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CLIO E A ECONOMIA DO QWERTY*

Paul A. David**

Cícero demanda dos historiadores, primeiro, que contemos histórias verídicas.


Pretendo cumprir plenamente meu dever nessa ocasião, apresentando-lhes uma peça simples
de narrativa da história econômica na qual “cada pequena coisa está ligada à outra”. O ponto
principal da história tornar-se-á claro o suficiente: algumas vezes é impossível descobrir a
lógica (ou a falta de lógica) do mundo à nossa volta, exceto entendendo como aconteceu. Uma
seqüência de mudanças econômicas dependentes da trajetória (path-dependent) é tal que
influências importantes para o resultado final podem ser exercidas por eventos temporalmente
remotos, incluindo acontecimentos dominados por elementos do acaso, mais do que por
forças sistemáticas. Processos estocásticos como estes não convergem automaticamente a um
ponto fixo de distribuição de resultados e são chamados de não-ergódicos. Em tais
circunstâncias, “acidentes históricos” não podem nem ser ignorados, nem ciosamente isolados
para fins de análise econômica; o próprio processo dinâmico assume um caráter
essencialmente histórico. Por si mesma, minha narrativa será simplesmente ilustrativa e não
estabelece quanto do mundo funciona desse modo. Esta é uma questão empírica em aberto e
seria presunçoso afirmar tê-la resolvido ou instrui-los sobre o que fazer a respeito dela.
Esperemos que a narrativa se mostre suavemente divertida para aqueles que esperam ouvir se
e por que o estudo da história econômica é uma necessidade na formação do economista.

I. A história do QWERTY

Por que a fileira superior do teclado do seu computador apresenta as teclas


QWERTYUIOP e não outra coisa? Não sabemos de nada na engenharia de computação que
exija o estranho layout de teclado hoje conhecido como QWERTY e somos todos velhos o

*
“Clio and the economics of QWERTY” foi originalmente publicado em American Economic Review, v. 75, n.
2, p. 332-337, maio de 1985. Traduzido por Silvia Mendes e Eduardo Urias e revisado por Enéas Carvalho.
**
Departamento de Economia, Encina Hall, Universidade de Stanford, Stanford, CA 94305. Devem-se
agradecimentos pelo apoio financeiro a esta pesquisa, sob o financiamento ao Programa de Inovação
Tecnológica do Centro de Pesquisa Econômica da Universidade de Stanford. Douglas Puffert foi de grande
assistência na pesquisa. Algumas (mas não todas) das minhas dívidas com as visões de Brian Arthur a respeito
de QWERTY e temas relacionados estão registradas nas referências. É minha toda a resposabilidade por erros
de fatos e de interpretação, bem como pelas opiniões peculiares aqui abreviadas. Uma versão mais longa, com
referências mais completas, intitulada “Understanding the economics of QWERTY or Is History Necessary?”
pode ser solicitada.

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bastante para lembrar que o QWERTY, de certa forma, foi um legado da “Era das Máquinas
de Escrever”. Claramente ninguém foi persuadido pelas exortações para descartar o
QWERTY que os apóstolos do DSK (Dvorak Simplified Keyboard) estavam circulando em
publicações comerciais, tais como a Computers and Automation, no início dos anos 1970. Por
que não? Os adeptos do arranjo de teclado patenteado em 1932 por August Dvorak e W. L.
Dealey têm mantido a maioria dos recordes mundiais de velocidade de digitação por muito
tempo. Além disso, durante os anos 1940, experimentos da marinha norte-americana
mostraram que o aumento da eficiência obtido com o DSK amortizaria o custo de re-treinar
um grupo de datilógrafos durante os primeiros dez dias do seu subseqüente emprego de turno
completo. A morte de Dvorak em 1975 libertou-o de quarenta anos de frustração com a
rejeição obstinada do mundo à sua contribuição; isso aconteceu antes que ele fosse consolado
pelo computador Apple IIC com módulo de troca, que instantaneamente converte seu teclado
de QWERTY para DSK virtual – ou fosse mais atormentado pela suspeita de que o módulo de
troca não é usado com freqüência.
Se, conforme o anúncio da Apple agora diz, o DSK “permite-lhe digitar 20-40% mais
rápido”, por que esse design superior encontra essencialmente a mesma rejeição que os sete
aperfeiçoamentos anteriores ao teclado QWERTY da máquina de escrever que foram
patenteadas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha durante os anos 1909-1924? Foi o
resultado de um comportamento costumeiro, não-racional, de diversos indivíduos socializados
dando prosseguimento a uma tradição tecnológica antiquada? Ou, como o próprio Dvorak
sugeriu uma vez, houve uma conspiração entre os membros do oligopólio das máquinas de
escrever para suprimir uma invenção que (temiam eles) aumentaria tanto a eficiência da
máquina de escrever que resultaria em um corte na demanda por seus produtos? Ou talvez
devêssemos nos voltar para uma outra “teoria da conspiração” popular e perguntar se a
regulamentação pública e a interferência no funcionamento do “livre mercado” foram as
causas do arranjo ineficiente de teclado? Talvez seja culpa do sistema público de ensino,
como tudo o mais que está errado?
Pode-se perceber que essa não é a linha mais promissora na qual procurar um
significado econômico da presente dominância do QWERTY. Os agentes engajados em
decisões de produção e de compra no mercado de teclados de hoje não são prisioneiros do
costume, da conspiração ou do controle estatal. Mas embora eles sejam, como dizemos agora,
perfeitamente “livres para escolher”, o seu comportamento, apesar disso, é prontamente
mantido por força de eventos há muito esquecidos e que foram moldados em circunstâncias
nas quais nem eles nem seus interesses figuravam. Como os grandes homens de quem Tolstói

