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Disciplina: Sociologia dos novos sujeitos

Código SOCI- 7052 Carga Horária 60


Quarta-feira de 14 - 18 horas online
Professora: Profa Dra Marlene Tamanini
tamaniniufpr@gmail.com

Ementa: ‘Da rua à academia’: movimentos sociais e históricos e a


emergência dos ‘novos protagonismos’. Novas epistemologias,
paradigmas e formas de’ fazer ciência’: a descolonização do saber.
Da teoria feminista às ‘multidões queer’. Interseccionalidades e
sujeitos. Pós-humanismo e sujeitos.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Apresentar e desnaturalizar os conceitos e as teorias com a finalidade
de produzir ciência crítica e visibilizar os atores e os novos sujeitos.
• Reconhecer os lugares, as experiências e as narrativas de sujeitos e de
identidades e dar voz as diferenças e interseccionalidades.
• Compreender a necessária decolonialidade dos movimentos, das
identidades e o lugar do pós identitário dos sujeitos.
• Unidade I - Introduzindo as questões: emergência de “novos protagonistas”; o lugar da interseccionalidade;
movimentos; política e atores, a problematização dos paradigmas clássicos

• MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015. p. 1-32.

• BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. 1 ed.
Trad. de Fernanda Siqueira Miguens. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. (livro todo).
•  
• BROWN, WENDY, MARINO, Antunes Mario. Nas Ruínas do Neoliberalismo: a Ascensão da Política
Antidemocrática no Ocidente Capa comum – Edição padrão, 31 outubro 2019
• CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of
Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, n. 1, p.
139-167, 1989.
Olhar alguns contextos
Os sentidos diversos de
Atores ???
A autora é Belga, cientista política
pós marxista e pós estruturalista.
Professora no Reino UNIDO.
• Ver os vídeos e pensar estas experiências de atores e atoras sociais.

• Coletânea de Documentários “Mulheres e Agroecologia”, produzida na parceria entre o Setor de Educação da


Universidade Federal do Paraná e o Coletivo de Mulheres do Assentamento Contestado – Lapa/PR.

• Doc1: “Eu faço parte dessa história! Eu faço parte dessa luta! Sem Feminismo não há agroecologia.

• Doc2: “A agroecologia também é um espaço de luta das mulheres”. Reforma Agrária Popular no Assentamento
Contestado.

• Doc3: “Tudo que vem para nós vem da terra”. Agroecologia - uma pedagogia do cuidado com a vida.

• Doc4: “Nenhuma mulher se emancipa com bolso vazio” Agroecologia com democracia de gênero.

• https://www.youtube.com/playlist?list=PLV9uJxmrjflDjJajM996lZkbjA5Be6IO1
• +- 16horas.
Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a
ideologia de gênero, conservando nossos valores. (BRASIL, BOLSONARO, 2019).

[...] os valores culturais em que se sedimentam as nossas instituições mais caras: a família, a igreja, a escola, o estado e a
pátria, numa clara tentativa de sufocar os valores fundantes da nossa vida social. [...] é preciso também considerar que,
sem o apoio das famílias, da sociedade, dos estados e dos municípios, nossas chances de sucesso diminuem
significativamente. (NOVA ESCOLA, RODRÍGUEZ, 2019).

Montamos nossa equipe de forma técnica, sem o tradicional viés político que tornou o Estado ineficiente
e corrupto. (BRASIL, BOLSONARO, 2019b). A corrupção, os privilégios e as vantagens precisam acabar. Os
favores politizados, partidarizados devem ficar no passado, para que o Governo e a economia sirvam de
verdade a toda a Nação. (BRASIL, BOLSONARO, 2019)
• O nosso bravo capitão Jair Messias Bolsonaro sobreviveu ao cruel atentado
e, nos braços do povo que o apoiou desde o início, ganhou, honrosamente e
com grande margem de votos, as eleições presidenciais, fazendo com que a
data de 28 de outubro de 2018 seja lembrada pelo povo brasileiro como o
dia da redenção de nosso país. (NOVA ESCOLA, RODRÍGUEZ, 2019).
• Nós vamos também libertar a política externa brasileira, vamos libertar o
Itamaraty, como o presidente Bolsonaro prometeu que faríamos, em seu
discurso de vitória. (BRASIL, ARAÚJO, 2019).

• Ver o texto abaixo de onde tirei as frases acima.


• SOUZA, Jéser Abílio de Souza, LEITE, Marcus Leite. Discurso político, ethos e
legitimidade: uma análise de discursos de posse do governo Bolsonaro.
Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v.54, 2020, e73829 ISSN 2178-
4582 http://dx.doi.org/10.5007/2178-4582.2020.e73829
Videos Chantal Mouffe De la pandemia a
guerra da Ucrania
• https://br.video.search.yahoo.com/search/video;_ylt=AwrEoXx62gtjbqM
hbD_z6Qt.;_ylu=Y29sbwNiZjEEcG9zAzEEdnRpZAMEc2VjA3BpdnM-?p=Ch
antal+Mouffe&fr2=piv-web&type=E211BR105G0&fr=mcafee#id=45&vid
=59f16792fde47b5f278109856520e379&action=view

• Um novo tempo? .
Um novo tempo
• Pandemia
• Guerra na Ucrânia
• Pessoas com fome
• Esgotamento do mundo neoliberal democrático?
• Desigualdades imensas medos e incertezas - tomará que seja
uma década curta.
• Segurança e esperança, - confiar que o futuro será melhor do que
presente. A esperança se trabalha cotidianamente.
Conjunturas atuais para pensar

Crise
Pistas de Crise Crise
geopolític
Chantal. sanitária climática
a
Crise Sanitária
• COVID e a pandemia. Exacerbou a hegemonia neoliberal como democracia
agregativa e deliberativa.
• Resistências ao modelo neoliberal no final desde 2008. A pandemia trouxe
outras questões. Sugere o populismo de esquerda adaptado à conjuntura
atual.
• As ações dos governos neoliberais para impedir o colapso durante a
pandemia. Muita intervenção estatal. A política neoliberal busca uma
reconquista por meio da intervenção do Estado. Aspecto que não se enquadra
com o intervencionismo de Estado. Novas formas de neoliberalismo.
Neoliberalismo digital autoritário. A pandemia significa um novo impulso por
meio das formas digitais ao neoliberalismo. O neoliberalismo que se adapta.
Fatores que explicam a nova fase

• Capitalismo digital não começou com a pandemia. O solucionismo


tecnológico já vem de muito tempo. Todos os problemas tem solução
tecnológica. Nova forma que toma a ideologia da terceira via
(Giddens) - a sociedade estaria mais madura sem direita e sem
esquerda. A pandemia retomou as tensões por meio do solucionismo
tecnológico. A solução são as medidas digitais. (google, apps, ....).
• Solução as medidas devem ser implementadas para o resto da
sociedade. Assim os governos liberais que resistiam as tecnologias
agora eles as legitimam.
• As pessoas pedem proteção e soberania.
• De que maneiras? Nacionalismos? Fechamento de fronteiras?
• OU integração digital. As pessoas hoje estão aceitando as medidas e
soluções tecnológicas como forma de proteção. É preciso pensar as
demandas de proteção fora das soluções ?
• autoritárias...............enfatizar os elementos democráticos.
• A proteção precisa ser provida com medidas que democratizem a
sociedade para a política de esquerda. Isto é progressista e não
conservador. Proteção que faça avançar a democracia e sair do
instrumentalismo.
Crise climática

• Tem pelo menos 50 anos com anúncios, denúncias, - caminho que de


fato leva questões importantes e que foram pouco reconhecidas.
• A crise se acelerou imensamente. O momento é muito perigoso.
• Havia forças negacionistas climáticas, hoje não são maioria. As
pessoas reconhecem ..... Contudo, as respostas são diversas. EX:
capitalismo verde - neoliberal. Possibilidades ? A solução é o
capitalismo verde. Nova etapa do capitalismo......................é crucial
para a esquerda pensar isto - como vai articular a demanda de
proteção com a crise climática do aquecimento global.
Chantal pensa uma bifurcação
• Ruptura com o capitalismo financeiro. Ele acelerou a crise.
Reconhecer o papel que as indústrias fósseis tiveram. E colocar
fim as indústrias fósseis. Sem perder o trabalho.
• Para políticas de esquerda é preciso pensar a articulação com a
luta contra a desigualdade para lutar contra a crise climática e
avançar a favor da democracia (feminismo, anti - racista, LGBTQIA+,
). Interpelar muitos setores. Defender uma bifurcação ecológica
que articule as lutas em busca de igualdade. Somar as boas
políticas aos afetos políticos. As pessoas não aceitam só boas
políticas. As ideias para ganhar força precisam encontrar afetos.
O racionalismo de esquerda esquece dos
afetos.
• As ideias para ter força necessitam encontrar afetos (Spinosa).
• Como fazer que a gente se engaje nos programas. Criar o desejo de
mudanças. A crise climática traz a urgência e agora traz os
desejos? Os afetos? O mundo tem desejo de mudança? Aparecem
afetos que tomam em conta a crise climática. Fazer ações para a
habitabilidade do planeta. Não podemos destruir a
decência da vida. O planeta esta inabitável. As relações entre os
humanos e não humanos. A TERRA é de todos! Mobilizar afetos.
Bifurcação ecológica..............
Revolução democrática verde - se trata de inscrever a luta ecológica no contexto
que se faz como política progressista. Dentro de um processo de radicalização da
democracia. A democracia se desenvolveu primeiro como luta pro direitos. Depois
por meio do socialismo se entrou em uma época de reconhecimento dos direitos
sociais. Depois (terceira etapa) se estendeu os direitos para outras questões
feministas, anti-racistas, ......... Hoje é preciso entrar em nova etapa -
revolução democrática verde como defesa da justiça
social. Precisa colocar em questão o modelo extrativista e o
modelo produtivista que domina nossa sociedade. Eles
produzem os mais pobres. Justiça social que não tome
isto a sério não leva ao desenvolvimento da democracia.
• Articular a luta contra o aquecimento global com
a questão democrática, a luta contra as
desigualdades. A revolução verde deveria ser o
centro da luta de esquerda.
• Criar cadeias de equivalências. Articulação que cria
afetos por meio de uma ideia de um mito. Uma
ideia de futuro que impulsione a luta do presente.
Articular por meio de princípios
hegemônicos..............uma ideia, um mito, a
revolução democrática verde pode reunir os
afetos e as ideias. ......................
Crise geopolítica

• Lutar contra a normalização da guerra e a


militarização da sociedade. Estamos vivendo um
processo de militarização da sociedade.
• A guerra é uma catástrofe total. Os EUA estão
vendendo tudo para a guerra..................300 mil
militares americanos na guerra. Indústrias
militares, gás...............Desenvolvimento de novos
polarismos precisam ser superados EUA e China.
Ex: o movimento
Chantal defende um
latino americano
mundo multipolar
saído do Chile. Não
com independências
alienação ativa. Não
políticas.
alinhamento ativo.
Soberania
Não vamos tomar
energética para a
partido, mas vamos
Europa por exemplo.
fazer arreglamentos.
•Questões para a teoria
Segundo Chantal Mouffe (2015), a criação de uma
identidade implica em estabelecer diferenças com
outras identidades. Na construção de identidades
coletivas, cria-se um “nós” cuja condição de existência é
a demarcação de um “eles”. Nem sempre essa relação
“nós/eles” é uma relação de amigo/inimigo, mas, em
muitos casos, o antagonismo estrutura-se justamente a
partir de um “nós/eles” em que o “eles” estaria
questionando a identidade e ameaçando a existência do
“nós” (MOUFFE, 2015). Adversários....................
O prefácio de Katya Kozicki diz sobre
Mouffe

A ela não interessa Toda a sua análise tem, em


primeiro lugar, um objetivo
apenas produzir um político, questionador e
exercício analítico sobre a transformador. Em tempos que
realidade, mas também podemos chamar de difíceis para
criar as condições de o pensamento democrático e
possibilidade para uma para a política democrática é
fundamental conhecer o trabalho
intervenção concreta na de uma pensadora que, acima de
pólis e no mundo em tudo, tenta pensar a política de
geral. maneira diferente, de maneira
radicalmente democrática.
• Antes de passar à apresentação do livro que ora prefacio, gostaria de
tecer algumas considerações mais gerais sobre o trabalho da autora e o
referencial teórico que o orienta. Diferentemente de outros teóricos da
chamada democracia radical,

Mouffe desenvolve seu pensamento assumindo o


antagonismo e o conflito como categorias centrais do
político e afirmando a importância do dissenso como
elemento fundamental da democracia.

O Estado não é só coerção. É também consenso.


(GRAMSCI).
Para a autora são três as motivações para os indivíduos
atuarem:
interesses, a razão e as paixões.
Ao introduzir o elemento passional na filosofia política, a matriz da
democracia radical pretende ampliar o campo de análise dos motivos das
ações humanas para fora do debate interesse X razão. Essa teoria parte da
constatação de que a chamada revolução democrática constitui um marco
na história do pensamento político e inicia um novo tempo para a filosofia
política, importância esta que também pode ser percebida no plano
epistemológico. P. VIII do prefácio.
E fundamental perceber
A distinção entre a distinção entre o político e a política.
Recorrendo a Heidegger, a autora diferencia o nível "ôntico" (onde se insere a política)
do nível "ontoIógico" (nível do político). A política tem como referência o
campo empírico, os fatos da atuação política, ao passo que o
político está relacionado à própria formação da sociedade.

O político representaria um espaço de poder, conflito e antagonismo: "entendo por “o


político” a dimensão de antagonismo que considero constitutiva das sociedades
humanas, enquanto entendo por 'política' o conjunto de práticas e instituições por meio
das quais uma ordem é criada, organizando a coexistência humana no contexto
conflituoso produzido pelo político" (p. 8).
Na sua visão "o que está em jogo
Uma de suas preocupações na discussão acerca da natureza
centrais refere-se justamente às do 'político’ é o próprio futuro
práticas da política democrática da democracia" (p. 8). Eis por
que ser absolutamente
Ver
necessário a correta apreensão
¿Qué es política? Intervención de
Chantal do que venha a ser o político e a
Mouffe. - Bing vídeo perspectiva de conflito e
antagonismo a ele associada de
maneira inafastável.
A autora parte de uma separação objetiva entre os dois
projetos constitutivos do Iluminismo:
O projeto epistemológico , significado pela ideia de
autofundação (self- foundation) e por outro lado, a ideia
de auto-afirmação (Self- assertion).
A MATRIZ teórica da democracia radical parte do pressuposto de que
é possível defender o projeto político da modernidade sem que isso
implique a vinculação uma forma específica de racionalidade.
Recuperar as pessoas que já sentem a pobreza, mas também os
dissensos.... E sair da esquerda e direita...........
• Considerar que a democracia radical se
autoqualifica dentro da divisão direita e
esquerda, como uma proposta de esquerda.
• ..... reconhecendo que deveria ser um objetivo da esquerda a extensão
e o aprofundamento da revolução democrática e ao mesmo tempo,
afirmando que é necessário radicalizar a tradição democrática
moderna. Característica dessa tradição é a noção de que o poder é um
lugar vazio, ou seja, nenhum indivíduo ou grupo pode ocupar o seu
lócus, o que poderia conduzir a uma unificação imaginária da
sociedade. A democracia acontece com a despersonificação do
poder, com a historização dos fins da sociedade e com a concepção
de que o povo é soberano.
• Ao mesmo tempo, a indeterminação de sentido
característica da modernidade implica que a
democracia questione a si mesma o tempo todo. A
ausência de uma fonte superior de lei, poder
conhecimento implica que o legítimo e o ilegítimo
não possam ser definidos de maneira absoluta.
• Tudo é definido no espaço público e o que vem a ser legitimo é sua
constante discussão. É a discussão no espaço público que define os
sentidos. Do que é legitimo, por isso não há respostas apriorísticas.
•Hoje o assunto relevante
é o
ecológico...................crise
climática............se o capital
financeiro não é colocado
em questão não se avança.
•No reino da política prevalece um conflito com o sentido de verdade racional e a política. Cada esfera (filosofia/política possui
critérios de validação e legitimação e o político não permite o estabelecimento de verdades universais.
•A centralidade da categoria hegemonia - o conceito de hegemonia
esta relacionado à construção de um campo discursivo que pretende
atuar como elemento de convergência de sentido entre diferentes
possibilidades significativas, capazes de agregar no seu interior
diferentes demandas , pontos de vista e atitudes. A ocorrência de um
novo campo discursivo, resultante de determinada prática de
articulação, capaz de impor a si mesma como hegemônica, vai
acarretar a redefinição dos termos do debate político e
estabelecer uma nova agenda..... Mas agendas hegemônicas
sempre se desenvolverão em uma arena de conflitos - a política
sempre será indissociável do conflito.
Esclarecer a visão de política
• A categoria hegemonia faz referência a GRAMSCI...) para ele a
hegemonia se refere a direção política, intelectual e moral que
exerce uma classe fundamental e por meio da qual articula em
um bloco histórico suas relações com os interesses de outros
grupos. O sentido comum. O Estado é um elemento de
consenso. Coerção mais consenso.
• O problema é que muitas vezes estes aspectos são tomados
como imposição da classe dominante.
• E se esquece que se trata de uma prática que produz sujeitos.
Vai além do economicismo.
MOUFFE
• Aprofunda e rompe com GRAMSCI.
como se pode
• O desenvolvimento consiste em perguntar
conceber a sociedade para que a hegemonia
seja possível? Este não era um problema pensado por Gramsci.
Não se pode pensar hegemonia se a ideia já esta dada dentro
das relações de produção, se a identidade esta dada dentro das
relações com a classe, não dá para pensar hegemonia. Se as
identidades são reflexos das relações de produção não há como
pensar a hegemonia. A perspectiva é essencialista.
• A ideia esta dentro dos campos discursivos ........................
• Sociedade como espaço discursivo. Qual era a problemática
filosófica?
1. Sociedade como espaço discursivo e estruturado por práticas
políticas hegemônicas.
2. Pensar o espaço discursivo como o lugar de confrontação
entre projetos não reconciliáveis. Não se trata de colocar-se em
acordo. É uma luta na qual há de fato um antagonismo.
Dai a importância deste conceito. MOUFFE - A reflexão teórica
é fundamental. Não existe o privilegio do principio articulador
apriori. O que no hegemônico está em questão é a vontade
coletiva com projetos de como organizar a sociedade.
Como se constroem as vontades coletivas?
• Elas são as articulações com demandas
democráticas - Gramsci seria a necessidade de
articular a luta dos operários do Norte da Itália
com os campesinos do Sul. Hoje precisa pensar os
novos movimentos feminismos, ecologia, muitas
demandas democráticas precisam ser articuladas
hoje.
Mouffe propõe pensar cadeias de
equivalências
• Não se trata de demandas de classes, mas de criar novas
formas de subjetividades.
• Não é simplesmente colocar juntas demandas distintas. OU de fazer
a organização da multiplicidade. As cadeias de equivalências
exigem a construção do Nòs.
• 1 Determinar um adversário - ELES e nós. 2. Reconhecer as
demandas democráticas e criar a vontade comum. O
desejo comum. 3. Reformulação da subjetividade.
Princípio articulador
Para GRAMSCI era o moderno príncipe.

A vontade coletiva requer a articulação de dois níveis.

O nível horizontal que expressa as demandas sociais, os movimentos sociais,

Nivel vertical – forma vertical do partido que permite articular a


vontade coletiva. Partido movimento, não o tradicional.

