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72 Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 28, maio-ago.

2012

A construção histórica da adolescência

The historical construction of adolescence

Por Luciano de Carvalho Lírio


Bacharel em Teologia (SETECERJ)
Licenciado em História (UERJ)
Especialista em História Moderna (UFF)
Mestrando em Teologia (EST)
Bolsista CAPES
lucianomission@yahoo.com.br

Resumo: Abstract:
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a construção The present work proposes a reflection on the construction
do conceito/condição da adolescência através da história. of the concept condition of adolescence through history. I
Reconheço que o adolescente é um ser biológico e também recognize that the teenager is a biological and also social and
social e ao contrário dos demais seres da natureza o ser unlike other beings of nature man is able to produce yourself
humano é capaz de se produzir a si mesmo como sujeito. É as a subject. It is necessary to recognize the habits that will be
necessário reconhecer os hábitos que serão produzidos a produced from these psychosomatic changes in adolescence
partir dessas mudanças psicossomáticas na adolescência a from the individual’s inclusion at puberty to study the
partir da inclusão do indivíduo na puberdade para estudar os concepts of representation that evoke a multitude of
conceitos de representação que evocam uma multiplicidade de meanings in history of mankind.
significados na história da humanidade.

Palavras-chave: Keywords:
Adolescência. Puberdade. História. Identidade. Adolescence, Puberty, History, Identity.

liquidez, segundo Bauman,2 busco como referencial


Introdução teórico-metodológico as contribuições da
Psicologia, da Sociologia, das Ciências Biológicas e
A adolescência não é um simples momento de
sua articulação com a Teologia e a Pedagogia sob a
espera até a vida adulta, não é apenas a passagem da
perspectiva pós-moderna.
infância para a juventude, mas “um período de
readaptação, de formação e da identificação da Adoto o termo adolescente segundo a
identidade do sujeito”.1 Dessa busca em Organização Mundial de Saúde, que estabelece a
compreender o que significa ser adolescente e o adolescência entre os 10 e os 19 anos de idade, por
que é a adolescência que me dedico a pesquisar contemplar os aspectos biossomáticos da
sobre esse ser inteiro que nem é uma criança adolescência fundamentais na pesquisa. Considero
crescida nem um adulto que ainda precisa insatisfatória a faixa etária entre 12 a 18 delimitada
amadurecer. no ECA, por considerar que essa demarcação etária
é fruto de uma ação legalista do Direito que
É um conceito escorregadio o
identifica o fim da adolescência com a maioridade
conceito/condição da adolescência em tempos de
civil no Brasil e incompleta pois subtrai os dois

1 ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: 2 BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge
Jorge Zahar, 1972. p. 20. Zahar, 2007. p. 5.

