia de perguntas os
engenheiros de nível médio.
Depois de algumas semanas, um jovem engenheiro chamado Jacob
McKenzie começou a se destacar. A combinação de um sorriso angelical
com dreadlocks na altura dos ombros o deixava com uma aparência
descolada mas discreta. Musk gosta de dois tipos de assistente: os Red Bulls,
como Mark Juncosa, altamente cafeinados, loquazes e que vomitam ideias, e
os Spocks, cuja fala comedida lhes dá a típica aura de competência de um
vulcano. McKenzie fazia parte desta última categoria.
Ele havia sido criado na Jamaica e depois se mudou para o norte da
Califórnia, onde se interessou por carros, foguetes e “qualquer coisa com
muita engenharia pesada”. A família dele era pobre, e ele trabalhou num
armazém para ganhar algum dinheiro durante o ensino médio. McKenzie
economizou com o objetivo de ir para a Santa Rosa Junior College, onde
estudou engenharia, e se saiu bem o suficiente a ponto de conseguir se
transferir para Berkeley e depois para a graduação no MIT, onde fez um
doutorado em engenharia mecânica.
Na SpaceX, onde começou a trabalhar em 2015, ele geria uma equipe
que produzia as válvulas para o motor Raptor. É uma função
importantíssima. Muitas vezes quando a contagem regressiva é
interrompida, a causa é um vazamento em uma válvula. McKenzie tinha
interagido com Musk poucas vezes, e ficou surpreso quando o patrão
começou a falar sobre a possibilidade de ele comandar o programa Raptor.
“Eu achava que Musk nem sabia o meu nome”, confessa McKenzie. Talvez
fosse o caso, mas Musk sabia que o trabalho dele era bom. A equipe de
McKenzie havia melhorado os atuadores da Starship, um dos muitos
projetos nos quais Musk mergulhou pessoalmente.
Certa noite em setembro de 2021, pouco depois da meia-noite, Musk
enviou uma mensagem para McKenzie: “Está acordado?” De modo nada
surpreendente, McKenzie respondeu: “Sim, acordado, vou ficar no
escritório pelo menos mais algumas horas.” Musk ligou e disse que ia
promovê-lo. Às quatro e meia da manhã, ele enviou um e-mail. “Jake
McKenzie vai responder diretamente a mim daqui em diante”, escreveu.
Musk disse que um dos seus objetivos era “trocar a maioria dos flanges e das
peças feitas de liga Inconel por ligas de aço soldáveis, bem como excluir
qualquer peça que seja *potencialmente* desnecessária. Se nós não tivermos
que recolocar algumas peças, significa que não eliminamos o suficiente”.
McKenzie começou a aplicar soluções no estilo da indústria automotiva,
o que em alguns casos resultava em peças 90% mais baratas. Ele pediu a
Lars Moravy, um dos principais executivos na Tesla, para caminhar com ele
pela linha de produção da SpaceX e sugerir técnicas automotivas que
poderiam simplificar as coisas. Às vezes, Moravy ficava tão chocado com as
complexidades desnecessárias na linha de motores de foguetes que cobria os
olhos. “Ok, dá para tirar as mãos do rosto?”, perguntou McKenzie. “Porque
isso está me magoando demais.”
A maior mudança que Musk fez foi colocar engenheiros de projeto no
comando da produção, como havia feito por um tempo na Tesla. “Criei
grupos de design e produção separados há muito tempo, e foi um erro
idiota”, disse em uma das primeiras reuniões que McKenzie liderou. “Você é
responsável pelo processo de produção. Não pode repassar essa tarefa para
ninguém. Se o design custa caro para produzir, mude o design.” McKenzie e
toda a equipe dele de engenharia deslocaram as 75 mesas para que ficassem
ao lado das linhas de montagem.
O motor 1337
Um método que Musk usava quando um problema se tornava complicado
era voltar a atenção para o projeto de uma versão futura do produto. Foi isso
que ele fez com o Raptor algumas semanas depois que McKenzie assumiu:
declarou que passariam a se dedicar a fazer um motor completamente novo.
Seria algo tão diferente que ele não queria batizá-lo com o nome em inglês
de alguma espécie de falcão, como Merlin ou Kestrel. Em vez disso, decidiu
usar um meme do mundo da programação e chamá-lo de 1337, que se
pronunciava “LEET” (os números se assemelham ligeiramente a essas
letras). O objetivo era fazer um motor que custasse menos de mil dólares
por tonelada de impulso, e que dessa forma seria, disse ele, “o
desenvolvimento fundamental necessário para tornar a vida
multiplanetária”.
O objetivo de desenhar um motor novo era fazer todo mundo pensar de
modo ousado. “Nosso objetivo é o grande motor da aventura”, disse Musk
em um discurso motivacional para a equipe. “Existe uma chance de êxito
maior que zero? Caso sim, inclua no projeto! Se descobrirmos que as
mudanças que fizemos são ousadas demais, voltamos atrás.” O objetivo
principal era fazer um motor reduzido às características mais essenciais. “Há
muitas maneiras de se esfolar um gato”, disse. “Mas é importante saber
como é o gato sem pele. A resposta é: musculoso e cheio de saliências.”
Ainda naquela noite, ele mandou uma sequência de mensagens para
enfatizar como estava falando sério sobre esse novo plano. “Não estamos
mirando na Lua”, escreveu. “Estamos mirando em Marte. Um sentimento
maníaco de urgência é o nosso princípio operacional.” Em uma mensagem
que mandou diretamente para McKenzie, ele acrescentou: “O motor
SpaceX 1337 é o último grande avanço crítico necessário para levar a
humanidade a Marte!!! Nenhuma palavra basta para captar quão importante
isso é para o futuro da civilização.”
Ele sugeriu pessoalmente algumas ideias extremas, como excluir todo o
coletor de gás combustível quente e fundir a bomba turbomolecular de
combustível com o injetor da câmara principal. “Pode resultar em uma má
distribuição de gás combustível, ou não. Vamos descobrir.” Ele reforçou a
cruzada com e-mails quase toda a noite. “Estamos numa *fúria* de
exclusão!!”, escreveu em um deles. “Nada é sagrado. Todo tubo, sensor, peça
etc. levemente questionável será eliminado esta noite. Por favor, sejam
ultrafirmes na eliminação e na simplificação.”
Ao longo de outubro de 2021, as reuniões noturnas sempre atrasavam, e
a maioria começava por volta das onze horas. Mesmo assim, geralmente
havia dezenas de pessoas na sala de conferências e mais de cinquenta
participando remotamente. Em cada sessão costumava surgir uma nova
ideia para simplificação ou eliminação. Certa noite, por exemplo, Musk se
concentrou em se livrar de toda a saia do propulsor, que é a parte aberta não
pressurizada situada bem embaixo. “Isso não ajuda a conter uma parte
significativa do propelente”, comentou ele. “É como mijar numa piscina.
Não afeta muito a piscina.”
Depois de um mês, tão abruptamente quanto havia forçado a equipe a se
concentrar em um motor futurista 1337, Musk voltou a atenção de todos
novamente para a revisão do Raptor, a fim de transformá-lo em um Raptor
2 mais elegante e potente. “Estou mudando o foco da propulsão da SpaceX
de volta para o Raptor”, anunciou ele em uma mensagem às duas da manhã.
“Precisamos de ritmo de produção de motor de um por dia para manter uma
cadência decente de lançamento. Atualmente, é de um a cada três dias.”
Perguntei se isso reduziria a velocidade do desenvolvimento do 1337. “Sim”,
respondeu ele. “Não podemos tornar a vida multiplanetária com o Raptor,
porque é muito caro, mas o Raptor é necessário para nos levar adiante até
que o 1337 esteja pronto.”
O surto envolvendo o 1337 e o recuo posterior foram uma estratégia
cuidadosamente elaborada por Musk para fazer a equipe pensar de modo
mais ousado, ou tudo não passou de um ato impulsivo em que ele acabou
voltando atrás? Como lhe é comum, foi uma mistura das duas coisas. Isso
serviu ao propósito de incitar o surgimento de ideias novas, inclusive a de se
livrar de várias capas e saias, que seriam incorporadas aos objetivos dele para
um Raptor aprimorado. “O exercício ajudou a definir como seria um motor
ideal”, afirma McKenzie. “Mas não estava nos permitindo progredir em
coisas que eram imediatamente necessárias para avançar no programa
Starship.” Ao longo do ano seguinte, McKenzie e sua equipe foram capazes
de produzir Raptors quase como se fossem carros em uma linha de
montagem. No feriado de Ação de Graças de 2022, eles estavam fabricando
mais de um por dia, e fizeram um estoque para futuros lançamentos da
Starship.
capítulo 64
Nasce o Optimus
Tesla, agosto de 2021