A hegemonia se modifica constantemente. A


explosão de demandas precisa de um lugar
articulador.

Esta política se constrói em articulações


com muitos níveis: cultural, ideológico,
econômico.................não há um lugar só.
• A luta é de posições. Não é algo final. A luta de posições
permanece, mesmo quando os primeiros objetivos parecem
alcançados.
• Precisa abandonar a dicotomia entre reforma e revolução.

• A luta de posições tem momentos distintos: reforma, ruptura, as


eleições são um elemento. Não é o final da luta.

• ¿Qué es la política? - Bing video


Já na Introdução a autora alerta
que um dos seus objetivos centrais
é combater o que ela chama de Essa seria uma visão antipolítica,
pós-político, ou seja, uma visão de que se nega a compreender o
mundo marcada por uma caráter conflituoso das sociedades
perspectiva otimista da contemporâneas e a
globalização e uma crença na impossibilidade de erradicação do
possiblidade de um mundo sem conflito e dos antagonismos
inimigos, pautado pela ideia de sociais..
consenso e além da tradicional
dicotomia esquerda e direita.
Consenso e reconciliação não podem ser
objetivos centrais da política democrática - a O objetivo do Capítulo 1 é apresentar
democracia precisa, em realidade, da criação o arcabouço teórico da crítica
de um espaço vibrante de discussão, proposta por Mouffe a essa
marcado por uma perspectiva perspectiva pós-política. A premissa
agonista da política com central aqui trabalhada é a distinção
sistemas de equivalências a (já referida acima) entre a política e o
político, sendo o antagonismo a
serem discutidos característica específica do político.
democraticamente.
• Tomando como base o pensamento de Carl Schmitt, exposto no livro O
conceito do político, Mouffe vai desenvolver uma crítica ao individualismo
liberal e a uma perspectiva racionalista do político. Apropriando-se da
distinção que Schmitt estabelece entre o nós e o eles - amigo/inimigo -, a
autora procura afirmar a inafastabilidade do conflito na esfera política e
a ideia de que todo consenso gera exclusão.
Contudo, Mouffe se apropria de Schmitt mas também pensa Schmitt
contra ele próprio. Schmitt estava preocupado em demonstrar a
falência da democracia representativa – ele considerava a lógica da
democracia incompatível com o liberalismo. Ao contrário de Schmitt
que se preocupava com a maneira pela qual a democracia exigia a
existência de um demos homogêneo, Mouffe se preocupa com a
maneira pela qual a distinção amigo/inimigo pode ser compatível com
o pluralismo democrático.
Mouffe parte do fato de que toda ordem política
se baseia em alguma forma de exclusão, a autora
analisa as práticas de articulação que
estabelecem determinada ordem e que se tornam
hegemônicas. A política democrática deve colocar
o poder e o antagonismo no centro de sua
concepção. Nesta ótica o conflito é algo que se
estabelece entre adversários e não entre
inimigos.
• O poder , em sua análise não é uma relação
externa a duas identidades pré-constituídas . Ao
contrário, ele constitui essas identidades no
processo. Toda ordem política é a expressão de
uma hegemonia, de um específico conjunto de relações
de poder - assim a prática política não pode ser vista
como representativa de interesses de sujeitos pré-
constituídos , é ela mesma que os constrói, num
terreno sempre precário e vulnerável.
Dessa forma, a tarefa da política seria Sua resolução será
criar canais pelos quais as paixões
possam ser mobilizadas, e que sempre provisória e
permitam a criação de modos de além da possibilidade
identificação por meio dos quais o
"outro" seja visto como adversário e de uma discussão
não como inimigo. racional, pois as paixões
O conflito entre os adversários é
inerradicável,.... mas esse conflito não
que os constituem
é quanto aos princípios que devem estarão sempre
reger a comunidade política e sim presentes. Não é uma
quanto à interpretação que
diferentes indivíduos ou grupos solução de especialistas
podem dar a eles. e técnicos.
• No Capítulo 2 é analisado o pensamento de diversos autores que
visualizaram, já na década de 1960, a chegada de uma "sociedade pós-
industrial" e que, mais tarde, viriam a comemorar o "fim das ideologias".
O objetivo de tal análise é pensar a consequência que eles
representam para a política democrática.

• Explorando o argumento principal de Ulrich Beck de que, após uma


primeira etapa de "modernização simples", caracterizada pela crença na
sustentabilidade ilimitada do progresso tecnológico-econômico
espontâneo - cujos riscos podiam ser contidos graças a instituições
monitoradas apropriadas -, hoje nós vivemos uma época de
"modernização reflexiva", caracterizada pelo surgimento de uma
"sociedade de risco", ......................
Mouffe vai apresentar a ideia de subpolítica desse autor e
de que maneira a política já não pode ser pensada apenas
dentro dos espaços tradicionais. Enfatizando a
possibilidade de uma ação de baixo para cima, Beck
procuraria ressaltar o papel que grupos podem ter no
processo de moldar a política. Enfatizando o papel da
dúvida, a sociedade seria incapaz de pensar em termos
de amigo e inimigo e, como consequência, os conflitos
seriam pacificados. No caso de Anthonio Giddens, a
autora ressalta que seu conceito chave seria o de
"sociedade pós-tradicional“ e a superação da dicotomia
direita e esquerda.
Mouffe critica a pretensão de pensar a democracia para além
do modelo adversário. Para a autora, a negação dessa forma
agonística dos conflitos políticos levaria a uma posição antagonística, não
mais pautada pela noção de adversário e sim pela noção de inimigo.

O centro da divergência entre Mouffe, de um lado, e Beck e Giddens de


de outro, está a forma de encarar a luta política. Para a autora, a
radicalização da democracia exige a transformação das estruturas de
poder existentes e a construção de uma nova hegemonia . Para explicitar
a fronteira que diferencia o nós/eles é necessário descobrir o que está do
outro lado da fronteira. lsso não é apenas uma diferença entre tantas.
Ao contrário, será , algo que se contrapõe radicalmente a todas as
diferenças e identidades dentro do sistema discursivo.
A maneira pela qual essa diferença radical se
manifesta só pode ser encontrada através de nessa
cadeia de equivalências, que subverteria o caráter
diferencial das identidades discursivas. A partir da sua
inscrição nessa cadeia de equivalências as diferenças
entre as diversas identidades entrariam em colapso,
construindo uma forma de identificação coletiva.
NO capítulo 3..............
• Partindo do pressuposto de que hoje o politico foi
jogado para a esfera moral – ainda pautado por uma
distinção nós/eles mas não mais pensada através das
categorias políticas e sim em termos morais a autora
analisa as consequências deste deslocamento tanto
para a política doméstica, quanto internacional. A
análise se ocupa em mostrar os perigos que uma
perspectiva de consenso pode trazer para a política
democrática.
No capitulo 4
• Discute a respeito de qual ordem mundial seria mais apropriada. Se
cosmopolita ou multipolar.
• Para Mouffe uma visão cosmopolita do mundo assume o falso
pressuposto de negação do político e da incapacidade de
compreensão do pluralismo que caracteriza as sociedades
contemporâneas. Objetiva advogar a conveniência de uma nova ordem
mundial multipolar. Novas organizações mundiais com o
estabelecimento de procedimentos e instituições que configurem mais
um nível de representação política em convivência com os Estados
Nação. Aponta a necessidade de pluralização da hegemonia - o que
ela acredita ser possível com a formação de blocos regionais.
• Saindo do terreno doméstico e tendo em vista o cenário internacional,
o pluralismo advogado por MOUFFE PRESSUPÕE o abandono do
modelo eurocêntrico e a necessidade de que sejam aceitas outras
formas de organização e tradições que não as ocidentais. Essa
perspectiva tem consequências para os direitos humanos, - implica
em questionar sua universalização.
• Nesta ótica será preciso pluralizar o debate acerca dos direitos
humanos, para que eles não sejam utilizados como instrumento de
imposição da hegemonia ocidental.

• Até aqui é prefácio


Introdução

Ela afirma que quer discordar da visão


que fundamenta o “senso Comum “ - a
ideia de que o estagio de desenvolvimento
econômico e político a que chegamos
representa um avanço importante na
evolução da humanidade e que
deveríamos nos alegrar................
• Superar a crença de que O "mundo livre venceu
o comunismo e, com o enfraquecimento das
identidades coletivas, hoje é possível viver em um
mundo "sem inimigos. Os conflitos sectários
fazem parte do passado e o consenso pode ser
alcançado por meio do diálogo. Graças à
globalização e a universalização da democracia
liberal, podemos esperar um futuro cosmopolita
que nos trará paz, prosperidade e a implementação
dos direitos humanos em todo o mundo.
• Quero discordar dessa visão "pós-política. Meu alvo principal serão
aqueles do campo progressista que aceitam essa perspectiva otimista da
globalização e que se tornaram defensores de uma forma consensual de
democracia. Examinando algumas das teorias em voga que sustentam o
pós-político num conjunto de áreas - sociologia, teoria política e
relações internacionais sustentarei que essa é uma
abordagem profundamente equivocada e que,
em vez de contribuir para uma "democratização
da democracia", ela se encontra na origem de
muitos dos problemas que as instituições
democráticas enfrentam atualmente.
• Conceitos como "democracia sem partidos , democracia dialógica,
democracia cosmopolitica, sociedade civil global. Todos fazem parte
de uma visão anti-politica comum. Se recusa a aceitar esta visão
antagonistica constitutiva do político. O propósito liberal é criar um
mundo que esteja, além da esquerda e da direita", "além da hegemonia,
além da soberania, e "além do antagonismo".
• Esse desejo revela uma absoluta falta de compreensão do que está em jogo
na política democrática e da dinâmica da constituição de identidades
políticas, e, como veremos, contribui para exacerbar o potencial de
antagonismo presente na sociedade.
• Estou convencida de que imaginar o objetivo da
política democrática em termos de consenso e
reconciliação não é somente um equívoco
conceitual, mas também algo que envolve inúmeros
riscos políticos. O anseio por um mundo no qual a
dicotomia nós/eles estaria superada está baseado em
falsas premissas, e aqueles que compartilham essa
visão certamente não compreendem a verdadeira
tarefa que a política democrática tem diante de si.
• Durante muito tempo a teoria democrática imbuiu-se da crença de que a
bondade interior e a inocência original do ser humano eram condições
necessárias para assegurar a viabilidade da democracia. Uma visão idealizada
da sociabilidade assegurar a viabilidade da democracia. Uma visão idealizada
da sociabilidade humana, como algo induzido essencialmente pela empatia e
pela reciprocidade, foi o que forneceu, no geral, as bases do moderno
pensamento político

• A violência e a animosidade são consideradas um fenômeno arcaico que


será eliminado graças ao avanço do diálogo , e o estabelecimento, por meio
de um contrato social, de uma relação transparente entre indivíduos
racionais. Aqueles que contestaram essa visão otimista foram
automaticamente considerados como inimigos da democracia. Poucas
tentativas foram feitas
• Poucas tentativas foram feitas para elaborar o projeto democrático com
base numa antropologia que reconheça o caráter ambivalente da
e o fato de que não se pode
sociabilidade humana
dissociar reciprocidade de animosidade.
Defendo que a crença na possibilidade de um consenso racional universal pôs
o pensamento democrático no caminho. Em lugar de tentar projetar as
instituições que, por meio de procedimentos supostamente "imparciais",
reconciliariam todos os interesses e valores contraditórios, a tarefa dos
teóricos e políticos democráticos deve ser imaginar a criação
de uma vibrante esfera pública "agonística" de
contestação, na qual diferentes projetos políticos
hegemônicos possam se confrontar. Essa é a condição
segundo Mouffe para o exercício da democracia.
• O que farei é: pôr em destaque as consequências para a política democrática
de se negar’ o político" tal como definido por mim. Revelarei como a
abordagem consensual, em vez de criar as condições para a reconciliação
da sociedade, leva ao surgimento de antagonismos que uma perspectiva
agonística, ao oferecer a esses conflitos uma força legítima de expressão,
teria conseguido evitar.
• Dessa forma espero demonstrar que reconhecer
a
inerradicabilidade da dimensão conflituosa da vida
social, longe de solapar o projeto democrático, é a
condição necessária para compreender o desafio
diante do qual a política democrática se encontra.
• Em razão do racionalismo costumeiro do discurso político liberal, foi
geralmente entre teóricos conservadores que encontrei insights
decisivos para uma compreensão adequada do político. Eles conseguem
abalar mais nossas hipóteses dogmáticas que os apologistas liberais. É
por isso que decidi conduzir minha crítica do pensamento liberal sob a
égide de um polêmico pensador como Carl Schmitt.
Estou convencida de que, como um dos mais brilhantes e intransigentes
adversários do liberalismo, podemos aprender muito com ele. Tenho
plena consciência de que, em razão de seu comprometimento com o
nazismo, essa preferência pode provocar resistência. Muitas pessoas
considerarão essa opção um tanto perversa, quando não completamente
ultrajante.
Uma das teses centrais deste livro é que
contrariamente àquilo que os teóricos pós-
políticos querem que acreditemos, o que
testemunhamos atualmente não é o
desaparecimento da dimensão antagônica do
político, mas algo diferente.
O que acontece é que hoje em dia o político é jogado para a esfera moral.
Em outras palavras, ele ainda consiste numa dicotomia nós e eles,
porém, em vez de ser definido por meio de categorias políticas polÍticas, o
nós/eles agora é estabelecido em termos morais. No lugar do conflito entre
"direita e esquerda', vemo-nos diante do conflito entre "certo e errado".
• Meu argumento é que, quando não existem canais disponíveis por meio
dos quais os conflitos poderiam assumir uma forma "agonística", eles
tendem a surgir de maneira antagonística.

• Ora, quando, em vez de ser formulado (‘como um confronto político


entre “adversários", o confronto nós /eles é visto como um confronto
moral entre o bem e o mal, o oponente só pode ser percebido como um
inimigo a ser destruído, e isso não favorece um tratamento agonístico.
Daí a eclosão generalizada de antagonismos que questionam os próprios
parâmetros d a ordem existente.
Outra tese diz respeito à natureza das identidades coletivas que sempre
acarretam uma dicotomia nós/eles. Elas desempenham um papel
fundamental na política, e a tarefa da política democrática não é superá-
las pro meio do consenso, mas elaborá-las de uma forma que estimule
o confronto democrático.

O erro der racionalismo liberal é ignorar a dimensão afetiva que as


identificações coletivas mobilizam e imaginar que essas supostas
paixões arcaicas irão certamente desaparecer com o crescimento do
individualismo e o avanço da racionalidade. É por essa razão que a teoria
democrática se encontra tão despreparada para compreender a natureza
dos movimentos políticos "de massa" e de fenômenos como o
nacionalismo.
• O papel desempenhado pelas paixões na política revela que, para
chegar a um acordo com "o político", não basta que a teoria liberal
reconheça a existência de uma multiplicidade de valores e que exalte a
tolerância. A política democrática não pode se limitar a estabelecer
uma solução conciliatória entre interesses ou valores ou a deliberar
acerca do bem comum; ela precisa apoiar-se concretamente nos
desejos e nas fantasias do povo. Para ser capaz de mobilizar paixões que
se voltem para projetos democráticos, a política democrática precisa
possuir um caráter partidário.
• Na verdade, essa é a função da diferenciação entre esquerda e direita, e
devemos resistir ao apelo dos teóricos pós-políticos para que
pensemos para além da esquerda e da direita.
• Existe uma última lição que podemos extrair da reflexão sobre o
'político". Se está excluída a possibilidade de se chegar a uma ordem’
para além da hegemonia", qual a consequência disso para o projeto
cosmopolita? Será que ele poderia ser algo mais que o estabelecimento
da hegemonia mundial de uma potência que teria conseguido ocultar seu
domínio identificando seus interesses com os interesses da humanidade?
Contrariamente a inúmeros teóricos que consideram que o fim do sistema
bipolar traz a esperança de uma democracia cosmopolita, sustentarei que
só poderemos evitar os riscos que a atual ordem unipolar acarreta
implementando um mundo multipolar, com um equilíbrio entre diversos
polos regionais que permita a existência de urna pluralidade de potências
hegemônicas. Essa é a única forma de evitar a hegemonia de uma única
superpotência.
Onde
parei................

Inicio da
II aula
1 A política e o político
• O capítulo se foca nos argumentos de que existe distinção entre o
político e a política.
• O fato de fazer essa distinção sugere que existem dois tipos diferentes de
abordagem: o da ciência política, que lida com o campo empírico
da "política", e o da teoria política, esfera de ação dos filósofos,
que não investigam os fatos da "política", mas a essência do
"político". Se quiséssemos expressar essa distinção de maneira
filosófica, poderíamos dizer, recorrendo a Heidegger que a política se
refere ao nível "ôntico", enquanto "o político" tem a ver com o nível
"ontológico".
Isso significa que o ôntico tem a ver com as diferentes práticas da política convencional,
enquanto o ontológico refere-se precisamente à forma em que a sociedade é fundada.

Mas isso ainda deixa aberta a possibilidade de uma enorme discordância a


respeito daquilo que constitui "o político".

Alguns teóricos, como Hannah Arendt, encaram o político como um espaço de liberdade e de
discussão pública, enquanto outros o consideram um espaço de poder, de conflito e de
antagonismo. Minha compreensão do "político" faz parte, evidentemente, da segunda
perspectiva.
• entendo por "o político" a dimensão de antagonismo
que considero constitutiva das sociedades humanas, enquanto entendo
por "política" o conjunto de práticas e instituições por meio das quais
uma ordem é criada, organizando a coexistência humana no contexto
conflituoso produzido pelo político. A minha principal área de
investigação deste livro diz respeito às práticas da política democrática, e
está, portanto, Iocalizada no nível "ôntico". Não obstante, sustento que
é a falta de compreensão do "político" em sua dimensão
ontológica que está na origem da atual incapacidade de pensar
de forma política. Embora uma parte significativa de minha
argumentação seja de natureza teórica, meu objetivo principal é político.
Escutar o vídeo

Chantal Mouffe y el pluralismo agonista
Chantal Mouffe utiliza el concepto de pluralismo 
agonista para presentar una nueva forma de pensar la
democracia, diferente de la concepción liberal tradicional de la
democracia e da perspectiva de Smitt.
• Estou convencida de que o que está em jogo na discussão acerca da
natureza do "político" é o próprio futuro da democracia.

