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MÓDULO:

Psicanálise na Adolescência

JOÃO PAULO KOTZENT


Psicanalista / Psicólogo
APVP-00104.01-SP / CRP 06/90433

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO............................................................................................................... 03

II – HISTÓRIA E CITAÇÕES TEÓRICAS......................................................................... 04

III - TEORIA E TÉCNICA PSICANALÍTICA NO EVENTO ADOLESCER................... 14

IV – ADOLESCÊNCIA, ATUALIDADES E VIRTUALIDADES..................................... 23

V - O MANEJO E A PRÁTICA CLÍNICA......................................................................... 28

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 35

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INTRODUÇÃO

Puberdade, juventude, adolescência, mocidade, processo de


amadurecimento, rapazinho, rapariga, processo de crescimento, aspirante a
adulto, fase do frescor e do brilho, estágio, fenômeno, período de maturação
físico-orgânica. Assim, procura-se nomear, titular esse momento, no intento de
marcar como mais um evento, entre tantos que vivemos, no ciclo natural da
vida humana.

Adolescência, do latim adolescere (crescer) é uma fase da vida que


pode ser definida em sua dimensão psicobiológica e em sua dimensão
histórica, política, econômica, social e cultural.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem como referência a


dimensão biológica e psicológica da adolescência. Para a OMS, a adolescência
compreende a faixa etária que vai dos 10 aos 19 anos. Caracteriza-se por
mudanças físicas aceleradas e características da puberdade, diferentes do
crescimento e desenvolvimento que ocorrem em ritmo constante na infância.
Essas alterações surgem influenciadas por fatores hereditários, ambientais,
nutricionais e psicológicos (OMS,1965).

Inseridos no seu tempo, sua época, a respeito da adolescência, muitos


autores despejaram suas teorias ao longo de décadas, buscando descrever,
entender, orientar, “tratar” o individuo nela inserido, bem como, minimizar os
possíveis conflitos por todos os envolvidos direto ou indiretamente.

Neste módulo, vamos discutir e produzir um conhecimento singular, não


para subsidiar todas nossas ações enquanto Psicanalistas no campo do
adolescer, mas sim, dar um primeiro passo, para atuarmos frente ao sistema
que envolve este processo. Discutiremos algumas atualidades, citaremos
alguns autores e articularemos suas teorias com alguns exemplos clínicos,
podendo assim, agregar e enriquecer nossos recursos para atuarmos,
enquanto profissionais, neste efêmero ou não, processo do adolescente.

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HISTÓRIA E CITAÇÕES TEÓRICAS

O discurso sobre a adolescência apresenta diferentes tonalidades, assim


como surge de diferentes posições. No senso comum, chamam a atenção
dizeres como “é da adolescência, isso passa”. A rapidez e a obviedade da
resposta parecem denunciar a tensão de um jogo abafado, do qual mais de um
participa. Sua insuficiência, por vezes, pede um diagnóstico – “é a crise da
adolescência”. Ainda que não seja plena, a acomodação serve, na medida em
que sugere algum conhecimento de causa: “alguém ouviu dizer...”. A reticência
força, no entanto, ainda um palpite: “são os seus hormônios”; outros
responsabilizam outrem: “são as más influências, é o meio”.

Na Antiguidade, a efebia ou a adulescentia pertenciam a universos


culturais em que as várias dimensões envolvidas (o público e o privado; a
moral; a sexualidade e a política) estavam diretamente articuladas. Na Idade
Média e início da Idade Moderna, a dissonância entre o discurso profano e o
erudito anuncia a segmentação entre áreas de saber – ciências? – que se
aprofunda nos séculos seguintes.

“Essa fragmentação se mostra decisiva no modo de organização social:


as pequenas unidades razoavelmente integradas, com seus vários segmentos
voltados à coletividade, dão lugar à complexas organizações econômicas,
sociais e culturais – os centros urbanos das sociedades industriais e pós-
industriais – ancorados em um ideário que elege o indivíduo como
fundamento”.

T.Corbisier Matheus, 2007

Ainda Matheus segue sua idéia dizendo que no século XIX adolescência
é fruto do processo de subjetivação e constituição do indivíduo, pilar de
sustentação do Estado moderno. A crise da adolescência se anuncia como um
corolário deste processo, condição para a formação deste indivíduo, herdeiro
do ideário iluminista.

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Se a efebia foi uma etapa da vida objeto de admiração e preocupação,


suscitando o incômodo de um lugar contraditório pela passividade transitória
para se alcançar a condição de agente ativo (Grécia Antiga), a adulescentia,
etapa marcada pela submissão a uma rígida hierarquia familiar e social
(Roma), a juventude, uma experiência ambivalente, de recriminação, mas,
também de festividade e transgressão (Idade Média), é na modernidade, a
partir de Rousseau, que a adolescência é considerada especificamente um
momento de crise, turbulência de paixões decisiva na constituição do indivíduo.

O termo crise diz respeito tanto um momento crítico, quanto ao momento


em que um veredicto pode ser anunciado, o que é sugestivo quando associado
à adolescência. Faz notar não só a dimensão dramática com que é
compreendida a adolescência – momento crítico – como também sugere o
potencial enunciativo que gira em torno deste tema – algo é enunciado a partir
daí, seja sobre aquele que é identificado como adolescente – um diagnóstico
sobre um provável futuro para este indivíduo – seja sobre a organização social
à qual pertence.

“Gostaria que não existisse idade alguma entre os


dezesseis e vinte e três anos, ou que os jovens dormissem todo
esse tempo; pois nada existe nesse meio tempo senão
promiscuidade com crianças, ultrajes com os anciões, roubos e
brigas.”

W. Shakespeare em “Um Conto de Inverno”

Não parece ser à toa que a adolescência (assim como a juventude)


tenha sido, no século XX, constantemente associada ao futuro da sociedade,
assim como suas ameaças. Por vezes solução, por vezes, problema, a
adolescência se tornou objeto de estudo privilegiado, ainda que de modo
irregular, a partir do Romantismo.

Esta ambivalência se anuncia de modo explícito no célebre trabalho de


Stanley Hall, que viria a inaugurar, no campo da psicologia, o tema da
adolescência – um ano antes de Freud publicar o único texto em que destaca a
puberdade como tema de discussão. Assim como Freud, Hall foi influenciado

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por Darwin e sua perspectiva evolucionista, mas, em conformidade com a


tradição americana, era partidário de um método indutivo de investigação que
fosse capaz de evitar o “subjetivismo excessivo”, a partir da observação e
descrição dos fenômenos.

A sociologia foi um dos campos das ciências humanas onde a questão


adolescente apareceu articulada aos fenômenos contemporâneos, ainda que
seu foco privilegiado fosse a juventude, a ponto de configurar uma área de
pesquisa específica – a sociologia da juventude. Nesta, a distinção entre
adolescência e juventude não é consensual e por vezes nem chega a ser clara,
sendo estes termos utilizados como sinônimos. Há, porém, duas recorrentes
distinções utilizadas: na primeira, juventude é compreendida como um
momento posterior à adolescência. Na segunda, a juventude é tomada como
objeto de investigação próprio do campo sociológico, e a adolescência,
pertinente ao campo psicológico, sendo que ambas dizem respeito à passagem
da infância ao mundo adulto. São duas leituras que freqüentemente se
aproximam, quando o momento adolescente, pautadas por intempéries
subjetivas, é entendido como condição para a ocorrência do momento
seguinte, a juventude e as vicissitudes precedentes ganham uma dimensão
mais ampla ao serem deslocadas de modo explícito para a rede de relações
sociais em sua diversidade.