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escreveu em Guerra e Paz, “cada uma de suas ações, que lhes parece um resultado de seu
livre arbítrio, não é de maneira nenhuma livre num sentido histórico, mas é prisioneira de todo
o curso da história precedente...” (Livro IX, capítulo 1).
Entretanto, essa é uma história curta. Assim, ela começa há apenas pouco mais de um
século, com o 52º homem a inventar uma máquina de escrever. Christofer Latham Sholes, de
Milwaukee, Wisconsin, era um tipógrafo por profissão e um funileiro por inclinação. Ajudado
por seus amigos Carlos Glidden e Samuel W. Soule, ele construiu uma máquina de escrever
primitiva para a qual um pedido de patente foi solicitado em outubro de 1867. Muitos defeitos
no funcionamento da “máquina de escrever” de Sholes barravam o caminho de sua imediata
introdução comercial. O ponto de impressão era quase invisível ao operador, pois foi estava
localizado embaixo do carro de papel. A “não-visibilidade” continuou a ser uma característica
infeliz desta e de outras máquinas com sistema de barras de tipo “para cima” muito depois
que o carro de papel horizontal do projeto original foi substituído por arranjos mais parecidos
com o moderno cilindro de impressão contínua. Conseqüentemente, a tendência das barras de
tipo de se chocarem e sobreporem quando eram batidas em rápida sucessão era um defeito
particularmente sério. Quando uma barra de tipo estava presa no ou perto do ponto de
impressão, cada golpe sucessivo meramente martelava a mesma impressão no papel,
resultando numa linha de letras repetidas que seria descoberta somente quando o datilógrafo
se incomodasse em levantar o carro para inspecionar o que fora impresso.
Estimulado pelo otimismo assustador de James Densmore, o capitalista que fazia a
promoção do capital de risco, que ele tinha como sócio em 1867, Sholes lutou pelos seis anos
seguintes para aperfeiçoar “a máquina”. Das tentativas e erros do inventor de rearranjar o
modelo original de ordenação alfabética, num esforço para reduzir a freqüência dos choques
das barras de tipo, emergiu um teclado superior de quatro fileiras que se aproxima do modelo
padrão QWERTY. Em março de 1873, Densmore foi bem sucedido em vender os direitos de
manufatura de uma “máquina de escrever” Sholes-Glidden substancialmente transformada
para E. Remington & Sons, o famoso fabricante de armas. Nos meses seguintes, a evolução
do QWERTY foi virtualmente completada pelos mecânicos da Remington. Suas muitas
modificações incluíram alguns ajustamentos no projeto do teclado, no curso do qual o “R”
acabou no lugar previamente alocado para o ponto final. Assim foram montadas em uma fila
todas as letras que um vendedor precisaria para impressionar os clientes, datilografando
rapidamente a marca: TYPE WRITER.
Apesar desse golpe publicitário, o sucesso comercial inicial da máquina à qual o acaso
ligou o destino do QWERTY continuou terrivelmente precário. A depressão econômica de

