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Pimenta Filho
Introdução
O objetivo do presente trabalho foi centrar-se num tema que, embora não tão recente,
tem, entretanto, sua importância. Duas questões balizam nossa investigação. A
primeira: nos momentos atuais, qual o uso possível que os adolescentes podem fazer
de seus sintomas? Especialmente aqueles sintomas - como as bulimias, anorexias,
violências de grupo, uso de "piercings", grupos de grafiteiros, de "hip-hop", de
"funkeiros", "punks", que não são exatamente substituições metafóricas. A segunda
questão: como situar a problemática da parceria sintomática na clínica com o
adolescente e fazer dela um motor, uma alavanca para o tratamento possível do
excesso de satisfação, de um mais além do princípio do prazer?
Se é certo que se pode dizer que a infância, aurora de nossas vidas, nunca existiu,
que há um certo saudosismo quanto a essa crença, uma sensação de perda de algo
que não se está certo de que se havia antes possuído, essas questões não passaram
despercebidas por Freud que, em suas primeiras investigações, dizia da não existência
de uma inocência infantil. Vê-se, por outro lado, nos tempos atuais, que a chamada e
declamada infância ou não existe mais ou existe cada vez menos.
Qual é a incidência disso sobre nossa clínica? Se a infância não existe, pode-se por
certo falar de um infantil, que é testemunhado dia a dia na fala, nas queixas, revelado
nos sofrimentos psíquicos de todos, e que se vê pulular nos consultórios.
se tratar o real. 2
Essas referências identificatórias, hoje tão precárias, indicam que, ao invés de funcionar
uma norma edipiana, as relações sociais hoje parecem se fundar muito mais numa
lógica que é a da perversão. 4 Afinal, hoje, observa-se um imperativo de satisfação 5 ,
funciona a ordem do mercado, na qual estão disponibilizados a todos, de forma
indiscriminada, objetos e formas de gozo. Prevalece um imperativo que é o da
generalização do consumo: Compre! Tenha! Possua! 6
Então, como articular esse Universal precário com o Singular de cada sujeito?
Que adolescência?
Pode-se afirmar que a noção de adolescência foi um termo que surgiu, em sua acepção
moderna, no final do século XVIII e início do século XIX. Para pensarmos a
precariedade desse conceito, podemos recorrer a alguns historiadores que nos
demonstram o termo que foi tomado a partir de noções como "idades da vida" ou
"idades do homem". Num contexto histórico posterior, a adolescência foi pensada a
partir de noções de virilidade, agir e combater como homem, etc. É a partir de meados
do século XIX, que os jovens, os adolescentes são abordados a partir de sua inserção
nos processos produtivos.9
Mas a noção de juventude que se tinha desde o início do século XX até meados dos
anos 60 desse século, sobretudo na sociedade norte-americana, foi baseada na visão
da adolescência como sintoma social. A adolescência foi pensada, então, como
desestabilizadora da sociedade. Seu comportamento foi tido como transgressor, e muito
se preocupou com a chamada "delinqüência juvenil".13 Esse tema foi tratado pelo
cinema norte-americano, sobretudo nos anos 50 e 60, quando se cunhou o termo"rebel
whithout a cause". Dessa expressão deriva uma outra que também fez furor há alguns
anos atrás. Trata-se da expressão "juventude transviada", termo que se adeqüa a uma
certa abordagem que cobre um largo espectro de disciplinas que vai da Psicologia,
passando pela Sociologia, Psiquiatria, etc. O que remete a noção de adolescência a
conceitos como o de transgressão. Essa maneira de ver a adolescência dá ensejo a que
possamos falar dos jovens do final do século com suas apresentações em grupos,
bandos, tribos de "rappers", "hip-hop", "grafiteiros", etc. Mas como se verá há uma outra
maneira de se pensar essas apresentações contemporâneas da adolescência não se
restringindo a conceitos como o de transgressão.
Para pensar quais as possíveis respostas da psicanálise aos impasses colocados pela
contemporaneidade, seguiremos as pistas sugeridas por Carlo Viganó,14 psicanalista
lacaniano que, recentemente trabalhou, em Belo Horizonte o tema da adolescência.
Viganó apresentou o que chamou de uma orientação para a nova clínica psicanalítica.
Nova clínica, disse ele, porque novas são as formas do sintoma. O autor situou que o
sintoma hoje não é mais aquele sintoma neurótico da época de Freud. Pois o sintoma
histérico tinha o valor de uma metáfora, de uma satisfação substitutiva: substituía a
impossibilidade sexual. Citando o "O Caso Dora", descrito por Freud, lembra que o
sintoma da tosse nervosa, Freud o interpretou a partir das fantasias inconscientes da
paciente. Isso quando Dora dizia que a Sra. K. só amava seu pai porque ele era ein
vermögender Mann (um homem de posses). Freud apreende o sentido sexual oculto
na frase, escutando: "meu pai era ein unvermögender Mann" (um homem sem
recursos). Ou seja, que ele era um homem incapaz, impotente, o que sustentava a
fantasia de um coito oral que a moça tinha da relação do pai com a Sra. K. A
interpretação curou-a de sua tosse histérica. A tosse, portanto, era uma metáfora da
relação sexual fantasiada. O que vamos observar é que os sintomas não se apresentam
da mesma forma nos dias de hoje.