A modernidade, os desdobramentos de um capitalismo avançado, a


rapidez das transformações tecnológicas e sociais, a complexidade dos
sistemas sociais contemporâneos que incrementam o universo simbólico, são
considerados fundamento para a investigação do problema. Um ponto de
convergência entre muitos autores é o reconhecimento da descontinuidade
entre a escola e o mercado de trabalho, que teria se intensificado e ampliado,
no último quarto do século XX, acirrando a postergação da inserção no mundo
adulto.

Tal descontinuidade é justificada, por um lado, pela inadequação entre


os anseios ou necessidades juvenis, a preparação oferecida pelo sistema
escolar e as oportunidades encontradas após a formação; por outro, pelo
desemprego crescente, tanto em países desenvolvidos, quanto em países do

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Terceiro Mundo, fatos que agudiza a incerteza deste momento de passagem –


o que, lembra Hobsbaum, não é um problema circunstancial, mas estrutural,
pois o desemprego crescente nas décadas da crise é inerente ao próprio modo
de funcionamento do processo produtivo global do final do século XX.

Tais obstáculos interferiram, em diversas sociedades, na saída dos


jovens da casa dos pais, de modo que a suposta passagem para a vida adulta
tornou-se cada vez mais incerta ou imprecisa.

Na psicanálise, o tema da adolescência só surge secundariamente.


Freud pouco fala em adolescência [Heranwachsen] propriamente, mas
constantemente menciona puberdade [Pubertat], tanto ao discutir casos
clínicos e a etiologia das neuroses, quanto em textos metapsicológicos ou
sobre cultura. Como foi dito, elegeu apenas um capítulo de um de seus textos
para discutir diretamente o tema – o último dos Três ensaios sobre a
sexualidade, de 1905 – um dos trabalhos que mais sofreu edições posteriores,
o que sinaliza a inquietação de Freud com o assunto. Sendo o tema principal
deste texto, o vértice de sua obra – a sexualidade – tem-se uma ideia do
motivo de sua preocupação. Freud, como se sabe, defendia a concepção de
sexualidade infantil, em contraposição à concepção corrente na época, que
situava na puberdade o início da vida sexual, como supunha, muito antes,
Rousseau. No entanto, com o deslocamento da sexualidade para a infância,
que papel restava à puberdade na etiologia das neuroses e na constituição do
sujeito psíquico? O texto de 1905, seguindo o estilo de Freud, tinha suas
nuances e dava margem a diferentes leituras. A partir de Freud, diferentes
autores buscaram responder a esta questão – Anna Freud, Erikson, Aberastury
e tantos outros, mais recentemente, seja da escola inglesa, seja da francesa e
seus simpatizantes, como será visto adiante.

O que se nota de antemão, é que, entre estes, a referência à crise da


adolescência é recorrente, variando seu entendimento conforme o sentido dado
a cada uma destas noções, assim como à tradução feita do texto freudiano.

De que crise se trata? O que a determina? É possível considerá-la


universal ou é um fenômeno datado historicamente e que, conseqüentemente,
faria os psicanalistas caminharem pela borda de seu saber? Esta discussão

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converge para qual concepção de corpo está sendo utilizada, o que tem
variado desde uma maior proximidade das determinações biológicas,
naturalmente pré-estabelecidas, até o gradual desprendimento promovido pela
operação simbólica da herança anatômica.

Não estando claramente anunciado na obra de Freud e somente de


passagem comentado por Lacan, o tema da adolescência veio a se oferecer
como um campo de pesquisa a ser retomado pelos psicanalistas, em suas
várias linhas, no último quarto do século XX.

Não é medo, nem desejo, é um tumulto interior, incompreensível, que


ameaça rasgar-me o peito, que me sufoca.

J.W.Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, p.131

Crise, crise necessária, crise normativa, transtorno, síndrome normal, no


momento de distúrbios no equilíbrio mental período crítico, fase de conflito,
pane, fratura ou breakdown: são diversas e constantes as aproximações feitas
entre a adolescência, a puberdade e a noção de crise. Do pós-guerra até os
dias atuais, desde os precursores da psicologia do ego aos psicanalistas
franceses, é predominante a referência à adolescência como crise necessária,
a ser vivida, elaborada ou superada, conforme o entendimento dos autores a
cerca da natureza da crise e de sua determinação.

A partir de 1897, quando puseram em xeque as formulações de 93, a


sexualidade infantil ganha novo estatuto, deixando de ser uma eventual
ocorrência traumática para se tornar um atributo necessário da constituição
humana. O texto dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, publicado em
1905, pretendia sustentar esta tese e, consequentemente, rever o lugar da
experiência pubertária no processo de constituição psíquica.

Referência primeira para muitos, momento de contradição para outros, o


texto dos Três Ensaios demorou a ser publicado por Freud, que já tinha
material sobre o assunto desde 1901. É um dos seus escritos que mais sofreu
modificações nas edições seguintes (em 1910, 1915, 1920, 1923 e 1924),
sugerindo que o primeiro a se inquietar com o texto foi o próprio Freud. A
sobreposição de correções realizadas nas várias revisões produz um texto

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heterogêneo, que condensa várias reformulações na teoria freudiana e


sustenta tensões e contradições nem sempre claras para o leitor. Nesse
sentido, o texto não se restringe a 1905, ainda que deste momento guarde
suas principais marcas e delimitações gerais. É uma escrita que estabelece
compromisso entre conceitos e formulações significativas, produzidas durante
um período da obra de Freud.

Dos três ensaios, o terceiro é dedicado à “metamorfose da puberdade”,


que assim começa: “com o advento da puberdade se introduzem as mudanças
que levam a vida sexual infantil a sua conformação normal definitiva”. Entre
estas, Freud destaca duas como decisivas: “a subordinação de todas as outras
fontes originárias da excitação sexual ao primado das zonas genitais e o
processo de escolha objetal”, lembrando que “ambas já estão pré-figuradas na
vida infantil” e separadas pela latência. A puberdade é apresentada como o
momento de definição da vida sexual, caracterizado pelo primado das zonas
genitais, pela efetivação da escolha objetal, a partir da reedição de marcas
infantis.

Essa concepção que será retomada por tantos autores e de diferentes


perspectivas, merece ser discutida a partir do propósito do texto freudiano. Em
1905 a sexualidade infantil era caracterizada por Freud como auto-erótica,
marcada pela experiência do prazer com o próprio corpo, o que a aproximava
da condição perversa – sexualidade infantil como perversa polimorfa. Porém, o
auto-erotismo em questão possui um sentido genérico, uma vez que não
descarta a existência de vínculos e objetos amorosos, tais como o próprio seio
materno, primeiro objeto libidinal. A puberdade é visto como um momento em
que a sexualidade deixa de ser auto-erótica e é possível realizar, finalmente, a
escolha objetal fora de seu próprio corpo, na descrição de Freud.

A escolha objetal seria favorecida pelo incremento da pulsão sexual,


próprio da puberdade, quando a zona genital conquista primazia sobre as
demais, promovendo a “reordenação” destas.