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primeiros anos da fase inicial da adolescência onde o ritual. Representa desta maneira um
se iniciam as transformações corporais e as momento essencial de transformação,
transposição e auto-afirmação pelas quais o
alterações psíquicas como frutos do início da
adolescente vai vivenciar, aquilo que era novo
puberdade e os dois anos finais, caracterizados pela deixará de ser, dando lugar para novas
inserção do adolescente no mundo adulto. experiências e vivências que contribuíram para
seu amadurecimento. 6
A construção histórica da adolescência
Não pretendo unificar adolescência com
Embora o conceito/condição adolescência puberdade, o que seria um erro, pois não se tratam
como uma fase distinta e intermediária entre a de palavras sinônimas. A adolescência engloba além
infância e a idade adulta seja algo contemporâneo dos aspectos biológicos da puberdade os elementos
ao século XX ocidental, o advento da puberdade psicossociais próprios dessa fase, influenciados por
como fenômeno fisiológico desencadeador das aspectos culturais, mas que não são deflagrados
mudanças físicas e comportamentais que indicavam apenas pelos impulsos fisiológicos. A mídia com o
a entrada da criança no mundo dos adultos era o objetivo de produzir consumidores vem exigindo
acontecimento mais relevante nas culturas antigas.3 condutas de adolescente e jovem adulto em
crianças de oito, nove, dez anos de idade.7
Adolescência e puberdade
A puberdade é um parâmetro universal ao ser
Segundo Erikson,4 o desenvolvimento humano humano impregnado de valores morais e éticos
inicia-se no biológico e evolui através do individual mesmo naquelas culturas que não reconhecem a
e do social, ou seja, existe um gatilho fisiológico adolescência socialmente. É mais que um puro
que desencadeia as transformações biopsicossociais indicador biológico. A puberdade também serve
que são produzidas ao longo da vida do indivíduo, como um sinalizador de ritos de iniciação, escolhas
transformando-o em sujeito. de papéis e de construção de relações para a vida
adulta do sujeito. É a fase da morte ritual da criança
A puberdade é um elemento fundamental para
e o nascimento do ser adulto.
compreender a construção histórica e social da
adolescência por possibilitar a inserção do A puberdade engloba o conjunto de
indivíduo no mundo do adulto como um rito de modificações biológicas que transformam o
passagem orgânico e natural, mas ao mesmo tempo corpo infantil em adulto, constituindo-se em
uma construção social e histórica capaz de fixar um dos elementos da adolescência. A
limites e manter a ordem social e simbólica.5 puberdade é constituída pelos seguintes
componentes: crescimento físico: aceleração,
A partir da leitura e interpretação das marcas, desaceleração, até a parada do crescimento (2º
signos e impressões que as diversas culturas fazem estirão); maturação sexual; desenvolvimento
dos órgãos reprodutores e aparecimento dos
nesses fenômenos de transformações resultantes do
caracteres sexuais secundários; mudanças na
processo de maturação sexual do ser humano, composição corporal; desenvolvimento dos
denominada puberdade é que podemos identificar e aparelhos respiratório, cardiovascular e
analisar o sujeito no seu momento de formação e outros.8
de identificação da identidade.
Esse universo simbólico interfere na
Os rituais de passagem são marcados por puberdade imprimindo-lhe signos, marcas e
cerimônias de separação (preliminares) e de significações. As transformações pubertárias são
agregação (pós-liminares), apresentando na ressignificadas no contexto histórico em que o
interface desses dois momentos distintos, um
período de liminaridade, no qual se estabelece
6 BRÊTAS, José R. S. Os rituais de passagem segundo adolescentes.
3 SANTOS, T. M. Noções de psicologia do adolescente. São Paulo: São Paulo: UNIFESP, 2008. p. 405.
Companhia Editora Nacional, 1996. p 30. 7 OUTEIRAL, J. Conhece-te a ti mesmo. São Leopoldo:
4 ERICKSON, 1972, p. 25. Unisinos, 2002. p.15.
5 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio 8 CODEPPS. Manual de Atenção à Saúde do Adolescente.
de Janeiro: DP&A, 2000. p. 7. São Paulo, 2006. p. 17.