• Embora uma parte significativa de minha argumentação seja de


natureza teórica, meu objetivo principal é político. Estou
convencida de que o que está em jogo na discussão
acerca da natureza do "político é o próprio futuro da
democracia. É por essa razão que precisamos urgentemente de uma
abordagem alternativa que nos permita compreender os desafios que
estão colocados hoje para a política democrática.
O político como antagonismo
• O ponto de partida da minha investigação é nossa atual incapacidade ,
de enfrentar de maneira política, os problemas que se apresentam as
nossas sociedades. Quero dizer com isso que questões políticas não
são simplesmente problemas técnicos que devem ser resolvidos por
especialistas. Questões estritamente políticas sempre envolvem
decisões que exigem se escolha entre alternativas conflitantes.
• Sustentarei que essa incapacidade de pensar
politicamente se deve, em grande medida, à
indiscutível hegemonia do liberalismo.
• Meu propósito é pôr em evidência a principal deficiência do
liberalismo no campo político: sua negação do caráter inerradicável
do antagonismo.
• "Liberalismo", tal como Mouffe entende, refere-se a um Discurso
• Com inúmeras variáveis, unidas não por uma essência
mas por uma infinidade de "semelhanças de
famílias....................p. 9
Toma Schmitt

Schmitt dirá , sem rodeios, que o genuíno e rigoroso


princípio liberal não poderia dar origem a uma
concepção que fosse inequivocamente política. Em sua
visão, todo individualismo coerente precisa negar o
político, uma vez que ele exige que o ponto de referência
fundamental continue sendo o indivíduo.
Schmitt diz:
• "De maneira bastante sistemática, o pensamento liberal evita ou
ignora o Estado e a política, movendo-se, em vez disso, numa típica
polaridade recorrente entre duas esferas heterogêneas, a saber, ética
e economia, intelecto e comércio, educação e propriedade. A
profunda desconfiança do Estado e da política é facilmente explicada
pelos princípios de um sistema segundo o qual o indivíduo precisa
continuar sendo termínus a quo et terminus ad quem. O
individualismo metodológico que caracteriza o pensamento liberal
impossibilita a compreensão da natureza das identidades coletivas.
• Ele Iida com a formação de um "nós" contrário a um "eles", e está sempre
relacionado a formas coletivas de identificação; ele tem a ver com conflito e
antagonismo, sendo, portanto, a esfera da decisão, não do livre debate. O
político, como diz ele, "pode ser compreendido somente no contexto dos
grupamentos amigo/inimigo, malgrado as perspectivas que essa
possibilidade pressupõe com relação à moralidade, à estética e à
economia“.
• Um aspecto fundamental da abordagem de Schmitt é que, ao
demonstrar que todo consenso se baseia em atos de exclusão,
ela revela a impossibilidade de um consenso "racional "
plenamente inclusivo.
• Ora, como indiquei, depois do individualismo, o
outro traço fundamental do pensamento liberal
é a crença na viabilidade de um consenso
universal baseado na razão. Portanto, não é de
admirar que o político constitua seu ponto cego.
O político não pode ser compreendido pelo
racionalismo liberal pela simples razão de que
todo liberalismo coerente exige a negação da
irredutibilidade do antagonismo.
O liberalismo tem que negar o antagonismo porque, ao pôr em primeiro plano
o incontornável momento de decisão - no sentido , no sentido profundo de
ter de decidir em um terreno indefinido -, o que o antagonismo revela é o
próprio limite de qualquer consenso racional, Na medida em que o
pensamento liberal adere ao individualismo e ao racionalismo, sua cegueira
frente ao político em sua dimensão antagonista não é, portanto, mera
omissão empírica, mas uma omissão constitutiva.
• Smitt chama a atenção para o fato de que "existe um projeto liberal sob a
forma de uma polêmica antítese contra o Estado, a Igreja ou outras
instituições que restrinjam a liberdade individual. Existe um projeto
liberal para o comércio, a lgreja e a educação, mas indubitavelmente, não
existe política liberal, apenas uma critica liberal da política. P. 11

• A teoria sistemática do liberalismo preocupa-se quase que unicamente com


o combate interno do poder do Estado. Contudo, diz ele, a tentativa
liberal de aniquilar o político esta fadada ao fracasso.
• O político nunca pode ser erradicado porque
consegue extrair sua força dos mais diversos ,
empreendimentos humanos: "toda antítese
religiosa, moral, econômica, ética ou outra
transforma-se numa antítese política se for
suficientemente forte para reunir eficazmente os
seres humanos em grupos de amigos e inimigos“.
Pluralismo e a relação amigo e inimigo
• Sugiro, ..................... "com Schmitt contra Schmitt", usando sua critica
ao individualismo liberal para propor uma nova compreensão
democrática...

• O objetivo é ressaltar o fato de que a criação de uma identidade


implica o estabelecimento de uma diferença, diferença essa que
muitas vezes se constrói com base numa hierarquia: por exemplo,
entre forma e conteúdo, preto e branco, homem e mulher.
• ...uma vez tendo compreendido que toda identidade
é relacional e que a afirmação de uma diferença é a
precondição para a existência de qualquer identidade . ou
seja, a percepção de um "outro" que constitui seu "exterior', -,
creio que estamos em melhores condições para
compreender os argumentos de SMITT a respeito da
possibilidade sempre presente do antagonismo e de
perceber como uma relação social pode se transformar no
terreno fértil para o antagonismo. P. 14
NO campo das identidades coletivas
estamos sempre lidando com a criação de
um NóS que só pode existir pela
demarcação de um ELES. E sempre há
possiblidade de que esta relação possa se
tornar antagonista. Ela pode se tornar uma
relação amigo e inimigo. Isto acontece
quando se acredita que eles estão
ameaçando o NÒS.
•Para Mouffe ao contrário de SMITT a
distinção amigo/inimigo pode considerada
simplesmente como uma das formas possíveis de
expressão da dimensão antagonística que é
constitutiva do política.
• Ao mesmo tempo que reconhecemos a sempre presente
possibilidade do antagonismo, também podemos imaginar
outros modo políticos de construção do nós/eles. Se formos
nessa , direção, perceberemos que o desafio que se coloca à
política democratica é tentar manter sob controle o surgimento
do antagonismo por meio da introdução de uma forma
diferente de nós/eles.
• Nesta etapa , o que se pode afirmar é que a distinção
nós/eles, que é a condição da possibilidade de formação de
identidades políticas, sempre pode se tornar um espaço de
antagonismo. Uma vez que todas as formas de
identidade política envolvem uma distinção nós/eles que é
a condição da possibilidade de formação de identidades
políticas, sempre pode se tornar um espaço de
antagonismo. Uma vez que todas as formas de
identidade política envolvem uma distinção nós/eles, isso
significa que nunca podemos eliminar a possibilidade do
antagonismo.
• Depois do antagonismo, o conceito de hegemonia é
a ideia chave para tratar da questão do "político".
para dar conta do’ político " como possibilidade
sempre presente de antagonismo. É preciso
aceitar a inexistência de uma situação definitiva e
reconhecer a dimensão de irredutibilidade que
permeia toda ordem.
• .....é preciso reconhecer o caráter hegemônico de todos
os tipos de ordem social e o fato de que toda sociedade é
o resultado de um conjunto de práticas que tentam
estabelecer ordem em um contexto de contingência.
Como sugere Ernesto Laclau: 'As duas características
principais de uma intervenção .................. é preciso
reconhecer o caráter hegemônico de todos os tipos de
ordem social e o fato de que toda sociedade é o resultado
de um conjunto de práticas que tentam estabelecer
ordem em um contexto de contingência.
• Como sugere Ernesto Laclau: 'As duas características
principais de uma intervenção hegemônica são,
nesse sentido, o caráter, contingente, das
articulações hegemônicas e seu caráter constitutivo,
no sentido de que elas instituem relações sociais no
sentido primário, não dependentes de qualquer
racionalidade social a priori.“ O político está
identificado com os atos da instituição da
hegemonia. É nesse sentido que temos de
diferenciar o social do político.
• O social é a esfera das práticas sedimentadas, ou
seja, das práticas que encobrem os atos originais
de sua instituição política contingente e que são
aceitas sem contestação, como se fossem auto
justificáveis. Práticas sociais sedimentadas são uma
parte constitutiva de qualquer sociedade viável;
nem todos os laços sociais são questionados ao
mesmo tempo.
• Desse modo, o social e o político possuem o status
daquilo que Heidegger denominava existenciais, isto
é, dimensões indispensáveis de qualquer vida em
sociedade.
• Se o político - entendido no sentido hegemônico
implica a visibilidade dos atos da instituição social, é
impossível determinar a priori o que é social e o
que é o político independentemente de
qualquer referência contextual.
• A fronteira entre o social e o político é
essencialmente instável, exigindo constantes
deslocamentos e negociações entre os agentes
sociais. Como existe sempre a possibilidade de
que as coisas sejam diferentes, toda ordem se
baseia na exclusão das outras possibilidades.
• Para fazer uma síntese desse tema: toda ordem é
política e se baseia em alguma forma de exclusão.
Sempre existem outras possibilidades, que foram
reprimidas e que podem ser reativadas. As
práticas de articulação por meio das quais se
estabelece uma determinada ordem e se
determina o significado das instituições sociais
são práticas hegemônicas. Toda ordem
hegemônica é passível de ser desafiada.
• No que diz respeito às identidades coletivas, encontramo- nos numa
situação semelhante. Já vimos que, na verdade, as identidades
são
o resultado de processos de identificação e que elas
nunca podem ser inteiramente determinadas.

• Nunca somos confrontados com oposições "nós/eles" que expressem


identidades essencialistas preexistentes ao processo de identificação. Além
do mais, uma vez que, como enfatizei, o "eles" representa a condição de
possibilidade do "nós", sua "exterioridade constitutiva", isso quer dizer que
a constituição de um "nós" específico depende sempre do tipo de "eles" do
qual o "nós" se diferencia.
para postular a inerradicabilidade do antagonismo,
enquanto afirmamos simultaneamente a
possibilidade do pluralismo democrático, é preciso
argumentar contra schmitt que essas duas
afirmações se anulam reciprocamente. Neste caso,
a questão crucial é demonstrar como transformar
o antagonismo para que ele disponibilize uma
forma de oposição nós e eles que seja
compatível com uma democracia pluralista.
Qual nós eles para uma política
democrática?
• Para ser aceito como legítimo, o conflito precisa
assumir uma forma que não destrua o ente político.
Isso significa que é preciso existir
algum tipo de vínculo comum
entre as partes em conflito.
• No entanto, os oponentes não podem ser ,
simplesmente considerados como concorrentes cujos
interesses podem ser tratados por meio de uma simples
negociação ou acomodados por meio de uma discussão.
• Se por um lado ( lucremos reconhecer a permanência da dimensão antagonística
do conflito, e por outro permitir a possibilidade de que ele seja “domesticado , é
necessário considerar um terceiro tipo de relação.
É esse tipo de
relação que eu sugeri chamar de "agonismo“. P. 19
Contudo, Mouffe afirma que

• O que a democracia exige é que formulemos a


distinção Nós e Ele de um modo que seja
compatível com a aceitação do pluralismo que
é constitutivo da democracia moderna.
Democracia liberal
• Smitt tem razão em relação a existência de um conflito quando diz
que existe animosidade entre os ideias da democracia que postulam a
liberalidade como referência a humanidade e a gramática da
modernidade que requer
Tradições da democracia liberal
• Duas tradições diferentes vem do grego poder do povo -
DEMUSCRATUS - exige contextos e instituições especificas. Por
isso é necessário indicar de que democracia se trata? O modelo
Ocidental que recebeu muitos nomes. Democracia moderna,
representativa, parlamentar, pluralista, liberal, constitucional. E até
republicano na França.
• Esse modelo articula duas tradições diferentes
• Por um lado a tradição do liberalismo político - que se constitui pelo
estado de direito, separação dos poderes e liberdades individuais.
Não é o foco dos que consideram o econômico. (Stuart Mills).

• Por outro a tradição democrática - Tradição da igualdade e da


vontade do povo, soberania popular. Não existe uma relação
necessária entre estas duas tradições. Existe uma articulação
histórica contingente entre essas tradições. Não uma construção
teórica pronta.
• Pode haver um liberalismo que não é democrático e uma democracia
que não é liberal.
• Contudo, se existe relação também existe profundo
desacordo.
• Esta articulação destas duas tradições para MOUFFE
é o lócus de uma tensão (não de uma contradição)
e nem necessariamente seria um caminho para a
destruição da democracia liberal. A articulação destas
duas logicas tem efeitos positivos e ai onde se pode
celebrar o pluralismo.
• Nunca é possível conseguir solução entre estas duas lógicas em
conflito.
• Só é possível existir negociações precárias e frágeis pela tensão que
se dá entre as duas lógicas. É constitutiva da especificidade
pluralista. Nessas negociações sempre uma das duas lógicas terá o
papel mais importante, embora precisa levar em conta o outro
elemento. Só podem existir em negociações para manter o
equilíbrio.
• A política liberal democrática tem como pressuposto um processo
de constante negociação por meio de distintas articulações
hegemônicas destas tensões que lhe são constitutivas.
• A articulação com a lógica liberal permite viver a tensão
constitutiva da lógica pluralista. A lógica democrática de
construir um povo. Definir o povo que há de governar. Estas lógicas
estão sempre em conflito.
• Só pode haver negociações constantes em lógicas em conflitos.
Negociação AGONISTICA que sempre se manteve. A tensão precisa
ser sempre renegociada. Esta é a história da luta democrática.
O que se passou recentemente .....segundo Mouffe é que nós temos
assistido um profundo debilitamento da função democrática.
O que se chama de pós- politica

• Pós - política - a confusão das fronteiras políticas entre direita e


esquerda. O consenso que se estabeleceu entre o que foi
estabelecido como centro direita e centro esquerda baseada na
ideia de que não havia solução à globalização política neoliberal.
• Devido a convergência de uma serie de fenômenos todos
ligados ao neoliberalismo essa posição contribuiu para solapar o
poder do povo. A democracia liberal foi reduzida ao seu
componente liberal.
• Os partidos social democratas por exemplo, aceitaram o capitalismo
financeiro debaixo dos pretextos da modernização..... As tensões
foram eliminadas. Por isso podemos dizer que vivemos em sociedades
que são pós-democráticas. As decisões políticas ficaram reduzidas. As
discussões a respeito da soberania popular ficaram reduzidas e
consideradas obsoletas. Nesta forma de regulação não liberal o
capitalismo econômico e capital financeiro ocupa um ugar central e
as desigualdades aumentam.
• As desigualdades foram produzidas de modo acentuado que não
somente afetam as classes populares e também a classe media.
Pauperização e precarização aumentadas. Um verdadeiro fenômeno de
oligarquização.
• Isto significa que o outro componente da ideia de igualdade também foi
eliminado do discurso liberal democrático.
• A pós - política eliminou a ideia da soberania popular e a oligarquia
eliminou com a ideia de igualdade do discurso liberal democrático.
Assim não temos diferentes projetos de sociedade que possam se
confrontar.
• Neste contexto de pós- política onde os valores de igualdade e
soberania popular foram deixados de lado reduz a politica a uma
simples eleição da ordem estabelecida. Dai se pensa que as decisões
são de ordem técnica e isto não é político.

• Lembra algo?
• Assim ficamos sem o espaço agonístico porque a politica foi
reduzida a ordem estabelecida.
• Desapareceu para os cidadãos, a capacidade de decidir de
maneira politica entre os diferentes tipos de políticas públicas.
• A perda de soberania dos estados nacionais que estão cada vez
mais dependentes das imposições transnacionais, ... explica a crise
de representação que afeta as sociedades democráticas.
• Na medida em que os cidadãos sentem que foram
despojados da possiblidade de exercer seus direitos
democráticos e que as eleições não lhes oferecem possibilidades
de mudanças através ds partidos tradicionais de governo....não
se deve estranhar o êxito dos partidos populares de direita.
Assim o populismo também de esquerda cresce..............e as
politicas fomentam as desigualdades sociais.

• Reduzir a democracia no populismo de direita e de esquerda


aprofundar a democracia.
• O liberalismo nega as fronteiras.
• As fronteiras deveriam dar forma as instituições representativas
que deveriam dar forma a relação entre Nòs e eles.

• A fronteira que divide indica a presença de conflitos que não podem


ter solução racional. É antagônico. Mas o antagonismo é um certo
tipo de conflito. Mas ele pode ser expressado de formas diferentes.
• Por isso penso no agonístico.
1. Confrontação amigo e inimigo e eliminar o inimigo - Revolução
francesa. Eliminar o antigo regime. Isto é incompatível com uma
política liberal democrática. A luta agonistica só existe em
instituições democráticas.
2. Em uma forma agonísta, eles não existem como inimigos e sim
como adversários com os quais se vai lutar. Luta por meio de
meios democráticos. Ganhar por meios democráticos. Não é a
destruição das instituições existentes, senão a desarticulação dos
meios dos elementos que constituem os elementos existentes
como ordem hegemônica. E a constituição de nova ordem
hegemônica.
• Trata-se da confrontação entre diferentes projetos hegemônicos.
• Confrontação que se leva a cabo por meio de uma luta no interior
das instituições para modificá-las. É necessário reequilibrar os
componentes liberal e democrático.
• É preciso voltar a produzir as condições para que ocorra esta
luta agonística.
• Para Mouffe a democracia não existe se não há uma luta
agonística.
• Charla de Chantal Mouffe: «Populismo y democracia»
• MARTES 11 DE MAYO de 2021 Charla de Chantal Mouffe:
POPULISMO Y DEMOCRACIA Interviene: Chantal Mouffe,
teórica política, Universidad de Westminster Presenta: Antonio
Campillo, filósofo, Facultad de Filosofía, Universidad de Murcia
Introduce: Jeisson Martínez (grupo promotor del programa
Cartagena Piensa) #CartagenaPiensa14
• youtube.com1 ano atrás
• Retomar o que falta da aula 1 e seguir
com

• BROWN, WENDY, MARINO, Antunes Mario. Nas Ruínas do Neoliberalismo: a Ascensão da


Política Antidemocrática no Ocidente Capa comum – Edição padrão, 31 outubro 2019 (introdução,
capítulo 2 e 3).
Onde
parei................

Inicio da III
aula 21 set
2022
Sequencia aula III

BROWN, WENDY, MARINO, Antunes


Mario. Nas Ruínas do Neoliberalismo:
a Ascensão da Política
Antidemocrática no Ocidente Capa
comum – Edição padrão, 31 outubro
2019 (introdução, capítulo 2 e 3).
Um fichamento
para lermos e
pensarmos juntos
Inicio com a nota da introdução

• Os sentimentos nativistas, racistas, homofóbicos, sexistas, antissemitas,


islamofóbicos, bem como sentimentos cristãos antisseculares, adquiriram
bases políticas e legitimidade inimagináveis há uma década. Políticos
oportunistas surfam nessa onda, enquanto conservadores com mais
princípios buscam submergir e esperar que ela passe; as agendas políticas
de ambos frequentemente confluem mais para a plutocracia do que para
as paixões furiosas de uma base que exige a criminalização de imigrantes,
do aborto e da homossexualidade, a preservação de monumentos ao
passado escravista e que as nações voltem a se dedicar à branquitude
[iDhiteness] e à cristandade.
• Que sujeitos? Como se caracterizam ?
• ...............forças da extrema direita subiram ao poder nas democracias
liberais pelo mundo todo.
• Cada eleição traz um novo choque: neonazistas no parlamento alemão,
neofascistas no italiano, o Brexit conduzido pela xenofobia alimentada por
tablóides, ascensão do nacionalismo branco na Escandinávia, regimes
autoritários tomando forma na Turquia e no Leste Europeu e, é claro, o
trumpismo.
• O ódio e a belicosidade racistas, anti-islâmicos e antissemitas crescem nas
ruas e na internet. Grupos de extrema direita recentemente amalgamados
têm eclodido audaciosamente na vida pública após terem passado anos à
espreita, na maior parte do tempo nas sombras

• XXXX
• Enquanto esse recrutamento continua crescendo, centistas, neoliberais
mainstream, liberais e esquerdistas hesitam.
• Indignação, moralização, sátira e esperanças vãs de que facções internas
ou escândalos na direita produzirão sua autodestruição têm prevalecido
sobre estratégias sérias para desafiar essas forças por meio de
alternativas convincentes.