Apoiando-se na experiência infantil, a escolha objetal permitia a


diferenciação clara entre o “caráter” masculino e o feminino, sendo que o rapaz
receberia um grande afluxo de libido e a moça, num processo menos acessível

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à compreensão, sofreria uma onda de repressão que resultaria num “tipo de


involução”. O caminho esperado para a escolha objetal previa a confluência
das moções ternas – fruto da repressão da latência – e das moções sensuais
produzidas na puberdade. A puberdade é aqui caracterizada como um
momento de definição entre uma “conformação normal” ou patológica da vida
sexual, de acordo com a complexa equação entre os fatores responsáveis pela
constituição definitiva do aparelho psíquico, questão que inquieta
particularmente Freud e está presente não somente em vários momentos do
escrito de 1905, como é retomada nos adendos das várias edições seguintes.

A referência orgânica serve como apoio para Freud em sua busca para
se desprender do saber médico, sem perdê-lo de vista. Seu esforço por marcar
diferença frente ao saber médico está dado desde o início de sua obra, assim
como a alusão à provável correspondência entre os processos mentais e suas
específicas traduções físicas é feita até os últimos textos de Freud. A
puberdade por ele escrita encontra-se na encruzilhada desses caminhos. É
tanto no momento em que o impulso orgânico volta a marcar presença, pela
maturação previamente determinada, quanto ao momento segundo da
experiência sexual, que não se prende ao biológico, tendo em vista a
capacidade de o anímico interferir também nas funções orgânicas e se impor
como determinante.

T.Corbisier Matheus, 2007

À primeira vista, a metamorfose da puberdade anunciada no título


do último capítulo dos Três Ensaios destaca as mudanças fisiológicas pelas
quais passa cada organismo humano como disparadores das transformações
psíquicas que a partir de então se deflagram. Porém, ao considerar o texto em
seu todo, incluindo as ressignificações que foram sendo inseridas nas edições
posteriores, é possível ver que o mais relevante da puberdade pode não ser
aquilo que saltou aos olhos de tantos. A escolha objetal na concepção
freudiana ocorrerá em dois tempos, em duas ondas. A primeira começando
entre os 2 e 5 anos, caracterizando-se pela natureza infantil de seus alvos
sexuais.

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“A segunda sobrevém com a puberdade e determina a


configuração definitiva da vida sexual.” Freud, 1905

“A mulher transfere a excitabilidade erógena do clitóris para a


vagina, ela muda a zona dominante para sua atividade sexual
posterior, ao passo que o homem conserva a dele desde a infância”.
Freud, 1905

A puberdade, e o consequente despertar da sexualidade, apesar


de não ser considerada a causa necessária das neuroses em função do seu
excedente energético, continua sendo um lugar de destaque no
momento inicial da teorização freudiana. Agora seu lugar é o de potencializar
os traços de experiências sexuais infantis.
Gutierra, Beatriz, 2003

O conflito entre o indivíduo e o coletivo é inevitável, sendo que cada um


experimenta, em si próprio, os dois lados deste conflito – “as duas aspirações,
a felicidade individual e de acoplamento à comunidade têm que lutar entre si
em cada indivíduo. A tensão vivida individualmente oscila entre o egoísmo
das aspirações individuais e o altruísmo da participação no coletivo. O
resultado, como seria de supor, varia entre os múltiplos arranjos que cada um
produz, os recalques, as sublimações, os deslocamentos e as substituições
possíveis, traduzindo-se na criatividade infinita da produção sintomática.

Logo, o esperado desprendimento da autoridade parental se mostra dramático,


uma vez que implica desvincular-se de uma autoridade para logo vincular-se a
outras, estejam elas encarnadas na figura de líderes ou em estâncias que
cumpram sua função. A busca de autonomia, mais fantasiada do que vivida, é
claramente cerceada pela força de uma maioria, de modo que a participação
no coletivo será antes que uma sedução, uma necessidade, condição para
diminuta parcela de autonomia compartilhada, que melhor se ajusta ao nome
de heteronomia. É nesse cenário em que Freud descreve a árdua missão do
“acoplamento à comunidade” que marca o caminho identificatório do segundo
momento da constituição do psiquismo:

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Desprender-se da família se torna para cada jovem [Jugendlichen]


uma tarefa cuja solução a sociedade deve apoiar mediante ritos
de puberdade e iniciação [Pubertats und Aufnahmsriten]. Tem-se
a impressão de que estas dificuldades seriam inerentes a todo
desenvolvimento psíquico, mais ainda: o fundo, a todo
desenvolvimento orgânico. Freud, 1905

Os textos políticos de Freud permitem inscrever a constituição psíquica


do sujeito em seu fundamento social, explicitando a inexorável articulação entre
ambos. Desprender-se do universo familiar é tarefa que compete ao jovem,
mas este recorre aos recursos que a sociedade lhe oferece, de acordo com os
seus ditames.

É a tarefa de confrontar-se com o deslocamento de


autoridade e com uma tensão a ser equacionada entre os anseios
egoístas e os altruístas – tensão que se mostra, portanto, menos
otimista frente à esperada passagem do auto-erógeno a uma
escolha objetal pautada pela alteridade, quando as limitações
deste percurso são percebidas.

T.Corbisier Matheus, 2007

Considerada a primeira psicanalista a falar a adolescência como um


tema específico de investigação (publica um artigo com este tema em 1958),
Anna Freud, assim como o pai, já utilizara o termo ao discutir a questão da
puberdade (puberty), como atesta seu principal trabalho, O ego e os
mecanismos de defesa, de 1937.

Para Anna Freud, a “saúde mental é baseada na última instância, na


harmonia” entre as forças psíquicas. No entanto, os “distúrbios do equilíbrio
mental” próprios da adolescência não configuram exatamente uma patologia,
mas representam a própria condição de normalidade, uma vez que “a
sustentação de um equilíbrio constante durante um processo de adolescência
é, em si, anormal”. Trata-se de uma situação peculiar, pois se por um lado é

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difícil, segundo a autora, “traçar uma linha entre a normalidade e a patologia”


naquele momento, cabe concluir que a adolescência é normalmente patológica.

Se cada personalidade deve se deparar com as imperfeições inerentes a


um percurso incompleto, a “utopia” está dada: o progresso depende da
capacidade de aprendizado e adaptação do psiquismo frente aos vários
desafios a serem integrados. É nesse cenário que Erikson descreve a fase da
puberdade e da adolescência (puberty and adolescense): considera que o
jovem se depara com uma “revolução fisiológica interior”, juntamente com as
“concretas tarefas adultas”, passando a se preocupar, “principalmente, com o
que aparenta aos olhos dos outros” e com a tarefa de conquistar papéis
capazes de adequar as habilidades anteriores aos “protótipos ocupacionais do
momento”. O principal desafio é a conquista da identidade (identy) “capacidade
de integrar todas as identificações com as vicissitudes da libido, com as
aptidões fundadas nos dotes naturais (endowment) e com as oportunidades
oferecidas nas funções sociais.

A obra de Lacan, apesar de não falar propriamente em adolescência,


permite uma abordagem distinta daquela que havia sido feita anteriormente,
entre psicanalistas. Do ponto de vista da experiência sexual, é o momento em
que cada sujeito se depara com a dimensão impossível da relação amorosa e
com o caráter enigmático da sexualidade, que confere à condição humana seu
viés errante e indefinível e justifica contornos de um percurso que tende a
voltar sempre aos mesmos pontos, sem nunca se repetir. Da perspectiva
política, a adolescência é um momento em que o sujeito é chamado a se
posicionar frente às injunções da estrutura social, confrontando-se com as
disjunções da ordem vigente (desigualdade de lugares instituídos) e com a
arbitrariedade da lei entre os semelhantes. Entre o sexual e o político, há um
confronto do sujeito com o real que se anuncia nesta dupla vertente, exigindo
dele um posicionamento que, na inversão temporal característica deste
momento segundo, vem confirmar a modalidade estrutural precocemente
estabelecida a partir da castração.