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indivíduo está inserido, embora ela ocorra como exercer plenamente todas as responsabilidades de
fenômeno biológico de maneira semelhante em um adulto era sempre considerada como um
todos os indivíduos da espécie humana período crítico. O juvenil é retratado pelas culturas
independente do seu contexto histórico-social.9 antigas como naturalmente arredio e avesso aos
bons costumes, alguém incapaz de escolher o bem
A adolescência e a puberdade se relacionam na
sem os conselhos dos mais velhos:
ordem orgânica e psicológica, mas a sexualidade
pode ser antecipada ou sublimada temporariamente Nossa juventude [...] é mal educada, zomba da
tanto por elementos construídos culturalmente autoridade e não tem nenhuma espécie de
quanto pela significação que o indivíduo atribui ao respeito para os mais velhos. Nossas crianças
seu próprio corpo e à sua alma. Segundo a de hoje [...] não se levantam quando um
Organização Mundial de Saúde (OMS): ancião entra numa sala, respondem a seus pais
e tagarelam em lugar de trabalhar. São
simplesmente más (Sócrates, 470-399 a.C.).13
A sexualidade é um aspecto central do bem-
estar humano, do começo ao fim da vida,
envolvendo sexo, identidade de gênero,
O moço é considerado um ser desprovido da
orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade sabedoria adquirida com os anos da idade. O jovem
e reprodução.10 tinha ao ser favor apenas a robustez e a beleza
típicas da juventude.
Foucault menciona que no Ocidente durante
Idade Moderna, por influência das reformas Esta juventude está corrompida até o mais
religiosas, multiplicaram-se os discursos sobre o profundo do coração. Os jovens são
sexo com o intuito de escondê-lo, tratando-o como malfeitores e preguiçosos. Não serão nunca
como a juventude de antigamente. Os de hoje
pecado ou uma patologia. A sexualidade é talvez o não serão capazes de manter nossa cultura
dispositivo histórico, a invenção social que mais (escrito num jarro de argila nas ruínas de
produz “verdades” impregnadas de valores morais, Babilônia, mais de 3.000 a.C.) 14
sociais, religiosos, econômicos e históricos.11 Zucco
afirma que não existe um padrão universal de A própria Bíblia colabora com essa visão de
sexualidade: que os jovens não sabem aproveitar a juventude: no
livro de Gênesis o próprio Deus afirma que o
A sexualidade está impregnada de convenções coração do homem é mal desde a sua juventude, o
culturais que modelam as relações sociais e Eclesiástico declara que a adolescência e a
sexuais de adolescentes, jovens, adultos, juventude não passam de vaidade, Paulo adverte os
idosos e assume formas e significados
distintos, de acordo com a cultura na qual está moços para que fujam dos desejos maus da
inserida. Há variações na dinâmica social mocidade.
dentro de uma mesma comunidade, segundo a
ideologia, a origem social, a religião, os valores
Na Antiguidade a sabedoria era sinônimo de
e as crenças das famílias.12 bagagem de conhecimento teórico, mas o conjunto
de experiências práticas vividas e adquiridas ao
A adolescência através da história longo da vida, refletidas no valor humano que o
indivíduo pudesse administrar na sua vida e para
Na Antiguidade, com raras exceções, a fase com aqueles com quem ele tivesse contato, algo
anterior ao momento que o indivíduo passava a considerado ausente nos moços. Por isso, Paulo
escreve a Timóteo para que ninguém o despreze
9 MATHEUS, T. C. Quando a adolescência não depende da por ser jovem. Platão dedicou o Livro III da
puberdade. Revista Latino-Americana de Psicopatologia República à instrução da mocidade.
Fundamental, São Paulo, 2008, p. 617.
10 LIMA, J. D. O despertar da sexualidade na adolescência. Rio de
Janeiro: EDUFRJ, 2000. p. 11.
11 FOUCAULT, M. A história da sexualidade. Rio de Janeiro:
Graal, 2003. p. 45. 13 LIBANIO, J. B. Jovens em tempo de pós-modernidade. São
12 ZUCCO, L. Sexualidade na adolescência no novo milênio. Rio de Paulo: Loyola, 2004. p. 33.
Janeiro: EDUFRJ, 2000. p. 45. 14 LIBANIO, 2004, p. 33.