Uma atriz vestida para a apresentação do robô Optimus


O robô amigável
O interesse de Musk em criar um robô humanoide remontava ao fascínio e
ao medo que ele sentia da inteligência artificial. A possibilidade de que
alguém pudesse criar, intencionalmente ou não, uma IA que poderia ser
perigosa para os seres humanos levou-o a fundar a OpenAI em 2014.
Também o levou a tocar adiante empreendimentos relacionados, incluídos
carros autônomos, um computador de treinamento de rede neural
conhecido como Dojo e os chips Neuralink, que poderiam ser implantados
em cérebros para criar um relacionamento profundamente simbiótico entre
humanos e máquinas.
A expressão definitiva de uma IA segura, especialmente para alguém que
devorava ficção científica quando criança, seria criar um robô humanoide
que pudesse processar inputs visuais e aprender a realizar tarefas sem violar a
lei de Asimov, que diz que um robô não pode prejudicar a humanidade ou
qualquer ser humano. “Se você é capaz de criar um carro autônomo, que é
um robô sobre rodas, então pode fazer um robô com pernas também”, disse
Musk.
No início de 2021, ele começou a mencionar nas reuniões com executivos
que a Tesla deveria pensar seriamente em desenvolver um robô, e em
determinado momento mostrou um vídeo de alguns robôs impressionantes
que a Boston Dynamics estava criando. “Robôs humanoides vão surgir, quer
você queira, quer não”, disse, “e devemos fazer isso para que possamos
colocá-los num bom caminho”. Quanto mais ele falava sobre esse assunto,
mais empolgado ficava. “Isso pode ser a maior coisa que faremos, até mesmo
maior do que um carro autônomo”, afirmou ao chefe de design, Franz von
Holzhausen.
“Quando algo se torna um tema recorrente para o Elon, começamos a
trabalhar nele”, declara Von Holzhausen. Eles começaram a se reunir no
estúdio de design da Tesla em Los Angeles, onde os modelos do Cybertruck
e do Robotáxi estavam em exposição. Musk deu as especificações: o robô
deveria ter 1,7 metro de altura, com um visual élfico e andrógino, para que
não “parecesse que pudesse ou quisesse machucar alguém”. Dessa forma
nasceu o Optimus, um robô humanoide a ser feito pelas equipes da Tesla
que trabalhavam no carro autônomo. Musk então decidiu: o fato deveria ser
anunciado num evento chamado Dia da IA, que ele marcou para 19 de
agosto de 2021 na sede da Tesla, em Palo Alto.