• Nós temos dificuldade até mesmo com a nomenclatura: trata-se


de autoritarismo, fascismo, populismo, democracia não liberal,
liberalismo antidemocrático, plutocracia de extrema direita? Ou
outra coisa?
NOSSA INCAPACIDADE VEM DE
ONDE?
• De um lado .....incapacidade de prever, compreender ou efetivamente
contestar esses desenvolvimentos é devida, por um lado, a suposições
cegas sobre valores e instituições ocidentais duradouros -
especialmente o progresso, o Iluminismo e a
democracia liberal.
• De outro, à aglomeração pouco familiar de elementos na direita ascendente
- sua curiosa combinação de libertarianismo, moralismo,
autoritarismo, nacionalismo, ódio ao Estado,
conservadorismo cristão e racismo
Estas novas forças conjugam elementos já
familiares do neoliberalismo (favorecimento do
capital, repressão do trabalho, demonização do
Estado social e do político, ataque às igualdades e
exaltação da liberdade) com seus aparentes
opostos (nacionalismo, imposição da moralidade
tradicional, antielitismo populista e demandas por
soluções estatais para problemas econômicos e
sociais).
• Estas forças conjugam ..................
• .......a retidão moral com uma conduta amoral e não civilizada
quase celebradora. Endossam a autoridade enquanto exibem
desinibição social e agressão pública sem precedentes. Batem-se
contra o relativismo, mas também contra a ciência e a razão, e
rejeitam afirmações baseadas em fatos, argumentação racional,
credibilidade e responsabilidade. Desdenham dos políticos e da
política enquanto manifestam uma feroz vontade de potência e
ambição política.
• Onde estamos?
Esforços de resposta dos
analistas.................

Uma narrativa comum da esquerda cujas limitações


em breve ficarão claras, vai mais ou menos nesta
direção: no Norte global, a política econômica
neoliberal devastou áreas rurais e suburbanas,
esvaziando-as de empregos decentes, aposentadoria,
escolas, serviços e infraestrutura enquanto os gastos
sociais minguavam e o capital ia à caça de mão de obra
barata e de paraísos fiscais no Sul global.
Ao mesmo tempo, abria-se uma clivagem
cultural e religiosa sem precedentes. Citadinos
modernos, educados, elegantes, seculares,
multiculturais e viajados construíam um
universo moral e cultural diferente daquele
dos interioranos, cujas desgraças econômicas
foram temperadas com um distanciamento
crescente dos costumes daqueles que os
ignoravam, ridicularizavam ou desdenhavam.
• Além de empobrecidos e frustrados, os cristãos brancos,
rurais ou suburbanos, eram deixados de lado e para trás,
alienados e humilhados. E havia o racismo duradouro,
crescente conforme novos imigrantes transformaram
bairros suburbanos e conforme políticas de "equidade e
inclusão" pareceram, ao homem branco não escolarizado,
favorecer a todos, menos a ele.
Assim, as agendas políticas liberais, as
agendas econômicas neoliberais e as
agendas culturais cosmopolitas geraram
uma crescente experiência de abandono,
traição e finalmente raiva por parte dos
novos despossuídos, das populações da
classe trabalhadora e da classe média
brancas do Primeiro Mundo e do Segundo.
Embora seus pares de pele escura
tenham sido prejudicados tanto quanto
ou mais pelas dizimações neoliberais
dos empregos protegidos por sindicatos
e dos bens públicos, pelo declínio das
oportunidades e do acesso e qualidade
da educação, uma coisa que negros e
latinos não sofreram foi a perda da
supremacia na América e no Ocidente.
À medida que esse fenômeno tomava sua
forma inicial, prossegue a narrativa,
plutocratas conservadores manipulavam-no
brilhantemente: os despossuídos eram a cada
vez lançados sob o rolo compressor da
economia, enquanto se tocava para eles uma
sinfonia política de valores familiares cristãos,
acompanhada por hinos louvando a
branquitude e o sacrifício de seus jovens em
guerras intermináveis e sem sentido.
• Misturar patriotismo com militarismo, cristandade,
família, mensagens racistas cifradas e capitalismo
desenfreado foi a receita de sucesso dos neoliberais
conservadores até a crise financeira de 2008 devastar a renda, a
aposentadoria e a casa própria da classe trabalhadora e da classe média
branca que constituíam sua base.

• Frente a isso se pensa que uma mudança séria era necessária.


• ....até mesmo economistas murmuravam seus equívocos sobre a
desregulamentação descontrolada, sobre o financiamento da dívida e sobre
a globalização. Isso significava gritar contra o Estado Islâmico, contra os
imigrantes ilegais, contra os mitos acerca das ações afirmativas e, acima de
tudo, culpar o governo e o Estado social pela catástrofe econômica,
sorrateiramente transferindo a culpa de Wall Street para Washington,
porque o governo limpava a lambança resgatando os bancos, enquanto
deixava as pessoas comuns na mão.
• Por conseguinte, nasceu uma segunda onda de reação ao
neoliberalismo, mais rebelde, populista e repulsiva.
• .....Devido especialmente à desilusão generalizada com as intermináveis
guerras no Oriente Médio, o patriotismo militarista e os valores da família
não eram mais suficientes. Ao invés disso, o novo populismo de extrema
direita sangrou diretamente da ferida do privilégio destronado que a
branquitude, a cristandade e a masculinidade garantiam àqueles que não
eram nada nem ninguém.

• Foi fácil pôr a culpa pelo seu destronamento no roubo de


empregos por migrantes, minorias e outros supostos beneficiários
não merecedores da inclusão liberal (mais escandalosamente,
aqueles de religiões e etnias supostamente terroristas) e
cortejados por elites e globalistas.
Os danos das políticas econômicas neoliberais foram
assim manipulados na imagem de suas próprias perdas,
espelhada no descaminho da nação. Era imagem de um
passado mítico de famílias felizes, íntegras e
heterossexuais, quando mulheres e minorias raciais
sabiam seus lugares, quando as yizinhanças eram
ordeiras, seguras e homogêneas, a heroína era
problema dos negros, o terrorismo não estava em
solo pátrio e quando cristandade e branquitude
hegemônicas constituíam a identidade, o poder e o
orgulho manifestos da nação e do Ocidente.
• Contrário à invasão de outros povos, ideias, leis, culturas e religiões, esse
era o mundo de conto de fadas que os líderes populistas de direita
prometeram proteger e restaurar.
• Os slogans das campanhas dizem tudo: "Make America great again" [Faça a
América grande de novo] (Trump), "A França para os franceses" (Le Pen e a
Frente Nacional], "Take back control" [Recupere o controle] (Brexit), "Nossa
cultura, nosso lar, nossa Alemanha" (Alternativa para a Alemanha), "Polônia
pura. Polônia branca" (Partido Polonês da Lei e da Justiça), "Mantenha a
Suécia sueca" (Democratas Suecos).
• Esses slogans e o ressentimento que expressam conectaram grupos de
franjas racistas outrora dispersos, católicos de direita, cristãos evangélicos e
cidadãos suburbanos frustrados que despencavam da classe média e da
classe trabalhadora
A crescente segmentação [siloization] do consumo de
mídia, da TV a cabo ao Facebook, reforçou tais conexões e
alargou o abismo entre os interioranos e os instruídos,
urbanos, cosmopolitas, mestiços, feministas, defensores
do queer e ateus. Ao mesmo tempo, a implacável corrosão
neoliberal de toda forma de existência não monetizada -
tal como ser bem informado e cheio de idéias sobre o
mundo - convergiu com a privatização, que sufocou o
acesso ao ensino superior para muitos. Uma geração já
afastada da educação em artes liberais'' voltou-se contra
ela.
O foco dessa narrativa varia. Ora são as políticas
neoliberais, ora a suposta fixação da esquerda liberal com o
multiculturalismo e com políticas identitárias, ora o crescente
poder e importância política de nacionalistas evangélicos e
cristãos, ora a crescente vulnerabilidade de uma população não
escolarizada às mentiras e conspirações, ora a necessidade
existencial de horizontes, ora a falta de atratividade da visão de
mundo globalizado para todos, exceto para as elites e, por
vezes, o racismo duradouro de uma velha classe trabalhadora
branca ou o novo racismo ao qual se apegam jovens brancos
não escolarizados.
Alguns sublinham o papel dos poderosos think tanks
de direita e do dinheiro na política. Outros sublinham
os velhos/novos "tribalismos" que emergem do
colapso de Estados-nação ou de regiões antes mais
homogêneas (em termos raciais ou religiosos).
Entretanto, quase todos concordam que a
intensificação da desigualdade neoliberal no Norte
global foi um barril de pólvora e que a imigração em
massa do Sul para o Norte lançou um fósforo aceso.
•Com suas várias inflexões, essa narrativa
se tornou o senso comum da esquerda
desde o terremoto político de novembro
de 2016. Ela não está errada, mas
incompleta, como procurarei mostrar.
Ela não registra as forças que sobredeterminam a
forma radicalmente antidemocrática da rebelião
e, assim, tende a alinhá-las aos fascismos de
outrora; ela não considera a demonização do
social e do político por parte da governabilidade
neoliberal, nem a valorização da moralidade
tradicional e dos mercados como seus
substitutos: não reconhece a desintegração da
sociedade e o descrédito bem público pela
razão neoliberal, a semear“ o terreno cara os
assim chamados "tribalismos" que emergiram
como identidades e forças políticas em anos
recentes.
• Não explica como o ataque à igualdade, combinado com a mobilização dos valores
tradicionais, pôde aumentar o fogo e legitimar racismos dos legados coloniais e
escravagistas que há tanto tempo fervem em fogo brando.

• não capta o niilismo crescente que desafia a verdade e transforma a moralidade


tradicional em arma de batalha política;
• Não identifica como os ataques à democracia constitucional, à igualdade racial, de
gênero e sexual, a educação pública e a esfera pública civil não violenta foram
todos levados a cabo em nome da liberdade e da moralidade.

• Não compreende como a racionalidade neoliberal desorientou radicalmente a


esquerda ao moldar um discurso corriqueiro no qual a justiça social é de uma só vez
banalizada e demonizada como "politicamente correta" ou caracterizada como uma
Kulturkampfá a esquerda gramsciana que visa depor a liberdade e a moralidade
e que é assegurada por um estatismo blasfemo.
Este livro............

....trata dessas questões por meio da


teorização de como a racionalidade
neoliberal preparou o terreno para
mobilizar e legitimar forças
ferozmente antidemocráticas na
segunda década do século XXI.
O argumento não é que o neoliberalismo por
si só causou a insurgência da extrema direita
no Ocidente de hoje, ou que toda a
dimensão do presente, das catástrofes que
produzem grandes fluxos de refugiados para
a Europa e América do Norte até a
setorização e a polarização políticas geradas
pelas mídias digitais, possa ser reduzida ao
neoliberalismo
O argumento é que

fica intocado pela forma neoliberal de razão e de valoração, e


que o ataque_do neoliberalismo à democracia tem em todo o
lugar, infletido lei, cultura política e subjetividade política.

Compreender as raízes e as forças da situação Onde


atual requer avaliar a cultura política e a coincide com
produção subjetiva neoliberais, e não MOUFFE?
somente as condições econômicas e os racismos
persistentes que a geraram
Significa avaliar que a ascensão das formações políticas nacionalistas
autoritárias brancas se deve à raiva instrumentalizada dos indivíduos
abandonados economicamente e ressentidos racialmente, mas
também delineada por mais de três décadas de assaltos neoliberais à
democracia, à igualdade e à sociedade. O sofrimento econômico e o
rancor racial das classes trabalhadora e média brancas, longe de se
distinguir desses assaltos, adquire voz e forma a partir deles. Esses
ataques também abastecem (mesmo que por si mesmos não sejam
sua causa) a ambição nacionalista cristã de (re)conquistar o
Ocidente. Eles também se misturam com um niilismo intenso que se
manifesta como perda da fé na verdade, na facticidade e em valores
fundamentais.
Para construir estes argumentos, Nas ruínas do neoliberalismo revisita aspectos
específicos do pensamento daqueles que se reuniram na Sociedade Mont
Pèlerin em 1947. Adotaram o nome "neoliberalismo" e propuseram o
esquema fundador para aquilo que Michel Foucault a

dramática "reprogramação do
liberalismo" que hoje conhecemos
como neoliberalismo.
• ..............isso não significa, entretanto, que nem os intelectuais
neoliberais originais - Friedrich Hayek, Milton Friedman e os seus meios-
irmãos, os ordoliberais alemães - e nem mesmo os próprios
formuladores das politicas neoliberais mirassem o presente politico e
econômico.
• Ao contrário, o entusiasmo popular com os regimes
autocráticos, nacionalistas e em alguns casos neofascistas,
abastecidos pela disseminação de mitos e pela demagogia,
afasta-se tão radicalmente dos ideais neoliberais quanto os
regimes comunistas estatais repressivos afastavam-se de Marx
e de outros intelectuais socialistas, mesmo que, em ambos os
casos, a planta disforme tenha crescido do solo fertilizado por
aquelas ideias.
Forjado no cadinho do fascismo
europeu, o neoliberalismo visou uma
imunização permanente das ordens de Ávidos por apartar a politica dos
mercado contra o rebrotar de mercados, ...............
sentimentos fascistas e poderes
totalitários.“
O neoliberalismo ........ ele teoriza a
atual formação como relativamente
inédita, divergindo dos autoritarismos,
fascismos, despotismos ou tiranias de
outras épocas e lugares e diferindo
também dos conservadorismos
convencionais ou conhecidos.
• Ele foca em como as formulações neoliberais de liberdade inspiram e
legitimam a extrema direita e como a direita mobiliza um
discurso de liberdade para justificar suas exclusões e
violações às vezes violentas e que reassegurar a
hegemonia branca, masculina e cristã, e não apenas
expandir o poder do capital.

• Também discutimos como essa formulação de liberdade pinta a esquerda,


incluindo a esquerda moderada ou liberal, como tirânica ou' mesmo
"fascista" em sua preocupação com justiça social e, ao mesmo tempo,
como responsável pelo esgarçamento do tecido moral, pelas fronteiras
desprotegidas e por premiar quem não merece.
O projeto deste livro requer pensar para além dos argumentos
(e mesmo revisá-los] de Undoing the Demos: Neoliberalisms
Stealth Revolution, meu trabalho anterior sobre o
neoliberalismo e a democracia, no qual eu caracterizava a
racionalidade neoliberal que cria um mundo como focada
exclusivamente no impulso de economicizar todos os aspectos
da existência, das instituições democráticas à subjetividade.
• Ele também revisa argumentos de um ensaio anterior,
American Nightmare, em que analisei as racionalidades
neoliberal e neoconservadora como distintas em suas
origens e características.'
Esses dois trabalhos anteriores falharam em apreender
as características cruciais da revolução neoliberal de
Thatcher-Reagan, as quais têm suas coordenadas
naquilo que Philipps Mirowski chamou de Coletivo do
Pensamento neoliberal e Daniel_Stedman Jones
descreveu como "uma espécie de Internacional
neoliberal", uma rede transatlântica de acadêmicos,
empresários, jornalistas e ativistas. P. 21
Essa revolução visava habilitar o
mercado e a moral para governar e
disciplinar indivíduos, ao mesmo
tempo maximizando a liberdade, e
assim o fez por meio da demonização
do social e da versão democrática da
vida política.
A razão neoliberal, especialmente como Friedrich
Hayek a formulou, coloca o mercado e a
moral como formas singulares de provisão
de recursos para as necessidades
humanas, compartilhando princípios e
dinâmicas ontológicos. Enraizados na liberdade
[liberty] e gerando uma ordem e evolução
espontâneas, seus opostos radicais são qualquer
tipo de política, planejamento e justiça sociais
deliberados e administrados pelo Estado. p. 21
• É lugar-comum afirmar que o mercado tem esse papel no neoliberalismo
- mas o mesmo não pode ser afirmado sobre a moralidade tradicional,
embora esta apareça com destaque na declaração de fundação da
Sociedade Mont Pèlerin.
• O papel da família na revolução neoliberal americana é tema do rico
livro de Melinda Cooper de 2016, Family Values, que revela como
reassegurar as normas familiares patriarcais não é
algo secundário, mas profundamente enraizado
na reforma neoliberal do bem-estar social e da
educação.
• Cooper examina e vincula uma série de políticas nas
quais a família tradicional foi explicitamente aduzida
para substituir múltiplos aspectos do Estado social.

• Em sua narrativa, a privatização mercadológica da seguridade social, da


saúde e do ensino superior envolveu a responsabilização de individuos
masculinos em vez do Estado, nos casos de gravidez na adolescência;
dos pais, em vez do Estado, pelos custos da educação superior; e das
famílias, em vez do Estado pela provisão de qualquer tipo de cuidado para
seus dependentes.
...... voltando às ideias neoliberais fundadoras,
em particular a Hayek, será possível pôr em
relevo a arquitetura da razão que liga a
moralidade tradicional ao neoliberalismo e que
anima as campanhas da direita hoje.

Ambos são organizados


espontaneamente e transmitidos Para Hayek, o mercado e a moral,
por meio da tradição e não pelo juntos, são o fundamento da
poder político. Os mercados só
podem funcionar impedindo-se o liberdade, da ordem e do
Estado de neles se imiscuir ou desenvolvimento da civilização.
intervir.
A moral tradicional só pode funcionar
quando se impede igualmente que ohayekiano é um projeto
político-moral que visa
Estado intervenha nesse domínio e proteger as hierarquias
quando a expansão daquilo que tradicionais negando a
própria ideia do social e
Hayek chama de "esfera pessoal restringindo
protegida" confere à moralidade maisradicalmente o alcance
poder, amplitude e legitimidade do do poder político
que as democracias sociais seculares democrático nos
Estados-nação.
racionais propiciam.................
O ataque contemporâneo à sociedade e
à justiça social em nome da liberdade
de mercado e do tradicionalismo moral
é, portanto, uma emanação direta da
racionalidade neoliberal, e não se
limita aos assim chamados
"conservadores".
Considerar que...........

Por um lado, os mercados desregulamentados tendem a


reproduzir em vez de amenizar os poderes e a
extratificação sociais produzidas historicamente. Divisões
raciais e sexuais do trabalho estão embutidas neles: o
trabalho doméstico, por exemplo, em que predomina um
gênero, não é remunerado, e sua versão de mercado
lamentavelmente sub-remunerada (cuidado infantil,
limpeza doméstica, cuidado domiciliar de saúde, trabalho
na cozinha) é executada de modo desproporcional por não
brancos e imigrantes. P. 24
• Profundas desigualdades tanto na educação pública quanto na privada (do
jardim de infância à pós-graduação) compõem essa estratificação, assim
como as culturas de classe, raça e gênero que estruturam práticas de
contratação, promoções e sucesso.

• Por outro lado, a moralidade tradicional serve, por exemplo, para repelir o
combate às desigualdades como, por exemplo, assegurar a liberdade
reprodutiva das mulheres ou desmantelar a iconografia pública que celebra
um passado escravocrata.
A moralidade tradicional também liga a
preservação do passado ao patriotismo,
promovendo-o não apenas como ao
país, mas como amor ao modo como as
coisas eram. O que tacha de
antipatrióticas as objeções, à injustiça
racial e de gênero.
A ASCENSÃO DA POLÍTICA
ANTIDEMOCRÁTICA
• O presente livro argumenta que a ascensão da política
antidemocrática foi promovida por meio de ataques à
sociedade — compreendida como algo experimentado e
zelado de forma comum - e à legitimidade e à prática da
vida política democrática.
• O capítulo I inicia esta análise do projeto mercado-e-moral do
neoliberalismo examinando a crítica do neoliberalismo à sociedade e
seu objetivo de desmantelá- la.
• O capítulo 2 explora o ataque à democracia compreendida
como soberania popular e poder político compartilhado.