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O conflito de gerações, que muitos consideram de valores importantes socialmente que o validava
um construto da modernidade, está presente nos moralmente para aquela comunidade.
escritos antigos de várias culturas e civilizações. Um
sacerdote egípcio escreveu a cerca de quatro mil Exemplo era a barbatoria, cerimônia que se
seguia ao primeiro barbear do rapaz, sendo
anos que “este mundo atingiu um estágio crítico.
que o pêlo era a prova de que a criança
As crianças não escutam mais seus pais. O fim do tornara-se homem e, então, a qualidade da
mundo não pode estar longe”.15 agressividade poderia ser cultivada,
objetivando a boa formação do guerreiro.17
Tanto na Antiguidade quanto na Idade Média
não existia o conceito contemporâneo do que Na Europa Medieval a figura juvenil está
chamamos de adolescência. Esta era confundida presente em todos os momentos da vida em
com a infância ou com o adultidade jovem, sociedade: nos jogos, nas brincadeiras, nos serviços,
denominada em Roma de juventus. A troca das nas tavernas e inclusive nas execuções, tanto como
vestes de criança para as de um adulto era marcada protagonista quanto como testemunha e plateia.
por um ritual de passagem que variava tanto em Isso ocorria como uma medida didática no intuito
costumes quanto em faixa etária, mas que eram de ensinar uma vez que toda a educação acontecia
sempre pontuados pelos sinais visíveis da entrada através da aprendizagem no contato de cada dia.
do sujeito na puberdade, ou seja, os caracteres
sexuais secundários como o aparecimento de pelos Em uma sociedade em que os corpos assumem
nas axilas, na genitália, na face dos meninos e o papéis definidos e que a correção para qualquer
amadurecimento dos órgãos sexuais. desvio era feita através da violência, havia a
preocupação dos progenitores em não privar os
A Roma Antiga até o século II a.C. não seus filhos dessa formação a céu aberto. O
conheceu esse período de idade que hoje adolescente é por definição o aprendiz. Na Idade
chamamos de adolescência e juventude. Fazia- Média a distinção entre o público e o privado ainda
se uma passagem direta da idade infantil para não estava totalmente delimitada em todos os
a adultidade por meio do rito cívico-religioso.
As três idades eram infância, adultidade e espaços. Não havia uma lei que regesse as relações
velhice que chegavam bem precocemente.16 humanas em um espaço mais globalizado, devido a
barreiras linguísticas, culturais e regionalismos
A relação familiar era permeada pelo feudais.
sentimento de posse onde o filho ganhava ou
perdia o direito de ser filiado e herdar os bens da A partir do Renascimento, a adolescência
família. Tanto na Grécia quanto em Roma os perde progressivamente, o seu prestígio social.
Pelo menos, nenhuma solenidade assinala o
meninos eram colocados bem cedo aos cuidados de
seu aparecimento, o que nos leva a presumir
amas, preceptores ou do Estado como no caso de que a importância psicológica e social da
Esparta. adolescência não seria reconhecida pelo
mundo moderno.18
Na Idade Média era comum enviar as crianças
após o desmame, que ocorria entre os seis aos oito Com a Revolução Industrial a formação desse
anos de idade, para passarem por igual período que jovem passa a ser mais controlada e direcionada
hoje denominaríamos de adolescência na casa de onde a educação prática passa a substituir a
algum artífice ou profissional a fim de aprenderem formação mais especializada e mais teórica. A
boas maneiras. O objetivo era funcional, prepará- educação começa a ter uma base escolar, a família
los para assumir as funções inerentes a sua passa por uma reconfiguração, tornando-se
respectiva classe social, e o cerimonial, por mais gradativamente nuclear em vez de extensiva, o que
simples que fosse, vinha carregado de significação começa a proporcionar uma maior intimidade
maior entre pais e filhos.
17 ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de
15 LIBANIO, 2004, p. 34. Janeiro: LTC, 1981. p. 52.
16 LIBANIO, 2004, p. 36. 18 SANTOS, 1996, p. 35.