Dia da IA
Quarenta e oito horas antes do Dia da IA, Musk fez virtualmente uma
reunião de preparação com a equipe da Tesla de Boca Chica. O dia também
incluiu uma reunião com o Escritório de Conservação de Peixes e Vida
Selvagem do Texas com o propósito de conseguir apoio para os lançamentos
da Starship, uma reunião financeira da Tesla, uma discussão sobre as
finanças dos telhados solares, uma reunião sobre os lançamentos futuros de
civis, uma caminhada controversa pelas tendas em que a Starship estava
sendo montada, uma entrevista para um documentário da Netflix e a
segunda visita de Musk, tarde da noite, ao loteamento residencial onde a
equipe de Brian Dow estava instalando telhados solares. Depois da meia-
noite, ele entrou no avião e seguiu para Palo Alto.
“É exaustivo ter que transitar entre tantas questões”, disse ele quando
finalmente relaxou no avião. “Mas há muitos problemas, e tenho que
resolver tudo.” Então, por que ele estava agora saltando para o mundo da IA
e dos robôs? “Porque estou preocupado com Larry Page”, respondeu. “Tive
conversas longas com ele sobre os perigos da IA, mas ele não entende.
Agora, mal nos falamos.”
Quando pousamos, às quatro da manhã, ele foi para a casa de um amigo
para dormir por algumas horas e em seguida dirigiu-se à sede da Tesla em
Palo Alto para um encontro com a equipe que se preparava para o anúncio
do robô. O plano era que uma atriz se vestisse como o robô e subisse no
palco. Musk ficou empolgado. “Ela vai fazer acrobacias!”, declarou, como se
fosse um esquete de Monty Python. “Podemos pedir que ela faça coisas legais
que parecem impossíveis? Como sapatear com um chapéu e uma bengala?”
Musk tinha uma meta séria: o robô deveria parecer mais divertido do que
ameaçador. Como se tivesse sido combinado, X começou a dançar na mesa
da sala de conferências. “O menino tem baterias boas”, disse o pai. “Ele
recebe atualizações de software andando, olhando e ouvindo.” Era este o
objetivo: um robô que pudesse aprender a fazer coisas ao ver e imitar
humanos.
Depois de mais algumas piadas sobre danças com chapéu e bengala,
Musk começou a mergulhar nas especificações finais. “Vamos fazer o robô
andar a oito quilômetros por hora, não seis, e dar potência para levantar um
pouco mais de peso”, afirmou ele. “Nós exageramos na tentativa de fazê-lo
parecer dócil.” Quando os engenheiros disseram que estavam planejando ter
baterias que pudessem ser trocadas quando se exaurissem, Musk vetou a
ideia. “Muitos tolos foram pelo caminho da bateria substituível, e
geralmente isso se deu porque a bateria deles era ruim”, declarou ele. “Nós
originalmente fizemos isso com a Tesla. Sem conjunto de bateria
substituível. Basta fazer o conjunto maior para que possa operar por
dezesseis horas.”
Depois da reunião, ele continuou na sala de conferências. O pescoço dele
estava doendo por causa do antigo acidente com o lutador de sumô, e ele se
deitou no chão com uma bolsa de gelo na cabeça. “Se conseguirmos
produzir um robô de uso geral que pode te observar e aprender a fazer uma
tarefa, isso vai turbinar a economia a um grau que é uma loucura”, disse. “Aí
então podemos instituir um salário mínimo universal. Trabalhar se tornaria
uma escolha.” Sim, e alguns ainda seriam levados a trabalhar de modo
maníaco.

***

No dia seguinte, Musk estava de mau humor no ensaio para as


apresentações do Dia da IA, que incluíam não só a revelação do Optimus,
como também os avanços da Tesla com carros autônomos. “Isso é chato”,
ficava repetindo ele enquanto Milan Kovac, o sensível engenheiro belga que
comandava as equipes do Autopilot e do Optimus, apresentava slides muito
técnicos. “Tem muita coisa aqui que não é legal. Este é um evento de
recrutamento, e ninguém vai querer se juntar a nós depois desses slides de
merda.”
Kovac, que ainda não havia dominado a arte de se esquivar das explosões
de Musk, voltou para o escritório e se demitiu, o que transformou os planos
para as apresentações daquela noite em confusão. Lars Moravy e Pete
Bannon, supervisores mais experientes e já calejados, pararam Kovac
quando ele estava prestes a deixar o prédio. “Vamos dar uma olhada nos seus
slides e ver como podemos arrumá-los”, falou Moravy. Kovac mencionou
que aceitava um uísque, e Bannon achou alguém na oficina do Autopilot
que tinha uma garrafa. Eles beberam duas doses e Kovac se acalmou. “Vou
ficar durante todo o evento”, prometeu ele. “Não vou decepcionar minha
equipe.”
Com a ajuda de Moravy e Bannon, Kovac reduziu pela metade os slides e
ensaiou um discurso novo. “Engoli a raiva e levei os novos slides para Elon”,
lembra ele. Musk olhou e disse: “Sim, com certeza. Ok.” Kovac ficou com a
impressão de que Musk nem se lembrava de que tinha explodido com ele.
A interrupção fez a apresentação daquela noite atrasar uma hora. Não foi
um evento muito organizado. Os dezesseis apresentadores eram todos
homens. A única mulher era a atriz que estava vestida de robô, e ela não fez
nenhuma dança engraçada com chapéu e bengala. Não houve acrobacias.
Apesar disso, num discurso levemente marcado pela gagueira, Musk
associou o Optimus com os planos da Tesla para carros autônomos e o
supercomputador Dojo. O Optimus, disse ele, aprenderia a realizar tarefas
sem a necessidade de instruções linha por linha. Como um ser humano, ele
aprenderia observando. Isso transformará não só nossa economia, afirmou
ele, como também a forma como viveremos.
capítulo 65
Neuralink
2017-2020