Abordamos um pouco da história com algumas citações teóricas e seus


autores, porém, acreditamos ser importante nos aprofundar um pouco mais

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especificamente em alguns conceitos contemporâneos. Assim escolhi entre


tantos materiais dispostos, alguns autores que suponho estar um pouco mais
próximo da psicanálise.

TEORIA E TÉCNICA PSICANALÍTICA NO EVENTO ADOLESCER

Mauricio Knobel compartilha com Aberastury, no livro Adolescência


Normal alguns pensamentos e teorias vejamos: Knobel refere-se à
adolescência como uma síndrome normal e descreve alguns sintomas
pertinentes a mesma. São 10 os sintomas:

1) Busca de si mesmo e da identidade

O feito de utilizar a genitalidade na procriação é um feito biopsíquico


dinâmico que determina uma modificação essencial no processo de conquista
da identidade adulta, e que caracteriza a turbulência e a instabilidade da
identidade adolescente, esta por sua vez, marca a evolução libidinal com a
interação tumultuosa dos processos psicológicos básicos de dissociação,
projeção, introjeção e identificação, estabelecendo uma maneira mais confusa
no começo e mais estruturada depois.

A busca incessante de saber qual a identidade adulta que vai se


constituir é angustiante, e as forças necessárias para superar estes microlutos
e os lutos ainda maiores da vida diária obtem-se das primeiras figuras
introjetadas que formam a base do ego e do superego deste mundo interno do
ser. A integração do ego se produz pela elaboração do luto em partes de si
mesmo e por seus objetos.

2) Tendência grupal

Há um processo de super identificação em massa, em busca de


uniformidade que pode proporcionar segurança e estima pessoal, sendo este
grupo tão intenso nos aspectos vinculares que por vezes se torna mais
importante do que o grupo familiar.

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Em relação ao grupo de adolescentes encontramos que as frustrações


familiares impulsionam o adolescente a procurar, no grupo de iguais,
mecanismos compensatórios.

Não se pode separar da turma nem de seus caprichos ou modas, por


isso, submetem-se à regras internas deste mesmo grupo. É útil para as
dissociações, projeções e identificações que seguem ocorrendo no indivíduo
que são diferentes das infantis. A utilização dos mecanismos esquizo-
paranóides é muito intensa durante a adolescência, e o fenômeno grupal
favorece a instrumentação dos mesmos.

Aqui cabe citar os conceitos sobre os Mecanismos de defesa


mencionados.

 PROJEÇÃO:

Operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa –


qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele.
Freud o utilizou a partir de 1985, essencialmente para definir mecanismos da paranóia.
Porém mais tarde retomado por todas as escolas psicanalíticas para designar um modo
de defesa primário, comum a psicose, à neurose e a perversão, pelo qual o sujeito
projeta num outro sujeito ou num objeto de desejo que provem dele, mas cuja origem
desconhece atribuindo a uma qualidade do outro.

 DISSOCIAÇÃO:

A partir do trabalho “Fetichismo”(1927) e, de forma mais consistente, em


“Clivagem do ego no processo de defesa”(1940), Freud estudou a Cisão ativa, que
ocorre no seio do próprio ego e não unicamente entre as instâncias psíquicas. Seria o
rompimento do sentido da continuidade da pessoa nas áreas de identidade, da memória,
da consciência ou da percepção, como forma de reter uma ilusão de controle face ao
desamparo e à perda de controle, Outro registro alude à dissociação útil do ego, que diz
respeito tanto ao analisando quanto ao analista. No analisando, por exemplo, quando,
deixa aparecer a parte psicótica de sua personalidade. O analista, de sua parte, deve ter
condições de dissociar sua mente na sua função e papel do psicanalista da do seu papel
social familiar que, ocasionalmente, possa estar sendo fustigada com problemas
particulares

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 IDENTIFICAÇÃO:

Internalização de qualidades de outra pessoa tornando-se igual a mesma. Enquanto a


introjeção leva a uma representação internalizada, vivenciada como um outro, a
identificação é vivenciada como parte do ego, e também, pode servir no
desenvolvimento normal. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de
identificações.

Depois de passar pela experiência grupal, o indivíduo poderá começar a


separar-se da turma e assumir a sua identidade adulta.

O fenômeno grupal facilita a conduta psicopática, agressões,


descontroles, condutas de desafeto, crueldade com o objeto, falta de
responsabilidade, que podem fazer parte da síndrome adolescência normal.

3) Necessidade de intelectualizar e fantasiar

A realidade impõe a renúncia ao corpo infantil, ao papel dos pais da


infância, bissexualidade que acompanha a identidade infantil, realidade externa
essa dolorosa. Enfrentar tudo isso seria doloroso demais, o ego então abre
mão de seus mecanismos de defesa, intelectualiza e fantasia.

 INTELECTUALIZAÇÃO:

Termo empregado por Anna Freud como significado de resistência ao tratamento


analítico que consiste no fato de o paciente priorizar o uso do pensamento e de
elucubrações abstratas, teóricas e filosóficas no lugar de fazer um contato com os afetos
e com suas fantasias inconscientes. A intelectualização é utilizada, mais
substancialmente, por pacientes obsessivos que assim controlam, isolam e anulam os
sentimentos e por pacientes narcisistas que mais se preocupam com o “dizer bonito” do
que pelo “dizer as verdades”.

 FANTASIA ESQUIZÓIDE:

Recolhimento para o mundo interno privado da pessoa para evitar a ansiedade em


relação à situações interpessoais.

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4) As crises religiosas

Observa-se que o adolescente pode se manifestar como um ateu


exacerbado ou como um místico muito fervoroso.

Para a construção definitiva de uma ideologia, assim como de valores


éticos ou morais, é preciso que o indivíduo passe por algumas idealizações
persecutórias, que os abandonem por objetos idealizados egossintônicos, para
depois sofrer um processo de desidealização que possibilite construir novas e
verdadeiras ideologias de vida.

 IDEALIZAÇÃO:

Atribuição de qualidades perfeitas ou quase perfeitas a outro, como forma de evitar


a ansiedade ou sentimentos negativos, como desprezo, inveja ou raiva. A identificação
com o objeto idealizado contribui para a formação e para o enriquecimento das
chamadas instâncias ideais da pessoa (ego ideal, ideal de ego).

5) A deslocalização temporal

É possível dizer que o adolescente converte o tempo em presente e


ativo, numa tentativa de manejá-lo, expressando viver em processo primário
com respeito ao temporal. As urgências são enormes e, às vezes, as
postergações são aparentemente irracionais (Ex.: “eu tenho tempo, o exame é
só amanhã!”). Num outro exemplo, a filha queixa-se ao pai chorando e
angustiada falando das imediatas necessidades do vestido novo para o
próximo baile, o pai se solidariza, porém, fica surpreso quando ouve da mãe
que o baile vai se realizar daqui a três meses.

“Pode-se unir o passado e o futuro num


devorador presente”. Rascovsky

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6) A evolução sexual desde o auto-erotismo até a heterossexualidade

Ao ir aceitando sua genitalidade, o adolescente inicia a busca do


parceiro de maneira tímida, mas, intensa. É o período em que começam os
contatos superficiais, os carinhos cada vez mais íntimos que enchem a vida
sexual do adolescente.