• O capítulo 3 delineia o projeto neoliberal de expandir o


alcance da moralidade tradicional para além das
esferas do culto familiar e privado para a vida pública
e comercial. Nos Estados Unidos, essa expansão foi poderosamente
encorajada pela Suprema Corte.

• Nosso foco é (introdução, capítulo 2 e 3).


• O capítulo 4 faz uma leitura de dois vereditos recentes da Corte sob
esse prisma.

• O capítulo 5 explora o embricamento do projeto neoliberal mercado-


e- -moral com o niilismo, o fatalismo e a supremacia masculina branca
ferida. P.26
Primeiramente, há uma espécie de retorno do recalcado na
razão neoliberal — uma erupção feroz das forças sociais e
políticas a que os neoliberais de uma só vez se opuseram,
subestimaram e deformaram com seu projeto
desdemocratizador. Isso significa que o neoliberalismo
realmente existente apresenta agora o que Sheldon Wolin
caracteriza como uma forma "enfurecida" de governo da maioria
(frequentemente denominada "populismo" por especialistas)
que surge da sociedade que os neoliberais pretendiam
desintegrar, mas não conseguiram derrotar, e que assim foi
deixada sem ' normas civis nem compromissos comuns.
Em segundo lugar, temos o fato de o
neoliberalismo ter acidentalmente soltado as
rédeas do setor financeiro e os modos pelos
quais a financeirização solapou profundamente
os sonhos neoliberais de uma ordem global
competitiva, zelada por instituições
supranacionais um lado, e viabilizada por
Estados plenamentes livres dos interesses e
das manipulações economistas de outros.
Em terceiro, temos os
modos como o mercado e Por meio desse processo,
moral se distorceram à ambos foram politizados
medida que foram como credos dogmáticos,
submetidos a gramáticas e ao perdendo assim o caráter e
espírito um do outro - isto é o modo "orgânico
à medida em que a espontâneo de organizar a
moralidade foi conduta pelos quais Hayek
mercantilizada e os os estimavam.
mercados moralizados.
Finalmente o neoliberalismo intensificou o
niilismo, o fatalismo e o ressentimento
rancoroso já presentes na cultura moderna
tardia, juntos esses desenvolvimentos e efeitos
geraram algo diametralmente diferente da
utopia neoliberal de uma ordem liberal
desigualitária em que indivíduos e famílias
seriam pacificados politicamente pelo mercado
e pela moral e subententendidos por um Estado
autônomo e com autoridade mas despolitizado .
NO final da introdução Wendy diz:

Concluo esta introdução com uma breve consideração


sobre como o termo "neoliberalismo" é empregado
neste trabalho. O neoliberalismo não tem uma
definição estabelecida. Existe atualmente uma
literatura acadêmica substancial debatendo suas
características constitutivas. Alguns chegaram a ponto
de sugerir que seu caráter amorfo, proteiforme e
polêmico lança dúvidas sobre sua própria existência.
O neoliberalismo - as ideias, as O termo "neoliberalismo" foi cunhado no
instituições, as políticas, a Colóquio Walter Lippmann em 1938, uma
racionalidade política - , juntamente reunião de acadêmicos que lançou as bases
político-intelectuais daquilo que uma
com sua' cria, a financeirização, década depois se tornaria a Sociedade Mont
provavelmente moldaram a história Pèlerin. O neoliberalismo é mais
mundial recente tão profundamente comumente associado a um conjunto de
quanto qualquer outro fenômeno políticas que privatizam a propriedade e os
que possa ser situado no mesmo serviços públicos, reduzem radicalmente o
Estado social, amordaçam o trabalho,
período, mesmo que acadêmicos desregulam o capital e produzem um clima
continuem a debater o que ambos' de impostos e tarifas amigável para
são precisamente. investidores estrangeiros. P. 29
• Por volta do final dos anos 1970, explorando uma crise de lucratividade e
estagnação, os programas neoliberais foram implementados por Margaret
Thatcher e Ronald Reagan, novamente focados na desregulação do
capital, no combate ao trabalho organizado, na privatização de
bens e serviços públicos, na redução da tributação progressiva e
no encolhimento do Estado social. Tais políticas se espalharam
rapidamente por toda a Europa Ocidental, e o colapso do Bloco Soviético no
final dos anos 1980 significou que boa parte da Europa Oriental realizou
uma transição do comunismo de Estado para o capitalismo neoliberal em
menos de meia década.
• Esta análise, talhada por uma abordagem neomarxista, concebe o
neoliberalismo como um ataque oportunista dos capitalistas e seus
lacaios políticos aos Estados de bem- estar keynesianos, às sociais-
democracias e ao socialismo de Estado.
• Em contraste com a análise neomarxista, ao conceituar o
neoliberalismo como "reprogramação do liberalismo", Michel Foucault
oferece uma caracterização substancialmente diferente do
neoliberalismo em seu significado, objetivo e propósito. Em seu curso
no Collège de France de 1978-79, Foucault enfatizou a significância do
neoliberalismo como uma nova racionalidade política, cujo alcance e
implicações vão muito além da política econômica e do fortalecimento
do capital.
• Ao contrário, nessa racionalidade os princípios do mercado se tornam...
se tornam princípios de governo aplicados pelo e no Estado,
mas também que circulam através de instituições e
entidades em toda a sociedade - escolas, locais de trabalho,
clínicas etc.

Homus economicus ,
transformando-se de um suieito Esses princípios tornam-se princípios de
da troca e da satisfação das realidade que. saturam e governam cada
necessidades em um sujeito de
competição e d aprimoramento esfera da existência e reorientam o
do capital humano
(neoliberalismo).
próprio
• Ao mesmo tempo, afirma Foucault, na formulação dos
neoliberais, os mercados competitivos necessitam de suporte
político e, portanto, de uma nova forma do que ele
chama de "governamentalização" do Estado. Na
nova racionalidade governamental, por um lado, todo governo
é para os mercados e orientado por princípios de
mercado, e, por outro, os mercados devem ser
construídos, viabilizados, ( amparados e
ocasionalmente até mesmo resgatados por
instituições políticas.
Governamentalidade
A partir de 1978, em seu curso no
Collège de France, Foucault analisa a
ruptura que se produziu entre o final do
século XVI e o início do século XVII e que
marca a passagem de uma arte de
governar herdada da Idade Média, cujos
princípios retomam a virtudes morais
tradicionais (sabedoria, justiça, respeito
a Deus) e o ideal de medida (prudência,
reflexão), para uma arte de governar cuja
racionalidade tem por princípio e campo
de aplicação o funcionamento do Estado:
a "governamentalidade" racional do
Estado.
• Essa "razão do Estado" não é entendida como a
suspensão imperativa das regras pré-existentes, mas
como uma nova matriz de racionalidade que não tem
a ver nem com o soberano de justiça, nem com o
modelo maquiavélico do Príncipe.
Por essa palavra 'governamentalidade, eu
quero dizer três coisas. Por
governamentalidade, eu entendo o conjunto
constituído pelas instituições, procedimento,
análises e reflexões cálculos e táticas que
permitem exercer essa forma bastante
específica e complexa de poder, que tem por
alvo a população, como forma principal de
saber a economia política e por instrumentos
técnicos essenciais os dispositivos de
segurança.
Em segundo lugar, por governamentalidade, entendo
a tendência que em todo o Ocidente conduziu
incessantemente, durante muito tempo, à
preeminência desse tipo de poder que se pode
chamar de "governo" sobre todos os outros -
soberania, disciplina etc [...
1. Enfim, por governamentalidade, eu creio que seria
preciso entender o resultado do processo através do
qual o Estado de justiça da Idade Média, que se
tornou nos séculos XVI e XVII Estado
administrativo, foi pouco a pouco
'governamentalizado.......
A nova governamentalidade da razão do
Estado se apóia sobre dois grandes
conjuntos de saberes e de tecnologias
políticas, uma tecnologia político militar e
uma "policia". O cruzamento dessas duas
tecnologias, encontra-se o comércio e a
circulação interestatal da moeda: "é do
enriquecimento pelo comércio que se
espera a possibilidade de aumentar a
população, a mão-de-obra, a produção e
a exportação, e de se dotar de armas
fortes e numerosas.
O par população-riqueza foi, na época do
mercantilismo e da cameralística, o objeto
privilegiado da nova razão governamental. Esse
par está no fundamento da formação de uma
"economia política", A governamentalidade
moderna coloca pela primeira vez o problema
da "população", isto é, não a soma dos sujeitos
de um território, o conjunto de sujeitos de
direito ou a categoria geral da "espécie
humana", mas o objeto construído pela gestão
politica global da vida dos indivíduos
(biopolítica).
A partir de la época clásica,
asistimos en occidente a una
profunda transformación de los
mecanismos de poder. El antiguo
derecho del soberano de hacer
morir o dejar vivir es reemplazado
por un poder de hacer vivir o
abandonar a la muerte.
• A partir del siglo XVII, el poder se ha organizado en torno de la vida,
bajo dos formas principales que no son antitéticas, sino que
están atravesadas por un plexo de
relaciones: por un lado, las disciplinas (una anatomo-política
del cuerpo humano), que tienen como objeto el cuerpo individual,
considerado como una máquina; por otro lado, a partir de mediados del
siglo XVIII, una biopolítica de la población, del cuerpo-especie, cuyo objeto será
el cuerpo viviente, soporte de los procesos biológicos (nacimiento, mortalidad,
salud, duración de la vida) (HS1, 183).
Por primera vez,
el hecho de vivir
no constituye
una base que
emerge de tanto
en tanto, en la
muerte y la
fatalidad;
ingresa en el
campo de
control del saber
y de las
intervenciones
del poder (HS1,
187).
Capitalismo
El biopoder ha sido un elemento indispensable para el
desarrollo del capitalismo. Ha servido para asegurar la
inserción controlada
de los cuerpos
en el aparato productivo y para
ajustar los fenómenos de la
población a los procesos
económicos (HS1, 185).
Sexualidad
• El sexo funciona como bisagra de las dos
direcciones en las que se ha desplegado el
biopoder, la disciplina y la biopolítica. Cada
una de las cuatro grandes políticas
del sexo que se han desarrollado en la
modernidad ha sido una manera de
componer las técnicas disciplinarias del
individuo con los procedimientos
reguladores de la población
Dos de ellas se han apoyado en la problemática de la
regulación de las poblaciones (el tema de la
descendencia, de la salud colectiva) y han producido efectos en el
nivel de la disciplina: la
sexualización de la
infancia y la histerización del cuerpo de la
mujer.
Las otras dos, inversamente, se apoyan en las disciplinas y
obtienen efectos en el nivel de la
población: control de los nacimientos,
psiquiatrización de las perversiones
(HS1, 191-193).
• Os mercados competitivos são bons, mas não exatamente naturais nem
autossuficientes. Para Foucault, essas duas características da
racionalidade neoliberal - a elaboração de princípios de
mercado como princípios de governo onipresentes e o
próprio governo reformatado para servir aos mercados -
estão entre aquelas que separam a racionalidade
neoliberal daquela do liberalismo econômico clássico, e
não apenas da democracia keynesiana ou da social-
democracia.
Elas constituem a "reprogramação da
governamentalidade liberal" que podia e ia se instalar
em todos os lugares, empreendedorizando o sujeito,
convertendo trabalho em capital humano e
reposicionando e reorganizando o Estado. Para , os
foucaultianos, então, mais importante do que a
reinicialização do capitalismo pelo neoliberalismo é
sua alteração radical dos valores, coordenadas e
princípios de realidade que governam, ou "conduzem
a conduta“ nas ordens liberais.
• Este livro se baseia tanto na abordagem neomarxista quanto
na foucaultiana do neoliberalismo, e também expande
ambas para saldar sua negligência mútua do aspecto
moral do projeto neoliberal.
• Não trata essas duas abordagens como opostas ou redutíveis à
compreensão materialista versus ideacional do poder e da mudança
histórica, mas as emprega por apresentarem diferentes dimensões das
transformações neoliberais que têm ocorrido em todo o mundo nas
últimas quatro décadas.
• A abordagem neomarxista tende a se concentrar nas instituições, políticas,
relações e efeitos econômicos, negligenciando os efeitos de longo alcance do
neoliberalismo como forma de governar a razão política e a produção de
sujeitos.

• A abordagem foucaultiana enfoca os princípios que orientam, orquestram e


relacionam o Estado, a sociedade e os sujeitos, e acima de tudo, o novo
registro de valor e valores do neoliberalismo, mas pouco atenta aos novos e
espetaculares poderes do capital global que o neoliberalismo anuncia e
edifica ............................ revela como governos, sujeitos e subjetividades são
transformados pela remodelação neoliberal da razão liberal; considera o
neoliberalismo como revelador de como o capitalismo não é singular e não
segue sua própria lógica, mas é sempre organizado por formas de
racionalidade política.
Ambas as abordagens contribuem para a compreensão das
características do neoliberalismo realmente existente e de
nossa atual conjuntura. Dito isso, este livro está
preocupado principalmente em repensar os elementos e
efeitos da racionalidade neoliberal e em ampliar nossa
compreensão dessa racionalidade para contemplar seu
ataque multifacetado à democracia e sua promoção da
moralidade tradicional em detrimento da justiça social
legislada. P. 32
• Para a democracia prevalecer, não se" deve permitir que nem os próprios
mercados e nem os vencedores em seu âmbito governem; ambos devem
ser contidos no interesse da igualdade
política, o fundamento da democracia. P. 37

• a democracia exige esforços explícitos para criar um povo capaz de se


engajar em formas modestas de autogoverno [self-rule],
esforços que se dirigem às formas pelas quais as desigualdades
sociais e econômicas comprometem a igualdade política.
• Até aqui...................................

•Aula IV
A democracia também exige um cultivo
robusto da sociedade como o local em que
experimentamos um destino comum em
meio às nossas diferenças e distâncias.
Situado conceitual e praticamente entre o
Estado e a vida pessoal, o social é o local em
que cidadãos de origens e recursos
amplamente desiguais são potencialmente
reunidos e pensados como um conjunto. P.
38
A justiça social é o antídoto essencial para
as estratificações, exclusões, abjeções e O social é o local em que somos
desigualdades outrora despolitizadas que mais do que indivíduos ou
servem ao privatismo liberal nas ordens famílias, mais do que
capitalistas e é, em si mesma, uma réplica produtores, consumidores ou
modesta à impossibilidade da democracia investidores econômicos e mais
direta em grandes Estados-nação ou em do que meros membros da
seus sucessores pós-nacionais, como a nação.
União Europeia.
......., a moral e o mercado juntos geram a
conduta evoluída e disciplinada para e
sustentar a ordem ampliada". A conduta
evoluída "encontra- -se entre o instinto e a
razão" e não pode ser submetida à
justificativa racional, mesmo que possa ser
reconstruída racionalmente.
O mercado e a moral, portanto, não são nem compatíveis com
nem opostos à razão, não são racionais nem irracionais. Eles
perduram e são válidos porque surgem "espontaneamente",
evoluem e se adaptam "organicamente", unem os seres humanos
independentemente das intenções e estabelecem regras de
conduta sem depender da coerção ou punição estatais. Tanto o
mercado quanto a tradição moral geram uma ordem dinâmica, e
não estática, e criam novos "poderes humanos que de outra forma
não existiriam". Ambos propagam uma conduta propícia [felicüous]
em grandes populações sem depender dos excessos da intenção
humana ou das falácias da razão humana e sem empregar os
poderes do Estado.
• As regras morais são então, valores definitivos, não porque
resolvam os problemas dos fatos incognoscíveis e dos fins não
compartilhados, mas porque fornecem códigos para a ação a
despeito dos problemas.

• ....................ir para o capítulo II - A política deve ser destronada p.


67
• Hoje, os únicos detentores de poder, sem controle legal que os ate e
movidos pelas necessidades políticas de uma máquina obstinada, são os
assim chamados legisladores. Mas essa forma predominante de
democracia é, em última análise, autodestrutiva, pois impõe aos
governos tarefas sobre as quais uma opinião acordada da maioria não
existe e nem pode existir. Portanto, é necessário restringir esses poderes
para proteger a democracia contra si mesma.
Friedrich Hayek, "The Dethronement of Politics"
• “O POLÍTICO" é um termo cunhado no século XX sob impulso do
trabalho de Max Weber e que sofreu diferentes inflexões em Carl Schmitt,
Hannah Arendt, Claude Lefort, Paul Ricoeur, Sheldon Wolin, Ernesto
Laclau e Chantal Mouffe.“
• Wendy não se propõe a pensar cada autor.......
• Ela mostra a importância do termo para pensar
sobre a produção neoliberal do presente.
• Diferentemente da política, o político não se refere principalmente a
instituições ou práticas explícitas, não é coextensivo ao Estado e não se
reduz às particularidades do poder político nem da ordem política.

• Em vez disso, o político identifica um teatro de deliberações, poderes, ações


O
e valores o qual a existência comum é pensada moldada e governada.
político refere-se inescapavelmente ao traçado
das coordenadas de justiça e ordem, mas
também à segurança, ecologia, urgências e
emergências.
• Formas distintivas de poder — sejam elas legais ou decisórias,
compartilhadas ou autocráticas, desonestas ou legítimas e responsáveis —
têm a assinatura do político, mas são formas específicas de razão que lhe
dão forma em qualquer época e lugar.