Um macaco jogando Pong apenas com suas ondas cerebrais


Interfaces homem-máquina
Alguns dos saltos mais importantes de tecnologia na era digital envolviam
avanços na maneira como seres humanos e máquinas se comunicam, algo
conhecido como “interfaces homem-máquina”. O psicólogo e engenheiro J.
C. R. Licklider, que trabalhou em sistemas de defesa aérea que rastreiam
aviões em um monitor, escreveu um artigo seminal em 1960 intitulado
“Simbiose homem-máquina computacional”, o qual mostrava como
monitores de vídeo poderiam “levar um computador e uma pessoa a pensar
juntos”. Ele acrescentou: “A esperança é a de que, em pouco tempo, o
cérebro humano e a máquina possam se acoplar muito bem.”
Os hackers do MIT usaram esses monitores de vídeo para criar um jogo
chamado Spacewar, o que ajudou no desenvolvimento de jogos comerciais
que, para que até um universitário chapado fosse capaz de jogar, tinham
interfaces intuitivas a ponto de não precisarem de quase nenhuma instrução
(“1. Insira a moeda; 2. Escape dos Klingons” eram as únicas instruções no
primeiro jogo Jornada nas Estrelas, da Atari). Doug Engelbart combinou
esses monitores com um mouse para permitir que os usuários interagissem
com um computador ao apontar e clicar, e Alan Kay, no Xerox Palo Alto
Research Center (PARC), ajudou a desenvolver uma interface gráfica fácil
de usar que imitava o tampo de uma escrivaninha (ou desktop, em inglês).
Steve Jobs adotou isso no computador Macintosh da Apple e, em sua última
reunião de conselho, quando estava à beira da morte, em 2011, testou outro
grande salto nas interfaces humano-computador: um aplicativo chamado
Siri, que permitia a pessoas e computadores a interação por voz.
Apesar de todos esses avanços, a troca de informações entre humanos e
máquinas continuou muito lenta. Em uma viagem em 2016, Musk estava
digitando em seu iPhone com os dedões e começou a reclamar da demora.
Digitar permite que a informação flua de nosso cérebro para nossos
dispositivos a uma taxa de apenas cem bits por segundo. “Imagine se você
pudesse pensar na máquina”, disse, “como uma conexão de alta velocidade
diretamente entre a sua mente e a sua máquina”. Ele se inclinou na direção
de Sam Teller, que estava no carro com ele. “Podemos conseguir um
neurocientista que possa me ajudar a entender a interface computador-
cérebro?”, perguntou Musk.
Ele percebeu que a interface humano-computador definitiva seria um
dispositivo que conectasse nossos computadores diretamente ao nosso
cérebro, tal qual um chip dentro de nosso crânio capaz de enviar nossos
sinais cerebrais para um computador e receber de volta outros sinais. Isso ia
permitir que a informação fluísse de um lado para outro 1 milhão de vezes
mais rápido. “Aí você teria uma simbiose verdadeira entre humanos e
máquinas”, afirma Musk. Em outras palavras, isso garantiria que humanos e
máquinas trabalhassem juntos, como parceiros. Para isso acontecer, no fim
de 2016 ele fundou uma empresa que chamou de Neuralink, a qual
implantaria pequenos chips no cérebro e permitir aos humanos uma fusão
mental com computadores.
Como no caso do Optimus, a ideia para a Neuralink fora inspirada pela
ficção científica, principalmente pela série de livros de viagem espacial A
cultura, de Iain Banks, que apresentavam uma tecnologia de interface
homem-máquina chamada “laço neural”, implantada nas pessoas e capaz de
ligar todos os seus pensamentos a um computador. “Quando li Banks pela
primeira vez”, diz Musk, “isso me fez pensar que essa ideia poderia nos
proteger no front da inteligência artificial”.
Os objetivos grandiosos de Musk geralmente são acompanhados de
modelos de negócios práticos. Ele havia desenvolvido satélites da Starlink,
por exemplo, como uma maneira de financiar a missão para Marte da
SpaceX. Da mesma forma, planejava que os chips cerebrais da Neuralink
fossem usados para ajudar pessoas com problemas neurológicos, tais como
esclerose lateral amiotrófica (ELA), a interagir com computadores. “Se
pudermos encontrar bons usos comerciais para financiar a Neuralink”,
afirma, “em algumas décadas vamos alcançar nosso objetivo final de nos
proteger contra a IA perversa ao unir o mundo humano com nosso
maquinário digital”.
Entre os cofundadores havia seis neurocientistas e engenheiros
importantes, liderados pelo pesquisador de interface cérebro-máquina Max
Hodak. O único membro do grupo de fundadores que sobreviveu à pressão
e à confusão que é trabalhar com Musk foi DJ Seo, que havia se mudado da
Coreia para a Louisiana aos 4 anos. Como ele não falava inglês tão bem
quando pequeno, ficou muito frustrado por não conseguir expressar alguns
pensamentos. “Como posso botar para fora esse negócio que está na minha
cabeça da maneira mais eficiente possível?”, começou a se perguntar Seo.
“Teria que ser algo pequeno colocado na minha cabeça.” Na Caltech, e
depois em Berkeley, ele desenvolveu o que chamou de “poeira neural”,
pequenos implantes que podiam ser colocados no cérebro e enviar sinais.
Musk também recrutou uma investidora em tecnologia com um brilho
no olhar e mente afiada chamada Shivon Zilis. Na época de estudante,
criada perto de Toronto, ela se destacou no hóquei, mas também virou uma
geek em tecnologia depois de ler o livro de 1999 A era das máquinas
espirituais, de Ray Kurzweil. Depois de estudar em Yale, Zilis trabalhou em
algumas incubadoras de startups ajudando novos negócios em IA, e se
tornou uma consultora de meio período na OpenAI.
Quando Musk fundou a Neuralink, ele a levou para um café e a convidou
para se juntar a eles. “A Neuralink não é só para pesquisa”, garantiu Musk a
ela. “É para construir dispositivos reais.” Zilis rapidamente decidiu que seria
mais divertido e útil do que continuar a ser uma investidora de risco. “Notei
que aprendia mais lições singulares com Elon por minuto do que com
qualquer outro humano que já conheci”, afirma. “Seria burrice não passar
mais tempo de nossa vida com uma pessoa assim.” A princípio, ela
trabalhou em projetos de inteligência artificial em todas as três empresas
dele — Neuralink, Tesla e SpaceX —, mas acabou se tornando a principal
gerente na Neuralink, além de ser uma íntima companheira pessoal de
Musk (mais sobre isso em breve).