O amor apaixonado é um fenômeno que adquire características


singulares e que apresentam vínculos intensos, porém frágeis, na relação
interpessoal do adolescente.

É durante a adolescência, e como aspectos da elaboração edípica, que


se podem ver aspectos de conduta femininos no rapaz, e masculinos na moça,
que são as expressões de uma bissexualidade não resolvida.

A masturbação é primeiro uma experiência lúdica na qual as fantasias


edípicas são manejadas solitariamente, tentando descarregar a agressividade
misturada com o erotismo através da mesma, e aceitando a condição de
terceiro excluído.

7) Atitude social reivindicatória

A problemática do adolescer é atribuída à mudança psicobiológica, mas


se deve lembrar, que isto ocorre no âmbito social, sendo as primeiras
identificações, as figuras parentais incorporadas de forma parcial incorporando
as pautas sócio-culturais e econômicas.

A adolescência é recebida predominantemente de mais hostil pelo


mundo dos adultos, criam-se estereótipos com os quais se tenta definir,
caracterizar, assinalar, na tentativa de isolar fobicamente os adolescentes do
mundo adulto.

Os chamados ritos de iniciação são muitos diversos, mas, tem


fundamentalmente a mesma base: a rivalidade que os pais do mesmo sexo
sentem ao ter que aceitar como iguais – e posteriormente, inclusive, admitir a

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possibilidade de serem substituídos pelos mesmos – a seus filhos, que assim


se identificam com eles.

O fenômeno da subcultura adolescente se expande e se contagia como


um sinal de rebelião. Trata-se de identificações cruzadas e massivas, que
ocorrem como uma necessidade de defesa egóica, mediante a qual o indivíduo
vai se desprendendo de situações infantis e vendo, ao mesmo tempo, como é
perigosa e indefinida a sua entrada no mundo dos adultos.

A atitude social reivindicatória do adolescente torna-se, praticamente,


imprescindível.

8) Contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta

Spiegel falou da personalidade do adolescente descrevendo-a como


esponjosa. Logicamente é uma personalidade permeável, que recebe tudo e
que também projeta enormemente, ou seja, é uma personalidade na qual os
processos de projeção e introjeção são intensos, variáveis e freqüentes. Isso
faz com que não possa ter uma linha de conduta determinada, o que já
indicaria uma alteração da personalidade do adolescente.

 INTROJEÇÃO:

O sujeito faz passar de um modo fantasístico, de “fora” para “dentro”, objetos e


qualidades inerentes a estes objetos. A Introjeção aproxima-se da incorporação e está
estreitamente relacionada com a identificação. Também é mencionada como a
internalização de aspectos de uma pessoa significativa como forma de lidar com a perda
dessa mesma pessoa. Pode, também, ser introjetado um objeto ruim ou hostil como
forma de ilusão de controle sobre o objeto. Também, ocorre de forma não defensiva,
apenas, como parte normal do desenvolvimento.

É o mundo adulto quem não suporta as mudanças de conduta do


adolescente, quem não aceita que o adolescente possa ter identidades
ocasionais, transitórias, circunstanciais, exigindo dele uma identidade adulta,

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que logicamente, não tem porque ter. São estas contradições, com a variada
utilização de defesas que facilitam a elaboração dos lutos típicos deste período
da vida, e caracterizam a identidade do adolescente.

9) Separação progressiva dos pais

Uma das tarefas básicas concomitantes à identidade do adolescente é a


de ir se separando dos pais, sendo a capacidade executora de tal separação
determinada pelos aspectos genitais, que tinham começado com a fase genital
prévia.

A presença internalizada de boas imagens parentais, como papéis bem


definidos, e uma cena primária amorosa e criativa, permitirão uma boa
separação dos pais, um desprendimento útil, e facilitará ao adolescente a
passagem à maturidade, para o exercício da genitalidade num plano adulto.

Por outro lado, com imagens opostas às acima mencionadas, obrigarão


procurar identificação com personalidades mais consistes e firmes, um sentido
compensatório ou idealizado. Nestes momentos, a identificação com ídolos de
diferentes tipos, cinematográficos, desportivos, etc.; é muito freqüente.

Acrescento Aberastury no que se refere aos pais:

Não só o adolescente padece este longo processo, mas também os pais


tem dificuldades para aceitar o crescimento como conseqüência do sentimento
de rejeição que experimentam frente a genitalidade e à livre manifestação da
personalidade que surge dela. Esta incompreensão e rejeição se encontram,
muitas vezes, mascaradas debaixo da concessão de uma liberdade que o
adolescente vive como abandono, e que o é na realidade.

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10) Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo

Um sentimento básico de ansiedade e depressão acompanhará


permanentemente, como substrato, o adolescente. A quantidade e a qualidade
da elaboração dos lutos na adolescência determinarão à maior ou menor
intensidade desta expressão e destes sentimentos.

Em um processo permanente e flutuante, o ego realiza tentativas de


conexão prazerosa – às vezes desprazerosa – nirvânica com o mundo, que
nem sempre se consegue, e a sensação de fracasso pode ser tão intensa que
obriga o indivíduo a se refugiar em si mesmo. Eis aí o retorno a si mesmo,
autista, que é tão singular no adolescente e que pode dar origem a esse
sentimento de solidão, desalento, aborrecimento, que “costuma ser uma
característica distintiva do adolescente”.

Os dez itens citados acima, como já mencionados anteriormente, tratam


daquilo que Knobel considera a “Síndrome Normal da adolescência”, no
entanto vamos prosseguir com outros autores.

Arminda Aberastury, em seu trabalho “Adolescência e Psicopatia”


(Aberastury, 1964 ), considera que o pensamento do adolescente se vincula a
um triplo processo de luto:

1. Luto pelo corpo infantil;


2. Luto pela indentidade e o papel infantil;
3. Luto pelos pais da infância.
A estes lutos se agrega o luto pela bissexualidade infantil perdida e
pelas relações endogâmicas (vinculadas à reedição edípica da adolescência).
Ocorre, então, neste momento evolutivo um “curto-circuito” no pensamento,
com a exclusão do esquema conceitual lógico e com a expressão de impulsos
e fantasias através da ação. Há uma concretização defensiva do pensamento e
um incremento do acting-out ( atuações ).
O luto pelo corpo infantil perdido obriga a uma expressão na ação
motora direta. O luto pela identidade e pelo papel infantil permite a atuação
afetiva sem apreensão, passional ou cheia de indiferença, sem consideração
alguma pelos objetos. O luto pelos pais da infância produz uma distorção da

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percepção, que produz respostas imediatas, globais e emocionais. Esta


situação produz também uma confusão sexual e da noção do tempo, que
caracterizam o pensamento do adolescente. Rosenthal & Knobel ( Rosewnyhal
& Knobel, 1964 ) escrevem:
“... A elaboração incompleta dos lutos ou a não-elaboração de alguns
deles produzirá fixações ou exageros destes processos que poderão ser
identificados na conduta psicopática, onde adquirem modalidades de fixidez e
irredutibilidade”.
Os estudos sobre a adolescência, em sua maioria, centralizam-se no
adolescente, acredito, que devido a complexidade e a participação direta ou
indireta de todos envolvidos neste processo, ocorrerão muitos espaços
importantes a serem preenchidos.