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Ainda que a adolescência não tenha sido ditados e elaborados para e pelos jovens. Talvez o
instituída como uma fase intermediaria entre a século XXI tenha iniciado com uma busca pela sua
infância e a fase adulta durante o Antigo Regime, os compreensão e entendimento ímpar da figura do
seus aspectos psicossomáticos são explorados, adolescente em comparação com os demais, o que
dramatizados e imortalizados na literatura moderna não significa a sua valorização.
com Hamlet e Romeu e Julieta de Shakespeare; Emílio
de Rousseau; Werther de Goethe, Paulo e Virgínia de Concepções sobre adolescência
Saint-Pierre. Sem esquecer-se daquele que é
Há muita disparidade de pontos de vista
considerado por muitos como a primeira
quanto ao início e o término da adolescência. O
personificação do adolescente moderno: Siegried de
consenso é maior quando falamos sobre o começo
Wagner.
da adolescência, pois esta fase está interligada com
Na Idade Moderna observamos a construção o início da puberdade. Mas o grande problema é
das ideias/conceitos de privado, coletivo e tentar fixar uma data para o seu término, uma vez
civilidade o que propicia a criação dos limites entre que as concepções/conceitos variam entre as
a esfera pública e a privada. O ambiente familiar, as disciplinas e campos de conhecimento.
relações interpessoais e a sexualidade lentamente
Tanto a psicologia quanto a psicanálise
são reconstruídas e direcionadas por um grande
defendem ser imprudente fixar universalmente
arco que denominamos Absolutismo ou Antigo
idades específicas para esse período da vida do
Regime que utilizando de elementos morais,
sujeito, por vários motivos: com os avanços da
religiosos, sociais e econômicos interconectados vai
medicina observamos que a idade cronológica por
configurando a juventude moderna.
vezes é um indicador deficiente da idade biológica.
Se na Idade Média os contatos da família com A adolescência precisa ser trabalhada
os seus rebentos não são muito grandes, durante a individualmente, e pelos sexos. É necessário fugir
Idade Moderna a aristocracia manteve-se, através das generalizações sobre o conceito/condição
de outros recursos distantes dos seus infantes. A adolescência por serem fruto de um ponto de vista
burguesia é que gradativamente soube trabalhar errôneo baseado na cultura do senso comum, que
melhor essa relação de proximidade com as suas visualiza o adolescente pelo simples aspecto
crianças e os seus jovens. fisiológico com capacidade adquirida de procriar.
No século XVIII surgem as primeiras O primeiro estudo significativo sobre a
tentativas de definir a adolescência, mas foi apenas psicologia da adolescência data de 1904 e foi
no século passado que se solidificou a realizado no Granville Stanley Hall, considerado o
condição/conceito de adolescente com que pai da psicologia da adolescência.
trabalhamos atualmente.
Autores como Muuss (1976), Sprinthal e
A antropóloga Margareth Mead, realizou Collins (1994) e Ferreira (1995), referem que
estudos de 1925 a 1933, sobre alguns povos Hall postulava que na adolescência o
primitivos dos Mares do Sul, entre eles os indivíduo passava por um novo nascimento,
nativos da ilha de Samoa. Para divulgar suas marcado por mudanças significativas, que
descobertas Mead escreveu o livro culminavam numa nova personalidade,
“Adolescencia y cultura en Samoa” (1939).19 diferente da personalidade da infância. Essas
mudanças eram consequências da maturação
O século passado foi o “século da sexual, sendo, portanto de origem biológica.
adolescência” onde o adolescente foi alçado à Ele denominou esse período de tempestade e
tensão, caracterizado por anomalias de
categoria de herói do século XX. Vimos o
comportamento que se modificavam à medida
surgimento de uma consciência etária à oposição que o indivíduo alcançava a maturidade
jovem/não-jovem. A moda e a cultura passam a ser sexual.20

19 FERREIRA, Manuela. Adolescências... Adolescentes...


Revista Educação, ciência e tecnologia, Portugal, 2002, p. 143. 20 FERREIRA, 2002, p. 144.

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Em 1909 Willian Healy criou um Instituto de interpreta a adolescência como uma fase de
Psicopatia Juvenil e em 1915 ele publicou o experimentações sem grandes cobranças. Os
primeiro estudo sistemático de fatores autores portugueses Amaral Dias e Nunes Vicente
psicodinâmicos na delinquência juvenil. Freud consideram a adolescência “como um período de
escreveu em 1905 sobre transformações em espera (moratória) concedido ao adolescente,
objetivos e objetos sexuais ocorridas na puberdade. enquanto não se encontra com aptidão para
Ele foi o primeiro a ressaltar o desligamento satisfazer os compromissos adultos”.24
psicológico do adolescente em relação aos pais
como uma experiência de luto, porém fundamental A adolescência acaba quando o indivíduo
encontra um objeto de amor não-incestuoso e
para o desenvolvimento do ser humano e da
a ternura e os impulsos sexuais são dirigidos
sociedade, pois o vir a ser adulto seria o fruto desse para este mesmo objeto, visando gratificação
desligamento: sexual genital, isto é, quando a sexualidade
está completamente integrada na
Na puberdade, quando o instinto sexual faz as personalidade. 25