O chip
A tecnologia subjacente para o chip Neuralink se baseou no Utah Array,
inventado na Universidade de Utah em 1992, que é um microchip cravejado
com cem agulhas que podem ser enfiadas no cérebro. Cada agulha detecta a
atividade de um único neurônio e envia os dados por um fio para uma caixa
presa no crânio de alguém. Como o cérebro tem cerca de 86 bilhões de
neurônios, esse era apenas um nanopasso em direção à interface humano-
computador.
Em agosto de 2019, Musk publicou um artigo científico em que
descrevia como a Neuralink iria melhorar o Utah Array para criar o que
chamou de “uma plataforma integrada cérebro-máquina com milhares de
canais”. Os chips da Neuralink tinham mais de 3 mil eletrodos em 96 fios.
Como sempre, Musk se concentrou não apenas no produto, mas também
em como ele seria fabricado e utilizado. Robôs trabalhando em alta
velocidade iriam cortar um pequeno buraco no crânio humano, inserir o
chip e introduzir os fios no cérebro.
Ele revelou uma versão inicial do dispositivo em uma apresentação
pública em agosto de 2020 na Neuralink, na qual mostrou uma porca
chamada Gertrude que tinha um chip no cérebro. Um vídeo dela andando
em uma esteira mostrava como o chip poderia detectar sinais no cérebro do
animal e enviar para um computador. Musk segurou o chip, que tinha o
tamanho de uma moeda de 25 centavos de dólar. Quando colocado sob o
crânio, ele poderia transmitir dados sem precisar de fios, o que garantia que
o usuário não ficasse parecendo um ciborgue de um filme de horror. “Eu
posso ter um Neuralink implantado agora e vocês não saberiam”, disse
Musk. “Talvez eu tenha.”
Alguns meses depois, Musk foi ao laboratório da Neuralink em Fremont,
perto da fábrica da Tesla, onde os engenheiros mostraram para ele a última
versão. Ela combinava quatro chips separados, cada um com cerca de mil
fios. Eles seriam implantados em diferentes partes do crânio com fios
conectados a um roteador preso atrás da orelha. Musk ficou parado em
silêncio por quase dois minutos, enquanto Zilis e os colegas dela assistiam.
Então, ele deu o veredito: havia odiado. Era complexo demais, com muitos
fios e conexões.
Ele estava no processo de eliminar conexões nos motores Raptor da
SpaceX. Cada uma era um possível ponto de falha. “Isso tem que ser um
único dispositivo”, disse ele aos desanimados engenheiros da Neuralink.
“Um só pacote elegante sem fios, sem conexões e sem roteador.” Não havia
nenhuma lei da física — nenhum princípio básico — que impedisse toda a
funcionalidade poder estar contida em um único dispositivo. Quando os
engenheiros tentaram explicar por que precisavam do roteador, a expressão
de Musk enrijeceu. “Eliminem”, decretou ele. “Deletem, deletem, deletem.”
Depois que deixaram a reunião, os engenheiros passaram pelos estágios
típicos do transtorno de estresse pós-Musk: perplexidade, raiva e ansiedade.
Apesar disso, em uma semana ficaram intrigados, porque perceberam que a
nova abordagem poderia funcionar.
Quando Musk voltou ao laboratório semanas depois, eles mostraram um
só chip que poderia lidar com o processamento dos dados de todos os fios e
transmiti-los por Bluetooth para um computador. Sem conexões, sem
roteador, sem fios. “Achávamos que era impossível”, comentou um dos
engenheiros, “mas agora estamos muito empolgados com isso”.
Um problema que os engenheiros enfrentavam era causado pela exigência
de que o chip fosse muito pequeno. Isso tornava desafiador ter uma bateria
de vida longa e suporte a muitos fios. “Por que tem que ser tão pequeno
assim?”, perguntou Musk. Alguém cometeu o erro de dizer que era um dos
pré-requisitos que eles receberam. Isso fez com que Musk entoasse seu
algoritmo, a começar pelo questionamento de todas as especificações.
Depois ele falou da ciência básica do tamanho do chip. Nosso crânio é
redondo; o chip não pode ser um pouco abaulado? E o diâmetro não
poderia ser maior? Eles chegaram à conclusão de que o crânio humano
acomodaria facilmente um chip maior.
Quando o dispositivo estava pronto, eles o implantaram em um dos
macacos, chamado Pager, que estava hospedado no laboratório. Ensinaram-
no a jogar Pong no videogame e lhe davam como recompensa uma vitamina
de fruta quando ele se saía bem. O dispositivo da Neuralink gravava quais
neurônios estavam funcionando cada vez que ele mexia o controle de uma
certa maneira. Posteriormente o controle foi desativado, e os sinais do
cérebro do macaco passaram a controlar o jogo. Era um grande passo em
direção ao objetivo de Musk de criar uma conexão direta entre o cérebro e a
máquina. A Neuralink publicou um vídeo disso no YouTube que foi visto 6
milhões de vezes no período de um ano.
capítulo 66
Pura visão
Tesla, janeiro de 2021