Anna Freud denomina “uma porosidade consciente-inconsciente”


que possibilita a emergência de impulsos e fantasias que atingem o ego e
produzem ansiedades persecutórias, depressivas e confusionais. Esta autora
escreve que é muito difícil assinalar o limite entre o normal e o patológico na
adolescência, e considera que, na realidade, todas as alterações desta etapa
da vida devem ser consideradas como normais, considerando que seria
“anormal” à presença de um equilíbrio estável durante o processo adolescente.

ADOLESCÊNCIA, ATUALIDADES E VIRTUALIDADES

Entendo que ao falarmos sobre adolescência e não citarmos a era


tecnológica em que vivemos e em que isso implica no processo que estamos
estudando, seria uma falta séria e comprometedora, conforme veremos a
seguir.

A tecnologia da comunicação surge de forma espantosa, numa


velocidade cada vez maior, incorporando a vida cotidiana de todos nós.

A chamada “era virtual” ou “era digital” forma uma cultura e também uma
nova sociedade e também novas formas de linguagem, interligando pessoas,

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amigos, família, escola, enfim, é como se não houvesse escolha: ou você faz
parte dela ou está fora do novo mundo.

Esta nova forma de comunicação e os objetos tecnológicos que a


compõem, tais como, computador/internet, celulares, ipods, ifones, entre
outros, fazem parte da vida da juventude, ultrapassando barreiras sociais,
econômicas, culturais, introduzindo-se como um elemento democrático, comum
e quase uniformizador das “diversas adolescências”. (A.Wagner, 2009).

No contexto em que todos nós estamos inseridos, ou seja, nossa


sociedade, quais seriam os jovens que nunca tiveram frente a um computador,
ou que não saiba o funcionamento de um celular?

Essa nova forma de comunicação instantânea, vinculada à alguma


mídia, ou à várias, simultaneamente, globalizam a comunicação de toda uma
nova geração.

A televisão, radio, celular, vídeo game, e outros, além estimularem a


crescente onda de informações, muitas vezes são fontes indiscriminadas de
conteúdos apropriados, ou não, para os adolescentes.

É sabido o movimento dos adolescentes em busca do grupo de iguais,


possibilitando identificar seus pares, onde as necessidades são compartilhadas
em uma cadeia de idealizações.

A INTERNET

Os canais como Orkuts, Facebooks, Msn, Twitters, Blogs, todos esses


proporcionam uma forma de exposição dos pensamentos, sendo seus
conteúdos vistos, criticados, discutidos, formando-se assim, vínculos de valores
familiares, religiosos, filosóficos e tantos outros.

Será que podemos pensar como pensou Belchior nos anos 70: “ainda
somos os mesmos e vivemos como nossos pais”? Ou será que devemos
concordar com Guydebord: “os homens se parecem mais com os seus tempos
do que com seus pais”?

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Conforme resultados de pesquisa do IBOPE/NETRATINGS realizada em


2007, comprovou-se que o público adolescente é o que mais utiliza a Internet,
e que também o Brasil é recordista no que se refere ao número médio de horas
mensais de utilização domiciliar, atingindo 23 horas e 28 minutos,
ultrapassando próximo de 50 milhões de usuários.

Tais fenômenos são produtos da evolução humana, assim como um dia


foi o automóvel, o avião e como as famílias assimilaram o uso dessa
tecnologia? Como saber com quem o filho tem conversado na última semana,
ou o que anda fazendo no seu quarto, considerando que a Internet é um
mundo sem fronteiras?

É difícil imaginar o quanto os relacionamentos virtuais substituíram os


reais, mas, segundo o estudioso brasileiro Eisenberg “o mundo contemporâneo
é cada vez mais objeto de uma constante virtualização do real”.

No contexto brasileiro, 87% dos jovens internautas investigados pela


Safernet/Brasil, revelaram não haver nenhum tipo de restrição de uso da
Internet. Desses, 53% já tiveram acesso à conteúdos agressivos, que eles
consideravam impróprios para sua idade. Nesse grupo, 64% dos jovens e
crianças (1,4 mil) possuem Internet em seu próprio quarto e 38% desses,
dizem já ter sido vítimas de agressão ou humilhação, e 10% afirmam ter sofrido
chantagem on line.

Existe uma preocupação constante sobre o tipo de uso que os


adolescentes fazem da Internet.

Já é sabido uma nova forma de patologia denominada “ciberadictos”,


que preferem o prazer temporário das relações virtuais às relações reais, mais
íntimas e profundas. Nesses grupos encontram-se as ciberviúvas, esposas de
adictos por Internet.

Os indivíduos que apresentam comportamentos adictos em Internet


costumam entrar em um círculo vicioso, pois a perda da auto-estima cresce à
medida que o vício aumenta.

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O CELULAR

O que podemos dizer sobre o uso de celular?

É o equipamento eletrônico mais preferido pelos adolescentes, nos mais


diversos países, incluindo o Brasil.

Além de inspirar um sentimento de segurança entre o adolescente e a


família, o celular desempenha um papel que proporciona status entre os grupos
jovens, sendo eles identificados como objetos de pertença de uma
determinada tribo.

O aparelho celular desempenha em muitas famílias o papel de auxiliador


no rito de passagem para uma nova fase, isto porque, dar o aparelho pode
significar uma atitude de confiança dos pais para com seus filhos, que, por sua
vez, por meio deste ritual, percebem-se prontos para desfrutar da autonomia e
da liberdade tão desejadas por eles.

Alguns jovens são educados a não diferenciar o ser do ter, agrupando-


se à amigos também segundo essa lógica. Isso é tão sério que, em algumas
pesquisas, foram observadas situações de discriminação e de bullying
(intimidação) entre possuidores e não-possuidores de telefone celular.

Em muitos grupos o telefone celular como objeto de estimação, e pode


até ser percebido como um apêndice do próprio corpo. Dentro dessa lógica,
sair de casa sem o celular significa sentir-se sem uma parte de si próprio.

O diagnóstico de “vício em celular” ainda é uma questão em discussão


na comunidade científica. Em 2008, em Londres, os investigadores e
pesquisadores britânicos, batizaram de “nomofobia” a síndrome das pessoas
que não conseguem ficar sem o telefone celular.

AOS PAIS E AOS CUIDADORES

Em nossa prática clínica é muito comum sermos indagados sobre qual a


forma ideal de uso dos novos equipamentos eletrônicos, e quais são as regras
que devem ser impostas para a utilização dos mesmos.

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Com relação ao uso do celular orienta-se:

- Estabelecer regras e contrato de uso do telefone, trabalhando a noção de


tempo e de prioridade de uso;

- Enfatizar que existem determinados espaços para utilizar o telefone, pois,


falar em locais públicos ou próximos à pessoas estranhas, além de não ser
seguro, também, significa falta de educação;

- Tratar a questão econômica com os filhos, destacando os valores pagos


realizando comparações com outros benefícios que este mesmo valor
financeiro possa trazer. Uma opção adequada é celular de cartão pré-pago.

- Ressaltar a especial atenção na quantidade de tempo que o filho gasta


enviando mensagens de texto, jogando, acessando a Internet e outros recursos
que o aparelho possa oferecer, lembrando sempre que o uso excessivo pode
causar dependência, isolando o adolescente de seu convívio real.

- Destacar que o uso predominante de uma sub-linguagem (códigos, símbolos,


abreviações) podem causar deficiência ortográfica e dificuldades de
interpretação de textos escritos na linguagem gramatical.

- Devem se lembrar da “fórmula matemática”: se exceder o limite do aceitável é


porque falta limite para controlar o excesso.