• Os poderes do político são gerados pela comunidade (nua) que ele reúne,
mas não da maneira metódica e rastreável pela qual o trabalho é pensado
pelos marxistas como gerador de mais-valia. P. 68
• Também não estamos falando de superestrutura; o
politico não é mero reflexo dos poderes sociais, um
palco no qual as lutas reais" da sociedade civil são
encenadas. Pelo contrário o poder político sempre se materializa e é
moldado por uma racionalidade distinta, uma forma de razão e suas
oclusões, um conjunto de normas e seus efeitos gerativos.
• Como Michel Foucault nos lembra, o poder não é nem independente da
construção da verdade nem assimilável à verdade, e o poder político
não é exceção.
• Diferentemente do que pensam Schmitt e Arendt, o
politico nem possui fundamentos ontológicos nem
coordenadas e características historicamente imutáveis.
Ele não é autonômo em relação a outros domínios ou
poderes; ao contrario, poroso, impuro e sem amarras, ele
é saturado de forças e valores econômicos, sociais,
culturais e religiosos.
• o político é singular no que concerne a direção do
destino, até mesmo da vida e da morte, de
humanos e não humanos em larga escala. Nele
também reside distintivamente o significado de um
povo, gerando identidade individual e coletiva vis-à-
vis de outros.
A democracia sem o político é
um oximoro; a partilha de poder
que a democracia implica é um
somente o político resguarda a
projeto exclusivamente político
possibilidade da democracia
que requer renovação e apoio
entendida como o governo pelo
institucional. A legitimidade da
povo.’
democracia advém
exclusivamente de vocabulários e
ordenanças políticos.
Pensadores neoliberais viam o
político com desconfiança, e como
vamos analisar em profundidade
brevemente, eram abertamente
hostis tanto à sua variante
soberana quanto à democrática.
• O neoliberalismo, deste modo, visa limitar e conter o político, apartando-o da
soberania, eliminando sua forma democrática e definhando suas energias
democráticas. De suas aspirações e afirmação "pós-
ideológicas" da tecnocracia até sua economicização e
privatização das atividades governamentais, de sua
oposição desenfreada ao "estatismo" igualitário até sua
tentativa de deslegitimar e conter as reivindicações
democráticas, de seu objetivo de restringir direitos até seu
objetivo de limitar agudamente certos tipos de estatismo,
o neoliberalismo busca tanto constringir quanto
desdemocratizar o político.
Para isso, os neoliberais promoveram
Estados e instituições supranacionais
despolitizados, leis que "revestiriam e
protegeriam o espaço da economia
mundial", a governança baseada em
princípios de negócios e sujeitos orientados
pelo interesse e disciplinados pelo mercado
e pela moral.
•Gestão, lei e tecnocracia no lugar de
deliberação, contestação e partilha
democráticas do poder: várias décadas dessa
hostilidade multifacetada à vida política democrática geraram em
populações neoliberalizadas, na melhor das hipóteses, uma
desorientação generalizada quanto ao valor da democracia e, na pior,
opróbrio em relação a ela. P. 71
Os anos Reagan- -Thatcher foram
Por um lado, é óbvia a afirmação de moldados pelo refrão de que "o
que o ataque neoliberal à vida política governo é o problema, não a solução"
contribuiu para as rebeliões tanto para as questões econômicas
antidemocráticas de hoje. A política quanto para as sociais, refrão esse que
neoliberal visa afrouxar o controle se tornou o pretexto para os cortes de
político sobre atores econômicos e impostos, o desmantelamento do
mercados, substituindo a regulação e a Estado de bem-estar e o
redistribuição por liberdade de desacorrentamento do capital em
mercado e direitos de propriedade relação a qualquer tipo de restrição,
descomprometidos. P. incluindo aquelas impostas pelo poder
de barganha dos sindicatos.
para desdemocratizar a cultura política e os sujeitos
imersos nela, nas eleições presidenciais dos EUA de 2000 , George
W. Bush tornou-se um ícone desse processo por ser o primeiro detentor
de um MBA a assumir o cargo presidencial." Outro ícone surgiu durante
a campanha de 2016 na pessoa de um incorporador imobiliário que
explorou sua falta de conhecimento e experiência políticos como um
motivo para torná-lo presidente. A guerra declarada de Donald Trump
ao "pântano de Washington" e sua promessa de trazer princípios de
negócios e "a arte de fechar negócios" para o Salão Oval da Casa Branca
foram complementadas pela ambição de seu principal escudeiro, Steve
Bannon, de "desconstruir o Estado administrativo" e pelas agendas
privatizantes de seus nomeados para ministérios, muitos dos quais
também tinham pouca ou nenhuma experiência política antes de
assumirem as lideranças dos órgãos governamentais.’ p. 72
A demonização neoliberal do "estatismo" também preparou o terreno
para alianças de outro modo improváveis entre libertários econômicos,
plutocratas, anarquistas armados de direita, vigilantes da Ku Klux Klan,
opositores entusiastas do aborto e praticantes do ensino domiciliar." Em
resumo, conforme o princípio de "tirar o governo de nossas costas" se
metamorfoseava numa animosidade generalizada em relação ao
político, ele deu ânimo a um movimento a favor do liberalismo
autoritário em alguns domínios e do moralismo autoritário em outros.
Este seria o relato rápido de como passamos do neoliberalismo para o
presente.
Por outro lado, muitas coisas não se
alinham com o argumento de que a
antipolítica neoliberal gerou a onda
de autoritarismo antidemocrático
em todo o arco euroatlantico. P. 73.
Como, precisamente, a atração popular por homens fortes
políticos e o clamor por Estados de lei-e-ordem nasceram
de uma racionalidade que vê o poder político concentrado
como o perigo supremo para o mercado e a liberdade? O
crescente ultranacionalismo não sinaliza uma ruptura
radical com o neoliberalismo? Não é por isso que tantos
comentaristas viram no Brexit, na eleição de Trump e na
ascensão da direita nacionalista na Europa a sentença de
morte do neoliberalismo?’ E como encaixar a intensa
polarização política de nossos tempos com uma
racionalidade de governo antipolítica e antidemocrática? P.
73
• Para avaliar como a razão política neoliberal contribuiu para a ascensão da
direita antidemocrática, temos que examinar mais de perto seu ataque a
forma democrática do político. Quais são os conteúdos precisos da
desconfiança do neoliberalismo em relação à política e de sua hostilidade
ã democracia? Sua objeção central dirige-se ao poder político em si, ao
estatismo expansivo, a soberania, à democracia - ou todas as alternativas?
• O neoliberalismo esta principalmente preocupado em
conter os poderes dos Estados-nação a fim de
incrementar os poderes das federações e instituições
supranacionais que organizam o capitalismo global,
como argumenta Quinn Slobodian?!" Ou sua oposição
ao político é mais profunda, enraizada em preocupações
com a elevação de outros domínios e poderes - tradição,
mercado, moralidade, mas talvez também a ciência e a
técnica?" Como ele põe em ato sua oposição ao poder
político, em especial ao poder político democrático?
• Que cegueiras e efeitos não intencionais podem ser introduzidos por
sua aversão ao poder e à dinâmica políticos em seu próprio projeto?
Como ele acaba gerando forças plutocráticas e fascistóides que visava
excluir, além do afeto da massa politizada que pretendia pacificar? O
que ele politiza ou despolitiza, intencional ou inadvertidamente, de tal
forma que a raiva populista rancorosa se torna uma de suas crias? Que
outras forças interseccionam a racionalidade neoliberal - ordens de
gênero e raça no Ocidente, o imaginário imperial-colonial constitutivo
do Ocidente, niilismo, desarraigamento, dessublimação - gerando
formações ativamente temidas pelos intelectuais neoliberais
fundadores e que eles visavam evitar com sua nova reformatação do
liberalismo e do capitalismo? P. 74
A ANTIPOLÍTICA NEOLIBERAL
• Os intelectuais neoliberais diferiam em seu antagonismo em relação
ao político, especialmente em seus esforços para redefinir a relação
entre economia e Estado e para limitar a democracia. Milton
Friedman e Friedrich Hayek colocam o político
como um domínio perigosamente
autoexpansivo que tinha de ser atado com
firmeza e conformado aos propósitos
neoliberais.
O que torna possível reuni-los é
Os ordoliberais eram mais
que cada um e todos
próximos a Carl Schmitt,
consideravam as liberdades
procurando construir o Estado
individuais e o mercado,
forte necessário para a ordem e
juntamente com a moralidade
a estabilidade econômicas, ao
tradicional, como elementos
mesmo tempo que lhe conferiam
ameaçados pelos interesses e
uma forma tecnocrática e
poderes coercitivos,
isolavam-no das demandas
ingovernáveis e arbitrários
democráticas.
abrigados pelo político.
. Todos eles também se opuseram à plataforma que o
político fornece para os interesses que distorcem o
mercado, sejam os do grande capital, das maiorias
democráticas, dos pobres ou de quem promove noções do
bem comum. Eles se opuseram às sociedades
politicamente projetadas, logo, à maioria das políticas e
bens públicos. P. 75
• Assim, todos eles procuravam conter radicalmente os poderes políticos por
meio da submissão da política às coordenadas e métricas econômicas, por
um lado, de sua sujeição às exigências do mercado, por outro. A
economização do tecido social e a
subordinação de seus poderes à economia
Juntas, apaziguariam seus perigos.
• os neoliberais se uniram na oposição à
democracia robusta - movimentos sociais,
participação política direta ou demandas
democráticas ao Estado - que identificaram com o
totalitarismo, o fascismo ou o governo da plebe.

• Para esse fim, Hayek contestava a soberania popular como incoerente e


a própria noção de soberania política como imprópria para as
sociedades livres. p. 75
• James Buchanan, da Public Choice School do neoliberalismo da
Virgínia, deplorava os bens públicos e especialmente o ensino público
superior, por gerarem "democracia demais". Buchanan visava fortalecer
os "direitos dos estados" (sulistas) contra os mandatos federais de
igualdade e combate à discriminação, e propunha incluir na Constituição
norte-americana a obrigatoriedade de "orçamentos equilibrados" para
repelir permanentemente as demandas democráticas por um Estado
social.
• Ele argumentou francamente em prol da restrição dos "excessos
democráticos", entendeu a importância de manipular os distritos eleitorais
[gerrymandering] e suprimir eleitores, e amalgamou seu estilo de livre
iniciativa com o projeto de supremacismo branco.

• Os ordoliberais procuraram essencialmente substituir a democracia pela


tecnocracia e por um Estado forte e autônomo. Várias escolas do
neoliberalismo propuseram uma "ditadura liberal" como um regime de
transição legítimo da "democracia totalitária" (a social-democracia) para a
liberdade.
No entanto, o ataque do neoliberalismo à
democracia é frequentemente menos
audacioso. Ele envolve alterar os
significados da democracia, reduzindo-a a
um "método" de estabelecer regras em
vez de uma forma de governo,
restringindo seu escopo ou apartando-a do
governar.
• O sufocamento da democracia foi fundamental, e não
incidental, para o programa neoliberal mais amplo.
• As energias democráticas, acreditavam os neoliberais, entopem
inerentemente o político, o que ameaça a liberdade, a ordem
espontânea e o desenvolvimento - e, no extremo, produzem o
despotismo ou o totalitarismo de Estado. Mesmo o modo corriqueiro de
governo por maiorias democráticas gera um Estado redistributivo,
administrativo e excessivo, e um ativismo democrático robusto tanto
desafia a autoridade moral quanto perturba a ordem desde baixo.
• A versão excepcionalmente rarefeita da democracia que o
neoliberalismo tolera é assim apartada da liberdade política, da
igualdade política, do compartilhamento de poder entre cidadãos, da
legislação voltada para o bem comum, das culturas de participação e de
qualquer noção de interesse público que vá além da proteção às
liberdades e à segurança individuais.“
Enquanto o Estado liberal clássico recorria ao modelo
econômico do laissez-faire ao modelo político do "vigia
noturno";_os neoliberais procuravam construir,
consolidar e amarrar um Estado unificado e forte, um
Estado no qual a soberania política significa desunir
'a""democracia, desorientar e dividir a burocracia,
exaurir. O Estado neoliberal tinha de ser enxuto, não
soberano e milimetricamente focado, isolado de
interesses particulares, de pactos pluralistas e de
demandas das massas.' As incompatibilidades da
democracia representativa com tal Estado são muitas.
P.77
• Não obstante suas diferenças, os
neoliberais convergiram no
reconhecimento de que a democracia representativa
baseada no sufrágio universal em grandes Estados-
nação capitalistas seria inevitavelmente controlada
pela classe numericamente maior, tornando a social-
democracia, com sua trajetória tendencialmente
totalitária, inevitável. A menos que sejam enganados,
condicionados ou efetivamente marginalizados, os trabalhadores e os
pobres vão sempre combater os mercados como injustos em sua
distribuição de oportunidades e recompensas.
• O Estado neoliberal tinha de ser enxuto, não soberano e milimetricamente focado,
isolado de interesses particulares, de pactos pluralistas e de demandas das massas.
As incompatibilidades da democracia representativa com tal Estado são muitas.
• O problema mais sério, no entanto, é representado pelos trabalhadores e pobres,
dada sua inevitável exigência de que a questão social seja tratada por meio de um
Estado social.
• Não obstante suas diferenças, os neoliberais convergiram no
reconhecimento de que a democracia representativa baseada
no sufrágio universal em grandes Estados-nação capitalistas
seria inevitavelmente controlada pela classe numericamente
maior, tornando a social-democracia, com sua trajetória
tendencialmente totalitária inevitável.
A menos que sejam enganados, condicionados ou
efetivamente marginalizados, os trabalhadores e os pobres
vão sempre combater os mercados como injustos em sua
distribuição de oportunidades e recompensas. Essa classe
pode ser enganada, entretanto, com apelos a outras linhas
de privilégio e poder, como a branquitude ou a
masculinidade, especialmente porque é a liberdade, e não a
igualdade, que reproduz e assegura esses poderes.
• Tanto no pensamento quanto na prática neoliberal, a crítica da
democracia e do político é disfarçada de uma defesa a favor da liberdade
individual, especialmente por Friedman e Hayek. A restrição do alcance
do poder político em nome da liberdade justifica a revogação do Estado
regulador (ao mesmo tempo em que torna o próprio Estado sujeito à
regulação) e a limitação da voz política do povo.
Todos eles se contentam com o voto e
as liberdades pessoais como partes
que constituem a extensão da
democracia e, seja como violação ou
norma, todos endossam o liberalismo
autoritário - o poder político não
democrático que subjaz às liberdades
privadas.
MILTON FRIEDMAN
• Dentre os intelectuais neoliberais fundadores, somente Milton
Friedman promove a causa da economia neoliberal por meio da
"democracia", vagamente definida como "liberdade
política" ou "liberdade individual".
Capitalism and Freedom é um livro dedicado a estabelecer a
incoerência do socialismo democrático e da social-democracia: "Existe
uma conexão íntima entre economia e política [...]; apenas certas
combinações de arranjos políticos e econômicos são possíveis, e [...]
uma sociedade que é socialista não pode ser também' democrática, no
sentido de garantir a liberdade individual.
• O argumento de Friedman sobre a codependência entre liberdade
econômica e liberdade política se baseia tanto na sinergia quanto na
similaridade. Historicamente, insiste ele, a verdadeira liberdade política
nasceu apenas com o capitalismo, e os dois tipos de liberdade são quase
sempre ' articulados entre si."' Além disso, se uma sociedade apresenta
apenas uma das duas, uma irá promover ou garantir a outra com o tempo.""
Logicamente, sua afirmação assenta-se no fato de que os mercados livres (o
"capitalismo competitivo") exigem um governo limitado e a separação nítida
entre poder econômico e político, que "desta forma permite que uma
forma" de poder "compense a outra". P. 80
• O capitalismo nessa análise promove inadvertidamente a liberdade, a
limitar e restringir o governo.

• No entanto, há muito mais em jogo aqui do que o tamanho e o alcance


do governo. Para Friedman, qualquer tipo de exercício do poder
político, incluindo o da maioria popular, ameaça a liberdade tanto na
vida econômica quanto na política.

• ..................segue uma conversa com este liberal para dizer:


Dito isso, ele articula claramente o ideal compartilhado com
os outros de separar o poder econômico e o político,
mesmo quando afirma a importância do Estado em
viabilizar as condições para os mercados. Ele também se junta
aos outros ao identificar a vida política exclusivamente com coerção e
ao reduzir o significado da liberdade à ausência de coerção.
Segundo Wendy....
• Tal posição desacredita qualquer forma de democracia robusta, e não
apenas a social-democracia. Ademais, Friedman se une a seus
compatriotas na legitimação do autoritarismo politico para forjar
mercados liberalizados, como os regimes instalados no Chile pós-
Salvador Allende e no Iraque pós-Saddam Hussein. Como veremos,
ao tachar a "democracia" com uma imagem de coerção da maioria,
por um lado, e ao distinguir a importância do poder do Estado para
estabilizar os mercados da questão da liberdade pessoal, por outro,
Friedman, assim como Hayek, elimina completamente o valor do
poder politico democratizado.
FRIEDRICH HAYEK

HAYEK - A limitação efetiva do poder é o problema mais importante da ordem


social. O governo é indispensável para a formação de tal ordem apenas para
proteger todos contra a coerção e a violência dos outros. Mas, assim que, para
conseguir isso, o governo reivindica com sucesso o monopólio da coerção e da
violência, torna-se também a principal ameaça à liberdade individual. A
limitação desse poder era o grande objetivo dos fundadores do governo
constitucional nos séculos xvii e xviii. Mas o esforço para conter os poderes do
governo foi quase inadvertidamente abandonado quando se acreditou
erroneamente que o controle democrático do exercício do poder forneceria
uma salvaguarda suficiente contra seu crescimento excessivo. Friedrich Hayek,
Law, Legislation, and Liberty, vol. 3
Hayek privilegia o que chama de "tradição britânica
empirica e assistemática" do pensamento politico
moderno (incluindo Burke, assim como Locke e o
Iluminismo escocês) e deplora a tradição
continental. Ele descreve esta como baseada em
"uma interpretação das tradições e instituições
que haviam crescido espontaneamente" e aquela
como obscenamente especulativa, racionalista,
romântica e utópica
• Em seu tempo, diz ele, essa oposição aparece | como aquela entre
"democracia liberal" e "democracia social ou totalitária". Hayek então
cita com aprovação o livro de Jacob Talmon Origins of Totalitarian
Democracy: uma tradição "encontra a essência da liberdade na
espontaneidade e na ausência de coerção, a outra acredita que a
liberdade seja realizada apenas na busca e no alcance de um objetivo
coletivo absoluto [...]. Uma representa o crescimento orgânico, lento e
parcialmente consciente, a outra, deliberação doutrinária; uma
representa o procedimento de tentativa e erro, a outra, um padrão
imposto unicamente válido"
• Para Hayek, tudo que há de errado com a democracia republicana e com a
social-democracia, para não mencionar o socialismo e o comunismo,
encontra-se condensado na acusação de Talmon. Os pecados da tradição
continental incluem o doutrinarismo, o racionalismo e a imposição
deliberada de um plano e propósito coletivo que juntos sufocam o
organicismo, o desenvolvimento espontâneo, a tradição e a liberdade
individual.
• O pecado capital da tradição continental, no entanto, é sua adoração da
soberania popular, um conceito, como o de sociedade, que Hayek chama
de perigosa "noção' sem sentido“

• A soberania popular ameaça a liberdade individual, licencia o governo


ilimitado e confere supremacia justamente ao domínio que precisa ser
controlado, o político." Ela permite que o poder legislativo fique
completamente descontrolado, excedendo seu papel de formular regras
universais de justiça, e assim expande inevitavelmente os poderes do
Estado administrativo.
• Sob o manto da soberania popular, as legislaturas adotam a promoção
do "interesse público" como seu mandato. Essa dedicação ao interesse
público (mais uma noção sem sentido, segundo Hayek incha o Estado e
faz com que subornos e negociatas constituam uma parte cotidiana da
cultura legislativa. Assim, o suposto ícone da democracia,
um órgão legislativo eleito, inverte-se em seu oposto,
governando por interesses particulares e corrupção.
Finalmente dado que a prática legislativa que
excede ao fazer da regra' universal, expande o
poder estatal e restringe a liberdade, a própria
justiça se torna confusa. Nós equivocadamente
chamamos de "justo", diz Hayek, o que quer
que os legisladores façam, ou o que quer que
pensemos que devam fazer, em vez de reservar
o termo para aquilo que os gregos antigos
chamavam de isonomía, "lei igual para todos".
• Tal é a avalanche que resulta da soberania popular: ela desata a
legislatura dos limites e da justiça, expande incessantemente o poder do
Estado e desencadeia interesses e práticas corruptores no governo. Para
evitar esse desastre, Hayek colocaria limites radicais ao político, acima de
tudo despojando a democracia liberal da soberania in toto.