Um slide exibindo o progresso dos carros autônomos


Elimine o radar
A questão de usar ou não radar no sistema Autopilot de carros autônomos
— em vez de depender apenas de dados visuais de câmeras — permaneceu
controversa na Tesla. Também se tornou um estudo de caso sobre o estilo de
tomada de decisão de Musk, algo que oscila entre ousado, teimoso,
descuidado, visionário e orientado pelos princípios básicos da física, mas, às
vezes, surpreendentemente flexível.
A princípio, Musk mantivera a mente aberta quanto a esse assunto.
Quando o Model S da Tesla foi atualizado em 2016, ele permitiu
relutantemente que a equipe do Autopilot usasse um radar dianteiro além
das oito câmeras do carro. E autorizou os engenheiros a ter um programa
para construir esse radar, conhecido como Phoenix.
Entretanto, no início de 2021, o uso de radares estava causando
problemas. A escassez de chips, ocasionada pela covid, significava que os
fornecedores da Tesla não estavam entregando a quantidade necessária.
Além disso, o sistema Phoenix que a Tesla estava construindo internamente
não funcionava direito. “Temos uma escolha”, declarou Musk em uma
reunião fatídica no início de janeiro. “Podemos parar a produção do carro.
Podemos fazer o Phoenix funcionar imediatamente. Ou podemos eliminar
completamente o radar.”
Não havia dúvida de qual opção ele preferia. “Deveríamos acabar com
isso com uma solução de pura visão”, disse. “Não precisar de um radar e da
visão para identificar o mesmo objeto é uma grande vantagem competitiva.”
Alguns dos principais funcionários, especialmente o presidente de
automotivos, Jerome Guillen, resistiram. Ele argumentou que não seria
seguro eliminar o radar. O radar podia detectar objetos não tão facilmente
visíveis para uma câmera ou o olho humano. Uma reunião estava
programada para a equipe inteira debater o assunto e tomar uma decisão.
Depois que todos os argumentos foram apresentados, Musk se deteve por
cerca de quarenta segundos. “Estou acabando com isso”, disse ele por fim.
“Eliminem o radar.” Guillen continuou a resistir, e Musk ficou friamente
zangado. “Se você não fizer isso”, ameaçou ele, “vou arrumar alguém que
faça”.
Em 22 de janeiro de 2021, Musk mandou um e-mail que dizia: “Daqui
para a frente, desliguem o radar.” E continuava: “É uma muleta terrível.
Estou falando sério. Além do mais, já está claro que a direção somente com
o auxílio de câmeras está funcionando bem.” Logo depois, Guillen pediu
demissão da empresa.

Controvérsia
A decisão de Musk de eliminar o radar causou um debate público. Uma
reportagem investigativa minuciosa do e New York Times feita por Cade
Metz e Neal Boudette revelou que muitos engenheiros da Tesla estavam
bastante apreensivos. “Diferentemente dos tecnólogos em quase todas as
outras empresas que estão trabalhando em carros autônomos, o sr. Musk
insiste que a autonomia pode ser atingida só com câmeras”, escreveram.
“Mas muitos dos engenheiros da Tesla questionavam se era seguro o
bastante confiar em câmeras sem o benefício de outros dispositivos sensores,
e se o sr. Musk não estava exagerando em suas promessas aos motoristas
sobre as capacidades do Autopilot.”
Edward Niedermeyer, que havia escrito um livro crítico sobre a Tesla
chamado Ludicrous [Ridículo], publicou uma sequência de tuítes.
“Melhorias nos sistemas comuns de assistência ao motorista estão levando o
setor a usar mais radares, além de modalidades ainda mais inovadoras, como
o LiDAR e imagens térmicas”, escreveu ele. “A Tesla, ao contrário, está
dando um passo para trás.” E Don O’Dowd, um empreendedor de
segurança de software, comprou um anúncio de página inteira no e New
York Times em que chamava o sistema de direção autônoma da Tesla de “o
pior software já vendido por uma empresa incluída na lista Fortune 500”.
A Tesla foi por muito tempo alvo de investigações da National Highway
Traffic Safety Administration, que ganharam impulso depois da eliminação
do radar em 2021. Em um estudo, a agência governamental registrou 273
acidentes com motoristas de carros da Tesla que estavam usando algum
nível de direção assistida, cinco dos quais resultaram em mortes. Também
foi aberta uma investigação sobre onze colisões de Teslas com veículos de
emergência.
Musk estava convencido de que motoristas ruins, não um software ruim,
eram a principal razão por trás da maioria dos acidentes. Em uma reunião,
ele sugeriu usar os dados coletados das câmeras dos carros — uma das quais
fica dentro do veículo e está direcionada ao motorista — para provar quando
havia erro do motorista. Uma das mulheres na mesa reagiu. “Já discutimos
isso com a equipe de privacidade”, disse ela. “Não podemos associar as
transmissões de selfies a nenhum veículo específico, nem mesmo quando há
uma colisão; pelo menos é essa a orientação dos nossos advogados.”
Musk não ficou feliz. O conceito de “equipe de privacidade” não o
comovia. “Sou eu o tomador de decisões nesta empresa, não a equipe de
privacidade”, disse. “Nem sei quem são. Eles são tão privados que nunca
sabemos quem são.” Ouviram-se algumas risadas nervosas. “Talvez a gente
possa fazer um anúncio pop-up para dizer às pessoas que se elas usarem a
FSD [direção totalmente autônoma] vamos coletar dados para o caso de
haver uma colisão”, sugeriu ele. “Haveria algum problema quanto a isso?”
A mulher pensou por um instante e depois assentiu. “Contanto que isso
seja comunicado aos clientes, acho que está tudo bem.”