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1870 não foi o melhor dos momentos para lançar um modelo novo de um equipamento de
escritório custando $125 e, em 1878, quando a Remington introduziu o seu aperfeiçoado
Modelo II (equipado com um conjunto de teclas para alternar entre maiúsculas e minúsculas),
a empresa toda estava balançando em meio à bancarrota. Conseqüentemente, mesmo que as
vendas tenham começado a acertar o passo com a recuperação da economia e a produção
anual de máquinas de escrever tenha subido para 1200 unidades em 1881, a posição de
mercado que o QWERTY adquiriu durante o início de sua carreira estava longe de ser
solidamente estabelecida; o estoque total de máquinas que incorporavam o QWERTY nos
Estados Unidos não poderia ter excedido muito as cinco mil unidades quando a década de
1880 começou.
Nem o seu futuro estava muito protegido por quaisquer necessidades tecnológicas
obrigatórias. Pois havia maneiras de fazer uma máquina de escrever sem o mecanismo de
barras de tipo “para cima” que vinha a ser a quarta adaptação do QWERTY, e projetos rivais
estavam aparecendo no cenário norte-americano. Não apenas havia máquinas com barras de
tipo de acionamento “para baixo” e “para frente” que forneciam um ponto de impressão
visível; o problema do choque das barras de tipo poderia ser contornado dispensando
totalmente as barras de tipo, como o jovem Thomas Edison fez em sua patente de 1872 para
um aparelho elétrico com uma roda de impressão que depois tornou-se a base para os
teletipos. Lucien Stephen Crandall, o inventor da segunda máquina de escrever a alcançar o
mercado norte-americano (1879) arranjou os tipos num tubo cilíndrico: o tubo foi feito para
girar até a letra requerida e descer até o ponto de impressão, prendendo-se no lugar do
alinhamento correto. (Muito parecido com o “revolucionário” design “bola de golfe” da
[máquina de escrever] IBM 72/82.) Liberadas do legado das barras de tipo, as máquinas de
escrever de sucesso comercial, tais como a Hammond e a Blickensderfer mostravam primeiro
um teclado que era mais sensato que o QWERTY. À época, o assim chamado teclado “Ideal”
tinha a seqüência DHIATENSOR na fileira inicial, sendo essas dez letras responsáveis pela
composição de mais de 70% das palavras da língua inglesa.
O boom de máquinas de escrever iniciou-se nos anos 1880, que testemunhou uma
rápida proliferação de designs competitivos, companhias de manufatura e arranjos de teclado
rivalizando com o QWERTY de Sholes-Remington. Contudo, na metade da década seguinte,
justamente quando se tornou evidente que qualquer justificação micro-tecnológica para a
dominância do QWERTY estava sendo removida pelo progresso da engenharia de máquinas
de escrever, a indústria dos Estados Unidos estava se movendo rapidamente em direção ao
padrão de uma máquina diretamente “para frente”, com o teclado QWERTY de quatro fileiras

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que ficou conhecido como “Universal”. No período de 1895-1905, os principais produtores de
máquinas de escrever sem barras de tipo alinharam-se, oferecendo o teclado “Universal”
como uma opção em lugar do “Ideal”.

II. A QWERTY-Nomia Básica

Para entender o que aconteceu no fatídico intervalo da década de 1890, o economista


precisa atentar ao fato de que as máquinas de escrever estavam começando a ocupar espaço
como um elemento de um sistema de produção maior e mais complexo inter-relacionado
tecnicamente. Além disso, para os fabricantes e compradores de máquinas de escrever, este
sistema envolvia os datilógrafos e uma variedade de organizações (tanto públicas como
privadas) que se encarregavam de treinar pessoas nessas habilidades. Ainda mais crítico ao
resultado era o fato de que, em contraste com os subsistemas de hardware dos quais o
QWERTY e outros teclados eram parte, o sistema de produção como um todo não era um
desígnio de alguém. Mais propriamente como o proverbial Topsy, e como muitas outras peças
de história econômica, “ele simplesmente surgiu”.
O advento da datilografia sem olhar, um avanço marcante em relação ao método de
“catar milho” com quatro dedos, introduzido no final dos anos de 1880 foi crítico, porque esta
inovação era desde sua concepção adaptada ao teclado QWERTY da Remington. A
datilografia sem olhar deu origem a três aspectos da evolução do sistema de produção que
foram crucialmente importantes como causas que geraram efeitos de lock in para o QWERTY
como o arranjo de teclado dominante. Tais aspectos eram a inter-relação técnica, as
economias de escala, e a quase-irreversibilidade do investimento. Eles constituem os
elementos básicos do que pode ser chamado de teoria econômica do QWERTY, ou
QWERTY-nomia.
A inter-relação técnica, ou a necessidade de compatibilidade de sistemas entre o
“hardware” e o “softawre” do teclado, este último representado pela memória de um arranjo
particular das teclas por parte do datilógrafo sem olhar, implicou que o valor presente
esperado de uma máquina de escrever, como um meio de produção, dependia da viabilidade
de softwares compatíveis, criados pelas decisões dos datilógrafos quanto ao tipo de teclado
em que aprenderiam. Antes do crescimento do mercado de máquinas de escrever portáteis, os
compradores do hardware eram tipicamente empresas privadas e, conseqüentemente, eram
distintos dos proprietários de habilidades datilográficas. Existiam poucos incentivos na época,
ou mesmo depois, para que qualquer empresa investisse no fornecimento a seus funcionários