• O erro da soberania popular, escreve ele, "não reside na crença de que


qualquer poder que exista deve estar nas mãos do povo, e que a
vontade de seus desejos terá que ser expressa por decisões
majoritárias, mas na crença de que essa fonte última de poder tem que
ser ilimitada, ou seja, na própria ideia de soberania. P. 85
• A soberania, por natureza ilimitada, é categoricamente
incompatível com um governo limitado e com o
"destronamento da política", ambos necessários para
uma ordem econômica e moral florescente. Além disso, a
própria noção de soberania repousa sobre uma "falsa interpretação
construtivista da formação das instituições humanas, que tenta remetê-las
a um projetista original ou a algum outro ato deliberado da vontade
Assim, Hayek concorda com Schmitt que a soberania seja um conceito
teológico secularizado, mas, ao contrário de Schmitt, considera a
soberania falsa e perigosa porque teológica.
Para Hayek, as instituições políticas não emergem
de atos da vontade, mas da "existência de certas
opiniões sobre o que é certo e errado entre as
pessoas"." Ele acrescenta: "já que todo poder
repousa sobre opiniões preexistentes e durará
somente enquanto essas opiniões prevalecerem,
não há uma fonte pessoal real desse poder e
nenhuma vontade deliberada que o tenha criado.
A concepção de soberania repousa sobre uma
construção lógica enganadora". P. 86
• Em outras palavras, para Hayek, a capacidade e o
poder criativos sempre emergem de baixo e o fazem de
forma orgânica, espontânea e autêntica. A contenção e
repressão dessa capacidade e desse poder - contenção
e repressão estas que ele considera a essência do
político - vêm de cima e são artificiais, mas são
perigosamente adoradas como originárias (Hayek trava
uma guerra com Hobbes aqui). A soberania é teológica
porque postula a criação de cima para baixo, seja por
Deus, pelo rei ou pelo Estado.
• Para deixar claro, Hayek não está dizendo que o
absolutismo ou a soberania são inerentes à
democracia. Ao contrário, seu argumento é que,
historicamente, no Ocidente, a democracia
herdou acriticamente esses princípios de seu
antecessor, instigada pelo conto de fadas de
que a soberania popular significa "as pessoas
estão agindo juntas [...] e que isso é
moralmente preferível às ações separadas dos
indivíduos".
Hayek desmistifica ambas as partes desse conto de
fadas com a alegação de que a ficção da soberania
popular serve apenas para ungir o absolutismo com
uma legitimidade democrática. Em outras palavras,
a democracia ligada" à soberania popular "ainda
não cortou a cabeça do rei" na teoria ou prática
política e, consequentemente, falha em realizar a
liberdade que promete.
• Hayek distingue nitidamente o liberalismo da
democracia, afirmando que o único princípio
compartilhado por eles é o da igualdade perante
a lei." Além disso, "o liberalismo é uma doutrina
sobre o que a lei deveria ser, a democracia uma
doutrina sobre a maneira de determinar o que
será a lei"." A democracia é um "método de governo - a saber,
governo da maioria", enquanto o liberalismo "diz respeito ao escopo e
propósito do governo.
"A democracia responde a essa
pergunta 'quem deve exercer
poder público?'. O liberalismo
pergunta, 'independentemente
de quem exerce o poder público,
quais devem ser seus limites?
• Mais do que simplesmente distingui-los, no entanto, Hayek identifica
fortes tensões entre o liberalismo e a democracia. O
liberalismo, diz ele, está preocupado com "limitar os poderes coercitivos
de todo o governo", enquanto a democracia limita o governo apenas de
acordo com a opinião da maioria. O liberalismo é comprometido com uma
forma -particular de governo, enquanto a democracia o é com o povo. O
liberalismo "aceita o governo da maioria como um método de decisão,
mas não como uma autoridade sobre o “que a decisão deveria ser". Para o
democrata, "o fato de que a maioria queira algo é base suficiente para
considerá-lo bom". Não é assim para o liberal.
Acima de tudo, argumenta O oposto do liberalismo é o
Hayek, a democracia e o totalitarismo, controle total
liberalismo têm opostos de todos os aspectos da
radicalmente diferentes. O vida. Isso faz com que o
oposto da democracia é o autoritarismo seja compatível
autoritarismo, o poder com uma sociedade liberal -
politico concentrado, mas com a liberdade, a moral
não necessariamente tradicional, uma esfera privada
ilimitado. protegida.
E o totalitarismo pode ser engendrado e
administrado por maiorias democráticas. Se tanto a
democracia totalitária quanto o liberalismo
autoritário são possibilidades lógicas e até mesmo
históricas, torna-se razoável para Hayek unir-se aos
seus companheiros neoliberais no aceite da
legitimidade do autoritarismo na transição para o
liberalismo, justificando assim um Pinochet ou
Bremer e os golpes ou guerras que os empossaram.
• Além de autorizar o liberalismo autoritário, esses dois conjuntos de
opostos - democracia
versus autoritarismo e
liberalismo versus totalitarismo - são o que
gera a noção de, outro modo paradoxal dos
"excessos da democracia". Todos os neoliberais usaram
essa expressão para condenar os movimentos sociais dos anos 1960 e o
alargado "escopo da ação estatal guiado por decisão democrática"
• Enquanto o democrata dogmático considera desejável que o maior
número possível de questões seja decidido por maioria de votos, o liberal
acredita que existem limites definitivos para o leque de questões que
devem ser assim decididas". Qual é o "conceito crucial do democrata
dogmático? Soberania popular".

• Se democracia em demasia significa Estado social em demasia, combinado


com muito pouco respeito pela autoridade política, este último sendo
incitado pela substituição das funções familiares pelo Estado social e
substituição da lei moral pela justiça social fica claro que o objetivo de
HAVEK para pôr limites ao governo excede amplamente o respeito e a
proteção dos mercados.
Wendy....
• As regras de conduta que evoluíram organicamente, baseadas em
princípios compartilhados herdados, não devem apenas ser deixadas
intocadas, mas também tornadas supervenientes. Respeito à
propriedade privada, normas de gênero e outras crenças tradicionais -
esses são os verdadeiros fundamentos de uma sociedade livre, moral e
ordenada.
Eis como Hayek os converte em limites ao
governo, à democracia
• É a aceitação de princípios comuns que torna
uma coleção de pessoas uma comunidade. E essa
aceitação comum é a condição indispensável para uma sociedade livre.
Um grupo de homens normalmente se torna uma sociedade não ao dar-
se leis, mas ao obedecer às mesmas regras de conduta.

• Isso significa que o poder da maioria é limitado por esses princípios


comumente aceitos e que não há poder legítimo além deles.
"Não há poder legítimo além deles" - com
essa frase, • Hayek conclama todos os
"princípios comumente aceitos", e' não
apenas aqueles que asseguram os mercados,
para limitar o poder político. Esses princípios
são aquilo que cortará a cabeça do rei. Isto
é, que eliminará tanto a soberania política
quanto a soberania do politico.
• Para Hayek, nossa
liberdade não é fundada nem na lei
nem na política, mas nos princípios de conduta e
opinião evoluídos, frequentemente
desarticulados, que formam , um povo coeso,
princípios que aceitamos e a que obedecemos
"livremente". O poder político - concentrado, empunhado de cima -
nega essa liberdade por meio da coerção e perturba, suprime ou substitui
esses princípios de comunidade evoluídos e testados por artifício e
racionalismo. P. 91
A democracia agrava esses danos com o governo
[rule] da maioria e com interesses privados
disfarçados de públicos. Assim, o político geral e
a democracia em particular encontram seus
limites nos princípios comumente aceitos que
formam e vinculam as comunidades.
Segundo Wendy...........
• A preocupação de Hayek com a ameaça representada pela
democracia às normas comunitárias organicamente evoluídas, não
apenas à liberdade, revela a lógica subjacente ao que a esquerda
frequentemente hoje considera como inconsistência ou hipocrisia da
direita, a saber, seu objetivo de reforçar as liberdades individuais e
simultaneamente expandir o alcance dos valores tradicionais. No
entanto, estes se encaixam de maneira deveras compatível na
doutrina que Hayek oferece.
• Ao desdemocratizar o Estado e remover seu empenho com
a igualdade, não apenas os mercados, mas os princípios
comumente aceitos de um povo, das normas raciais até as
religiosas, podem ser protegidos legitimamente da
interferência do Estado e podem governar legitimamente a
conduta.
• A tentativa de burlar mecanismos antissegregação em escolas por meio de
estratégias de controle local ou por privatizações [vouchers, "escolha da
escola"), a recusa a prestar serviços relacionados à contracepção, ao aborto
ou a casamentos de mesmo sexo por meio de coisas como a "Lei de
Restauração da Liberdade Religiosa" [Religious Freedom Restoration Act], a
manutenção da iconografia cristã dentro ou ao redor de edifícios públicos......
Essas estratégias exemplificam a resistência
antidemocrática do neoliberalismo à
igualdade social e econômica. Elas também
revelam até que ponto a democracia
neoliberalizada, despojada da soberania e do
legislar pelo bem comum, desatrelada da
busca pelo interesse público ou pela justiça
social, impedida de tocar as liberdades
individuais, os mercados e as normas
comunitárias evoluídas, tem pouco a fazer e
pouco poder para fazê-lo. P. 92
Os ordoliberais
A formulação ordoliberal do político é complexa e internamente diversa. Vamos
nos concentrar apenas em sua preocupação em construir um
Estado forte e tecnocrático, sua ansiedade em relação à
democracia e sua defesa do liberalismo autoritário. Ao fazer esse
exame, é mais importante ter em mente que os ordos compartilham a
desconfiança de Friedman e Hayek em relação ao político, mas não sua rejeição da
soberania estatal. Eles buscam desdemocratizar o Estado e substituí-lo por outro,
suportado pela expertise técnica, dirigido por autoridades competentes e
devotado aos princípios de uma economia competitiva e liberalizada.
A ideia de uma "constituição
econômica" é a contribuição singular
do ordoliberalismo à teoria neoliberal
da relação Estado-economia.
• O objetivo da constituição econômica é devotar o
Estado ao liberalismo econômico. A constituição econômica
confessa que esse compromisso não é nem natural nem garantido, mas
deve ser assegurado politicamente - os ordos entendem que o
capitalismo não tem uma forma única. Assim, o Estado, atado por uma
constituição econômica que assegura o liberalismo econômico, é o
oposto daquilo que os ordos chamam de "Estado econômico" (e daquilo
que chamamos de "Estado social"), que consideram ter o duplo vício de
ser um Estado fraco e de enfraquecer o capitalismo. O estado ordo ideal
é autônomo em relação à economia, mas dedicado à ela. Em
contraste , o Estado econômico ou Estado social é integrado a minando
a autonomia e a capacidade política e distorcendo os mercados. P. 94
os ordos estão tão preocupados com o dano que
a democracia causa aos Estados quanto aos
mercados." O "Estado econômico" sofre de falta
de independência na formação da vontade e no
desempenho da vontade; submete-se a
poderosos grupos de interesse (incluindo os
trabalhadores e os pobres), por um lado, e á
golpeado por vicissitudes econômicas, por outro.
Se os ordos são os únicos entre os neoliberais a
argumentar que os Estados sociais são fracos,
comprometidos e carecem de poder independente
para a economia, eles compartilham com os outros
a convicção de que a democracia é a raiz do
problema.
A solução ordoliberal para esse problema
envolve isolar o Estado tanto da
democracia quanto da economia. Isso é
realizado pela transformação a constituição
política mais em um ethos animador do que
um documento soberano, e pela
complementação dessa constituição política
com uma econômica. P. 95
Wendy
• O complemento à constituição política fornecido pela constituição
econômica, que Böhm chama de "prático-técnica", é necessário em
parte porque "a boa vontade e a posição moral social da comunidade
econômica não podem dominar o desafio econômico nacional por
conta própria’? As economias capitalistas não são autossustentáveis
nem autorreguladas, e os próprios capitalistas não podem fornecer a
direção que a economia requer. A constituição econômica também é
necessária porque a comunidade político-moral enfrenta "uma escolha
específica entre uma variedade de ordens econômicas possíveis".
• Em sua insistência na expertise técnica como orientação para a ação
estatal desinteressada em nome dos mercados, os ordos não
compartilham as suspeitas de Hayek em relação á ciência nesse domínio.
Pelo contrário, a complexidade da direção do capitalismo requer um
conhecimento especializado e perícia, comparado pelos ordos com o
conhecimento necessário para manter qualquer máquina complexa. Em
contraste com os ideólogos que administram uma economia planejada,
argumenta Eucken, os tecnocratas que administram uma economia
capitalista serão imbuídos de teoria econômica e de suas aplicações. No
entanto, esses especialistas (apropriadamente) não terão autoridade
política nem capacidade para disseminar seu conhecimento como poder.
Daí a importância de embutir no Estado ordoliberal o que Böhm chama de
"uma expressão clara e inatacável da vontade política“p. 97
• O que deve estar claro neste ponto é que, em contraste com Hayek e
Friedman, para os ordos, o liberalismo autoritário-
tecnocrático não é uma fase de transição, mas mas sim a
forma governamental apropriada ao capitalismo
moderno. Os Estados ordoliberais não podem aceitar a participação
cidadã ou o compartilhamento do poder democrático; ao contrário, eles são
moldados por "uma expressão clara e inatacável da vontade política"
fundada na expertise técnica
• Dirigir o capitalismo requer uma administração não política e não
democrática por autoridades habilmente informadas e que intervém "não
no mercado, mas para o mercado [...] nas condições do mercado". Esta
"terceira via" econômica (nem o laissez-faire nem a regulamentação ou
propriedade estatais) só é possível se o Estado estiver isolado tanto dos
interesses políticos quanto da tomada de decisão democrática. No
entanto, esse Estado não democrático não precisa ser antiliberal, mesmo
em uma crise, mesmo quando suas características autoritárias se
manifestam claramente.
Wendy - Embora as prescrições
ordoliberais para um Estado
neoliberal difiram daquelas de Hayek
e Friedman, as três escolas do
neoliberalismo compartilham uma
rejeição da democracia robusta e da
noção expansiva do político sobre a
qual a democracia repousa .
Eles compartilham igualmente o objetivo de vincular o
poder político ao suporte para o liberalismo econômico e a
ordem moral. Até mesmo o forte estatismo do
ordoliberalismo é limitado dessa maneira. Assim, Christian
Joerges analisa a diferença entre o schmittianismo (e seu
endosso implícito do nazismo) e o ordoliberalismo: Schmitt
procurou "estabelecer a prioridade da política sobre a
economia sem consideração pela lei, enquanto os
ordoliberais quiseram prescrever um quadro legal estável
para a economia que a política teria de respeitar".
Wendy - O que deu errado ?
• • • sonho neoliberal era uma ordem global de fluxo e acumulação de
capital livres, nações organizadas pela moralidade tradicional e pelo
mercado e de Estados orientados quase exclusivamente para esse projeto.
Atado às exigências de mercados que não são nem
autoestabilizadores nem duradouramente competitivos, o
Estado neoliberal, com seu compromisso com a liberdade e
legislando somente regras universais, também protegeria a
ordem moral tradicional contra incursões de racionalistas,
planejadores, redistribucionistas e outros igualitaristas. Para esse
fim, a democracia seria divorciada da soberania popular e rebaixada: não
mais um fim, mas um meio para viabilizar a transferência pacífica de poder.
• A cidadania estaria limitada ao voto; a legislação, à criação de regras
universais; e os tribunais, à arbitragem. Nessa visão, nos
Estados-nação, o demos não governaria. Tampouco,
o capital ou seus segmentos mais poderosos. Para os neoliberais, a
plutocracia é tão pouco propícia quanto a democracia ao projeto de
um Estado racionalmente organizado, destinado a assegurar os
domínios do mercado e da moral. Tanto as democracias quanto as
plutocracias instrumentalizarão os Estados em prol de seus interesses,
simultaneamente enfraquecendo sua capacidade de direção e
expandindo seu alcance e penetração na sociedade, comprometendo
assim a saúde da economia, a concorrência e a liberdade. P. 101.
• À medida que o Estado neoliberal
adequadamente constituído é desdemocratizado
e despojado de soberania, sua autoridade seria
fortalecida, e os cidadãos, politicamente
pacificados.

• A tarefa do Estado de assegurar condições para os mercados torna-se


mais complexa na mesma medida em que a economia, tornando a
tecnocracia essencial e rebaixa ainda mais o valor ou mesmo a
possibilidade de participação democrática.
• A tecnocracia também serve como um anteparo contra esforços
inevitáveis de atores poderosos do mercado
• Daí o sonho ordoliberal de uma ordem liberal autoritária, ligada a uma
constituição econômica e guiada por tecnocratas. Daí o objetivo de
Hayek de uma separação estrita dos poderes, de restrições severas ao
alcance legislativo e de deslocamento da soberania do Estado para
princípios do mercado e moralidade. Daí o esforço da Public Choíce
School em dirigir e conter o poder legislativo por meio de uma emenda
orçamentária equilibrada e em usar "travas e ferrolhos" para proteger
o capitalismo da contestação ou interferência democráticas. P. 101
• Wendy - O objetivo de desmantelar a sociedade, sufocar a
democracia, domar e reprogramar o Estado era neutralizar uma
panóplia de forças corruptoras - poderosos atores do mercado,
igualitaristas e engenheiros sociais e massas ignorantes e mitômanas.
No entanto, as coisas deram errado no
neoliberalismo realmente existente, como ocorreu nas
revoluções marxistas do século passado, uma das razões pelas quais há
tamanha confusão sobre o que é o neoliberalismo e quem é o culpado
por seus desastres econômicos e politicos.
• A democracia foi sufocada e rebaixada, sim. Entretanto, o efeito tem sido
o oposto dos objetivos neoliberais. Em vez de ser isolado do
grande capital e, portanto, capaz de dirigir a economia,
o Estado é cada vez mais instrumentalizado por este
último - todas as grandes indústrias, da agricultura e do
petróleo aos produtos farmacêuticos e financeiros,
manejam as rédeas da legislação. Em vez de serem
politicamente pacificados, os cidadãos tornaram-se vulneráveis à
mobilização nacionalista demagógica que deplora a soberania estatal
limitada e a viabilização supranacional da competição global e da
acumulação de capital. P.
• E, em vez de ordenar e disciplinar espontaneamente as populações, a
moralidade tradicional tornou-se um grito de guerra, muitas vezes
esvaziado de substância à medida que é instrumentalizado para outros
fins.
• A medida que os poderes e energias politicas antidemocráticas nas
democracias constitucionais ganharam magnitude e intensidade, eles
geraram uma forma monstruosa de vida politica - arrastada por
poderosos interesses econômicos e zelo popular, sem coordenadas
democráticas ou mesmo constitucionais, sem espirito nem
responsabilização, e, portanto, perversamente, sem os
limites ou a capacidade de limitação almejados pelos
neoliberais.
• Assim os partidos de governo limitado se transformam em
partidos de poder e gastos estatais exorbitantes.