O Phoenix se levanta
Apesar de teimoso, provas podem fazer Musk mudar de ideia. Ele estava
decidido a eliminar radares em 2021 porque a qualidade técnica desse
dispositivo na época não permitia resolução suficiente para acrescentar
informação significativa ao sistema de visão. No entanto, ele concordou em
permitir que os engenheiros continuassem o programa Phoenix para ver se
conseguiam desenvolver uma tecnologia de radar melhor.
Lars Moravy, o chefe de engenharia automotiva de Musk, colocou um
engenheiro nascido na Dinamarca chamado Pete Scheutzow como
encarregado. “Elon não é contra o radar”, diz Moravy, “ele é contra um
radar ruim”. A equipe de Scheutzow desenvolveu um sistema de radar que
se concentrava nos casos em que o motorista humano não fosse capaz de ver
algo. “Você talvez tenha razão”, disse Musk, e secretamente autorizou testes
do novo sistema no Model S e no Model Y, que são mais caros.
“É um radar muito mais sofisticado do que o radar automotivo comum”,
afirma Musk. “É o que se vê em sistemas de armas. Cria uma imagem do
que está acontecendo, em vez de receber só um sinal de retorno.” Ele de fato
planejava colocá-lo nos carros de luxo da Tesla? “Vale a pena experimentar.
Estou sempre aberto a receber provas de experimentos físicos.”
capítulo 67
Dinheiro
2021-2022

A pessoa mais rica do mundo


O preço das ações da Tesla, que haviam caído para 25 dólares quando a
covid-19 começou a se espalhar no início de 2020, se recuperou e subiu para
dez vezes esse valor no começo de 2021. Em 7 de janeiro, o preço chegou a
260 dólares. Naquele dia, Musk se tornou a pessoa mais rica do mundo,
com 190 bilhões de dólares, e ultrapassou Jeff Bezos.
Em função da aposta extremamente ousada que fez com o conselho da
Tesla em fevereiro de 2018, quando a empresa passava por problemas de
produção, Musk não tinha nenhum salário garantido. Em vez disso, sua
compensação dependeria de atingir metas muito agressivas de receita, lucro
e valor de mercado, o que incluía aumentar o valor de mercado da Tesla dez
vezes, para 650 bilhões de dólares. Na época, os jornais previam que a maior
parte das metas era inatingível. Mas, em outubro de 2021, a Tesla se tornou
a sexta empresa na história dos Estados Unidos a valer mais de 1 trilhão de
dólares. O valor de mercado da empresa era maior do que o das cinco
maiores concorrentes — Toyota, Volkswagen, Daimler, Ford e GM —
somado. E em abril de 2022, a empresa declarou um lucro de 5 bilhões de
dólares sobre uma receita de 19 bilhões, um aumento de 81% em relação ao
ano anterior. O resultado foi que o pagamento de Musk, pelo acordo de
compensação de 2018, equivalia a cerca de 56 bilhões de dólares, e o valor
do patrimônio dele no início de 2022 aumentou para 304 bilhões de dólares.
Musk ficou irritado com os ataques públicos contra ele por ser bilionário,
uma sensibilidade exacerbada pelo fato de que a filha Jenna, uma fervorosa
anticapitalista, que recentemente terminara o processo de transição de
gênero, não queria mais falar com ele. Musk vendeu todas as casas que tinha
porque acreditava que não deveria ser criticado se mantivesse a riqueza
aplicada nas empresas, em vez de gastá-la com seu estilo de vida. Mas Musk
continuava a ser criticado porque, ao não receber salário e deixar o dinheiro
investido na empresa, ele não tinha nenhum ganho de capital e pagava
poucos impostos. Em novembro de 2021, ele realizou uma enquete no
Twitter para ver se deveria vender algumas ações da Tesla de forma a
embolsar alguns dos ganhos de capital e pagar impostos sobre isso. Houve
3,5 milhões de votos, e 58% votaram “sim”. Como já estava planejando
fazer, ele exerceu as opções que recebeu em 2012 e estavam prestes a expirar,
o que o obrigou a pagar a maior cobrança de impostos da história: 11
bilhões de dólares, o suficiente para bancar todo o orçamento de seus
antagonistas na Comissão de Valores Mobiliários por cinco anos.
“Vamos mudar o código fiscal fraudulento para que a Pessoa do Ano
realmente pague impostos e pare de se aproveitar dos demais contribuintes”,
tuitou a senadora Elizabeth Warren no fim de 2021. Musk devolveu: “Se
você abrisse os olhos por dois segundos, perceberia que este ano vou pagar
mais impostos do que qualquer outro americano na história. Não gaste tudo
de uma vez... Ah, espere, você já gastou.”