Com relação ao uso do computador/internet orienta-se:

- Manter o computador numa área comum da casa, e não em quartos, pois isso
facilita a observação do uso do mesmo, lembrando sempre que o computador é
uma porta aberta para o mundo!

- Esclarecer os malefícios do uso inadequado de salas de bate-papo e de


contatos com desconhecidos, ou ainda, marcar encontros com pessoas que
conheceram na Internet. Uma conversa aparentemente amigável pode fornecer
à pessoa mal intencionada várias informações a seu respeito e/ou de sua
família, tais como, sua rotina, os hábitos, gostos, preferências, etc.

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- Instruir também o adolescente à jamais disponibilizar a rede suas informações


pessoais, tais como, endereços, telefone, fotos, etc.

- A regra básica de não conversar com estranhos vale também, para qualquer
forma de comunicação, bate-papos, msn e outros.

- Não permitir que o adolescente compre algum produto pela Internet sem a
sua supervisão, pois, existem vários sites que não são seguros, que podem ser
apenas uma fachada, para capturar dados confidenciais bancários.

- Evitar ao máximo usar computadores públicos, como cibercafés, lanhouses, e


outros, para acessar informações privadas, envolvendo nome de usuários
(login) e senhas, e principalmente, sua conta bancária.

O MANEJO E A PRÁTICA CLÍNICA

Na procura de organizar alguns itens que julgamos importantes na


atuação clínica junto aos adolescentes, encontramos muitos autores com
posições diferentes, diferenças estas originadas da linha dos estudos
psicanalíticos e suas experiências.

Não obstante, além de utilizar pensamentos de outros autores, ousarei


inserir também minha experiência com adolescentes no setting analítico, e
passarei a sugerir algumas formas de atuação do analista.

CONTRATRANSFERÊNCIA

1)Um primeiro aspecto citado por Zimerman como um atributo pessoal para o
terapeuta de adolescentes, “condição necessária mínima” é de gostar deles.

Em observação sobre esse aspecto, deparei-me em minha clínica por diversas


vezes contratransferindo negativamente com vários adolescentes, e hoje eu
coloco antes do “gostar”, a necessidade de entendê-los no aspecto
biopsicosocial, assim poderemos fortalecer o vínculo da aliança terapêutica.

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“Há um aparelho psíquico em transformação, e qual que não está? No


exercício do analista, cabe ver a beleza das transformações e transformar-se
com elas, independente do corpo, do contexto social ou cultural”. Kotzent,
J.P.,2008

FLEXIBILIDADE E EQUILÍBRIO

2) Flexibilizar-se e manter os limites no setting analítico para preservação dos


respectivos papéis no processo de análise.

3) Equilíbrio do manejo, como diz Zimerman, evitando que o adolescente


perceba que está havendo um conluio com a sua ideologia (contra a dos pais).

O cuidado deve ser grande no sentido de não colocar o adolescente em papel


infantilizado.

Há sempre uma espera pela ajuda do analista, sendo, na maioria das vezes,
urgente e intensa. Ser continente e demonstrar atenção e compreensão,
fortalecerá a percepção do adolescente de estar sendo entendido. Do contrário,
a desilusão e a sua vingança virão em forma de atuação rápida, rompendo
vínculo e erguendo fortemente suas resistências.

ACTINGS E RESSIGNIFICAÇÕES

4) Muitas vezes a dificuldade da fala espontânea existe. Assim, os


adolescentes produzem actings com seus terapeutas, sendo esses no manejo
clínico ressignificados.

EXTREMOS SINTOMÁTICOS

5) A carga de projeção é maciça, ora do seu lado amoroso e construtivo, ora do


lado com ódio destrutivo; de euforia ou depressão; de certezas e dúvidas;
gratidão e desprezo; de erotismo ou repulsa; emotividade ou excessiva
intelectualização; submissão ou rebeldia, e assim por diante.

6) Como na criança ou no adulto coexistem na personalidade do adolescente a


“parte psicótica da personalidade” e a parte não psicótica, um lado obsessivo e

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outro psicopático, um lado maníaco e outro alheio, marcando o estado de uma


dicotomia que também se expressa nos vínculos de amor e ódio, revelando as
qualidades vinculares configurando suas relações interpessoais.

A FAMÍLIA

7) Atenção especial também ao sistema familiar onde o adolescente está


inserido, considerando a dependência dos pais, pois, muitos podem auxiliar de
forma positiva quanto, também, podem tentar controlar, e as vezes até sabotar,
o processo analítico, interrompendo o análise.

A atuação do analista junto aos pais do adolescente deve ser permanente e de


forma sistemática ou eventual, conforme o caso. Enquanto analista devemos
estar disponíveis para conversar com os pais, com ou sem a presença do
paciente, porém, de qualquer forma, conduzindo, na maioria dos casos, sem
segredos ou omissões.

LIMITES

8) Na atuação com os pais, sempre ocorre dúvidas no que se refere à


colocação de limites ao adolescente. O contexto de avaliação desses
limites é bastante variado, e deve se levar em conta cultura familiar, sociedade,
educação e outros. Existem, ainda, algumas ameaças reais que são
representadas pela violência urbana; drogadição; promiscuidade; a precoce
liberação do sexo.

Devemos lembrar que o papel do terapeuta não é de conselheiro, ou de um


julgador, mas sim, o de conciliador, o qual deve manter-se neutro (não é o
mesmo que indiferente) e exercer a função de melhor a comunicação entre os
pais e seus filhos adolescentes.

DIAGNÓSTICO e/ou BODE EXPIATÓRIO

9) O paciente adolescente encaminhado por educadores, pais ou cuidadores,


ou até instituições, muitas vezes, já chegam ao consultório diagnosticados por
estes que o encaminharam, e também, na maioria das vezes, não coincide
com o nosso diagnóstico. Existe, ainda, o risco do paciente assumir o papel de
ser o paciente identificado do grupo que o encaminhou, sob forma de “bode

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expiatório” de todas as mazelas, praticando e assumindo os sintomas


identificados e conferidos a ele.

SEXUALIDADE

10) Quanto à identidade sexual, temores e fantasias, surgem freqüentemente,


gerando estados de angústia e ansiedade do adolescente.

Na atuação do analista cabe desmistificar (quando não feito pelos pais) as


condições atuais da sexualidade adolescente, assumindo um “papel docente
provisório”, subsidiando estruturas psíquicas e gerando autoconfiança e
segurança, minimizando as angústias e ansiedades pertencentes a este tema.

DESPERSONIFICAÇÃO

11) Mediante a tantas mudanças, de todas as ordens, é comum sintomas


característicos de um sentimento de despersonalização. O consumo de drogas,
conduta de riscos, o uso freqüente de mentiras, caracterizam este estado.

A posição esquizoparanóide nesses casos se faz presente, bem como o estado


psíquico de egossintonia. Aqui o analista deve agir buscando o estado de
egodistonia, levando o adolescente ao estado de reflexão, tentando colocá-lo
na posição dos outros de seu convívio.

AÇÃO x FALA

12) A instabilidade do adolescente em suas posições faz com que devamos


observar, predominantemente, o que ele de fato faz com o que ele diz,
marcando esta dissociação, promovendo evidências substanciais para futura
elaboração.

A COMUNICAÇÃO

13) A utilização de desenhos, jogos, etc., como instrumentos de comunicação,


poderão fazer parte do processo terapêutico, sendo certo que os mesmos são
usados como recursos transitórios, considerando como meta final, o
desenvolvimento da comunicação, a qual entendemos ser a mais madura, isto
é, a de verbalização de idéias e sentimentos, por meio dos símbolos das
palavras.