suas primeiras exigências, o antigo objeto


familiar incestuoso é retomado de novo e Para Fountain a adolescência se encerra
carregado de libido [...] A partir daí, o quando o jovem consegue se ver e compreender a
indivíduo humano tem de dedicar-se à tarefa si próprio e ao mundo que está a sua volta de
de se separar dos seus pais, e, até que esta
tarefa não esteja cumprida, ele não pode maneira independente daquele esquema edipiano
deixar de ser criança e não pode tornar-se original. Josselyn afirma que psicologicamente a
membro da comunidade social. Para o rapaz a adolescência termina quando o indivíduo está
tarefa consiste em separar os seus desejos plenamente capacitado para tratar com os conflitos
libidinais da mãe empregando-os na escolha internos e externos típicos da vida adulta.
de um objeto de amor exterior.21
Erikson institucionalizou a adolescência,
Em 1928, Hollingworth publica o segundo dando continuidade a um processo de naturalização
grande texto de psicologia da adolescência e em e universalização, definindo-a como uma fase
1934, Sheldon e Eleanor publicam o primeiro especial no desenvolvimento humano onde o
estudo em massa sobre a delinquência juvenil. Mas adolescente acobertado pelo conceito de moratória
segundo Weiner, “o comportamento do viveria como um estrangeiro, um forasteiro, alguém
adolescente ainda não foi totalmente explicado”.22 de passagem que assumiria e descartaria múltiplos
Vários autores acreditam que a adolescência se papéis até formar a sua própria identidade. Para
estende além do ingresso na Universidade e Erikson o passaporte para ingressar no país dos
perpassa a juventude até o momento em que o adultos é a construção da própria identidade. A
indivíduo torna-se capaz de resolver com as formação da identidade pessoal, na opinião de
situações inerentes ao mundo adulto. Essa é uma Erikson, é a tarefa mais importante da adolescência
visão de transitoriedade que alimenta a teoria da que é definida por ele como “um modo de vida
adolescência tardia ou prolongada na geração entre a infância e a vida adulta”.26
“canguru”, que reluta em sair da casa dos pais o Knobel introduziu a noção de “síndrome
que retorna para ela, privando-se da liberdade plena normal de adolescência” caracterizada por uma
de adulto em troca da segurança emocional, sintomatologia que inclui:
econômica e patrimonial. Ressuscitamos o Leviatã
de Hobbes! busca de si mesmo e da identidade; 2)
tendência grupal; 3) necessidade de
Para Hurlock23 o indivíduo só alcança a
intelectualizar e fantasiar; 4) crises
maturidade legal aos 21 anos, pois ele também religiosas, que podem ir desde o ateísmo
21 FERREIRA, 2002, p. 147.
22 DINAH, Martins S. C. Psicologia da adolescência. Rio de 24 DINAH, 1975, p. 12.
Janeiro: Vozes, 1975. p. 11. 25 DINAH, 1975, p. 12.
23 DINAH, 1975, p. 12. 26 ERIKSON, 1976, p. 128.