O que o dinheiro não pode comprar


Se é verdade que dinheiro não compra felicidade, um dado que confirma
isso é o humor de Musk quando ele se tornou a pessoa com mais dinheiro
no mundo. Ele não estava feliz no outono de 2021.
Quando voou até Cabo San Lucas, no México, para uma festa de
aniversário que Kimbal havia organizado para a esposa, Christiana, em
outubro, onde Grimes se apresentou como DJ, Elon se fechou num quarto e
jogou Polytopia durante a maior parte do tempo. “Estávamos sob uma obra
de arte com luzes interativas e dançando a linda música de Claire
[Grimes]”, diz Christiana. “Pensei em como devíamos nossa sorte a Elon,
mas ele simplesmente não conseguia se permitir curtir o momento.”
Como acontecia com frequência, as mudanças de humor dele e a
depressão se manifestavam na forma de dores no estômago. Ele estava
vomitando e tinha uma azia intensa. “Algum bom médico para me
recomendar?”, me perguntou ele por mensagem quando voltou mais cedo de
sua visita a Cabo San Lucas. “Não precisa ser famoso nem ter consultório
chique.” Perguntei se ele estava bem. “Para ser sincero, não estou lá muito
bem”, respondeu. “Há bastante tempo venho trabalhando sem parar. Isso
tem um preço. Passei bem mal este fim de semana.” Algumas semanas
depois, ele revelou mais. Conversamos por mais de duas horas, em grande
parte sobre as cicatrizes mentais e físicas que ele ainda tinha em 2021:

Desde 2007, talvez até o ano passado, a dor tem sido ininterrupta. Tem
uma arma apontada para a sua cabeça, você tem que fazer a Tesla dar
certo, tirar um coelho da cartola e, depois, tirar mais um coelho da
cartola. Uma sequência de coelhos voando pelos ares. Se o próximo
coelho não sair, você estará morto. Isso tem um preço. Não dá para viver
em uma luta constante por sobrevivência, sempre com a adrenalina
altíssima, e não se machucar.
Mas tem outra coisa que descobri este ano: lutar para sobreviver
estimula por um tempo. Quando você não está mais no modo
sobrevivência, não é fácil se motivar todos os dias.

Esse foi um lampejo essencial que Musk teve sobre si mesmo. Quanto
mais terrível a situação, mais energizado ele ficava. No entanto, quando não
estava no modo sobrevivência, sentia-se incomodado. Os momentos que
deveriam ser bons eram enervantes. Isso o levava a armar ondas insanas de
trabalho, promover dramas, se jogar em batalhas que poderia evitar e
assumir novos empreendimentos.
Naquele feriado de Ação de Graças, a mãe dele e a irmã voaram até
Austin a fim de comemorar com ele, os quatro filhos mais velhos, X e
Grimes. Dois dos primos de Elon e as duas meias-irmãs do segundo
casamento do pai também estavam lá. “Precisávamos estar com Elon porque
ele se sente sozinho”, diz Maye. “Ele ama ter a família por perto, e temos
que fazer isso por ele, sabe, porque ele está sob muito estresse.”
No dia seguinte, Damian cozinhou massa para todos e tocou música
clássica no piano. Mas Musk decidiu se concentrar nos motores Raptor, da
Starship. Depois de andar algum tempo pela sala de jantar, parecendo
estressado, ele passou a maior parte do dia em reuniões por telefone.
Depois, abruptamente, anunciou que tinha que voar de volta a Los Angeles
para lidar com a crise do Raptor. Era uma crise que existia principalmente
na cabeça dele. Era fim de semana de Ação de Graças, e o Raptor não seria
necessário por pelo menos um ano.
“Semana passada foi uma boa semana”, comentou ele comigo por
mensagem de texto. “A bem da verdade, passei a noite toda de sexta e
sábado na fábrica de foguetes trabalhando nos problemas do Raptor; ainda
assim, foi uma boa semana. É muito doloroso, mas temos que nos esforçar
para construir o Raptor, mesmo que ele de fato precise de um redesenho
completo.”
capítulo 68
Pai do ano
2021

Com Shivon, Strider e Azure; com X na Tesla


Os gêmeos de Shivon
Algo que pode ter distraído Musk no feriado de Ação de Graças de 2021 —
ou o levado a escolher manter-se distraído pelos bicos e válvulas do motor
Raptor — foi que, na semana anterior, ele havia se tornado pai de mais duas
crianças, um menino e uma menina gêmeos. A mãe era Shivon Zilis, a
investidora de IA com um brilho no olhar que ele recrutou em 2015 para
trabalhar na OpenAI e veio a se tornar a principal gerente de operações da
Neuralink. Ela havia se tornado uma amiga muito próxima, companhia
intelectual e ocasional parceira de jogos. “Tem sido uma das amizades mais
significativas da minha vida, disparado”, diz ela. “Logo depois que conheci o
Elon, falei: ‘Espero que sejamos amigos para sempre.’”
Zilis morava no Vale do Silício e trabalhava no escritório da Neuralink
em Fremont, mas se mudou para Austin logo depois de Musk, e era parte
do pequeno e íntimo círculo social dele. Grimes a considerava uma amiga e
ocasionalmente tentava marcar encontros para ela — uma vez, com o
assessor enérgico de Musk na SpaceX, Mark Juncosa. Na pequena festa que
Musk e Grimes deram no Halloween, um feriado de que eles gostavam
muito, Zilis estava lá com Juncosa.
Grimes e Zilis se ligavam a facetas opostas da personalidade de Musk.
Grimes era mal-humorada de uma maneira divertida, além de impetuosa,
pois costumava se envolver em brigas com Musk e compartilhava a atração
dele pelo tumulto. Zilis, pelo contrário, diz que: “Em seis anos, Elon e eu
nunca, nunca brigamos, nunca discutimos.” Isso é algo que pouca gente
pode dizer. Eles conversam de uma maneira discreta, intelectualizada.
Zilis, por escolha própria, decidiu não se casar. Ela, contudo, dizia ter “o
supervírus da maternidade”. Os impulsos maternais dela ficaram ainda mais
atiçados com a evangelização de Musk sobre a importância de as pessoas
terem muitos filhos. Ele temia que a queda nos índices de natalidade fosse
uma ameaça à sobrevivência da consciência humana no longo prazo. “As
pessoas vão ter que reviver a ideia de que ter filhos é uma espécie de dever
social”, declarou ele em uma entrevista em 2014. “Ou a civilização
simplesmente vai perecer.” A irmã leal de Musk, Tosca, que havia se

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