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de uma forma de capital humano em geral, que poderia ser prontamente utilizado em outros
empregos. (Note-se que foi no tempo da [Segunda] Guerra que a Marinha norte-americana,
que não é um empregador típico, realizou o experimento de re-treinar datilógrafos no teclado
de Dvorak.) Entretanto, a compra de um teclado QWERTY por um possível empregador
gerava uma externalidade pecuniária para os datilógrafos sem olhar treinados de forma
compatível. Na medida em que isso aumentava a probabilidade de que datilógrafos
subseqüentes escolhessem aprender em QWERTY, em preferência a outro método para o qual
o estoque de hardware compatível poderia não ser tão grande, os custos de um sistema de
datilógrafos baseado em QWERTY (ou em qualquer teclado específico) tendiam a decrescer
conforme este sistema ganhasse aceitação relativa aos outros. Condições essencialmente
simétricas eram obtidas no mercado de escolas de datilografia.
Essas condições de custos decrescentes – ou economias de escalas sistêmcias – têm
diversas conseqüências, entre as quais indubitavelmente a mais importante era a tendência de
o processo da concorrência intersistemas levar em direção a uma padronização de facto
mediante a predominância de um único design de teclado. Para propósitos analíticos, a
questão pode ser simplificada da seguinte forma: suponha que os compradores de máquinas
de escrever são uniformemente sem preferências inerentes no que se refere a teclados, e se
preocupam apenas com a distribuição do estoque de datilógrafos entre os estilos alternativos
de teclados específicos. Suponha que os datilógrafos, por sua vez, são heterogêneos em suas
preferências de aprender datilografia baseada em QWERTY em relação aos outros métodos,
mas também atentos ao modo pelo qual o estoque de máquinas de escrever está distribuído de
acordo com o estilo do teclado. Então imagine que os membros dessa população heterogênea
decidam em ordem aleatória o tipo de treinamento datilográfico a adquirir. Pode-se perceber
que, na presença de custos de seleção irrestritamente decrescentes, cada decisão estocástica
em favor do QWERTY deve aumentar a probabilidade (mas não a garantia) de que o próximo
a escolher favoreça o QWERTY. Do ponto de vista da teoria formal de processos
estocásticos, o que estamos vendo agora é equivalente a um “modelo de urna de Polya”
generalizado. Em um modelo simples desse tipo, uma urna contendo bolas de várias cores é
formada com reposição, e sempre que uma bola de uma cor específica é retirada, é colocada
uma segunda bola da mesma cor da que será recolocada na urna; as probabilidades das cores
especificas das bolas que serão adicionadas são, portanto, funções lineares crescentes da
proporção em que as respectivas cores estão representadas dentro da urna. Um recente
teorema atribuído a W. Brian Arthur et al. (1983; 1985) permite-nos dizer que, quando uma
forma generalizada deste mesmo processo (caracterizado por retornos crescentes irrestritos) é