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O ABSTRATO E O CONCRETO

14) O silêncio é uma característica bastante freqüente na adolescência,


principalmente na fase inicial de atendimento. Devemos entender que neste
momento de vida, existe a dificuldade da abstração, e conseqüentemente,
transformar sentimentos e idéias em discurso, é algo desafiador para
adolescente. Neste momento, a linguagem do analista deve se aproximar da do
adolescente – sem as gírias comuns, cujo objetivo é parecer que ele, o
analista, pertença ao mundo do adolescente – o suficiente para se fazer
entender no plano da comunicação verbal. Assim, a fala literal e objetiva deve
predominar, respeitando o silêncio com um espaço próprio do adolescente, e
fortalecendo o vínculo para posterior ponte de enriquecimento verbal.

FORMAS DE EXPRESSÃO

15) A linguagem não-verbal deve ser observada pelo analista como um


material para futura interpretação, promovendo, a posteriori, uma produtiva
elaboração. Esta linguagem pode surgir em forma de gestos, roupas,
penteados, tatuagens, etc., cabendo ao analista decodificar estes símbolos e o
que os sustentam, com o objetivo de elucidar para ambos (analista e paciente)
o sentido desta forma de expressão.

16) É inegável que, muitas vezes, o analista seja invadido por sentimentos
contratransferenciais, desde a identificação com o paciente, ou com os
familiares, até a inveja da mocidade e de uma maior fruição de prazeres que
seu jovem paciente curte, aquilo que ele, terapeuta, gostaria de curtir, mas não
está mais em seu tempo. Assim, podemos afirmar que a idade ideal do
terapeuta de adolescentes não existe, existe sim, o preparo necessário para o
atendimento.

17) As regras técnicas básicas aplicadas aos adultos, tais como, a livre
associação de idéias, atenção flutuante, neutralidade, devem se manter as
mesmas no manejo com adolescentes, aplicando, sempre, um cuidado
especial para não inibir a espontaneidade, criatividade ou até excentricidade
algumas vezes apresentadas pelo adolescente, buscando desenvolver a

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capacidade para realizar um aprendizado com as experiências, as boas e as


más.

18) É de suma importância ressaltar o aspecto de que o adolescente ainda está


em pleno processo de incorporação de novos modelos de identificação, que,
em seu conjunto vão definir a sua identidade. Assim, o modelo real,
representado pela pessoa do analista, adquire uma importância especial, no
que diz respeito às formas de como ele pauta a sua conduta, com verdades,
coerência e respeito pelas diferenças; de como enfrenta situações
angustiantes; como ele desenvolve seu pensamento e linguagem.

Cabe alertar, enquanto analista, a existência narcísica de nossa personalidade,


que manifestada demasiadamente irá ocupar o papel de ideal do ego, e, assim,
de reforçar o ego ideal do paciente adolescente, sobrecarregando-o com um
excesso de expectativas a serem cumpridas por ele, o que vai reforçar ainda
mais, uma possível prévia identificação patogênica, provinda dos desejos em
discurso dos pais narcisistas, despersonificando o sujeito em desenvolvimento.

Consideramos importante mencionar Otto Kernberg no manejo com


pacientes adolescentes com diagnostico Borderline, Acreditamos que o manejo
sugerido também possa ser utilizado em outras psicopatias mais severas.

Os elementos gerais propostos por Otto Kernberg em seu trabalho


Psicoterapia psicanalítica com adolescentes borderline ( Outeiral, 1993)
compreendem:
1. A elaboração sistemática da transferência negativa manifesta e latente, sem
procurar a completa reconstrução genética de suas motivações, seguida do
desvio da transferência negativa manifesta para fora da internação
terapêutica, mediante seu exame sistemático nas relações do paciente com
os demais.
2. A necessidade de ressaltar e interpretar a utilização das defesas primitivas:
cisão, idealização primitiva, identificação projetiva etc. Assim, o terapeuta
procurará ajudar o paciente a integrar seus objetos internos, permitindo a
construção de um objeto total.
3. O setting deverá se estruturar de tal maneira que o acting out do paciente
seja controlado. Isso se obtém colocando limites no início do tratamento. O

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paciente é comunicado de que não será permitido nenhum tipo de agressão


física ao terapeuta ou aos objetos de consultório, levantando-se inclusive a
necessidade de hospitalização.
4. Como o objetivo básico é a integração dos estudos egóicos dissociados e o
método escolhido é a interpretação sistemática das defesas primitivas que
mantêm a cisão, o terapeuta deverá fazer uma abordagem seletiva dos
aspectos da transferência e da vida do paciente, nos quais se evidenciam
suas defesas patológicas.
5. A transferência positiva somente será interpretada quando a vinculada com
defesas primitivas como a idealização.
6. Sugere também a estimulação de modalidades de expressão mais
adequadas á realidade, para os conflitos sexuais que , devido á
condensação patológica da agressão pré-genital com as tendências
genitais, dificultam a adaptação do paciente; dito de outra forma: procurar-
se-á libertar a capacidade de desenvolvimento genital mais maduro das
intrincações com a agressão pré-genital.
Otto Kernberg enfatiza também e desenvolve aspectos relacionados ao
estabelecimento do setting e a fase inicial do tratamento, assim como as
questões relacionadas com os fenômenos transferênciais e contra
transferênciais. Para ele é paradoxal que quanto mais perturbado for o
adolescente tardio, tanto mais o tratamento deve assemelhar-se ao do paciente
adulto. Para os menos graves, o tratamento deve enfocar inicialmente as
tarefas desenvolvimentais da adolescência. Também considera que existe uma
clara evidência, a partir das pesquisas e do contexto clínico, de que os
adolescentes com distúrbio de conduta vêm de famílias severamente
patológicas. Ele esclarece que existe sempre a questão da dificuldade de se
saber até que ponto a adolescente simplesmente reflete a grave patologia
familiar ou um problema estrutural interno.
Ao comentar a questão específica do atendimento familiar o autor reflete
que: com o propósito de conduzir a psicoterapia psicanalítica, conforme
definida, considero crucial, entretanto, que o psicoterapeuta tenha um
relacionamento exclusivo com o adolescente e que a terapia familiar, caso for
indicada, seja feita por outro terapeuta. Se o paciente tiver que ser envolvido
nessa terapia, o terapeuta de família deve obter a autorização do adolescente e

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de sua família par transmitir suas observações ao psicoterapeuta do paciente.


(Outeiral, 1993).

Esperamos que estas sugestões sobre o manejo, assim como todo o


conteúdo deste trabalho possa vir a contribuir com todos aqueles que se
aventurarem na prática clinica do adolescer, sem dúvida estamos distantes de
abarcar todo o conteúdo necessário para elucidarmos este processo, a meu ver
“sempre em atraso”, com relação a produção de práticas teóricas referentes a
esse tema, mas continuaremos tentando pelo menos acompanhar sua
evolução.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Médicas, 1982.

FREUD, S. – Obras Completas Novas Traduções, Imago, RJ-2006.

GUTIERRA, BEATRIZ C. C. – Adolescência, Psicanálise e Educação. São Paulo,


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MATHEUS, T. C. – Adolescência, Clinica Psicanalítica. São Paulo, Casa do Psicólogo,


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FREUD, ANNA – O Ego e os Mecanismos de Defesa, 8ª Ed., Civilização Brasileira,


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