• Por que o "destronamento da politica"


neoliberal saiu tão fragorosamente dos trilhos?
O opróbrio do politico e do democrático impediu os
neoliberais de teorizar ambos os domínios com cuidado,
o que tornou seu projeto intrínsecamente vulnerável
(por exemplo, a dominação contínua pelos interesses do
grande capital, especialmente, mas não apenas das
finanças) e também os impossibilitou de antecipar a
metamorfose do neoliberalismo realizada por poderes
politicos vigaristas, inclusive rebeliões antidemocráticas
contra seus efeitos.
• Em sua incapacidade de levar profundamente em consideração o
político, o neoliberalismo perversamente compartilha uma fraqueza
crucial com o marxismo. Ambos não apenas teorizam inadequadamente
a vida política, como também rejeitam situar a liberdade (que apreciam,
mesmo que diferentemente) no domínio político, e ambos fetichizam a
independência da "economia" em relação ao discurso político."" Acima
de tudo, ambos combinam sua crítica desconstrutiva e normativa dos
poderes políticos (para além daqueles administrativos que eles querem
usar) com o atrofiamento prático desses poderes "após a revolução“.
O neoliberalismo realmente existente consiste em Estados
dominados por todos os grandes interesses econômicos e
compelidos a lidar com um populacho fervendo de rancor,
raiva e ressentimento, para não mencionar suas necessidades
materiais. Hayek imaginou uma ordem de poderes
governamentais estritamente limitados e separados, ao passo
que hoje os tribunais fazem leis, as legislaturas traçam
políticas e o poder executivo emite "decretos" para contornar
ambos. Os ordos imaginavam uma ordem que subordinaria a
democracia a tecnocracia na formulação de políticas.
• Um resultado da repetição neoliberal do fracasso marxista em considerar
a vida e o poder político é sua deformação realizada por aquilo que
ignora.’ O LIBERALISMO consiste em Estados
dominados por todos nos grandes interesses
econômicos e compelidos a lidar com um
populacho fervendo de rancor, raiva e
ressentimento, para não mencionar suas
necessidades materiais.
• Hayek imaginou uma ordem de poderes
governamentais estritamente limitados e
separados, ao passo que hoje os tribunais
fazem leis, as legislaturas traçam políticas e o
poder executivo emite "decretos" para
contornar ambos. Os ordos imaginavam uma ordem que
subordinaria a democracia e a tecnocracia na formulação de políticas.
• Em vez disso a legislação nos EUA, é dominada pela necessidade de
satisfazer tanto a uma classe de doadores de fundos para campanhas
políticas quanto a um eleitorado raivoso, resultando numa cultura
política de troca de favores que paga banquetes para os plutocratas e
joga farelos para a base.

• Na política americana de hoje, porque os partidos políticos devem


cortejar os eleitores, mas devem favores aos doadores, eles puxam o
Estado em duas direções. P. 105
• Quatro décadas de racionalidade neoliberal resultaram
em uma cultura política profundamente
antidemocrática. Mais do que submetida a uma semiótica
economizante, como argumentei em Undoing the Demos, a
explicitamente demonizada e ao mesmo tempo despida de proteções
contra suas piores tendências."" Ela sofre oposição de cima e de baixo,
da esquerda e da direita - por vezes, as elites do Vale do Silicio e das
finanças a depreciam tão ferozmente quanto autoritários e nacionalistas
brancos, mesmo que por diferentes razões.
• Com a democracia assim rebaixada e diminuida, o exercido do poder
politico, embora não desapareça, permanece cada vez mais privado da
modulação provida por meio da deliberação esclarecida, do pacto, da
prestação de contas e da legitimação pela vontade do povo.
• A realpolitik reina, com o resultado de que as manobras cruas, as
negociatas, as estratégias de branding, as manipulações [spinning] e a
indiferença com os fatos, argumentos e a verdade, tudo isso desacredita
ainda mais o politico e desorientam ainda mais a população quanto ao
significado ou ao valor da democracia.
• Quanto mais a democracia é apartada dos padrões de veracidade,
razoabilidade, responsabilidade e da resolução de problemas por meio da
compreensão e da negociação das diferenças, mais desacreditada se
torna. Combinado com o declínio dos padrões de vida no Norte global, que
eram uma característica prevista da globalização neoliberal, e com
futuridade existencialmente ameaçada, o ataque da fúria populista à
democracia é inevitável, mas talvez seja também o menor dos perigos no
horizonte.
Capítulo 3 - a esfera pessoal expandida
tem que ser protegida
• Há [...] uma herança moral, que é uma explicação para a dominância
do mundo ocidental; uma herança moral que consiste essencialmente
da crença na propriedade, na honestidade e na família, todas coisas
que não pudemos e nunca fomos capazes de justificar
intelectualmente de modo adequado [...]. Devemos retornar a um
mundo em que não apenas a razão, mas a razão e a moral, como
parceiras iguais, devem governar nossas vidas, onde a verdade da
moral é simplesmente uma tradição moral, a do Ocidente cristão, que
criou a moral na civilização moderna. - Friedrich Hayek, Discurso de
1984 à Sociedade Mont Pèlerin.
TEORIZANDO O TRADICIONALISMO
MORAL COMO ELEMENT O DO
NEOLIBERALISMO
"Deus, família, nação e livre
iniciativa" é um mantra
conservador familiar. Esses
compromissos, no entanto,
não coabitam facilmente
fora de um quadro binário
da guerra fria.
• O entusiasmo pelo mercado é tipicamente aninado
por sua promessa de inovação, liberdade,
novidade e riqueza, enquanto uma política
centrada na família, religião 'e patriotismo é
autorizada pela tradição, autoridade e moderação.
• Além disso, mesmo antes da globalização, o capital de um modo geral
desconsiderou os credos e as fronteiras políticas, ao passo que o
nacionalismo os fetichizou. Consequentemente, a maioria dos estudiosos
tem tratado os compromissos da direita com a política neoliberal e com
seus outros valores como se corressem em trilhos separados.
• Sua relação tem sido teorizada de modo variado como
uma
relação complementar, de hibridismo genealógico,
ressonância, convergência contingente ou de
exploração mútua.
• Complemento: Irving Kristol, muitas vezes chamado de
padrinho do neoconservadorismo, tratou o projeto político de
amparo dos valores morais como um complemento essencial aos
mercados livres. No final dos anos 1970, ele famosamente ofereceu
duas vivas ao capitalismo pela liberdade e riqueza que prometia, mas
conteve a terceira viva porque "as sociedades de consumo são vazias
de significado moral, se não francamente niilistas".
Um programa político-moral explicitamente
conservador é necessário, argumentou ele,; para
compensar esses efeitos, bem como a
contribuição do capitalismo para o "declínio
constante em nossa cultura democrática [...]
afundando em novos níveis de vulgaridade". Esse
niilismo e degradação tornam as questões morais
"candidatas adequadas à atenção do governo".
• « Concretamente, isso implicada promoção de valores tradicionais nas
famílias, escolas e espaços cívicos, corroboração de influência religiosa
na vida política e cultivo do patriotismo. Além desses, a política
neoconservadora aborda a necessidade de um Estado forte para
promover o interesse nacional.' Novamente, nessa visão, nenhum desses
projetos de Estado e de cultura é naturalmente assegurado ou apoiado
pelo capitalismo. Pelo contrário, eles são seus complementos essenciais.
Hibridismo
A partir das colocações de Kristol, tratei, em trabalhos anteriores, o
neoliberalismo e o neoconservadorismo nos Estados Unidos como duas
racionalidades politicas distintas.» Embora com algumas características
formais sobrepostas, argumentei, essas racionalidades têm efeitos
convergentes na geração de uma cidadania antidemocrática que "não ama e
não quer nem liberdade política nem igualdade social [...] não espera nem
verdade nem responsabilidade na governança e nas ações do Estado" e "não
se aflige com concentrações exorbitantes de poder econômico político [...]
nem com formulações antidemocráticas sobre o propósito nacional no país
ou no exterior". Embora emanem de diferentes fontes e visem diferentes
propósitos, as duas racionalidades se misturaram para produzir forças
obscuras de desdemocratização
Ressonância
• William E. Connolly teoriza a "ressonância" entre o cristianismo
evangélico contemporâneo e a cultura capitalista. Diferentemente das
lógicas da implicação, da dialética, da conspiração ou mesmo da
genealogia, argumenta Connolly, a ressonância consiste em
"complexidades energizadas de imbricação e envolvimento mútuos,
nas quais elementos até então desconectados ou associados de modo
frouxo se dobram, se torcem, se mesclam, se emulsificam e se
dissolvem de forma incompleta um no outro, forjando uma união
qualitativa resistente aos modos clássicos de explicação"
• Connolly está especialmente interessado na "disposição espiritual al à
existência" - veemência e crueldade, extremismo ideológico e a
prontidão para criar ou tolerar escândalos contra qualquer um que
se oponha a sua visão de mundo compartilhada por religiosos
evangélico agressivos e defensores do neoliberalismo p.
Convergência
Melinda Cooper estuda a convergência entre o neoliberalismo e o
conservadorismo social no ambiente da família tradicional: "apesar de
suas diferenças em praticamente todas as outras questões, neoliberais
e conservadores sociais estavam de acordo que os laços familiares
precisam ser encorajados - e, no limite, impostos"." Cooper vê em
ambos uma adesão aos princípios da Lei dos Pobres elisabetana,
segundo os quais, entre outras coisas, "a família, e não o Estado, teria a
responsabilidade primária de investir na educação, saúde e bem-estar
das crianças.
Embora os neoconservadores promovessem os
valores familiares por razões morais e os
neoliberais por razões econômicas, suas agendas
juntavam-se em políticas por meio das quais as
"obrigações naturais" e o "altruísmo" das famílias
substituiriam o Estado de bem-estar e operariam
tanto como "um primitivo contrato de seguro
mútuo quanto [...] como um contrapeso necessário
às liberdades Ido mercado“.
• Ademais, para os intelectuais e elaboradores de políticas neoliberais, a
família não era apenas uma rede de proteção, mas um reservatório de
disciplina e uma estrutura de autoridade. Eles buscavam nela um entrave
aos excessos democráticos e ao colapso da autoridade que acreditavam ser
incitados pelas provisões do Estado social, especialmente aquelas relativas
ao bem-estar e ao ensino superior público.
• Se os indivíduos pudessem voltar a depender da família a para tudo desde
manter filhos gerados fora do casamento, até o custeio da faculdade, eles
também seriam ressubmetidos à autoridade , moralidade e disciplina
econômica da família.
Exploração mútua
• Ao longo das últimas décadas, os estudiosos Nancy MacLean, Michael
Lienesch, Susan Harding, Linda Kintz e Bethany Moreton anteciparam o
que a campanha de Trump de 2016 colocou em prática de maneira
brilhante.
• Cada um deles contribui para a compreensão de como os tradicionalistas
cristãos puderam ser subornados por neoliberais preocupados com outras
agendas, da desregulamentação de indústrias à obtenção de cortes de
impostos corporativos até a contestação de leis e de políticas que visavam
a igualdade racial. Nancy MacLean argumenta que a Public Choice School
da Virgínia, fortemente financiada pelos irmãos Koch, entendeu bem a
importância do recrutamento de evangélicos cristãos para o projeto de
contestar a democracia por meio de uma plutocracia masculina branca.
• O cinismo prevaleceu na decisão dos Koch de fazer as pazes [...] com a
direita religiosa, a despeito do fato de que tantos pensadores
libertarianos [...] fossem ateus que desprezavam aqueles que
acreditavam em Deus. Mas os organizadores que mobilizaram os
evangélicos brancos para a ação política - homens como o reverendo
Jerry Falwell, como Ralph Reed e Tim Phillips - eram eles mesmos
empreendedores , motivo para alegar uma causa comum. Os
empreendedores religiosos ficaram felizes em vender o pensamento
econômico libertariano aos seus rebanhos - acima de tudo a oposição
à escola pública e o apelo à provisão familiar ou à caridade no lugar da
assistência do governo. P. 116
A campanha de Trump, e particularmente Steve
Bannon, compreendeu desde cedo a importância
do voto evangélico branco. Depois de assumir o
cargo, Trump nunca parou de atiçar esse
eleitorado - quanto ao aborto, casamento entre
pessoas do mesmo sexo, aceitação de
transgêneros, Jerusalém e à expansão do poder
das igrejas na vida cívica, educacional e política.
A exploração mútua entre fanáticos religiosos (e
seus seguidores) e políticos ambiciosos sem
religião tem precedentes - Maquiavel foi um de
seus mais brilhantes e precoces cartógrafos." No
entanto, o transacionalismo e a politização
explícitos dos valores religiosos propriamente
ditos são expressões marcantes de um niilismo
que será mais cuidadosamente considerado no
capítulo 5.
•.

• A tolerância aberta de valores alheios em troca da promoção da própria


agenda moral intolerante só é possível quando os valores morais
perderam paradoxalmente o peso moral, quando "os próprios valores
foram desvalorizados, como colocou Nietzsche.

• Isso certamente estava a mostra na eleição especial de dezembro de


2017 para senador pelo Alabama: em um esforço para derrotar um
"democrata sem Deus" que lutou contra a Ku Klux Klan quando era um
jovem advogado, os evangélicos votaram esmagadoramente num
acusado de pedofilia que buscava criminalizar o aborto e a
homossexualidade e equiparar o Alcorão com o Mein Kampf
• O nacionalismo cristão contemporâneo tem esse contratualismo em seu
cerne: "sua visão é de que Deus pode usar qualquer pessoa desde que ela
esteja promovendo ideais ou valores nacionalistas cristãos", argumenta
um sociólogo da religião; "é tudo uma questão de busca de poder e de o
que serve ao propósito naquele momento político".
A crença de que Deus escolheu
explicitamente Donald Trump como
seu instrumento para criar um mundo
mais cristão - ou o Fim dos Dias - é
comum entre os evangélicos brancos.
• Cada uma das análises acima ilumina aspectos
importantes do presente politico. Nenhuma
delas, no entanto, apreende o lugar da
moralidade tradicional — tanto assegurando
quanto emanando da familia — dentro da razão
neoliberal. P. 118.
Para Hayek, a relação entre mercado e moral no projeto
liberal não tem nada a ver com complemento, hibridismo,
ressonância, convergência ou exploração mútua. Em vez
disso, o mercado e a moral, igualmente importantes para
uma civilização próspera, estão enraizados em uma
ontologia comum de ordens espontaneamente evoluidas
carregadas pela tradição. Essa ontologia apresenta
compatibilidade perfeita entre disciplina e liberdade,
herança e inovação, evolução e estabilidade, autoridade e
independência.
para Hayek, a liberdade exige a
ausência da coerção explícita por
outros humanos, quer esta
coerção seja direta, quer seja
exercida por meio de instituições
políticas. P. 119
A liberdade mais do que limitada pela tradição moral,
é em parte constituída por ela. Inversamente, a
liberdade moral, mais do que desafiada pelos
esquemas de justiça impostos politicamente, é
destruída por eles. Este quadro prepara o terreno para
o desmantelamento da democracia robusta em nome
da liberdade e dos valores morais. A tradição
equipará-se à ontologia dos mercados.
• A ferramenta mais poderosa para substituir o governo democrático pelo
mercado desregulado e pela moralidade tradicional é a liberdade
desatrelada da sociedade e da democracia, o que foi delineado nos
capítulos 1 e 2. Reivindicações de liberdade têm sido o cerne da estratégia
da direita religiosa para recristianizar a esfera pública desde os anos 1990,
mas foram intensificadas e popularizadas na década passada. Os tipos de
coisas que agora são enquadradas como proteções à liberdade individual
incluem: o direito de agências de adoção e de empresas de impressão em
camisetas de discriminar pessoas LGBT, O direito de "centros de crise da
gravidez" de mentir sobre o aborto e a contracepção, o direito de
legislaturas de realizar sessões de oração cristãs, o direito de professores e
estudantes cristãos de evangelizar dentro da sala de aula, e o direito de um
professor universitário de referir-se aos estudantes pelos pronome de
escolha dele, e não del@s. p. 135
A contestação da igualdade e da lei
antidiscriminação como proteções à liberdade
individual é a estratégia aperfeiçoada de modo
brilhante pela Alliance Defending Freedom
[Aliança em Defesa da Liberdade], o braço mais
poderoso da cristandade evangélica nos Estados
Unidos (a ADF International leva a causa para
outros países e outras cortes, nacionais e
transnacionais). P. 135
• Na medida em que os direitos se tornam um veículo crucial da
expansão da moralidade cristã conservadora na esfera pública, essa
moralidade é dissociada da tradição e, portanto, desvinculada tanto das
raízes orgânicas quanto dos efeitos espontâneos que Hayek atribuía á
tradição. Ao invés de códigos de conduta evoluídos e adaptados com os
quais todo um povo se "conforma voluntariamente", a moralidade - e
não apenas os próprios direitos - é politizada e armada. Tal politização
altera o significado da "moralidade" e o modo de governar a conduta e,
ao mesmo tempo, aumenta sua vulnerabilidade ao contratualismo, que,
de uma vez só, significa e incita sua deterioração niilista.
Aprofundaremos esse tema no capítulo 5.
A privatização econômica neoliberal subverte
profundamente a democracia. Ela gera e legitima a
desigualdade, a exclusão, a apropriação privada dos
comuns, a plutocracia e um imaginário democrático
profundamente esmaecido. A outra ordem de privatização
que estávamos considerando, a privatização por meio da
familiarização e da cristianização realizada pela extensão
da "esfera pessoal e protegida", subverte a democracia por
meio de valores morais antidemocráticos, ao invés de
valores capitais antidemocráticos. P. 141.
"há apenas indivíduos e suas
famílias“.................
• A formalização deste aspecto da promulgação trava uma campanha
familiar, e não mercantil, contra os princípios e instituições democráticos.
Transforma exclusão, patriarcalismo, tradição, nepotismo e cristandade
em legítimas ameaças à inclusão, à autonomia, aos direitos iguais, aos
limites aos conflitos de interesse e ao secularismo.
• As coordenadas da religião e da família - hierarquia, exclusão,
homogeneidade, fé, lealdade e autoridade - ganham legitimidade como
valores públicos e moldam a cultura pública conforme se juntam ao
mercado para deslocar a democracia. . Quando esse modelo duplo de
privatização se estende à própria nação, a nação é traduzida
alternadamente como um negócio competitivo que precisa fazer
melhores acordos e como uma casa inadequadamente protegida,
sitiada por estrangeiros que não pertencem ao lugar ou que são mal-
intencionados. P. 142
• Quando a nação é privatizada e familiarizada deste modo, ela se torna
legitimamente iliberal quanto a insiders aversivos e outsiders invasivos;
assim, o neoliberalismo planta as sementes de um nacionalismo que ele
formalmente abjura. Também se ramificam o estatismo, o policiamento e
o autoritarismo, uma vez que muros e proteções de todo tipo são
autorizados e exigidos por essa privatização. Muros e portões de casas, é
claro, são os símbolos visuais mais fortes que demarcam o privado do
público, o protegido do aberto, o familiar do estranho, a propriedade do
comum.

• A medida em que o domínio privado se expande


• exige cada vez mais proteção estatal por meio da lei, de forças de
segurança públicas e privadas, de patrulhas de fronteira, da polícia e
dos militares.
• Desse modo, o Estado securitário cresce junto com a privatização e é
legitimado por ela. De modo similar, apelos nacionalistas para se
deixar os refugiados do lado de fora do muro e para expulsar
imigrantes recorrem à figura da nação como um lar ameaçado em
que os princípios de justiça democrática e direitos humanos não têm
pertinência alguma.
• A expansão da "esfera pessoal protegida em nome da liberdade,
então, não apenas assegura poderes desigualitários de classe,
gênero, sexualidade e raça; ela gera uma imago e um ethos da nação
que rejeitam uma ordem pública e democrática em nome de uma
ordem privada, homogênea e familiar.»" Aquela á caracterizada por
compromissos com uma abertura modesta, diversidade, igualdade
social e política e o Estado de direito. P.144.
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DEPOIS
• BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia.
1 ed. Trad. de Fernanda Siqueira Miguens. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. (livro todo).

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