Mas esses ritos têm, segundo Viganó, uma tendência à falência, justamente porque são
objetos de uma autogestão. O rito, para que ele se cumpra e tenha sucesso, deve ser
feito apenas uma vez, tendo o Outro como sancionador e reconhecedor dessa
passagem. Nos ritos contemporâneos, citados, não há a figura do Outro que reconheça
a passagem: o Outro não existe. A droga, quando sofre uma autogestão, leva a
alcançar o objetivo de se separar da família, nem que seja porque a família joga para
fora o fulano que a utilizou. Mas trata-se, aqui, de uma separação apenas social. É uma
separação que deixa o sujeito na dependência. O protótipo disto é a dependência ao
tóxico.
Para Viganó, pode-se pensar que há um prazer no uso da droga ou que exista um
prazer especial na anorexia, na bulimia, mas, na realidade, esses sintomas não são
sustentados por um gozo efetivo: são simplesmente uma forma de não prestar contas
ao gozo, de não entrar nas complicações do gozo sexual.
O psicanalista vem a ser o especialista, o perito de uma nova forma de amar: que
chegou a se dar conta de um resto, que é sua parceria sintomática: $<> a. Trata-se,
propõe Viganó, de um amor que não é repetição da vida infantil, mas que é uma
verdadeira invenção. É uma poesia, diz ele, uma poesia escrita com o próprio corpo,
com aquelas letras inscritas no próprio corpo - letras de gozo - sublimadas através de
uma carta de amor.
A história de cada corpo é diferente de pessoa para pessoa. Viganó sugere que a
poesia é, portanto, o que a transferência pôde construir. É a reconstrução de todos os
pontos de gozo pelos quais um sujeito passou. Partindo da primeira vez em que ele
utilizou a droga. Muitas vezes há antecedentes da vida infantil, às vezes não há
nenhuma lembrança. A psicanálise não é apenas ligar a vida infantil à vida adulta.
Existe também a psicanálise da vida adulta: é a psicanálise do gozo. Gozo, que nos diz
daquilo que não é possível de ser dito, que não tem um significado, que não nasce de
uma metáfora. A direção para esse tratamento não é dar uma metáfora para este gozo,
mas tornar esse gozo uma letra, de torná-lo diferente do gozo anterior ou sucessivo. Se
o sujeito conseguir perceber escansões diferentes de sua história, consegue sair da
monotonia do gozo, ele pode mudar não apenas o tipo de droga, mas pode mudar
também o tipo de gozo.
Um fragmento clínico
Pedro, que tinha dificuldade de localizar o seu sofrimento através da fala, pôde construir
algo que "escrevesse" esse gozo. Essa produção ele a trouxe para o consultório.
Mesmo que, de uma forma confusa, ele buscava um lugar para endereçar o que fazia.
Constituíram esses grafitos, signos, que reproduziam uma cartografia de amor, aquilo
que lhe permitiu, pouco a pouco, um certo apaziguamento. Os grafitos tiveram para
Pedro a função de uma localização de seu gozo.
que lhe afligia, mas, sobretudo, lugar que pudesse usar e deixar o que produzia. Esse
tipo de produção, enquanto relacionadas a um gozo, têm a dimensão de um real, objeto
a, o que apontamos como o que jamais poderia ser dito.
Esse espaço, que Pedro encontrou, esteve marcado por ser um lugar que se
encontrava vazio, pois ali não havia um sujeito postado para oferecer um saber prêt-à-
porter, um saber sobre o seu sofrimento (um especialista, então). A posição mantida
pela escuta clínica foi de insistir na perspectiva da oferta de um desejo do analista.
Notas
1 LACAN, Jacques – O Seminário, livro 7 – A ética da Psicanálise (1959-1960), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1ª ed., p. 22: 1988.
2 Esse tema foi trabalhado por Eric Laurent, em conferências realizadas recentemente. Pode ser localizado em dois
artigos publicados In: CURINGA 14, Belo Horizonte : EBP – MG. : abril, 2000 . Trata-se de:
3 SANTIAGO, Jésus –Objetos virtuais e a erótica cômica dos ideais, Latusa 1 , EBP-RJ , p.74
4 Essa proposição encontra-se formulada por Jacques-Alain Miller no artigo: O sintoma e o Cometa, publicado em
OPÇÃO LACANIANA 19, São Paulo : Edições Eólia : 5-13 : agosto, 1997.
5 Idem, ibidem
6 VIGANÓ, Carlo – O despertar difícil, palestra realizada na Associação Médica de Minas Gerais, promovida pela
EBP- Seção MG, Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais e Associação Mineira de Psiquiatria,
inédito, 1998.
7 FREUD, Sigmund – Análise Terminável e Interminável (1937), Rio de Janeiro, IMAGO, ESB, Vol. XXIII, p.
282 :1969.
8 LAURENT, E. – Psicanálise e Saúde Mental: a prática feita por muitos, CURINGA 14, Belo Horizonte, EBP-MG :
9 ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família, Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1978
11 MALVANO, L. O mito da juventude transmitido pela imagem: o fascismo italiano : História dos Jovens 2 - A
Época Contemporânea - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
12 MICHAUD, E. Soldados de uma idéia; os jovens sob o Terceiro Reich : História dos Jovens 2 - A Época
Contemporânea - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
13 PASSERINI, L. A juventude, metáfora de mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os
Estados Unidos da década de 1950: História dos Jovens 2 - A Época Contemporânea - São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
14 VIGANÓ, C. "O despertar difícil", palestra promovida pelo Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas
Gerais e Associação Mineira de Psiquiatria , realizada em Belo Horizonte, na Associação Médica de Minas Gerais,
1998, (inédito).