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repetida indefinidamente, a parcela proporcional de uma das cores irá, com probabilidade um,
convergir à unidade.
Havia muitos candidatos elegíveis à supremacia e, de um ponto de vista ex ante, não
poderíamos dizer com a correspondente certeza qual entre as cores contidas na urna – ou
arranjos de teclados rivais – seria a ganhadora da eventual dominância. Essa parte da história
provavelmente foi determinada por “acidentes históricos”, ou seja, pela seqüência particular
das escolhas feitas próximas ao início do processo. Isso quer dizer que fatores essencialmente
aleatórios, transientes são passíveis de exercer grande alavancagem, como foi mostrado
claramente pelo modelo de Arthur (1983) de dinâmica de concorrência tecnológica sob
retornos crescentes. A intuição sugere que, se as escolhas forem feitas olhando para o futuro,
em vez do modo míope de tomar como base de comparação os custos correntes
predominantes dos diferentes sistemas, o resultado final pode ser fortemente influenciado por
expectativas. Um sistema particular pode triunfar sobre os rivais meramente porque os
compradores do software (e/ou do hardware) esperam que assim ocorra. Esta intuição parece
ser sustentada pela recente análise formal de Michael Katz e Carl Shapiro (1983), e Ward
Hanson (1984) de mercados onde compradores de produtos rivais beneficiam-se de
externalidades condicionais ao tamanho do sistema compatível ou da “rede” à qual, mediante
tal compra, eles se unem. Embora a liderança inicial adquirida pelo QWERTY em suas
associações com a Remington fosse quantitativamente muito frágil, quando amplificada pelas
expectativas ela pode ter sido plenamente suficiente para garantir que na indústria
eventualmente ocorressem efeitos de lock in em relação de facto ao padrão QWERTY.
A ocorrência desse lock in já em meados da década de 1890 parece para ter algo a
ver também com os altos custos de “conversão” do software e com a resultante quase-
irreversibilidade do investimento em habilidades específicas de datilografia sem olhar. Assim,
no que diz respeito aos custos de conversão do teclado, uma importante assimetria tinha
aparecido entre os componentes de software e de hardware do sistema em evolução: os custos
de conversão do software da máquina de escrever estavam crescendo, enquanto os custos de
conversão do hardware estavam decrescendo. Enquanto as novas tecnologias sem barras de
tipo, desenvolvidas durante a década de 1880, estavam livrando os teclados da submissão
técnica ao QWERTY, os fabricantes de máquinas de escrever eram, pelo mesmo motivo,
liberados da submissão (imposta por custos fixos) a algum arranjo de teclado em particular.
Os fabricantes de máquinas de escrever com teclados diferentes do QWERTY, procurando
expandir sua parcela de mercado, podiam converter a baixo custo seus teclados para se
tornarem compatíveis com o estoque já existente de datilógrafos “programados” em

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QWERTY que, por sua vez, não se re-converteriam. Essa, então, foi a situação na qual
detalhes precisos da seqüência temporal de desenvolvimento tornaram lucrativo no curto
prazo, para a iniciativa privada, adaptar as máquinas aos hábitos dos homens (e das mulheres,
como era crescentemente o caso), em vez do contrário. E as coisas têm sido assim desde
então.

III. Mensagem

No lugar de moral da história, gostaria de deixá-los com uma mensagem de fé e de


esperança qualificada. A história do QWERTY certamente é intrigante para os economistas.
A despeito da presença das formas externalidade que a análise estática padrão nos diz que
interferem na obtenção do grau socialmente ótimo de compatibilidade no sistema, a
concorrência, na ausência de mercados futuros perfeitos, levou a indústria prematuramente à
padronização no sistema errado – sendo que decisões descentralizadas tomadas
subseqüentemente foram suficientes para mantê-lo. Resultados desse tipo não são tão
exóticos. Parece ser muito possível que tais coisas aconteçam na presença de fortes inter-
relações técnicas, economias de escala, e irreversibilidades devido ao aprendizado e ao hábito.
Elas não surpreendem os leitores preparados pelas passagens clássicas de Thorstein Veblen
em Imperial Germany and the Industrial Revolution (1915), sobre o problema do sub-
dimensionamento dos vagões de trem britânicos e “as penalidades de ser líder” (p. 126-27);
Elas podem ser incomodamente familiares aos estudantes quem são obrigados a assimilar os
detalhes merecidamente menos conhecidos de certos trabalhos (ver meus estudos de 1971 e
1975) sobre os obstáculos topográficos que se colocaram no caminho da mecanização
agrícola britânica, ou sobre a influência de eventos remotos da história dos preços dos fatores
nos Estados Unidos do século XIX sobre o subseqüente viés que emergiu na direção de
melhoramentos tecnológicos poupadores de mão-de-obra no sentido de Hicks em alguns
setores manufatureiros.
Acredito que existam muitos outros mundos QWERTY que se encontram lá no
passado, nas próprias fronteiras do universo arrumado do analista econômico moderno;
mundos que ainda não percebemos nem compreendemos inteiramente, mas cuja influência,
como a das estrelas escuras, não obstante estende-se para dar forma às órbitas visíveis de
nossos casos econômicos contemporâneos. Na maioria das vezes tenho certeza de que as
delícias absorventes e os temores silenciosos de explorar mundos QWERTY bastam para
atrair economistas aventureiros ao estudo sistemático de processos dinâmicos essencialmente

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históricos, que os seduzirão aos caminhos da história econômica e a uma melhor compreensão
de sua disciplina.

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