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mais intransigente até o misticismo mais adolescência oferecido pela psicologia clássica,
fervoroso; 5) deslocalização temporal; 6) como a psicologias positiva que busca investigar
evolução sexual manifesta; 7) atitude aspectos saudáveis nessa fase como a resiliência, ou
social reivindicatória com tendências anti seja, a capacidade de superação e adaptação às
ou associais de diversa intensidade; 8) adversidades, mas ainda sob uma visão
contradições sucessivas em todas as
naturalizante das capacidades humanas.29
manifestações de conduta, dominada pela
ação, que constitui a forma de expressão Para a sociologia funcional a adolescência
conceitual mais típica deste período da inicia com os fatores fisiológicos da puberdade e as
vida; 9) separação progressiva dos pais e transformações psicossociais que eles ocasionam
10) constantes flutuações de humor e do no indivíduo e termina quando o sujeito é capaz de
estado de ânimo.27
realizar cinco tarefas: concluir os estudos, ter
Na interpretação do neurocientista Houzel a sustento próprio, sair da tutela dos pais, casar e ter
adolescência filhos. Essa teoria falha, pois nem sempre o jovem
terá condições de realizar simultaneamente e nem
é o período de transição nas capacidades mesmo sucessivamente todas essas tarefas numa
cognitivas, emocionais e sociais do cérebro ordem sequencial; que diferentes sociedades
que permite que o indivíduo se torne um imprimem padrões comportamentais distintos e a
membro adulto da sociedade, aonde o cérebro
se torna capaz de lidar com as competências
adolescência é caracterizada pela “ambivalência
reprodutivas adquiridas na puberdade e suas entre dependência e autonomia dos pais”.30
consequências. Ainda que as mudanças sejam A teoria sócio-histórica nega a universalidade
exibidas no corpo, quem dispara e coordena a
adolescência é o cérebro.28 da adolescência e desconsidera-a como uma fase
naturalmente intermediária entre a infância e a fase
O gatilho para disparar esse processo no adulta. Ela interpreta a adolescência como um
cérebro seria na opinião de Houzel o aumento dos momento significado, interpretado e construído
níveis de leptina produzido pelo tecido adiposo, ou pelo ser humano. É um fato social e as marcas que
seja, o aumento nos índices de massa corporal o adolescente carrega são interpretadas segundo a
ligado a quantidade de gordura corporal do sociedade em que ele está inserido e por isso só
indivíduo. O fenômeno de a puberdade acontecer podem ser compreendidas naquele contexto. A
mais cedo nas meninas poderia ser explicado pelo valorização ou a desvalorização dos sinais típicos da
fato delas alcançarem um teor de gordura em média puberdade, ainda que ocorram na ordem biológica
dois anos mais cedo que os meninos. A interação são significados e ressignificados de maneira
entre leptina, hipotálamo, hipófise, gônadas vai dos distinta no tempo e no espaço.
dez aos quarenta anos de idade. O crescimento dos seios para uma jovem
ocidental urbana não é interpretado num primeiro
Considerações finais
momento por ela como a sua capacidade natural
Para a psicologia a adolescência é considerada para amamentar o futuro filho. A força física dos
quase sempre como uma fase natural do rapazes atualmente é mais um símbolo de beleza e
desenvolvimento da pessoa. Por isso, tem sido estética do que aptidão para o serviço braçal ou a
acusada de ter naturalizado e universalizado a capacidade para empunhar uma espada ou lança. A
adolescência. Alguns estudos vêm rejeitando o concepção sócio-histórica, ao analisar a
conceito negativo e pré-estabelecido de adolescência, não se preocupa em perguntar “o que
é adolescência”, mas em pesquisar como ela é
construída.
27 FREITAS, Maria V. (Org.). Juventude e adolescência no Brasil:
referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005.
p. 29. 29 Resiliência é frequentemente referida por processos que
28 Disponível em: <http:// explicam a “superação” de crises e adversidades em
extensão.cecierj.edu.br/saladeaula/mod/resource/view.ph indivíduos, grupos e organizações.
p?id=7912>. Vários acessos. 30 FREITAS, 2005.

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É uma fase de ajustamento que exige do A dualidade corpórea, neural, psíquica precisa
adolescente um espaço/tempo para que ele possa ser recuperada dentro dos Estudos Culturais
fazer uma mediação entre a ação provocada pelas mantendo, porém, um olhar clínico sobre a
mudanças fisiológicas e as influências da estrutura adolescência afim de que o termo adolescente não
social em que está inserido, como o ajuste corporal seja simplificado a uma questão cultural. Neste
promovido pelo crescimento puberal e a trabalho também são citadas concepções
identificação de pares. mentalistas e interiorizações psicológicas, sem
apresentar a adolescência como uma essência
universal permanente e acabada.

[Recebido em: janeiro 2012 e


aceito em: agosto 2012]

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